3. POR QUE RAZÃO FALHARAM AS ÚLTIMAS MANIFESTAÇÕES DOS "INDIGNADOS"?
A
comunicação social tem estado relativamente silenciosa sobre o
estrondoso falhanço das últimas manifestações "indignadas", como se não
houvesse nada a perguntar, nem nada a analisar. O mesmo se diga da
patética manifestação contra Cavaco Silva, que nem sequer 200 pessoas
reuniu, apesar de ter sido abundantemente anunciada na comunicação
social, incluindo a televisiva. Ora tenho para mim que qualquer
manifestação hoje que mereça a simpatia benevolente da comunicação
social (como aconteceu com os exemplos referidos) que tenha menos de
alguns milhares de pessoas obriga a analisar não apenas os factores de
atracção em que se baseia o apelo, mas também os factores de repulsão
que afastam as pessoas.
A primeira manifestação da chamada
"geração à rasca" (a designação de "indignados" era ainda muito
minoritária) foi um grande sucesso. Mas é o caso típico de uma
manifestação unanimista, que desde a JSD à extrema-direita, de grupos de
"artistas" à extrema-esquerda, do PSD ao BE ao PCP, teve todo o mundo e
ninguém a apoiar e uma comunicação social activa e ultra-simpática a
divulgá-la. Só quem não era patriota é que não saía à rua. Ah! E havia
um pequeno pormenor - era contra José Sócrates no clímax da sua
impopularidade. Tinha que ser um sucesso e foi, mas gerou a ilusão de
que poderia dar origem a um novo tipo de movimentos, o que também
entusiasmou muitas redacções sempre prontas a encontrar "novos"
movimentos sociais e depreciar os "antigos".
Mas o sucesso da
segunda manifestação só existiu enquanto se esteve longe do folclore das
"assembleias populares" em frente ao Parlamento e deveu-se ao mais
antigo dos movimentos sociais, a CGTP, mais o PCP. Foi isso que encheu
as avenidas e foi isso que se rarefez, quando as tropas disciplinadas
dos sindicatos e do PCP se recusaram a participar nas cenas excitadas de
grupos que acham que o povo são eles e que podem fazer um soviete a
brincar nas escadas da Assembleia. Já aqui se percebeu que estavam em
jogo factores de rejeição e que essa rejeição foi do vanguardismo
mimético da cena entre o hippie e o leninista, no meio de tendas de campismo e lixo, que se pretendeu montar sob o arrogante nome de "assembleia popular".
Por
isso, a terceira manifestação foi um falhanço completo. Sem a CGTP,
ficou apenas o folclore, alguns genuínos indignados e uma
extrema-direita que usa a mesma linguagem dos radicais indignados e por
isso estava lá por direito próprio. O mesmo se pode dizer da micro-manifestação da "moedinha para o Cavaco", um ainda maior falhanço,
apesar da publicidade na comunicação social, em que a todos os outros
factores de rejeição se acrescenta o facto de os jornalistas gostarem
muito do engraçadismo, mas a maioria das pessoas, mesmo irritadas com
Cavaco Silva, não acharem bem o gozo com a figura do Presidente.
Como
é que isto vai continuar? Um pequeno número de proto-leninistas e
anarquistas vão tentar provocar incidentes, como se esses incidentes
revelassem qualquer "luta de classes", os "artistas" vão continuar a
fazer cenas de rua, e tudo isto só ultrapassará a paisagem do Camões e
da Rua do Carmo, se a CGTP e o PCP quiserem. Até agora não quiseram.
I keep collecting books I know I'll never, never read; My wife and daughter tell me so, And yet I never head. "Please make me," says some wistful tome, "A wee bit of yourself." And so I take my treasure home, And tuck it in a shelf.
And now my very shelves complain; They jam and over-spill. They say: "Why don't you ease our strain?" "some day," I say, "I will." So book by book they plead and sigh; I pick and dip and scan; Then put them back, distrest that I Am such a busy man.
Now, there's my Boswell and my Sterne, my Gibbon and Defoe; To savour Swift I'll never learn, Montaigne I may not know. On Bacon I will never sup, For Shakespeare I've no time; Because I'm busy making up These jingly bits of rhyme.
Chekov is caviare to me, While Stendhal makes me snore; Poor Proust is not my cup of tea, And Balzac is a bore. I have their books, I love their names, And yet alas! they head, With Lawrence, Joyce and Henry James, My Roster of Unread.
