Os Anonymous falam em nome de uma coisa a que eles chamam “Internet Rights”, “direitos da Internet”, que estariam ameaçados por iniciativas legislativas como o SOPA (Stop Online Piracy Act) e o PIPA (Protect IP Act), destinadas a combater a pirataria generalizada na Rede. Quer num, quer noutro caso, a legislação proposta têm muitas inadequações, mas o problema que pretende defrontar é um problema real: a protecção dos direitos de autor, o combate á contrafacção, e de um modo geral a assunção de que o que é crime “cá fora” da Rede, é crime “lá dentro” da Rede. É esta correlação entre o que é considerado crime cá fora (o plágio, o roubo de identidade, a contrafacção, o roubo dos direitos de autor, de marcas e patentes, a calúnia, o insulto, a sabotagem, etc., etc.) e o que pode e deve passar a ser crime lá dentro que os Anonymous no meio desta retórica contra a censura querem combater. Uma coisa são os direitos, liberdades e garantias, seja no papel, seja no ecrã, seja no computador e na Rede, que devem permanecer intocados, outra são estes “Internet rights”.
Para os Anonymous e os seus seguidores “deitar abaixo” o Facebook, ou um sítio do FBI, ou de partidos como o PS, PSD e outros, ou entrar em áreas confidenciais onde estão os nossos dados médicos, ou o nome de polícias, é normal. Se nós pensássemos que a “velha” maneira do fazer era trepar a um muro ou abrir uma caixa de esgoto e cortar com alicate os fios, ou deitar ácido nas ligações, ou mandar uma paulada num guarda e partir com uma marreta um computador, aí já a turba dos flashmobs que gosta dos Anonymous pensava duas vezes sobre o que está a fazer. E talvez aí fosse mais longe do que o micro-pensamento sobre a censura e os “direitos da Internet”. E, caso produzissem alguma coisa que tivesse mercado, uma canção, um livro, uma imagem icónica, não estariam também a queixar-se numa entrevista “popular” que, apesar de terem existido milhares de cópias, não tinham recebido nada pelo seu talento, pelo seu trabalho? Nessas alturas a ideologia grosseira do comunismo primitivo que é a dos “direitos da Internet” onde tudo é gratuito e jorra para todos como o maná divino, já não lhes apela tanto como antes, quando nada valiam a não ser como consumidores. Vejam lá se o cozinheiro do Imaginário aos tombos, a quem o medo “não assiste”, não faz anúncios pagos? E já agora que contrafacção mais lucrativa existe do que fazer notas de dólar ou de euro? Não é uma censura inominável impedirem-me de reproduzir aqueles belos rendilhados das notas de euro, ou o santo “In God We Trust” do dólar?
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Sou um leitor que acompanho regularmente os artigos que partilha no seu blogue 'Abrupto'. Os textos que escreve são normalmente bem fundamentados e ponderados, pelo que foi com alguma surpresa e
desagrado que li o artigo "Os 'Direitos da Internet'". Concordo quando argumenta que as acções ilícitas de grupos de hackers na rede são graves e que os seus autores devem ser castigados. No entanto, a minha
discordância encontra-se centrada na defesa que faz sobre uma maior protecção dos 'direitos de autor' e da associação de violação de um 'direito de autor' a um crime.
Considerações teóricas e empíricas demonstram que a actual legislaçãoque regula os direitos de propriedade intelectual é, no mínimo, criticável. Tendo em conta o ganho económico social envolvido (ou
seja, analisando custos e perdas para produtores, consumidores e estado), a única política coerente seria a redução ou eliminação da regulação legal da propriedade intelectual; sejam 'direitos de autor' ou patentes. Contudo a corrente doutrinação (conveniente para alguns) sobre a importância da propriedade intelectual exige uma argumentação cogente que não é passível de ser transmitida através de um email.
Argumentos que, no entanto, existem, tendo sido exteriorizados por diversos economistas no passado. É por esta razão que, respeitosamente, indico a V. Exa. uma referência que condensa grande
parte dos argumentos utilizados por economistas que refutam a propriedade intelectual: o livro "Against Intelectual Monopoly", por Michele Boldrin e Kevin Levine. Note que os autores não são economistas radicais do tipo clássico, Marxista ou Keynesiano, mas respeitados professores de economia, membros (fellows) da Sociedade Econométrica e cujo livro foi revisto em revistas de literatura tão importantes como o the Jornal of Economic Literature" e apoiado por economistas politicamente distantes como Maskin, North ou Prescott (referindo apenas prémios Nobel). Julgo que este livro poderá servir para, pelo menos, expor a V. Exa. uma defesa da eliminação da propriedade intelectual diferente da propalada pelos 'Anonymous'.
Convém notar que os argumentos e propostas utilizados no livro não sãopuramente académicos. Num exemplo recente, o governo suíço anunciou que o descarregamento de músicas, filmes e livros da internet deixou de ser ilegal naquele país, independentemente da origem dos ficheiros. Esta medida foi em parte consubstanciada por um estudo realizado a pedido das autoridades que indica que a despesa agregada em bens culturais manteve-se constante num período alargado e que inclui a introdução e utilização geral de redes de partilha de ficheiros.
Refiro também que a relativa indiferença ou mesmo apoio do público emgeral face às actividades de hackers quando estes atacam sites governamentais pode ser explicada por uma crescente noção pública de
abusos perpetrados por autoridades em nome dos direitos de autor. Talvez seja essa mesma noção, hoje em dia quase impossível de não ser notada, que esteja a empurrar a emergência dos partidos pirata em
alguns países da Europa.