ABRUPTO

27.12.08


LIVROS DE QUATRO GERAÇÕES (93)





Livros científicos do século XVIII.

*
(...) a edição publicada pela Universidade de Coimbra em 1774 dos Elementos de Euclides chamou-me logo a atenção. É natural que esse livro tenha sido publicado nessa altura por essa Universidade em virtude da reforma de 1772. Mas desconhecia totalmente que a edição de Robert Simson (que, dos 13 livros que formam os Elementos, só contém os livros 1 a 6, o 11º e o 12º) tivesse sido publicada em Portugal e somente 18 anos após a primeira publicação. É claro que, como foi publicada originalmente em latim, não havia qualquer trabalho de tradução envolvido. A propósito, esta é das versões mais populares dos Elementos jamais publicadas; teve mais de 70 edições, revisões e traduções, a última das quais publicada em São Paulo, em 1944.

(José Carlos Santos)

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EXTERIORES: CORES DE HOJE

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Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO:
A “EMPRESÁRIA ANGOLANA” QUE COMPROU UMA FATIA DUM BANCO PORTUGUÊS POR MUITOS MILHÕES






Dois títulos muito diferentes no mesmo dia para a mesma coisa, o do Diário de Notícias e o do Público. Dada a natureza da sua fortuna, num dos países mais pobres do mundo, a referência à qualidade de "filha" do Presidente é fundamental. "Empresária angolana" é uma contradição nos seus termos.
O interessante exercício de ver alguns jornais a fazerem verdadeiras manobras de equilibrismo para nos falarem da “empresária angolana” que comprou parte do BPI, sem nos dizerem que essa “empresária” é a filha do Presidente de Angola, diz-nos muito sobre o novo temor reverencial que por aí cresce: com os dirigentes angolanos é preciso muito cuidadinho. O facto é que para mim, que não sou dado a esses cuidadinhos, permanece um mistério como é possível que a filha de um Presidente que ganha umas centenas de dólares de salário oficial tenha tido uma ascensão fulgurante no mundo dos negócios, da recolha do lixo de Luanda, aos diamantes e numa míriade de empresas com boas relações portuguesas como os Espírito Santos e os Amorins. De onde vem este dinheiro?

É dinheiro não é? Fala por si, não fala? Então qual é o problema? O problema é a transmutação respeitosa da filha do Presidente, em “empresária angolana”, pelas artes do silêncio e do temor e o medo de fazer as perguntas que devem ser feitas.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (19)











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Congresso Mundial do Leite na Alemanha nazi, Berlim, 1937.

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COISAS SIMPLES


(Baldassare Franceschini)

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EARLY MORNING BLOGS

1451 - Poésies I (fragmento)

Les gémissements poétiques de ce siècle ne sont que des sophismes.
Les premiers principes doivent être hors de discussion.
J'accepte Euripide et Sophocle ; mais je n'accepte pas Eschyle.
Ne faites pas preuve de manque des convenances les plus élémentaires
et de mauvais goût envers le créateur.
Repoussez l'incrédulité : vous me ferez plaisir.
Il n'existe que deux genres de poésies ; il n'en est qu'une.

Il existe une convention peu tacite entre l'auteur et le lecteur, par
laquelle le premier s'intitule malade, et accepte le second comme
garde-malade. C'est le poète qui console l'humanité ! Les rôles sont
intervertis arbitrairement.
Je ne veux pas être flétri de la qualification de poseur.
Je ne laisserai pas de Mémoires.
La poésie n'est pas la tempête, pas plus que le cyclone. C'est un
fleuve majestueux et fertile.
Ce n'est qu'en admettant la nuit physiquement, qu'on est parvenu à la
faire moralement. Ô nuits d'Young ! vous m'avez causé beaucoup de
migraines !
On ne rêve que lorsque l'on dort. Ce sont des mots comme celui de rêve,
néant de la vie, passage terrestre, la préposition peut-être, le
trépied désordonné, qui ont infiltré dans vos âmes cette poésie moite
des langueurs, pareille à de la pourriture. Passer des mots aux idées,
il n'y a qu'un pas.