I think it would be very well If I commit a crime, And get put in a prison cell And not allowed to rhyme; Yet given all these worthy books According to my need, I now caress with loving looks, But never, never read.
2. POR QUE RAZÃO NINGUÉM FALA EM PRIVATIZAR AS RÁDIOS PÚBLICAS?
A
televisão é o grande instrumento de poder na comunicação social e por
isso é normal que a atenção política se centre na privatização anunciada
de parte da RTP e no desenho futuro ainda por conhecer da empresa
estatal. Mas surpreende-me o silêncio e ausência de discussão sobre o
facto de, no universo da comunicação social pública, haver um importante
sector de rádio: vários canais de rádio tradicionais, e vários na
Internet. Ora todos os problemas que se colocam com os canais
televisivos da RTP colocam-se com ainda mais agudeza na rádio, onde a
oferta privada é mais sólida e importante e não custa nada aos
contribuintes. Temos a Rádio Renascença, ou a TSF, só para ir a dois
exemplos influentes de um universo de rádios privadas numeroso e activo,
cobrindo todas as formas de música, clássica, ligeira, portuguesa,
fado, rock, e um jornalismo de qualidade, agressivo e competitivo.
O
que é que justifica existir um pesado sector comunicacional de rádios
públicas? A resposta é certamente a mesma que é dada para os canais
televisivos da RTP: à esquerda, ideologia da superioridade do público
sobre o privado; à direita, poder manter um braço armado na comunicação
social que depende de escolhas políticas.
*
A garantia de uma oferta mínima de um certo tipo de programação
audiovisual dita "erudita", uso o termo por facilidade, é uma opção
política. Poderemos achar que essa garantia deve existir ou não existir, mas que a escolha tem que ser feita, isso tem. Pelo menos enquanto
em Portugal vigorar um sistema de mecenato do qual as pequenas
iniciativas raramente beneficiam, não poderemos pensar em vir a ter a já
referida oferta garantida por privados como acontece na rádio e
televisão pública dos Estados Unidos da América. Pessoalmente
acho que sim, que deve ser garantida essa oferta, pela mesma razão que
deve apoiar, por exemplo, a ópera. É uma questão de ter ou não ter. Por
mais fé que tenhamos na livre iniciativa quanto à oferta cultural, são
já vários os exemplos de ofertas que, por não serem de grandes
massas acabam por morrer.
É
portanto uma questão de opção política e é legítimo que defendamos uma
ou outra solução. O que me parece estranho, no caso deste seu artigo, é a
afirmação de que "Temos
a Rádio Renascença, ou a TSF, só para ir a dois exemplos influentes de
um universo de rádios privadas numeroso e activo, cobrindo todas as
formas de música, clássica, ligeira, portuguesa, fado, rock, e um
jornalismo de qualidade, agressivo e competitivo." Como é evidente, na
lista de géneros que refere há um que não é de massas e não faria
sobreviver nenhuma rádio não apoiada pelo estado. Dizer que a Renascença
ou a TSF cobrem o universo da música clássica parece-me, no mínimo, um
enorme exagero. É apenas um pormenor no seu texto,
mas parece-me ser um pormenor muito importante na elaboração da sua
argumentação.
A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.
Nas guerras da informação e da contra-informação, a regra básica é fazer parecer aquilo que não é. Há muitos especialistas nesta arte por aí empregados para a exercerem.
A notícia do Público sobre os "cavaquistas" é um típico exemplo. Primeiro, discordo em absoluto que os jornais publiquem meras opiniões políticas com base no anonimato das fontes. O anonimato só se justifica por outro tipo de razões, muito mais sérias, e não por covardia do opinador. Claro que tais comportamentos só existem porque o nosso jornalismo político os consente. Segundo, gostaria que esses "cavaquistas", se existem, dessem a cara para eu saber se é um ou são muitos, se merecem a designação de "cavaquistas" ou é apenas uma classificação de conveniência destinada a dar um envelope sensacionalista à notícia. Terceiro, para defesa do jornal, a classificação de "cavaquistas" é jornalisticamente inaceitável a não ser que saibamos a resposta à pergunta anterior: é um, são muitos, podem falar em nome de Cavaco, são seus próximos, etc. Quarto, a notícia seguiu com um isco, a de que se trataria de uma manobra destinada a desviar as atenções da gaffe presidencial, e houve quem mordesse o isco com todo o esplendor. Notícias com isco interpretativo, ainda por cima tão rudimentar, são para desconfiar.
