ABRUPTO

2.7.11


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Hoje, em Beijing durante as comemorações do 90º aniversário do PC Chinês (Pedro).

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HOJE DE NOVO
 

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COISAS DA SÁBADO: KADAFI, MUITO BEM, E BASHAR EL-ASSAD?

O Tribunal Penal Internacional (TPI) sempre me impressionou negativamente ao só decidir em função das condenações dos países ocidentais e dos EUA, quando lhes convém politicamente. Os EUA e a NATO decidiram livrar-se de Kadafi, e passaram a intervir num lado numa guerra civil, para promover “regime change”, em violação das deliberações da ONU. O TPI foi atrás mandando passar um mandato de captura contra Kadafi. 

Putin e a Federação Russa, que na segunda guerra da Chechénia cometeram vários crimes de guerra, nunca suscitaram a atenção do TPI e o mesmo se passa com a situação na Síria, em que as violências sobre civis são muito maiores do que as de Kadafi na Líbia, quando começou a intervenção militar. A duplicidade com a Síria tem motivos geopolíticos conhecidos: a Síria é um país árabe com boas relações no mundo muçulmano, e cliente da Federação Russa como o fora da URSS, e está na linha da frente com Israel. Por isso, Bashar El-Assad pode massacrar os seus concidadãos, sem se preocupar com mandatos de captura do TPI, nem, muito menos, com ver mísseis cruzeiros ou Rafales a voarem sobre Damasco.


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LATE  MORNING BLOGS


2053
 
The pathetic almost always consists in the detail of little events.

(Edward Gibbon)

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1.7.11


COISAS DA SÁBADO:


 O QUE JÁ FOI BEM FEITO: A INTENÇÃO DE ACABAR COM OS GOVERNOS CIVIS

No plano político, com mais ou menos incidentes, mais ou menos atrasos, já se percebeu que os governos civis vão acabar. Não é possível haver recuo. Ainda bem.

O QUE JÁ FOI MAL FEITO: AS INTENÇÕES SÃO BOAS A PREPARAÇÃO É NULA

Já se percebeu que ninguém pensou bem como acabar com os governos civis para além das palavras. Há um problema constitucional, veremos como se resolve. Há um problema de distribuição de competências que  não foi pensado. Este problema é mais complexo do que parece visto que há competências de governabilidade nacional, soberania e segurança que não podem ser entregues às autarquias e que devem ficar sempre sob a alçada do governo central. Mas nada disso é impossível, exige apenas estudo e conhecimento concreto das realidades.

Só temo é que a extinção dos governos civis sirva para abrir caminho à regionalização, que é o que explica que no PS não tenha havido muita oposição à medida. Se em contrapartida de um comissário político do governo em cada distrito, passar a haver um governo regional, com secretários para a educação, saúde, segurança, economia, etc., então é que os governos civis surgiriam como baratos e inócuos, para além do resto. O resto é a fragmentação do país quando ele precisa de estar mais unido.

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COISAS DA SÁBADO: 
O QUE JÁ FOI MAL FEITO: MINISTÉRIOS DEFORMADOS 
Um mau ponto de partida foi a criação de ministérios deformados com o afã de “cumprir” uma promessa eleitoral mal pensada, com um princípio justo, mas mal executado e mal preparado. Refiro-me ao “governo mais pequeno de sempre”, com dez ministros e vinte e cinco secretários de estado. Em vez de se aceitar corrigir o erro e pensar com mais consistência a estrutura do governo, avançou-se para “cumprir” a promessa sem ter estudado o assunto e o resultado foi o de se ter criado pelo menos dois ministérios deformados: Economia e etc. e Agricultura e etc.. Um até severamente deformado, o da Economia. Começou a corrigir-se o erro abandonando a promessa quanto aos secretários de estado, que de vinte e cinco passaram a trinta e cinco e não sabemos se ficarão por aqui e se haverá subsecretários de estado.

O carácter deformado do ministério da Economia recebeu uma tentativa de remendo com seis secretários de Estado, um número recorde. Vejo com muita dificuldade como é que este grupo de pessoas, muitas das quais nunca se encontraram e não tem laços de afinidade e de trabalho em equipa, vão trabalhar em conjunto. Vamos ver. Ao mesmo tempo para evitar a explosão do número de secretários de estado, há ministérios reduzidos a um e que se justificava ter mais, como é o caso da justiça, um dos que mais trabalho tem pela frente e de grande complexidade.

