ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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29.4.13
(url) 27.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (10)
O alvo do Presidente da República devia ter sido a unidade do governo e da coligação, duas coisas distintas e em ambas em crise. Nada impedia o Presidente de dizer alguma coisa do género: "é importante que os partidos do governo evitem dar sinais de divisão", ou "é preciso que o governo apareça junto dos portugueses como unido", ou mil e uma frases prudentes, cuidadosas, inatacáveis, e todas muito mais certeiras quanto ao risco de crise política a curto prazo do que as demandas do PS. Não o fez e atirou ao lado, para o mais fraco e o menos perigoso para levar à queda do governo. Agora está completamente comprometido com um governo que não tem unidade entre os partidos da coligação, em que há ministros em rota de colisão uns contra os outros, e em que considerações eleitorais e de "imagem" própria, dos partidos e das pessoas, começam a pesar cada vez mais.
Os adiamentos sucessivos do anúncio de medidas de austeridade, que é o dia-a-dia do "trabalho" governamental (e não o "fomento industrial", típico vocabulário salazarista como se pretende dar a entender) têm a ver com tudo isto. Ah! e também há o medo do Primeiro de Maio, depois de medo do 25 de Abril.
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REALIDADES DA SEMANA:
PASSOS QUER O ESPECTÁCULO DE UM “CONSENSO”;
Para Passos Coelho os desejos da troika são ordens. A troika não lhe diz para mudar a política por causa do PS, diz-lhe que é obrigação dele “envolver” o PS na política exigida pela troika, que é algo de muito diferente. A troika precisa de renovar o compromisso pós-memorando com o PS, não só porque este pode vir a governar a curto prazo, mas também porque os compromissos do PS são vitais para o cumprimento do programa já, limitando o isolamento do governo, levando a UGT a abandonar quaisquer veleidades de ir “representar os trabalhadores”, permitindo dar uma face “nacional” à política de resgate. A troika olha para além de Passos Coelho facilmente, já o faz menos em relação a Gaspar, e teme uma crise política que traria complicações ao seu poder, aqui e na Europa. É que a troika também sabe que às vezes as crises políticas aumentam o poder de negociação de uma das partes, contrariamente ao que se diz por aí, e essa parte não é necessariamente a da troika. Os aspectos políticos sobrepor-se-iam de imediato à tecnocracia e, também contrariamente ao que se diz, as nações da UE tem mais poder a nível político do que se deixarem envolver em receitas pseudo-técnicas. É preciso é exerce-lo, como a Irlanda, a Espanha, mesmo a Grécia e Chipre, tem feito, e Portugal não.
Voltemos ao “consenso”. Para já o uso da palavra “consenso” é um erro e um engano, o que se deveria estar a dizer é “negociação” se fosse a sério. O “consenso” é um resultado máximo de um processo que ainda nem sequer começou, ou no que começou foi interrompido. Pode inclusive haver “resultados” sem haver consenso que implica um acordo pleno, quase natural entre as partes. Ao se falar apenas do “consenso” atribui-se-lhe um valor quase mágico, como se não fosse preciso nada para lá chegar a não ser existir e sentar-se numa mesa.
Se o primeiro-ministro viesse dizer (fazer é outra coisa) que quer negociar com o PS, determinadas áreas da governação, ou seja co-governar, isso implicaria todo um tipo de atitudes que o governo nunca teve e também não está a ter. Por exemplo, apresentar ao PS propostas de medidas, as “boas” e as “más” e não só as “más”, antes de fazer compromissos com a troika. Isso não existe, nem Gaspar deixava, porque isso implicava perder o seu poder. O que acontece é que o governo compromete-se com a troika e depois quer o “consenso” do PS para encontrar formas de implementar as políticas já definidas, sem as contestar no contéudo. Elas são sempre apresentadas como inevitáveis, ou seja indiscutíveis, para o PS fica apenas ter um papel (e nem esse tem tido) de dizer se se corta nos professores ou nos enfermeiros, se se despede na função pública ou se aumenta as taxas moderadoras. Este tipo de “consenso” teria sido possível há dois anos, hoje é impossível.
Vir acenar com a “viragem” para a “economia”, - e uso as palavras entre aspas porque as uso no seu envenenado curso corrente, - também é poeira para os olhos. O governo pode vir a anunciar algumas medidas de efeito escasso e futuro na economia, mas aquilo a que dedica o grosso dos seus esforços é em aprofundar a austeridade com pacotes de cortes uns atrás dos outros, para tentar encobrir os falhanços das medidas anteriores, com um efeito recessivo sempre muito mais vasto, como aliás admite o Banco de Portugal. O que estraga é sempre muito mais profundo do que pretende ajudar a salvar.
É por isso que não há nem negociação, nem “consenso”. Ninguém o deseja, nem o governo, nem o PS. Passos Coelho precisa de colocar Seguro numa mesa consigo e tirar muitas imagens de televisão. Seguro vai lá e sai a dizer que está tudo na mesma, até porque era tão bom que as eleições fossem já. Esta é que é a realidade e não as onze incantações do “consenso”.