Mas é como isto está. Nas mãos de especialistas que seguem o moto salazarista de que o que parece é. Com sucesso.
1. POR QUE RAZÃO É QUE CONTINUAMOS SEM SABER SE HOUVE "DESVIO COLOSSAL" OU NÃO?
Com
o início deste Governo deu-se algo de muito parecido com o início do
Governo Sócrates de 2005 e muito parecido com o Governo Barroso de 2003:
na retórica política encontrou-se um "facto-pretexto" destinado a
justificar uma inflexão de medidas prometidas em campanha eleitoral.
Barroso descreveu um país de "tanga" deixado por Guterres em que o
"choque fiscal" seria impossível, embora fosse uma promessa central da
campanha eleitoral. Sócrates encontrou no défice virtual
convenientemente calculado pelo Banco de Portugal o modo eficaz de
esquecer as suas promessas eleitorais de baixar os impostos. Passos
Coelho encontrou no "défice colossal" o argumento para cortar metade do
subsídio de Natal, que explicitamente jurara não fazer durante a
campanha.
Compreende-se como estes argumentos são centrais nos
mecanismos de legitimização política. Sem um forte motivo, não haveria
maneira de manter a face perante os eleitores ainda bem lembrados por
uma memória demasiado viva dos debates eleitorais. Mas eu referi
tratar-se de "factos-pretexto", ou seja, tem que ter alguma
factualidade. O relatório Constâncio sobre o défice veio a revelar-se
muito pouco credível nos seus critérios, mas cumpriu a função
legitimadora. O "desvio colossal" exerceu o mesmo papel, mas parece
agora contestado por entidades independentes como "facto". Ou seja, a
UTAO, muito gabada pela desmontagem que fez dos números orçamentais de
Sócrates, agora vem pôr em causa a tese governamental PSD-PP. Ficamos
assim sem saber ao certo o que se passou e não é de todo irrelevante
tirarmos uma conclusão mais segura. O PS vai desejá-lo, porque isso o
iliba, o PSD opor-se-á, porque isso o compromete. Eis uma pergunta que
não terá pernas para andar, até porque muitos economistas com um papel
central no discurso pró-governamental já se comprometeram com a
justificação do abandono das promessas em nome do "desvio colossal".
SÓ PARA LEMBRAR O QUE ESCREVI HÁ VÁRIAS SEMANAS NA SÁBADO E QUE ENTRETANTO TEM VINDO A SER CONFIRMADO EM VÁRIAS NOTÍCIAS SUCESSIVAS E IGUALMENTE CONFIRMADO PELOS SEUS DESMENTIDOS QUANDO LIDOS COMO DEVEM SER
NÃO DEVIA SER SURPRESA PARA NINGUÉM, ESTÁ CÁ TUDO, MENOS AS CONSEQUÊNCIAS
*
REPRODUZIDO "PINTADO" COM DESTAQUES E SUBLINHADOS
A explicação de que se trata de um
conflito de lojas contra lojas e maçonarias contra maçonarias oculta o
pano de fundo político de toda esta questão. E esse pano de fundo remete
para o projecto de fusão dos dois serviços de informação, para os seus
mentores “discretos”, e para o plano até agora gorado, mas que está em
curso, de criar uma chefia comum do serviço unificado ligada ao actual
poder político.
O jornal i relatou em Agosto em linhas gerais o que se conhece do plano:
Jorge Silva Carvalho, o ex-director do Serviço de Informações
Estratégicas de Defesa (SIED) que está no centro do furacão que atinge
as secretas portuguesas, aproximou-se do PSD no Verão do ano passado
quando rebentou o escândalo das escutas a Belém.(…) Jorge Silva Carvalho
chegou a estar muito próximo do PS. (…) Em Novembro de 2010 Silva
Carvalho bate com a porta, nas vésperas da importante cimeira da NATO em
Lisboa. O gesto foi tudo menos inocente. Em trânsito na Ongoing de Nuno
Vasconcellos, Jorge Silva Carvalho tinha a esperança de regressar aos
serviços de informações pela porta grande. Defensor da fusão do SIED com
o Serviço de Informações de Segurança (SIS), pensava que seria o eleito
pelo governo de Passos Coelho para pai dessa reforma importante e ao
mesmo tempo transformar-se no grande patrão das secretas portuguesas.