Preocupa-me este decidir à medida que se avança, corrigindo com a medida seguinte a asneira da anterior, com pouca preparação prévia, e mais presos à letra das promessas eleitorais do que ao seu realismo, eficácia e exequibilidade. Pode permitir que o Primeiro-ministro diga sempre que está a cumprir o que prometeu, mas, bem sei que isto parece uma blasfémia, a verdade é que o bom governo está acima das promessas eleitorais. E a verdadeira promessa eleitoral é só uma: tirar o país da crise extrema em que os socialistas o colocaram. Senão, como sempre acontece – lá está a Lei de Murphy – dá como resultado que o “governo mais pequeno de sempre” quanto a ministros dê origem a um número de secretários de estado semelhante ao governo Sócrates.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY  MORNING BLOGS


2052 - Our Valley

We don't see the ocean, not ever, but in July and August
when the worst heat seems to rise from the hard clay
of this valley, you could be walking through a fig orchard
when suddenly the wind cools and for a moment
you get a whiff of salt, and in that moment you can almost
believe something is waiting beyond the Pacheco Pass,
something massive, irrational, and so powerful even
the mountains that rise east of here have no word for it.


You probably think I'm nuts saying the mountains
have no word for ocean, but if you live here
you begin to believe they know everything.
They maintain that huge silence we think of as divine,
a silence that grows in autumn when snow falls
slowly between the pines and the wind dies
to less than a whisper and you can barely catch
your breath because you're thrilled and terrified.


You have to remember this isn't your land.
It belongs to no one, like the sea you once lived beside
and thought was yours. Remember the small boats
that bobbed out as the waves rode in, and the men
who carved a living from it only to find themselves
carved down to nothing. Now you say this is home,
so go ahead, worship the mountains as they dissolve in dust,
wait on the wind, catch a scent of salt, call it our life.

(Philip Levine)

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29.6.11


NOVO TESTAMENTO 

Depois do último Ponto Contraponto recebi pessoalmente e através do correio da  SICN muitos pedidos para indicar onde seria possível ter acesso ao curso de Dale Martin "Introdução ao Novo Testamento" sem ser no iPad. Aqui vai a ligação.  Infelizmente não existe nenhuma tradução em português.

*
Dado que divulgou n'o Abrupto uma ligação para o site do AcademicEarth, propor-lhe-ia que divulgasse também os do YouTube/edu (www.youtube.com/edu), que está organizado por universidades (para quem estiver interessado, os cursos do Leonard Susskind, de Stanford, sobre quase todos os tópicos fundacionais da Física Teórica são excelentes). Por outro lado e para minha frustração, o Technion colocou lá uma série de cursos sobre várias áreas da Matemática...em hebraico; aqui, encontro-me numa situação dual da sua: percebo o que está no quadro, mas não faço ideia do que o professor está a dizer (consigo adivinhar algumas partes). 

Outros dois sites interessantes, mas mais dedicados a seminários do que a cursos, são:
(1) VideoLectures (videolectures.net)
(2) IASVideo (video.ias.edu) (o IAS é o Institute for Advanced Study, cuja história e reputação falam por si).

(João Soares)
 
*
(...) a frase "Infelizmente não existe nenhuma tradução em português." não é correcta.(...)

A ligação que forneceu aos leitores do blog remete para o academicearth, um repositório que agrega vídeos de aulas, palestras, obtidas de várias fontes e disponibiliza-as em RealPlayer, perdendo-se algumas funcionalidades associadas ao vídeo no serviço original. A Yale University disponibiliza muitas aulas (assim como tantas outras "unis" dos EUA, do UK, do Canadá, Austrália,...) e fá-lo directamente numa página própria no Youtube; neste caso: http://www.youtube.com/user/YaleCourses. É essa a fonte original.

Só que Yale faz mais. Adiciona a "transcription" da palestra (feita por humanos). Isso resulta que o Youtube nem tem de recorrer o serviço "Translate Audio" (ainda em versão Beta). Ao carregar no botão vermelho "CC" imediatamente passa a visualizar o texto que Yale produziu. É um texto perfeito, sem gralhas, com as citações entre parêntesis, com toda a pontuação. Poderá mesmo ler as palavras em Latim ou as gregas (como "Paideia") sem qualquer gralha.