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Um novo ministro falou onze vezes em “consenso” numa conferência de imprensa para anunciar coisa nenhuma, e o arrebatamento do engano foi conseguido. Aliás não é muito difícil. Logo a seguir vieram as “histórias” sopradas: que o novo ministro estava a mudar tudo, objectivos, linguagem, intenções, uma “lufada de ar fresco”. Basta parar para pensar para se perceber que tudo isto é pura e simplesmente inverosímil. Um novo ministro, ainda por cima sem experiência qualquer de governo, entra no Conselho de Ministros sempre com prudência. Se é inteligente, vai aliás mais para ouvir e perceber do que para “entrar a matar”, começando a “mandar”.
Sim, porque aquilo que é descrito como o impacto da sua presença e intervenção é o de quem “manda”. Ora, a não ser em circunstâncias muito especiais, que em nada correspondem nem ao perfil do ministro, nem à atitude do primeiro-ministro de o pôr como homem forte do governo, essa atitude de “mando” geraria enorme controvérsia no Conselho de Ministros. Aqueles homens, por muito obedientes e agarrados ao lugar que estejam, - o que também não é verdade para alguns, - não iriam permitir que o parvenu fosse ali “revolucionar” a reunião, e implicitamente dizer-lhes que estão a fazer um mau trabalho. Por tudo isto, o papel do novo ministro não pôde nunca ter sido este.
Pode ter aconselhado ao Primeiro-ministro algumas atitudes e comportamentos, mas também nada que não seja o óbvio, e o esperável. Sendo esse conselho “fruta da época”, também não adiantaria muito. Entre a troika a dizer a Passos Coelho, no tom vago, abstrato e “estrangeiro” com que essas coisas podem ser ditas, que é preciso garantir o envolvimento do PS, e as opiniões de um ministro, mesmo salvífico, o Primeiro-ministro o que quer saber é do que a troika lhe diz. Portanto, quando ele lá chegou, já o “consenso” era a nova palavra de ordem.
E aqui é que entra o novo ministro, para dar uma face “política” engolida com gosto pela comunicação social que vive na superfície das coisas. Na verdade, não há problemas para os ministros aceitarem que o novo ministro “dê a cara”, que só ele pode dar visto que não tem passado de litígios parlamentares com o PS, e pode mais facilmente passar por “novidade”. Isso eles não só permitem como estimulam, até porque sabem que estas coisas não duram muito. Velhas raposas muitos deles, se há coisa que eles sabem fazer é este jogo de dança com a comunicação social. Eles sabem, como já escrevi noutro sítio, que a “novidade é a cenoura da comunicação social” e por isso só um ministro a recitar onze vezes a palavra “consenso” podia exercer esse efeito.
Mas e o “consenso”?
(url) (url) 25.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (9)
Quanto menos se pode ou se quer falar do presente, vai-se ao útil baú das citações. Nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia chovem citações por todo o lado: Shakespeare, Habermas, Kant, Saramago, Sophia, Arendt, e muitos mais. A Wikipedia reina. Quanto mais se cita, menos se diz. (url) 23.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (8)
Entrar num governo, seja como governante ou assessor, uns dias depois de insultar os seus responsáveis políticos com nomes feios, de pedir a sua demissão, de os mandar ir para outro lado, de proferir aquelas frases taxativas e sem nuances que só se podem escrever quando se está disposto a tirar daí consequências, ou seja, a perder alguma coisa por as dizer, é-me de todo incompreensível. Faz-me vergonha pelos outros, pelo débil carácter que revelam, mesmo que esse estilo seja o pão nosso da cada dia nos blogues, agora percebendo-se que não são muito para levar a sério. Basta o aceno de um lugar, de uma carreira, de uma importância, de um panache e lá vai a vergonha toda, a honra e o carácter pelo caminho.
(url) 22.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (7)
Uma procura no Abrupto em "Francisco Almeida Leite", hoje escolhido para Secretário de Estado, revela o seu papel enquanto jornalista do Diário de Notícias na ascensão e propaganda de Passos Coelho. Nunca este título foi mais preciso: de facto, o material tem sempre razão. (url) 19.4.13
A FÚRIA DA RAZÃO
Quando já se viu bastante,
durante muito tempo, e com muitas reviravoltas de fortunas, sucessos e
desastres, olha-se para as coisas de outra maneira. É um olhar sem
inocência, com muito pouca esperança, que tem defeitos, mas também pode
ter virtualidades. Claro que posso valorizar as virtualidades e
menosprezar os defeitos - isso vem no "pacote" do olhar -, mas é o que
há, e não se consegue outro. Vem isto a propósito daquilo que alguns
pensam ser o meu "radicalismo" na análise e comentário sobre a situação
presente, crítica que pouco me incomoda mas que me interessa entender,
quando é de boa-fé, e interrogar até que ponto tem ou não sentido. E
algum terá, não pelas razões que são sugeridas, mas por outras.