O que aconteceu nos últimos dois anos ainda está longe de ser esclarecido, desde a história do e-mail roubado ao Público
e que comprometeu o Presidente, o modo como a questão foi gerida com
grande prejuízo para a campanha de Manuela Ferreira Leite, o
aproveitamento que José Sócrates fez dos serviços e algumas iniciativas
que tomou no limiar da legalidade, a actuação de personagens ligadas ao
poder económico muito dependentes nos seus negócios das informações,
nacionais e internacionais e, por fim, o modo como a previsível mudança
de poder político começou a mover peças em serviços muito fragilizados
quer pelos cortes orçamentais, quer pela ligação dos seus dirigentes ao
poder político.
Tudo isto está longe de ser esclarecido e não é matéria póstuma, está
bem viva e em curso. Um efeito perverso de ter feito gorar o plano
original, de que Jorge da Silva Carvalho era a peça principal, com as
fugas de informação que o comprometeram, foi permitir o saneamento de
todos os que se lhe opunham nos serviços, moldando assim ainda mais o
terreno para um takover político.
O resultado de tudo isto é a progressiva destruição dos nossos nascentes
e ainda frágeis serviços de informação, ou seja, os portugueses ficam
ainda mais inseguros.
Ah! E ainda há outra coisa, mas que em Portugal ninguém liga e que não
tem consequências: muitas destas coisas são pura e simplesmente
ilegais.
Já há alguns anos atrás um intelectual, formado em Filosofia, Rafael Sebastián Guillén Vicente, mais conhecido pelo pomposo nome de Subcomandante Marcos, manipulou o mesmo deslumbramento tecnológico ocidental para fazer propaganda de um movimento de guerrilha em nome dos índios do estado de Chiapas no México. Usando a Internet, e deixando-se fotografar em poses encenadas de guerrilheiro, - outra antiga utilização da “imagem” igualmente comum em movimentos deste tipo,- Marcos ficou na moda, exactamente na razão inversa do uso da Internet pelos índios em nome de quem falava.
O que os Anonymous fazem hoje presta-se a tudo por detrás de uma ideologia cheia dos slogans que passam hoje por ser uma forma de pensamento político. Não são verdadeiros ludditas, nem anarquistas, nem “indignados”, e o seu comportamento anti-social para nos gadgets e na tecnologia. Vivem da mitificação dos hackers, de imagens de filmes menores, e de um mundo demasiado presumido e arrogante para ser criativo, entre a extrema-esquerda e a extrema-direita. Mas vivem sobretudo da ausência de valores críticos que desmitifiquem esse mundo de fancaria tecnológica e da velha complacência com a moda da comunicação social que faz com que basta colocar a máscara do Guy Fawkes, para tudo começar a salivar de excitação revolucionária. Não há, de facto, pachorra.
Os Anonymous falam em nome de uma coisa a que eles chamam “Internet Rights”, “direitos da Internet”, que estariam ameaçados por iniciativas legislativas como o SOPA (Stop Online Piracy Act) e o PIPA (Protect IP Act), destinadas a combater a pirataria generalizada na Rede. Quer num, quer noutro caso, a legislação proposta têm muitas inadequações, mas o problema que pretende defrontar é um problema real: a protecção dos direitos de autor, o combate á contrafacção, e de um modo geral a assunção de que o que é crime “cá fora” da Rede, é crime “lá dentro” da Rede. É esta correlação entre o que é considerado crime cá fora (o plágio, o roubo de identidade, a contrafacção, o roubo dos direitos de autor, de marcas e patentes, a calúnia, o insulto, a sabotagem, etc., etc.) e o que pode e deve passar a ser crime lá dentro que os Anonymous no meio desta retórica contra a censura querem combater. Uma coisa são os direitos, liberdades e garantias, seja no papel, seja no ecrã, seja no computador e na Rede, que devem permanecer intocados, outra são estes “Internet rights”.