(Isidore Ducasse, conde de Lautreamont)

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26.12.08


COISAS DA SÁBADO: UMA OBRIGAÇÃO DE PORTUGAL

Financiada pela Liga dos Combatentes, mas sem o devido apoio do estado português, continua a exumação dos soldados mortos na Guiné, e o transporte dos corpos para Portugal, onde serão enterrados com as honras militares que lhes são devidas. Um país, que nestas alturas não se porta bem, esqueceu-os e se não fosse a existência de pessoas, militares sobretudo, que ainda tem uma noção “antiga” de honra (e há outra?) lá continuariam esquecidos em terra hoje alheia.

Eu combati esta guerra e sei que foi uma guerra “errada”. Mas os soldados portugueses que lá tombaram são nossos, são parte integrante da nossa identidade como povo, e o seu destino infausto faz parte da nossa história e deve ser honrado sem reservas.

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COISAS DA SÁBADO: AS FESTAS QUE JÁ NÃO SERÃO TÃO BOAS

“Temos agora boas razões para acreditar que a criação de emprego vai prosseguir nos próximos anos”, disse José Sócrates. (...) Em termos de crescimento económico do país, o primeiro-ministro disse também acreditar que o pior já passou. E o ano que agora finda, sustentou, fica marcado pela “recuperação” e por “resultados positivos para o país”.

De acordo com Sócrates, a economia portuguesa, com um crescimento a rondar os dois por cento, “prossegue de forma consistente uma trajectória segura de crescimento”, a que não é alheio o esforço de consolidação das contas públicas, que deixará este ano o défice orçamental abaixo dos três por cento.”.

Da mensagem de Natal de José Sócrates de 2007.
O principal problema de Portugal é que está cada vez mais pobre, mais endividado, cada vez mais vivendo ainda acima das suas possibilidades. Não é nada de novo, só que agora é muito pior, porque a torneira externa que fazia entrar o dinheiro emprestado está a fechar-se. A primeira página do Expresso, que relata as dificuldades da CGD em obter o dinheiro que pediu, mesmo com o aval do estado português, - repito, mesmo como aval do estado português - devia ser sonorizada na Internet com uma sirene do tempo da guerra, daquelas a anunciar que vinha fogo e morte do ar.

O problema anexo a este, é que a maioria das pessoas ainda não percebeu que é assim e continua a viver habitualmente. Até o Primeiro-ministro, sem pudor nenhum, lhes disse que o rendimento das famílias iria aumentar em 2009, então porque é que têm que ter preocupações? Mas, se olharem bem à sua volta, mesmo na cidade, mesmo em famílias onde a função pública parece blindar as pessoas da preocupação do emprego, os sinais do empobrecimento estão a crescer. No seu bairro, as pequenas lojas estão a fechar, no correio as cartas dos bancos estão a crescer, e cada vez é mais difícil empregar um filho. As contas e os impostos pesam cada vez mais. Em vez de ouro compra-se prata. O pensamento de que é preciso poupar no telemóvel apareceu como uma vaga preocupação. As casas estão cada vez mais inacessíveis e os bancos já não emprestam como no passado, por isso os filhos que deviam há muito ter saído de casa, continuam lá, sem futuro, eternos adolescentes. A saúde, se se quiser cuidados mínimos e a tempo, está caríssima no privado.

A vida, mesmo para quem sempre se pensou protegido, parece que parou numa mediocridade sem esperança. Aparentemente continua toda a gente a poder fazer tudo o que fazia antes, mas o custo de o fazer começa a ter outro peso. Como o país tudo encalha. É só uma questão de tempo para começar a ir ao fundo.

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EXTERIORES: CORES DESTES DIAS

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Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)



Fim de tarde. (RM)



Nevoeiro na janela da cozinha.



Reflexo do Planeta Venus na ribeira de Barcarena. Entardecer de dia 24 de Dezembro. (ana)



(MJ)



No mercado do Fundão – Couve portuguesa para a Consoada. (Eduardo Saraiva)

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COISAS SIMPLES



Desenho anónimo, século XVIII.