Sobre legendas no Youtube c.f. http://www.youtube.com/t/captions_about

Mas pode fazer mais. Como todo o texto original foi inserido num inglês sem mácula, o outro serviço em "versão beta" (o "Translate Captions)", funciona razoavelmente bem e consegue apresentar a legendagem traduzida para muitas línguas, incluindo o Português (tal como falado no Brasil, pelo que aparecerá nas legendas "banheiro dos romanos", tratamento por "você", etc).

Pode também escolher o tipo de caracteres com que quer que as legendas sejam produzidas no écran e pode até clicar em cima delas e move-las para o local da imagem que preferir de forma a não tapar algo importante.

Em suma, é necessário aceder aos vídeos originais no Youtube, activar as "CC" e depois alterar para Português.

--
Francisco Monteiro
Engineering Department
University of Cambridge
United Kingdom



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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO
PROMESSAS A CUMPRIR, PROMESSAS QUE NÃO PODEM SER CUMPRIDAS E PROMESSAS QUE NÃO DEVEM SER CUMPRIDAS

Eu bem sei que isto é matéria árdua e muito mais complicado de dizer do que de fazer, principalmente se for a palavra dos próprios que está em causa. Mas um dos lastros da campanha eleitoral e do carácter assertivo nas opiniões de alguns dos ministros pode vir a constituir um problema complicado. Aquilo que em tempos normais seria uma qualidade, cumprir as promessas que se fazem, pode vir a ser um defeito e mesmo um desastre. Veja-se uma caso típico: o governo com dez ministros e vinte e cinco secretários de estado. A ideia e o número redondo é populista, a sua execução pode revelar-se péssima. Ficamos em onze ministros por que o PSD tinha prometido dez e o CDS defendido doze e tirou-se a média. Já alguém soprou para os jornais que com onze ministros se poupam 100.000 euros por mês.

O “povo” gosta, mas temo que se tenham criado vários ministérios ingovernáveis, e se tenham acrescentado inúmeras dificuldades para a governação rápida e eficaz que se deseja. Primeiro, porque verdadeiramente não se fundiram os ministérios, o que só era possível com novas leis orgânicas e com a afectação do pessoal que sobra a outras funções. Os ministérios estão por isso na mesma. Segundo, porque a máquina que resulta desta fusão no papel, ou vai exigir equipas de secretários de estado gigantescas, o que contraria a intenção da redução de ministérios, ou vai criar labirintos e confusões que podem emperrar a execução rápida das medidas*. Os ministros como o da economia ou o da agricultura não vão saber para onde se virar, nem vão poder acompanhar a dimensão europeia da governação porque não tem tempo para ir a todas as reuniões. E mandar secretários de estado não é a mesma coisa. O que vai acontecer é que áreas inteiras vão ficar desleixadas ou tratadas atabalhoadamente, e as prioridades confusas no meio da selva burocrática.

Sir Humprey do Yes Prime Minister gostaria imenso desta fusão de ministérios que aumenta o poder da burocracia. E se a única redução prática for nos gabinetes de topo ainda ficará mais contente, porque onde antes estava uma cabeça muito grande para um corpo mais reduzido, agora pode-se ficar com uma cabeça muito pequena para um corpo gigantesco. É que, como sempre nos ensinou um dos primeiros grandes teóricos da burocracia, Max Weber, as acções dos políticos raramente dão o resultado pretendido, antes pelo contrário.
* O que se veio a confirmar. À data em que escrevi este texto ainda não era conhecido o número final de secretários de estado, que acabou por ser muito acima do prometido e próximo do do número do governo Sócrates que tinha muitos mais ministros. Isto significa que a deformidade de alguns ministérios como o da Economia é confirmada pela necessidade de ter seis secretários de estado.  As afirmações de que alguns secretários de estado são "quase ministros", são também de mau agoiro.

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28.6.11


EARLY  MORNING BLOGS

2051

Tous les vices à la mode passent pour vertus.

(Molière)

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27.6.11

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NOBRE, OS ACAMPADOS E A "DEMOCRACIA VERDADEIRA, JÁ!"