Para os Anonymous e os seus seguidores “deitar abaixo” o Facebook, ou um sítio do FBI, ou de partidos como o PS, PSD e outros, ou entrar em áreas confidenciais onde estão os nossos dados médicos, ou o nome de polícias, é normal. Se nós pensássemos que a “velha” maneira do fazer era trepar a um muro ou abrir uma caixa de esgoto e cortar com alicate os fios, ou deitar ácido nas ligações, ou mandar uma paulada num guarda e partir com uma marreta um computador, aí já a turba dos flashmobs que gosta dos Anonymous pensava duas vezes sobre o que está a fazer. E talvez aí fosse mais longe do que o micro-pensamento sobre a censura e os “direitos da Internet”. E, caso produzissem alguma coisa que tivesse mercado, uma canção, um livro, uma imagem icónica, não estariam também a queixar-se numa entrevista “popular” que, apesar de terem existido milhares de cópias, não tinham recebido nada pelo seu talento, pelo seu trabalho? Nessas alturas a ideologia grosseira do comunismo primitivo que é a dos “direitos da Internet” onde tudo é gratuito e jorra para todos como o maná divino, já não lhes apela tanto como antes, quando nada valiam a não ser como consumidores. Vejam lá se o cozinheiro do Imaginário aos tombos, a quem o medo “não assiste”, não faz anúncios pagos? E já agora que contrafacção mais lucrativa existe do que fazer notas de dólar ou de euro? Não é uma censura inominável impedirem-me de reproduzir aqueles belos rendilhados das notas de euro, ou o santo “In God We Trust” do dólar?
*
Sou um leitor que acompanho regularmente os artigos que partilha no seu blogue 'Abrupto'. Os textos que escreve são normalmente bem fundamentados e ponderados, pelo que foi com alguma surpresa e
desagrado que li o artigo "Os 'Direitos da Internet'". Concordo quando argumenta que as acções ilícitas de grupos de hackers na rede são graves e que os seus autores devem ser castigados. No entanto, a minha
discordância encontra-se centrada na defesa que faz sobre uma maior protecção dos 'direitos de autor' e da associação de violação de um 'direito de autor' a um crime.
Considerações teóricas e empíricas demonstram que a actual legislaçãoque regula os direitos de propriedade intelectual é, no mínimo, criticável. Tendo em conta o ganho económico social envolvido (ou
seja, analisando custos e perdas para produtores, consumidores e estado), a única política coerente seria a redução ou eliminação da regulação legal da propriedade intelectual; sejam 'direitos de autor' ou patentes. Contudo a corrente doutrinação (conveniente para alguns) sobre a importância da propriedade intelectual exige uma argumentação cogente que não é passível de ser transmitida através de um email.
Argumentos que, no entanto, existem, tendo sido exteriorizados por diversos economistas no passado. É por esta razão que, respeitosamente, indico a V. Exa. uma referência que condensa grande
parte dos argumentos utilizados por economistas que refutam a propriedade intelectual: o livro "Against Intelectual Monopoly", por Michele Boldrin e Kevin Levine. Note que os autores não são economistas radicais do tipo clássico, Marxista ou Keynesiano, mas respeitados professores de economia, membros (fellows) da Sociedade Econométrica e cujo livro foi revisto em revistas de literatura tão importantes como o the Jornal of Economic Literature" e apoiado por economistas politicamente distantes como Maskin, North ou Prescott (referindo apenas prémios Nobel). Julgo que este livro poderá servir para, pelo menos, expor a V. Exa. uma defesa da eliminação da propriedade intelectual diferente da propalada pelos 'Anonymous'.
Convém notar que os argumentos e propostas utilizados no livro não sãopuramente académicos. Num exemplo recente, o governo suíço anunciou que o descarregamento de músicas, filmes e livros da internet deixou de ser ilegal naquele país, independentemente da origem dos ficheiros. Esta medida foi em parte consubstanciada por um estudo realizado a pedido das autoridades que indica que a despesa agregada em bens culturais manteve-se constante num período alargado e que inclui a introdução e utilização geral de redes de partilha de ficheiros.
Refiro também que a relativa indiferença ou mesmo apoio do público emgeral face às actividades de hackers quando estes atacam sites governamentais pode ser explicada por uma crescente noção pública de
abusos perpetrados por autoridades em nome dos direitos de autor. Talvez seja essa mesma noção, hoje em dia quase impossível de não ser notada, que esteja a empurrar a emergência dos partidos pirata em
alguns países da Europa.