A
reflexão sobre a intervenção pela escrita e pelo comentário no debate
público é hoje uma questão polémica, que inclui também elementos de
confronto corporativo entre jornalistas e políticos pelo bem escasso da
influência. Voltarei a essa questão noutra altura, mas não é disso que
vou falar. Aquilo que vou fazer é uma reflexão pessoal sobre os efeitos
do meu próprio acesso ao espaço público e participação nesse espaço, e é
necessariamente subjectiva e impressionista. Pode ter também algum wishfull thinking
mesmo que freudianamente inconsciente, embora eu saiba o suficiente
para ter poucas ilusões nesta matéria e só mesmo se Freud tiver muita
razão, do que não estou certo.
Sei suficientemente sobre história
para não ter dúvidas sobre a inanidade das ilusões que cada um tem
sobre o rastro do seu papel, mesmo quando ele possa parecer existir por
uns dias ou um mês. Com excepção de meia dúzia de pessoas, a história de
Portugal levará todas as outras para as notas de futuras teses muito
especializadas de doutoramento. E, com o tempo, cada vez mais
especializadas, e com cada vez menos nomes. Por isso, quem pensa que por
ser conhecido por algumas centenas de milhares de portugueses, fruto do
poder da televisão, significa mais do que isso, vai ter muitas
surpresas para o seu ego.
"Ser conhecido" sou, isso é verdade, nem sempre pelas melhores razões, mas, para quem escreve nos media ou "aparece" nos media
desde os catorze anos, e, repito, com a força da televisão, isso não
vale muito por si. Porém tenho consciência de que os efeitos do que
escrevo e digo nestes dias - e é possível medir pelo menos a intensidade
da audição e da audiência - se deve a factores muito peculiares da
crise que vivemos e é essa relação de que me interessa falar.
O
que tenho dito e escrito, as provas materiais desse "radicalismo", tem
vindo a ter sucesso, mesmo que esse sucesso seja polarizado, muito apoio
e alguma recusa, em ambos os casos de forma veemente e pouco moderada,
porque os tempos não estão para a moderação. Basta-me ir à rua, basta-me
ler o correio que recebo, acompanhar a Rede, e ver o cortejo de
admirações e irritações que por aí circulam, para o perceber. Já não é a
primeira vez que isso sucede, com altos e baixos, mas agora estou
perante alguma coisa de diferente de momentos do passado, em que um ou
outro artigo ou intervenção circularam significativamente, como o artigo
sobre os incidentes na Ponte 25 de Abril, que vem hoje nas antologias e
é dado nas escolas.
O que há hoje de diferente é um efeito de
representação, mais do que de concordância. As pessoas que se manifestam
a favor do que digo sentem-se "representadas", e esse sentimento está
para além do mero apoio intelectual ou da comunidade de pontos de vista.
Esse efeito de "representação" é fruto dos tempos em que vivemos, em
que, mais do que perceber - no essencial as pessoas percebem tudo -, se
deseja uma voz, alguém que fale deles e por eles. Sei bem que isto é
muito ambíguo, e não vai durar, mas existe e como hoje nunca me
aconteceu. Este efeito de representação não é aquilo que habitualmente
se chama "influência", e por si só não exige um especial mérito, pode
inclusive abrir caminho ao populismo.
Há quem o tenha no espaço
público, por exemplo, Medina Carreira, ou alguns jornalistas como José
Gomes Ferreira, quando solta a pessoa que há em si, para além da função,
também geram efeitos de representação. São casos muito diferentes do
acesso ao espaço público pelo comentário, dos de Marcelo ou Marques
Mendes, assentes em atitudes de curiosidade, vontade de saber ou ser
informado, empatia resultante de uma longa familiaridade, e
"comunicação" num sentido lato. São monólogos que "conversam", sendo que
o caso mais relevante é sempre o de Marcelo. As pessoas não se sentem
"representadas" por Marcelo, mas participam num efeito de comunicação,
muitas vezes lúdico e intelectual, mas também irónico, maldoso,
punitivo, uma vontade activa de aprender, um produto cívico que o
sistema político e os partidos deixaram de fornecer.
Mas se as
pessoas comuns não se sentem "representadas" por Marcelo, mesmo que com
ele "comuniquem", uma parte importante da sua real influência vem de que
os jornalistas, esses sim, compartilham com ele uma relação de mestre e
discípulos. Desse ponto de vista, a sua influência é real, embora as
suas opiniões sejam mais difundidas do que discutidas, classificam mais
do que interpelam. Marcelo "fez" o modelo dominante do jornalismo
político português, e com excepção de OIndependente de Portas e Esteves Cardoso, os quadros desse jornalismo são-lhe devedores.
Com a crise do modelo de O Independente,
Marcelo ficou sozinho dominando a cena da análise e do comentário
(veja-se o mimetismo de Marques Mendes). Aliás, a estrutura do seu
comentário é a de um jornal, incluindo agenda, editorial, notícias,
nacional e internacional, página de desporto, montra de livros, e
secções do tipo "gente" e "setas para cima e para baixo", e até os
brindes especiais para os seus espectadores, dados por via dos presentes
aos interlocutores presentes. Embora Marcelo tenha uma agenda política
própria, ela é suficientemente transparente para não ser enganadora, e é
subsumida pelo seu poderoso efeito comunicacional, que o torna uma
personalidade dos media que só por censura podia ser, como vários
tentaram, retirada do espaço público, a que acede por pleno direito. (O
caso Sócrates é mais complicado, e exige uma análise a mais médio
prazo, porque não estou certo de que não possa também ter efeitos de
representação, para além da óbvia agenda política própria.)