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EARLY MORNING BLOGS

1450 - little tree

little tree
little silent Christmas tree
you are so little
you are more like a flower

who found you in the green forest
and were you very sorry to come away?
see i will comfort you
because you smell so sweetly

i will kiss your cool bark
and hug you safe and tight
just as your mother would,
only don't be afraid

look the spangles
that sleep all the year in a dark box
dreaming of being taken out and allowed to shine,
the balls the chains red and gold the fluffy threads,

put up your little arms
and i'll give them all to you to hold
every finger shall have its ring
and there won't be a single place dark or unhappy

then when you're quite dressed
you'll stand in the window for everyone to see
and how they'll stare!
oh but you'll be very proud

and my little sister and i will take hands
and looking up at our beautiful tree
we'll dance and sing
"Noel Noel"

(E. E. Cummings)

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25.12.08


COISAS SIMPLES



(Eugène Delacroix)

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EARLY MORNING BLOGS

1459 - O Natal

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

(David Mourão-Ferreira)

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24.12.08


COISAS SIMPLES



Desenho anónimo, século XVIII.

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EARLY MORNING BLOGS

1458 - Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

(David Mourão-Ferreira)

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22.12.08


EXTERIORES: CORES DE ONTEM E DE HOJE

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Primeiro dia de Inverno. Hoje de manha em Middletown NY. (Manuela Mage )



Nuvens ao fim da tarde. (RM)



Setúbal.



Oeiras. (MJ)



Sinclinais em Barca d'Alva, Freixo de Espada à Cinta. ( A. Gonçalves)




(ana)



Porto às 7h30 da manhã de hoje. (José Paulo Andrade)





Amarante à noite. (Helder Barros)

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A ABSURDA IDEIA DE QUE HÁ UM "REGRESSO A MARX"


Todos nós coleccionamos em vida uma série de coisas absurdas que ouvimos e lemos e que têm vida própria no excelente meio de cultura da comunicação social. Uma das variantes actuais desta forma especial de virose da asneira é a afirmação repetida, até por gente muito séria, de que a actual crise económica e financeira dá razão a Marx, mostra a necessidade de um "retorno a Marx". Marx? Nosso Senhor, ou o Supremo Arquitecto, perdoai-lhes porque não sabem do que falam e Marx, se tivesse ironia, o que não tinha, deveria estar a rir-se no seu túmulo de Highgate decorado por uma coroa de flores envelhecida de uma delegação do PC dos Estados Unidos, aquele que tinha mais membros do FBI do que militantes genuínos.

Comecemos pela escolha do próprio Marx como aquele a que se "regressa" sempre que há uma crise da economia capitalista, acompanhada por um sentimento popular de sempre, que já existia na Roma antiga, contra o dinheiro e os ricos, e que agora se intitula "anticapitalismo popular". Por que não um regresso a Proudhon, ou Bakunine, ou Kropotkine, ou Lassalle, ou qualquer das múltiplas variantes de críticos do capitalismo e da democracia que marcam o pensamento do século XIX? Por que não um retorno à "doutrina social da Igreja", das encíclicas sociais como a Rerum Novarum, que marca a evolução da velha condenação eclesial da usura (e dos judeus) para a crítica ao capitalismo e a afirmação da "preferência pelos pobres"? E por que não, escândalo dos escândalos, ao anticapitalismo do nacional-socialismo, ou do fascismo italiano, todos eles muito socialistas na sua génese? E, por que não, aqui com inteira razão de ser, um retorno a Schumpeter, ele sim que escreveu exactamente sobre coisas que se estão a passar? Mas, "regressamos a Marx" porque a cultura dominante da nossa elite de esquerda e de direita foi feita de uma vulgata marxista, mais do que de Marx propriamente dito, e por isso para eles as tribulações do capitalismo remetem para Marx, tão natural como erradamente. O capitalismo é "mau", logo Marx tem razão.