O comentário político está tão subserviente e balofo, salvo honrosas excepções, que funciona por simples moldes virais, mais ou menos formatados, entre a adesão ao poder sem disfarces, a propaganda pura e o wishfull thinking. Enquanto na era Sócrates esses moldes virais, frases, pseudo-argumentos, contra-argumentos, eram preparados profissionalmente, agora ainda dependem muito do entusiasmo entre o ingénuo e o servil que por aí anda entre blogues, jornais e televisões. Com o tempo, virá a profissionalização e também teremos a nossa nova câmara corporativa governamental para que não faltam voluntários. Não admira que haja quem queira sanear os comentários que não alinham com o modo dominante, uma pulsão que eu conheço muito bem e já de há muitos anos. Acentuou-se muito com o governo Santana Lopes, onde atingiu Marcelo Rebelo de Sousa, ganhou foros de obsessão com Sócrates que não se coibiu de roçar a ilegalidade para garantir o saneamento dos jornalistas considerados hostis e agora move a patrulha de amigos de Miguel Relvas, de quem ele foi e é fonte e patrocinador. É, aliás, muito pedagógico ver o movimento de jornalistas para os gabinetes governamentais, uma transumância que devia ter tanta transparência e exposição pública como a de ministros e secretários de Estado. Mas este escrutínio, de um modo geral, a comunicação social hesita em fazer.


Vejamos o "caso Nobre". Declaro desde já que não penso que este episódio deixe marcas na governação e que a sua conclusão seja uma "derrota" de Passos Coelho. Os problemas que o Governo vai afrontar são de tal monta que o "caso Nobre" é um epifenómeno que será rapidamente esquecido. Quanto ao facto de ele ser revelador da fragilidade da coligação, também não penso que acrescente alguma coisa ao que já era mais que visível se se estivesse atento: a coligação assenta numa desconfiança entre PSD e CDS e entre Portas e Passos Coelho muito maior do que a anterior coligação de 2002-2004. Na coligação de 2002, ambos os partidos tinham sido inimigos em campanha de forma clara e frontal, e, como muitas vezes acontece, é mais fácil entender-se entre inimigos do que entre semiamigos, que é o terreno da coligação de 2011. Há por isso um ambiente de competição mais acentuado e mais complicado do que em 2002, mas daí não se pode inferir que a coligação falhe. Há enormes pressões exógenas para um bom comportamento governamental que pode dar origem a uma coligação que resulte. Vamos ver.

Quanto a Nobre, vejamos a razão por que me parece de um simplismo atroz a discussão de chavões que por aí anda, que se centra no molde viral de que Nobre é um cavaleiro da "independência" e a sua derrota na Assembleia significa uma vitória do "aparelhismo partidário" contra uma pessoa que vem de fora para mudar de alto a baixo o sistema político e reformar a Assembleia. Passos Coelho seria o campeão desta entrada dos "independentes" na vida política e cumpriu a sua palavra ao insistir na apresentação falhada de Nobre no Parlamento. Este é o tipo de "argumentos" que para aí circulam, que têm a natureza de serem facilmente reversíveis: por exemplo, pode-se dizer que Passos Coelho queria de Nobre apenas os votos e que a história da "independência" também é jogar com os ventos dominantes para efeitos eleitorais. Experimentem perguntar a Passos Coelho se ele é a favor de listas "independentes" para as eleições legislativas quebrando o monopólio partidário. E podia dizer-se que se Passos Coelho merece elogios por cumprir a sua palavra, Nobre quebrou a sua mantendo-se no Parlamento. Etc., etc.

A minha opinião sobre Nobre é de há muito negativa e nunca o escondi. Cito-me, por excepção, para que as palavras tenham data e não possam ser inquinadas pelo que aconteceu a seguir. Escrevi durante a campanha para as presidenciais o seguinte (e cito apenas uma muito pequena parte, o resto ainda é pior):
"Nobre tem a pior das posturas, pessoal e nos debates, uma mistura de vaidade e aproveitamento biográfico sem pudor, populismo e ignorância. Nobre acha que são virtudes, porque ele é o único que não veio da política, mas são política do pior."

A sua campanha foi de uma vacuidade impressionante, nada tinha a dizer ao país e o que lhe dizia era puro populismo grosseiro, contra os partidos e a "política" (que é sempre a política da democracia). Teve quinhentos mil votos nas presidenciais, com a mesma natureza conjuntural do milhão em Manuel Alegre. Nem vale a pena estar aqui a perder tempo a explicar qual foi a conjuntura, que todos percebem o papel que a candidatura teve nas divisões internas ao PS, para além do óbvio facto de hoje o populismo dar votos.

