ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
27.6.11
![]() NOBRE, OS ACAMPADOS E A "DEMOCRACIA VERDADEIRA, JÁ!" ![]() Quanto a Nobre, vejamos a razão por que me parece de um simplismo atroz a discussão de chavões que por aí anda, que se centra no molde viral de que Nobre é um cavaleiro da "independência" e a sua derrota na Assembleia significa uma vitória do "aparelhismo partidário" contra uma pessoa que vem de fora para mudar de alto a baixo o sistema político e reformar a Assembleia. Passos Coelho seria o campeão desta entrada dos "independentes" na vida política e cumpriu a sua palavra ao insistir na apresentação falhada de Nobre no Parlamento. Este é o tipo de "argumentos" que para aí circulam, que têm a natureza de serem facilmente reversíveis: por exemplo, pode-se dizer que Passos Coelho queria de Nobre apenas os votos e que a história da "independência" também é jogar com os ventos dominantes para efeitos eleitorais. Experimentem perguntar a Passos Coelho se ele é a favor de listas "independentes" para as eleições legislativas quebrando o monopólio partidário. E podia dizer-se que se Passos Coelho merece elogios por cumprir a sua palavra, Nobre quebrou a sua mantendo-se no Parlamento. Etc., etc. A minha opinião sobre Nobre é de há muito negativa e nunca o escondi. Cito-me, por excepção, para que as palavras tenham data e não possam ser inquinadas pelo que aconteceu a seguir. Escrevi durante a campanha para as presidenciais o seguinte (e cito apenas uma muito pequena parte, o resto ainda é pior): "Nobre tem a pior das posturas, pessoal e nos debates, uma mistura de vaidade e aproveitamento biográfico sem pudor, populismo e ignorância. Nobre acha que são virtudes, porque ele é o único que não veio da política, mas são política do pior." A sua campanha foi de uma vacuidade impressionante, nada tinha a dizer ao país e o que lhe dizia era puro populismo grosseiro, contra os partidos e a "política" (que é sempre a política da democracia). Teve quinhentos mil votos nas presidenciais, com a mesma natureza conjuntural do milhão em Manuel Alegre. Nem vale a pena estar aqui a perder tempo a explicar qual foi a conjuntura, que todos percebem o papel que a candidatura teve nas divisões internas ao PS, para além do óbvio facto de hoje o populismo dar votos. Por isso a minha objecção contra Nobre tem pouco a ver com as dicotomias "independente" versus "partidocracia", de "fora da política" contra "classe política", "cidadão impoluto" contra a "corrupção parlamentar". Não tinha a ver com o facto de Nobre não ser filiado em nenhum partido, mas sim com as ideias que traduziam a sua "independência" e que são, a meu ver, pura e simplesmente antidemocráticas. Esta é a razão principal pela qual o PSD nunca o devia ter convidado para as suas listas. ![]() O que os "acampados" têm feito é uma paródia da democracia directa que tomam a sério como sendo a "democracia verdadeira". Os cartazes das manifestações podem ser sintetizados num único: "O povo unido não precisa de partidos". O "povo unido" são eles, uma entidade orgânica que expele do seu seio, os "políticos", o antipovo. Juntos em assembleia "popular", "o povo unido" não precisa de deputados, nem de partidos, nem em bom rigor de eleições como as da "democracia falsa" que para aí existe. O sistema político parlamentar é apresentado num panfleto como sendo um "sistema político de falsa democracia". Como se trata de um movimento de intelectuais acentua-se que a alternativa está "num debate intelectualmente sério sobre o assunto", sem "aproveitamentos partidários", mas a verdade é que a coreografia do movimento é a de dar à "democracia verdadeira já!" o modelo da democracia directa. Como na linguagem do engsoc orwelliano, os ajuntamentos de dezenas de pessoas, que são a representação mimética da Assembleia da República, chamam-se "assembleias populares", porque o "povo" está ali "verdadeiramente" representado. E os "amigos" no Facebook e os "gosto" ou "não gosto" da Internet são as "verdadeiras" eleições. Num boletim de voto de um "referendo" realizado numa das "acampadas" perguntava-se: "Sente-se representado no actual sistema democrático?". Uma centena de pessoas decide pelo país que "não", porque, como se teoriza num panfleto sobre a "natureza da Assembleia", deve ser "ela a dominar a estrutura e não a estrutura que domine a Assembleia". Por aí adiante. Era ali que Nobre deveria estar, entre os manifestantes da acampada e os seus contrapartes mais à direita do grupo, "um milhão de pessoas na avenida para demitir a classe política". Estas ideias não só novas, são aliás velhíssimas. Esta mistura de basismo, de recusa da representação, de redução do direito de decidir apenas aos activistas, mergulha em determinadas formas de anarquismo, mas também de certas tradições conselhistas e obreiristas que acompanharam as dissidências do comunismo. E hoje comunicam com o populismo dos saudosistas de Salazar e dos remailers que activamente na Internet contam a história do general de Singapura que faz um golpe de Estado, manda fuzilar os políticos corruptos e depois faz eleições e tem 100% dos votos. Democracia verdadeira já! As ideias de Nobre são uma variante elitista deste tipo de concepções. A suprema ironia é de que um homem com estas ideias quisesse ser presidente do órgão por excelência que, ao existir, as nega em democracia. (Versão do Público de 25 de Junho de 2011.) (url)
© José Pacheco Pereira
|