CRIME COM O ENVELOPE TECNOLÓGICO DA MODA PARECE QUE NÃO É CRIME
O vídeo dos Anonymous apelando a um ataque ao Facebook, embrulhado num palavreado típico do mambo jambo ideológico contra os EUA, é colocado como se fosse a coisa mais pacífica deste mundo por tudo quanto é sítio. Os nossos jornais de referência lá o têm, mais os links e as instruções destinadas a abater o inimigo capitalista. OK, dirão os micro-pensantes que pululam pela Internet, não o colocar é censura. Balelas, tretas! Experimentem colocar em linha num sítio sério, por exemplo, e de novo, num jornal de referência português, uma receita para envenenar saladas com e.coli nos restaurantes que têm self services, algo de fácil e também “anónimo”. Juntem-lhe um apelo ideológico qualquer à vossa escolha: contra os McDonalds, os alimentos geneticamente modificados, as alfaces recolhidas por trabalhadores não sindicalizados, os produtos químicos usados pela agricultura não-biológica, ou o imperialismo americano, que é tudo a mesma coisa, Escolham um nome pomposo em inglês do género “Animal response”, “Bacteria Legion”, “Salad anonymous fighters”, SAF, e façam um vídeo no YouTube a explicar o método. Vejam o clamor e muito provavelmente a polícia que vão ter á porta.
O que acontece com os Anonymous é que a actividade criminosa aparece associada a um glamour tecnológico que nos deixa babados de reverência perante a modernidade dos instigadores do crime e incapazes de ultrapassar o mesmo nível de micro-pensamento (já uma complacência de minha parte porque devia ser nano ou pico-pensamento…) que leva muita gente a considerar que há aqui uma qualquer “luta” com significado social. Não há, nem luta, nem protesto, mas arrogância (o vídeo dos Anonymous é um exercício insuportável de arrogância vanguardista, aliás com laivos proto-fascistas), mais instigação ao crime.
A
pergunta certa é quase sempre a mesma: por que razão foi escolhida
esta pessoa e não outra. Ou seja, se considerarmos que um negócio é um
negócio e exige determinado tipo de perfil, conhecimentos, experiência,
por que razão as escolhas para lugares de topo, bem remunerados, são
feitas de pessoas que não correspondem nem de perto nem de longe ao
perfil que seria "natural"? Qual é a natureza da perturbação que
justifica o desvio da escolha "natural"? Por que razão encontramos no
centro desta "área de negócios politizados" sempre as mesmas pessoas,
sempre os mesmos curricula , sempre os mesmos perfis de carreira,
sempre as mesmas redes de influência e sempre um "serviço" político ou o
seu pagamento? Por que razão vemos o dinheiro, os negócios, mais do que
o empreendedorismo, entrar nessas áreas onde o poder de Estado e o
poder político são centrais, e onde o controlo da informação e da
decisão política é a chave do sucesso no negócio?
Se se
quiser fazer negócio na área dos resíduos, se se quiser instalar parques
eólicos, se se quiser vender mobiliário urbano, se se quiser instalar
um atelier de arquitectura, se se for um urbanizador, se se quiser
aceder a fundos comunitários, se se trabalhar na área do marketing e das
agências da comunicação, na advocacia de negócios, ou mesmo se se
quiser abrir um restaurante da moda, só há dois caminhos de sucesso
garantido: conhecer os políticos certos e depois conhecer os jornalistas
certos. E o mercado sabe muito bem quem são os "políticos certos" e os
"jornalistas certos".
Deixando os jornalistas por agora, voltemos
à "área de negócios politizados". Precisa-se aí de ter conhecimentos
directos com os aparelhos partidários que controlam o acesso ao poder
político executivo, a nível central ou local, ou ter um "facilitador"
influente. Quando nos perguntamos por que razão nessas empresas, que
actuam nesta "área de negócios politizados", se escolhem para lugares de
administração, bem remunerados, pessoas que ou são políticos no activo
ou têm uma relação de "facilitação" e influência com o poder político, a
resposta é evidente. O processo Face Oculta é todo sobre isso,
mas também o é o Portucale , e muitos outros.
Outra
característica desta "área de negócios politizados" é a de estar cada
vez mais ligada a capitais com origem em países onde a corrupção é uma
forma de poder e os sistemas políticos são autoritários, como é o caso
típico dos capitais angolanos que aí abundam. Esses capitais têm todos
um pequeno problema, que pelos vistos não interessa a ninguém, que é o
de serem milhares de milhões com origem em pessoas que legalmente ganham
apenas umas centenas de dólares no seu cargo político. Aproveitem para
ler isto hoje no PÚBLICO, porque a continuar o takeover angolano
sobre os órgãos de informação portugueses, em breve isto não poderá ser
dito em quase lado nenhum.