Não
menosprezo, bem pelo contrário, esse efeito de representação, porque
entendo que em momentos de crise faz parte da "pertença" a uma
comunidade o esforço de estar com os que mais sofrem das consequências
de um mundo de que perderam o controlo e o norte. Se quisermos é isso o
núcleo duro do "patriotismo", estar com, estar com a comunidade, com os
que são mais fracos, mais estão a perder, e menos defesa têm. Parece um
discurso abastardado de uma certa hipocrisia caridosa que está tão
entranhada na nossa cultura mole quanto não se pratica. Mas não é, só
que me faltam palavras para dizer de outra maneira. Tal não significa
que a análise deva abandonar a racionalidade a favor de uma emotividade
mais próxima do pathos colectivo. Bem pelo contrário, temos já pathos bastante na nossa vida pública.
É
por causa desse efeito de representação, que assenta num mecanismo de
empatia, seja positiva seja negativa, que é mais fácil falar em
"radicalismo", porque as palavras, os comentários moldam as atitudes. E
desse ponto de vista há também mais perturbação, que é transmitida pelo
discurso. Se a veemência fosse apenas de ordem intelectual, ou seja,
contra nada que não fosse a estupidez (e isso já seria gigantesco), não
exerceria esse efeito de identificação. Mas não é, é contra algumas
coisas do presente, que estão no âmago da crise.
Onde é que está a
fonte do meu "radicalismo" e, penso eu, no efeito de
representação-identificação de que estou a falar? Primeiro, na convicção
das pessoas, cada vez mais consciente, de que estão a ser enganadas. Em
segundo lugar, uma vontade simples de decência nas coisas públicas. Por
fim, pela recusa de serem governados pelo medo, e governados para o
medo.
Pode parecer uma agenda moralista, mas é uma pura agenda
política no sentido nobre da palavra. Compreendo que essa agenda possa
ser radical, mas a culpa é do estado do "presente", não é minha. O meu
instrumento é a fúria da razão. É que o engano, o medo e a indecência
não podem ser tratados com falinhas mansas, mas com dureza e severidade.
Se não fosse assim, não valia a pena.
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Está o PSD irremediavelmente perdido no seu papel histórico na sociedade e espaço político português como partido do centro-esquerda e centro-direita, associando numa combinação única em Portugal, o liberalismo político, o personalismo, e a ideia de justiça social, apoiado no dinamismo social da classe média e na mobilidade vertical da pobreza para uma vida digna, e dentro dessa vida digna numa melhoria constante de expectativas, um partido de tradição reformista, moderado, laico, patriótico sem ostentação nacional, europeu sem ser europeísta, com que milhões de portugueses muitas vezes se identificaram? Penso que ainda não, mas os riscos são muitos. Mas uma coisa é para mim certa: todos os que votaram o "louvor" a Relvas estão activamente a cavar-lhe a sepultura.
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As excepções a este processo de aparelhização, umas indo mais longe, outras não, foram Marcelo, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. De todos eles, foi Marcelo que tomou as medidas mais profundas, permitindo e incentivando a "refiliação" conduzida por Rio. Este processo foi o único momento na história partidária dos últimos vinte anos em Portugal em que, de forma consciente e deliberada, se tentou pôr termo ao processo de aparelhização dos partidos, cujos efeitos perversos para a democracia estão hoje à vista de todos. Marcelo acabou por ceder às pressões de Menezes e Valentim Loureiro, e dos seus aliados no interior do PSD e, pouco a pouco, todas as medidas de moralização partidária e de "verdade" interna, acabaram por ser travadas e depois diluídas, delas nada restando.
Marques Mendes, que vinha do aparelho e o conhecia muito bem, também compreendeu que o caminho que o PSD estava a tomar o afastaria da sociedade e sabia que a sucessão de casos de corrupção, principalmente a nível autárquico, eram devastadoras para a imagem nacional do PSD. O autarca X ou Y podia ganhar todas as eleições possíveis, mas fazia enormes danos à credibilidade nacional do partido e fazia-o perder muito mais votos a nível nacional. Mesmo que fosse apenas por um cálculo político de perdas e vantagens, - e não foi, - Mendes não agravou a situação, bem pelo contrário. Acabou por cair, pelas mãos de Menezes, que foi o desastre de todos conhecido, e o verdadeiro símbolo da "honra perdida" do PSD.
Manuela Ferreira Leite não foi, em matéria partidária, reformista, não só porque teve pouco tempo, estava cercada por uma fracção organizada por Menezes, Relvas e Passos Coelho mas também porque tinha o seu aparelho manchado de vícios de aparelhismo. Mas Manuela Ferreira Leite supriu essa limitação por um discurso nacional corajoso, anti-situacionista e que "deu razão" ao PSD no plano político.