Por isso a minha objecção contra Nobre tem pouco a ver com as dicotomias "independente" versus "partidocracia", de "fora da política" contra "classe política", "cidadão impoluto" contra a "corrupção parlamentar". Não tinha a ver com o facto de Nobre não ser filiado em nenhum partido, mas sim com as ideias que traduziam a sua "independência" e que são, a meu ver, pura e simplesmente antidemocráticas. Esta é a razão principal pela qual o PSD nunca o devia ter convidado para as suas listas.

Aliás, significativo do actual "situacionismo" é que ninguém faz a comparação óbvia entre as ideias de Nobre e outros movimentos que também as professam, como sejam os participantes das acampadas de Lisboa, Coimbra e Porto e mentores das manifestações do "democracia verdadeira já!". O que estes defendem é a substituição da democracia parlamentar por uma espécie de democracia directa, em que as decisões passem a ser tomadas em "assembleias" e referendos, sem necessidade de existirem partidos políticos nem eleições. É isso que eles têm tentado levar à prática, embora de uma forma tão grotescamente ridícula que desvia a atenção apenas para a parafernália mais ou menos sórdida dos acampamentos e as manifestações folclóricas, com desatenção para as ideias que estão por trás. As ideias têm muito maior expressão do que as poucas centenas de pessoas que têm aparecido nos eventos e tenho poucas dúvidas que se a comunicação social lhes desse alguma da simpatia e proselitismo que deu à manifestação da "geração à rasca", as manifestações teriam um grande sucesso.


O que os "acampados" têm feito é uma paródia da democracia directa que tomam a sério como sendo a "democracia verdadeira". Os cartazes das manifestações podem ser sintetizados num único: "O povo unido não precisa de partidos". O "povo unido" são eles, uma entidade orgânica que expele do seu seio, os "políticos", o antipovo. Juntos em assembleia "popular", "o povo unido" não precisa de deputados, nem de partidos, nem em bom rigor de eleições como as da "democracia falsa" que para aí existe. O sistema político parlamentar é apresentado num panfleto como sendo um "sistema político de falsa democracia".

Como se trata de um movimento de intelectuais acentua-se que a alternativa está "num debate intelectualmente sério sobre o assunto", sem "aproveitamentos partidários", mas a verdade é que a coreografia do movimento é a de dar à "democracia verdadeira já!" o modelo da democracia directa. Como na linguagem do engsoc orwelliano, os ajuntamentos de dezenas de pessoas, que são a representação mimética da Assembleia da República, chamam-se "assembleias populares", porque o "povo" está ali "verdadeiramente" representado. E os "amigos" no Facebook e os "gosto" ou "não gosto" da Internet são as "verdadeiras" eleições.

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Num boletim de voto de um "referendo" realizado numa das "acampadas" perguntava-se: "Sente-se representado no actual sistema democrático?". Uma centena de pessoas decide pelo país que "não", porque, como se teoriza num panfleto sobre a "natureza da Assembleia", deve ser "ela a dominar a estrutura e não a estrutura que domine a Assembleia". Por aí adiante. Era ali que Nobre deveria estar, entre os manifestantes da acampada e os seus contrapartes mais à direita do grupo, "um milhão de pessoas na avenida para demitir a classe política".

Estas ideias não só novas, são aliás velhíssimas. Esta mistura de basismo, de recusa da representação, de redução do direito de decidir apenas aos activistas, mergulha em determinadas formas de anarquismo, mas também de certas tradições conselhistas e obreiristas que acompanharam as dissidências do comunismo. E hoje comunicam com o populismo dos saudosistas de Salazar e dos remailers que activamente na Internet contam a história do general de Singapura que faz um golpe de Estado, manda fuzilar os políticos corruptos e depois faz eleições e tem 100% dos votos. Democracia verdadeira já!

As ideias de Nobre são uma variante elitista deste tipo de concepções. A suprema ironia é de que um homem com estas ideias quisesse ser presidente do órgão por excelência que, ao existir, as nega em democracia.

(Versão do Público de 25 de Junho de 2011.)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)


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LATE  MORNING BLOGS


2050

For they are yet ear-kissing arguments.

(William Shakespeare)

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