Na verdade, aquilo que é o conteúdo do "regresso a Marx" resume-se ao facto de o Estado estar a intervir para tentar remendar os efeitos da crise financeira e minimizar os efeitos dessa crise na chamada "economia real", como se a outra fosse "irreal", ou seja, Bush quando decide injectar no sistema financeiro uns milhões de dólares, ou Obama quando quer salvar a General Motors, Sócrates quando reforça o capital da CGD com fundos públicos, ou os governos quando avançam com variantes nacionais de programas como o Tennessee Valley Authority de Roosevelt para combater o desemprego estão a propor uma solução "marxista" para os problemas da crise. Mais intervenção do Estado, menos "mão invisível", menos mercado livre, logo mais Marx. Para quem conheça Marx esta ilação é completamente absurda.



Conhecidos governantes que fizeram um "regresso a Marx", a julgar pelo que se escreve sobre eles.

Na crítica ao capitalismo moderno que Marx fez no Capital e em outros textos, na sua convicção "científica" da inevitabilidade da "autodestruição" do capitalismo, formulada em "leis" a que Marx e Engels atribuíam o mesmo estatuto das leis de Newton, nenhuma se aplica à actual situação de crise económica e financeira, nem as análises, nem as soluções. Só por ignorância de Marx, e de Engels como intérprete "legítimo" de Marx, é que se pode considerar que o reforço do papel do Estado na economia, através quer de nacionalizações, quer de "regulação", correspondem ao programa político marxista. Quer Marx, quer Engels, quando confrontados com as primeiras formulações de um programa "mínimo" por aqueles que hoje conhecemos como os fundadores do Partido Socialista Alemão, nos chamados "programas de Gotha e Erfurt", não fizeram outra coisa senão mostrar como a ilusão da intervenção do Estado era mais uma adaptação do capitalismo do que um passo na sua destruição, mais uma extensão do Estado prussiano e da política de Bismarck do que algo que revolucionários pudessem aceitar. Apesar de algumas ambiguidades dos "programas mínimos", mais presentes em Engels do que em Marx, a rejeição das ideias de Lassalle é radical, perguntando-se Engels na crítica ao Programa de Erfurt se a reivindicação de serviços públicos estatais (justiça, saúde, etc.) era compatível com "a rejeição do socialismo do Estado". E, por fim, a cereja no bolo marxista: é criticando o Programa de Gotha que Marx se refere a que entre "a sociedade capitalista e a sociedade comunista" está a "ditadura do proletariado". É a este Marx que "regressam"?

Depois, nada há de menos marxista do que confundir a "luta de classes" com o discurso genérico e ambíguo dos ricos e dos pobres, o que faria Marx tremer de raiva. Na verdade, um dos grandes combates políticos de Marx como "marxista", depois de ser hegeliano, foi insistir que o papel do proletariado não vinha da vontade nem do irredentismo operário (bem menor em muitos países do que o da pequena-burguesia ou do campesinato), mas da condição proletária, ou seja, de um dado "científico" inscrito na relação de exploração. Por isso, a revolução só podia ser feita pelo proletariado constituído em partido (a grande divergência com Bakunine), matéria que Lenine transformou em realidade política, mas que os socialistas alemães herdeiros directos de Marx, Engels e Kautsky nunca conseguiram fazer.

Podia continuar por páginas e páginas. Duvido que Marx achasse mal a globalização financeira como passo para a globalização do capitalismo e, claro, da revolução. Por exemplo, falando sobre a protoglobalização que conhecia no seu tempo, Marx acabava por ser um partidário da política de canhoneira, que, abrindo a tiro os grandes mercados fechados da Índia, do Japão e da China, permitia que o capitalismo se tornasse mundial e, a prazo, a revolução também. Marx considerava que o capitalismo era superior ao "despotismo oriental" na grande ordem do progresso da História e nos seus artigos americanos defendeu a Guerra do Ópio. Aqui, até Eça de Queirós era mais "antimperialista".

Podia de facto continuar por páginas e por páginas, mas não vale a pena. Se ao menos o "regresso a Marx" se traduzisse numa leitura de Marx, um dos autores fundamentais da nossa contemporaneidade, ainda valia a pena. Não é isso que se passa, mas a deterioração acentuada do pensamento da chamada "esquerda independente" e das modas mediáticas. E disso Marx não tem culpa.

(Versão do Público de 20 de Dezembro de 2008.)

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© José Pacheco Pereira
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