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Faça-se a justiça de dizer que as raízes dessa destruição já vem de
antes. Cavaco, Barroso, Santana Lopes e Menezes ajudaram muito a um
processo simultâneo de aparelhizaçao e descaraterização política do
partido, que de um modo geral actuam em conjunto. Perda de identidade
política-ideológica, de modo a abrir caminho a todas as manobras de
sobrevivência do aparelho e às suas carreiras, é um processo que caminha
a par e par. A tentação que Loureiro passou a Cavaco de um discurso de
back to basics, de "Deus, Pátria e Família", o culto de personalidade
pessoal do "menino guerreiro", a displicência de Barroso e Lopes com um
PSD classificado como de "direita", são precursores do processo de
revisão constitucional de Teixeira Pinto / Passos Coelho, e do abandono
flagrante de toda a tradição social-democrata no PSD de Passos.
Tudo se
abandonou: desde a noção meta-política da "dignidade humana", ao valor
ético do trabalho, substituídos por um discurso economês e uma prática
de voltar costas à classe média, esteio do partido, e ao seu core de
self made man, entregues ao desemprego estrutural, à destruição do
tecido das pequenas e médias empresas, e a todos os mecanismos que
deveriam garantir, na tradição social-democrata, a mobilidade social para
cima e não o empobrecimento para baixo. Se se tratasse apenas de
identificar um processo tido como inevitável, ou uma impotência de
momento, não se admitiria, mas compreenderia. Mas não, este
"ajustamento" é visto como uma simultânea punição da classe média e um
instrumento de "libertação" da sociedade que nada mais é do que uma
co-gestão governativa com a troika e a banca, cuja única racionalidade é
a interiorização dos interesses dos credores. Do programa genético do
PSD, ou da sua tradição com origem a Sá Carneiro, já quase que não há
nada no topo do partido. Estamos no período do "programa da troika é o
programa do PSD", como disse Passos. Mas não é.
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Como Sócrates fez ao PS, mas agora numa dimensão muito mais vasta, o governo Passos Coelho, construído por Relvas, e comandado por Gaspar, está a destruir o PSD para muitos e bons anos. O recente voto de louvor aprovado quase por unanimidade a Miguel Relvas é um exemplo do divórcio dos dirigentes do partido com o país, um verdadeiro acto de seita fechada para os "seus", sem nenhuma consideração com o que o pensam os portugueses e muitos e muitos milhares de militantes e simpatizantes do PSD.
O sinal é que quando se está "dentro" e se vem de "dentro", pode-se fazer o que se quiser sem qualquer sanção, bem pelo contrário, com louvor. Dias Loureiro, Duarte Lima, Arlindo de Carvalho, nunca foram, nem serão sancionados por dentro, onde todos puderam manter carreiras políticas mesmo depois de haver uma severa condenação pública aos seus actos, antes ou depois de haver consequências legais. As excepções como Isaltino de Morais, ou Valentim Loureiro, não os divorciaram da sua base partidária, que levaram consigo no plano autárquico, mantendo cumplicidades e apoios. No PSD não há sanção política para as malfeitorias de quem está ou vem de "dentro", em contraste com leis da rolha, e hostilidade à livre opinião.
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JUDEU ERRANTE
Mais uma corrida, mais uma viagem. De regresso. (url) 9.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (6)
Vale a pena repetir. Existe democracia quando se verificam duas condições: a soberania popular expressa pelo voto, e o primado da lei. DUAS CONDIÇÕES.
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O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (5)
Há várias coisas que nunca se devem esquecer: esta gente é vingativa e não se importa de estragar tudo à sua volta para parecer que tem razão. Já nem sequer é por convicção, é por vaidade e imagem.
Outra coisa, ainda mais complicada, que também não deve ser esquecida: o governo considera bem-vindas as ameaças da troika. São a chantagem que precisam, pedem e combinam. Não são uma voz alheia, nem dos "credores", nem da troika, nem de ninguém, são o auto falante agressivo que o governo necessita para tornar a sua política inquestionável e servir de ameaça a todas as críticas.
E por último, e não é de menos, esta gente é perigosa e, na agonia, muito mais perigosa ainda.
(A propósito do despacho do ministro Vítor Gaspar de 8 de Abril que pára o funcionamento do estado português, atribuindo essa decisão ao Tribunal Constitucional. O governo entrou numa guerra institucional dentro do estado, em colaboração com a troika, para abrir caminho a políticas de duvidosa legalidade e legitimidade baseadas no relatório que fez em conjunto com o FMI. Não conheço nenhum motivo mais forte e justificado para a dissolução da Assembleia da República por parte do Presidente do que este acto revanchista contra os portugueses.) (url) 8.4.13
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (4)
O número de artigos e notas em blogues que começam com “a decisão do Tribunal Constitucional fez e aconteceu….” representam um sucesso do pensamento único governamental. Na verdade, deviam começar com “a política do governo fez e aconteceu…” Isto, porque a decisão do Tribunal Constitucional é que é a normalidade e a lei, e a política do governo é que é a anormalidade e a ilegalidade. A decisão do Tribunal Constitucional representa uma consequência da política do governo, das escolhas do governo, da incapacidade do governo de encontrar políticas de contenção orçamental que não passem pela violação da lei e pelo afrontamento da Constituição.