Vejamos um caso hipotético e
compósito de um político tornado gestor. Começou por baixo, por um
aparelho partidário local cujo controlo assegurou, primeiro
pessoalmente, depois através de homens de sua confiança pessoal. Durante
toda a sua vida política nunca deixará de manter um controlo rigoroso
sobre a sua zona de influência original, colocando lá homens de mão, que
mais tarde emprega, distribuindo benesses e lugares sempre em primeira
mão para o aparelho onde se iniciou e cresceu. Perder o controlo dessa
base original é um grande risco, porque é aí que as pessoas melhor o
conhecem, numa altura em que os seus primeiros passos de carreira ainda
eram crus e pouco sofisticados e deixaram rastro.
Iniciou-se a receber "avenças" dos empresários locais que conheceu no
processo de obter financiamentos para a actividade partidária. Começa a
entrar ou a fazer uma rede de "amigos", a que garante "facilidades"
junto do poder central e local, primeiro em coisas simples e baratas e
depois vai fazendo o upgrade para negócios mais sérios. Quase
toda a sua economia pessoal é feita à margem do fisco e da lei, mas isso
há uns anos atrás não era problema nenhum, porque o controlo fiscal dos
rendimentos era uma ficção e hoje também não é por que há offshores
. Se havia algum escândalo público, a explicação clássica era de que
"ganhou na bolsa", e se esse escândalo implicasse problemas com a
justiça, o que era raríssimo, pagavam-se de imediato os impostos em
falta e esperava-se que a máquina emperrasse nas prescrições ou numa
tecnicalidade, como quase sempre acontecia.
Nesta altura, o
nosso político hipotético já dá uma grande atenção à comunicação social e
através de fugas de informações, que favorecem uma carreira
jornalística, ou através de favores, presentes, ou mesmo falsas avenças
ou empregos para familiares dos jornalistas no novo universo empresarial
em construção, já tem um círculo de jornalistas no seu bolso. Nenhum,
insisto, nenhum dos que fazem esta carreira hipotética o consegue fazer
sem relações privilegiadas com a comunicação social, umas vezes
pessoais, dominantes no passado, hoje através de agências de comunicação
pagas a peso de ouro. Esse ouro é pago por nós através de encomendas de
serviços "de comunicação" por uma autarquia ou um ministério "amigo",
assegurados, como tudo, pelo acesso ao poder político. Não existe hoje
nenhuma destas microrredes de poder que não esteja ligada à comunicação
social e que não dê importância decisiva a esse factor. No fundo, são
políticos modernos, antes sabiam bem do poder do telefone e dos almoços
de negócios, antes de ter medo das escutas, hoje exploram a fundo o
spin e as redes sociais.
Se for esperto, e muitos são
mesmo muito espertos, sai a tempo da política e dedica-se
"exclusivamente" aos negócios. Os seus negócios têm uma característica
comum - fazem-se todos na "área de negócios politizados", todos dependem
do acesso ao poder político e da decisão política, seja através de
informação privilegiada, seja através de facilidades e escolhas de
favor. Mas também por isso fica sempre com um pé, e um grande pé, dentro
da política. Emprega nas suas empresas os seus companheiros de partido,
e a sua família, cria laços sólidos no Estado e nas autarquias,
recomendou e obteve a colocação de muitas pessoas que lhe são fiéis,
ajuda a obter créditos e tratar de problemas com o fisco, ameaça quando é
preciso e aparece quando é preciso. Nalguns casos institucionaliza a
sua microrrede ou em associações e lobbies , ou, sempre deste
retrato hipotético e compósito, entra numa maçonaria e usa-a para novas
relações e novos recrutamentos em áreas sensíveis de decisão. Nos
exemplos mais modernos recruta mesmo nos blogues alguns jovens lobos
sedentos de notoriedade, poder e influência e que precisam de
patrocinato, e a quem "enreda" para que não lhe venham a criar problemas
no futuro. O que vemos hoje in the making é uma nova geração,
preparada e escolhida pela anterior, de políticos deste tipo, uns na
primeira divisão, mas a maioria na segunda divisão, onde também se ganha
muito dinheiro com muito mais discrição.
Há outro nome para
esta realidade - poder mafioso. Ele existe, reforça-se e reproduz-se.
Cada vez menos conhece qualquer oposição, seja da Justiça, seja da
opinião pública, seja de quem for. Com a crise, só pode piorar.