Mais: o caminho seguido pelo governo para o objectivo de cumprimento do memorando da troika é que põe em causa esse cumprimento, porque não teve em conta qualquer preocupação em salvar um quantum da economia nacional, desprezou os efeitos sociais do “ir para além da troika”, não deu importância a qualquer entendimento social e político, vital em momentos de crise. Foi um caminho de pura engenharia social, económica e política, prosseguido com arrogância por uma mistura de técnicos alcandorados à infalibilidade com políticos de aviário, órfãos de cultura e pensamento, permeáveis a que os interesses instalados definissem os limites da sua política. Quiseram servir os poderosos com um imenso complexo de inferioridade social, e mostraram sempre (mostrou-o de novo o primeiro-ministro ontem), um revanchismo agressivo com os mais fracos.
Pensaram sempre em atacar salários, pensões, reformas, rendimentos individuais e das famílias, serviços públicos para os mais necessitados e nunca em rendas estatais, contratos leoninos, interesses da banca, abusos e cartéis das grandes empresas. Pode-se dizer que fizeram uma escolha entre duas opções, mas a verdade é que nunca houve opção: vieram para fazer o que fizeram, vieram para fazer o que estão a fazer.
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O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (3)
O tom revanchista que o governo e os seus defensores assumem depois da decisão do Tribunal Constitucional , - do género "ai não quiseram isto, pois vão levar com muito mais", - mostra o carácter punitivo que está presente na política da coligação desde o início. A cada revés, e todas as semans há um grave revés, vêm novas ameaças e castigos, em vez de admissão de erros e inversão de caminhos. Como este tom punitivo é dos que melhor "comunica" com toda a gente, mesmo sem precisar de agências nem assessores, o governo está mais uma vez a semear ventos e a colher tempestades.
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O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (2)
A queda de Sócrates deu origem a uma pequena corte de viúvos e viúvas que passaram estes anos a tentar manter a memória do morto e a vingar-se de todas as maneiras dos seus assassinos. Agora estão muito contentes porque a RTP lhes deu uma mesa de pé de galo para falar com o morto e vice-versa. Esquecem-se que, em períodos como os que vivemos, até os mortos andam.
A queda previsível de Passos Coelho e a queda já efectiva de Relvas está a gerar o mesmo efeito: a criação de uma corte de viúvos e viúvas que também se preparam para carpir a "oportunidade perdida" de "mudar Portugal" e preparar a vendetta. Como os seus antecessores na viuvez, os blogues, o Twitter e as redes sociais são o seu terreno de eleição.
Ambos ajudaram a estragar Portugal até aos limites da ruína em que vivemos. Ambos pensam muito bem de si e acham que o povo não os merece. O nojo com que hoje olham para Portugal e os portugueses, uma ralé desqualificada cheia de vícios preguiçosos e de "direitos", é o seu melhor retrato. "Não nos merecem" é a inscrição que usam no seu brasão de lata.
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O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (1)
O Governo já tinha falhado por completo todos os objectivos do memorando, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O governo já estava com dificuldades em "ir aos mercados", ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava a caminho de um segundo resgate, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava em crise profunda, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. Todas as crises, económicas, sociais, e políticas já estavam em pleno curso, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional.
A decisão do Tribunal Constitucional acelera todos estes processos mas não lhes deu origem. Nasceu deles. Nasceu de um Governo que, apesar de prevenido, mil vezes prevenido, insistiu num Orçamento de Estado assente em medidas ilegais. Bateu no peito cheio de ar e vento, insultando o Deus dos Trovões e levou com um raio em cima.
(url) POR QUE NÃO SAIMOS DA CEPA TORTA
Não há melhor exemplo da
miséria da nossa vida pública, na sua versão mediática, do que o facto
de José Sócrates ser a sua figura dominante num dia só, quanto mais por
meia dúzia de dias. Isso, sim, é que é revelador e preocupante, não a
figura do antigo primeiro-ministro, ou, acima de tudo, o que ele disse
ou possa vir a dizer, e muito menos a sua putativa futura vida política,
que, qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e conhecimento da
realidade sabe que, se passar pelo voto, tão cedo não existe. Mas a
cerimónia colectiva de incomodidade e embasbacamento com a entrevista,
essa sim, é um péssimo sinal da anomia dos nossos tempos e das fortes
correntes de nostalgia e radicalismo que a atravessam.
Tudo isso explica o "efeito Sócrates", tão intenso quanto é nula a importância do que disse, um remake
da série de obsessões, mentiras e falsificações de números,
estatísticas e factos, que tiveram um papel muito relevante no
agravamento da crise do país e em colocá-lo numa situação de bancarrota.
Sim, porque, com mais ou menos "narrativa", a acção de Sócrates como
primeiro-ministro conduziu o país a um abismo. E sobre isso não se soube
nada de novo. Pior: confirmaram-se todas as suspeitas do que ele nos
tinha feito e continua capaz de fazer.
Se o fez por ser um "animal
feroz", ou por ter aquela determinação cega que ninguém lhe nega e tão
evidente foi na entrevista, eu ainda me preocupo mais, porque o teor
autoritário e dominador da personagem junto dos espíritos fracos foi uma
razão do seu sucesso político. Se ser "animal feroz" foi ou é
qualidade, então essa qualidade serviu para nos atirar a todos para uma
crise maior e sem fim, quando podia ser bem mais pequena e moderada nos
seus efeitos. O radicalismo que a reacção a Sócrates revela numa parte
da opinião pública e publicada, poderia ser a descoberta do populista
salvífico que muitos esperam, se não fosse tão viva a memória das suas
malfeitorias. É porque não quero que essa memória se esvaia, na fácil
máquina de esquecimento que é a comunicação social, que também aqui o
trato como assunto, porque o mal que ele traz alimenta-se do silêncio,
não da fala.
Este homem foi um perigo, ajudou, e muito, a
afundar-nos colectivamente, e seria hoje de novo um perigo, se não
houvesse tão recente e viva memória dos seus "feitos". Mas o que é
interessante é perceber que dele não nos defenderam muitos dos
iluminados da nossa praça, à direita e à esquerda, como agora também não
seriam capaz de o fazer. A razão por que me preocupa a reacção à
entrevista é esta: este homem seria o populista ideal, e muita gente
abre-lhe alas, apenas porque ele fala alto e grosso, num mundo em que
Seguro é o que é e Passos e Relvas são que são e não suscitam nem temor,
nem entusiasmo. Apenas tédio e preocupação.
Quando falei da
nostalgia que alimenta esta reacção à entrevista foi disso mesmo: a
direita precisa de um inimigo e trata-o como a quinta-essência das
malfeitorias da esquerda, coisa a que nunca pertenceu, porque precisa de
encontrar identidade pela construção de um adversário. Sócrates é o
adversário ideal, e é por isso que foi com a sua colaboração e
assentimento que o Governo lhe abriu as portas da "sua" televisão. Para
além disso, calcula que, por muito que possa vir a ser atingido por um
ou outro remoque certeiro, Sócrates será um problema essencialmente para
o PS. Os estragos que Sócrates possa vir a fazer ao Governo serão
sempre entendidos como danos colaterais, aceitáveis pela enorme vantagem
de ele impedir, pela sua mera existência semanal na televisão, a
consolidação da liderança de Seguro. Por outro lado, a vendetta
pessoal de Sócrates contra Cavaco é também bem-vinda, porque, para o
grupo à volta de Passos Coelho, Relvas, Menezes e Ângelo, colocar o
Presidente na ordem é uma necessidade estratégica. E pensa, e bem, que
não será possível a Sócrates no seu comentário escapar à "síndroma" de
Santana Lopes em que qualquer coisa discutida em 2013 vai dar, por volta
da terceira frase, à incubadora, ou, no caso de Sócrates, aos eventos
de 2011 e à contínua autojustificação de tudo pela traição alheia.
O
mesmo fenómeno de nostalgia e radicalização existe à esquerda. A
esquerda, principalmente a que está órfã no PS de Seguro, enfileira
atrás daquilo que pensa ser um cabo de guerra a sério e não de um clone
com falinhas mansas. Há demasiada orfandade na actual "oferta"política
para deixar um lugar para Sócrates e ele ocupa-o não porque queira o
lugar de Seguro, mas também porque, para ele, as dificuldades de Seguro
serão a sua versão dos danos colaterais. O "animal feroz" para "tomar a
palavra", que nele significa o mesmo que "tomar um castelo", sabe que
prejudica Seguro, mas é suficientemente obcecado com a sua pessoa e a
sua missão para não se preocupar com isso.
A comunicação social,
com quem Sócrates manteve uma relação muito próxima até ao momento em
que iniciou a sua queda, quando, à maneira portuguesa, todos os que lhe
apararam o jogo, o começaram a calcar com a mesma veemência com que o
adulavam, gosta de festa e Sócrates dá-lhes festa. Este homem que, como
Relvas, mas com muito mais poder e cumplicidades, usou todos os meios ao
seu alcance para afastar os jornalistas que se lhe opunham e punir
todos os que o afrontavam, volta hoje a ser tratado com a mesma
complacência com que se aceitavam sem questionar os seus anúncios
propagandísticos e sua contínua manipulação dos factos e estatísticas. O
modo como se menoriza o próprio conteúdo da sua entrevista - insisto um
remake sem novidades de tudo aquilo que andou a dizer em 2010-11 -, em detrimento do folclore do seu "efeito", mostra isso mesmo.
A
história da "narrativa" é reveladora. Sócrates apresentou-se como
pretendendo combater a "narrativa" que a direita fazia da sua governação
e queda, opondo-lhe a sua própria "narrativa". Esta história das
"narrativas", um modismo para designar uma construção ficcional de
eventos, preso exactamente pelo fio da narrativa, é atractiva porque
procede a uma selecção de factos, moldados pela sequência cronológica
escolhida, que pode não ser a que aconteceu, e pela eliminação dos
"factos-problema", que podiam prejudicar a clareza ficcional da
história. Na sua "narrativa", Sócrates coloca o seu principal motor
interior, a sua vontade, cuja determinação varreu com tudo, bom senso,
estudo, conhecimento, verdade, atenção ao real, custos, condições, tudo.
E levou-nos ao que se sabe.
É, no fundo, um argumentário
político, que pode ter uma maior ou menor aproximação à realidade ou à
ideologia, e que serve como discurso de justificação, mas não é, nem
foi, o que aconteceu, não é a realidade, nem a verdade. Não foi o que
aconteceu nem na "narrativa" contra Sócrates, nem na do próprio
Sócrates. Mas a escolha por Sócrates desta figura da "narrativa" mostra
como, para ele, os factos contam pouco, mas sim o conflito mediático
entre interpretações, o que é consistente com a recusa que sempre teve
da palavra "verdade" no vocabulário político. Ele não diz "no que
aconteceu", mas sim "na narrativa do que aconteceu". Há quem ache que
isto é que é a essência do "discurso político", a moldagem da realidade
pela vontade política. Sócrates era desta escola, uma variante mais
animada do que a moldagem da realidade pelas folhas de Excel, mas em
ambos os casos com efeitos desastrosos.
Aliás, Sócrates deu
muito poucos factos, e os que deu estão manchados, por serem falsos (a
escolha de números e estatísticas manipuladas, uma sua pecha de sempre)
ou poderem ter uma outra leitura e interpretação. Por exemplo, a
aprovação do PEC IV, com o apoio europeu (desvalorizado na "narrativa"
da direita), que tipo de ajudas garantia para Portugal? Desconhece-se.
Essas ajudas poderiam sobreviver à crise grega e à subida exponencial
dos juros nos mercados, sem darem origem a um qualquer "plano de
resgate"? Duvido. Por aí adiante. Como é que se poderia manter um
primeiro-ministro que, no momento em que mais precisava de alargar a sua
base de apoio, à frente de um Governo minoritário, hostilizava tudo e
todos? Por aí adiante. Nada foi verdadeiramente explicado na sua
"narrativa", que, no essencial, nos mostrou o mesmo homem que nada
aprende, nada esquece, e cuja vaidade e vontade varrem tudo à frente.
Não
foi a entrevista que foi interessante. Foi o seu efeito. O sucesso do
retorno de Sócrates não é o sucesso do governante de 2005-2011, nem a
sua reabilitação, mas o sucesso do populismo e da orfandade do país
político de 2013. Faz uma diferença. Faz toda a diferença.
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O PAPEL CADA VEZ MAIOR DA IMPOTÊNCIA
(Escrito antes, claro.)
Mas não é apenas a incompetência, que é muita e é uma marca da casa, personificada num governo cuja face dada ao país da sua “essência” política é Miguel Relvas, é cada vez mais a impotência que explica a paralisia governamental. O governo foi mais que prevenido de que havia medidas no Orçamento de Estado que podiam vir a ser consideradas inconstitucionais. Não foi por falta de aviso. Respondeu sempre com arrogância que estava seguro da completa legalidade constitucional das medidas orçamentais, aliás a mesma atitude no ano passado. Não abdicou de nenhuma dessas medidas, mas insistiu nelas até ao fim num confronto institucional que parece ser desejado às segundas, quartas e sextas e temido nos outros dias. Agora, em vésperas da decisão, não sabe o que pode fazer, visto que se vangloria de não ter Plano B, como é sua obrigação. Aliás, desde início devia ter encontrado alternativas às medidas de dúbia constitucionalidade, mesmo não pondo em causa os seus objectivos.
AS RESPONSABILIDADES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O primeiro-ministro preveniu o Tribunal Constitucional de que tinha que ser “responsável” nas suas decisões. Todos percebemos o que ele queria dizer, e trata-se de facto de pressionar a decisão do Tribunal. Isso não me choca em particular porque a vida política não é asséptica, e um Tribunal de génese política também não pode alhear-se do contexto político das suas decisões. Mas uma coisa é colocar as suas decisões no contexto da actual crise, e aceitar morigerar qualquer interpretação fundamentalista da Constituição, o que tem mostrado fazer; outra é permitir a violação da lei em matérias que envolvem direitos que moldam a nossa democracia. Se o governo entendesse nacionalizar as PPPs sem indemnização, não iriam a correr para o Tribunal Constitucional pedir-lha a protecção da propriedade privada?
Pode aliás até agradecer ao primeiro-ministro a prevenção e no preâmbulo da sua decisão vir dizer que em conformidade com as suas especiais “responsabilidades”, que são fazer cumprir a Constituição, não se podia esperar dele, Tribunal, que não fosse recusar as medidas que violam a lei. Aliás, o que não se pode aceitar é a inversão de culpas, o que nestes tempos de vale tudo institucional, muita gente aceita como normal. Se houver um chumbo de partes do Orçamento de Estado não é “culpa” do Tribunal Constitucional, que aplica a Constituição, mas sim do governo que a violou.
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© José Pacheco Pereira
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