ABRUPTO

10.5.08


COISAS DA SÁBADO: INSUPORTÁVEL VAZIO (2)



(Continua esta nota.)

Mas não é só pela ausência de qualquer matéria de interesse público, a começar pela política, que a irrelevância deixa a as suas marcas. Há também uma degradação da própria cobertura noticiosa, em relação a padrões de maior qualidade atingidos há alguns anos. Por exemplo, a velocidade de cobertura das notícias e a sua diversificação está cada vez mais dependente de horários de funcionalismo público e da escassez de jornalistas ou de métodos conservadores de manter a agenda nas redacções. A única coisa para que as televisões parecem mostrar plasticidade e velocidade são os acidentes e o futebol. Há um morto num acidente de viação num sítio qualquer do país e saem a toda a velocidade os carros de exteriores para os “directos”.

Na verdade, o país fecha com o telejornal da noite para tudo o que não sejam irrelevâncias e, a partir daí, pouco mais do que repetições são de esperar, mesmo em televisões e rádios noticiosas que é suposto funcionarem 24 horas por dia. Aqui está-se a andar e muito para trás. A ideia de que uma notícia deve ser dada o mais cedo possível, desaparece com a acumulação de material que fica à espera do dia seguinte, muitas vezes das 13 horas, para finalmente aparecer. Deixaram de ser as notícias a mandar, mas apenas os alinhamentos dos noticiários e as suas conveniências. Os que sabem que uma coisa aconteceu, entre as 8 e a meia-noite, período de tempo que já foi nobre para conduzir actividades para os que trabalham durante o dia, muito provavelmente tem que se habituar a que os horários preguiçosos das televisões, tornem inexistente tudo o que aconteça à noite e não seja uma gala, ou um jogo de futebol.

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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão a ser actualizados com a publicação de uma série de documentos inéditos para a história do impacto do "bolchevismo" em Portugal em 1919, existentes no Arquivo José Relvas na Casa dos Patudos em Alpiarça.

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UM DOCUMENTO ÚNICO PARA A NOSSA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA:
IMAGENS DA CARGA POLICIAL DE 12 DE JULHO DE 1973 NA TAP
Uma versão mais completa do enquadramento dos eventos e com imagens de maior definição será colocada nos Estudos sobre o Comunismo em breve.
Estas imagens são raríssimas na história da ditadura, onde se contam pelos dedos da mão as fotos de greves, manifestações e das cargas policiais, por razões óbvias: a polícia se soubesse que estava a ser fotografada prenderia e maltrataria o fotógrafo. Isso aconteceu na campanha de Delgado. Para além disso não era tão fácil fotografar como agora, as máquinas eram maiores e pouco portáteis e ficava por resolver o problema da revelação das películas, uma actividade também perigosa para fotografias "proibidas". Este é um dos aspectos de uma censura retrospectiva eficaz, que da ditadura veio para a democracia: não há imagens, não há os acontecimentos, ou os acontecimentos são débeis sem a força das imagens

Um leitor do Abrupto, Castello Branco, enviou-me uma série de fotografias que são históricas e que são parcialmente inéditas (algumas foram divulgadas na cronologia da Associação 25 de Abril.) . Foram tiradas pelo seu Pai:

"Sabia que as tinha, mas não em que baú. Encontrei-as e envio-lhas porque sei que é um interessado nestas coisas. Tratam-se de fotografias dos anos 70, entre 70 e 74, não posso precisar, que foram tiradas de um dos edifícios administrativos da TAP nas instalações da Portela, julgo que pelo meu Pai, que lá trabalhava, ou por algum colega mais atrevido para as circunstâncias da época. A máquina era dos anos 50, uma ADOX, com lente dentro de fole retráctil, que ainda possuo comigo. "
Embora não estejam datadas elas são da intervenção policial de 12 de Julho de 1973, quando da greve na TAP.





Detalhe da foto anterior em que se vê um trabalhador no chão.


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COISAS DA SÁBADO: INSUPORTÁVEL VAZIO



António Barreto escreveu sobre isso recentemente, sobre a cada vez maior irrelevância dos espaços de notícias na rádio e na televisão. Junto a minha à sua voz, farto, literalmente farto de esperar por notícias e quando estas não são substituídas por mais um jogo de futebol em horário nobre, de encontrar apenas casos médicos, acidentes, protestos desirmanados sem enquadramento nem trabalho jornalístico, “acesso” à televisão porque se faz, ou se promete fazer, diante das câmaras, barulho.

A política nacional e internacional praticamente desapareceu dos noticiários televisivos. Então se não houver imagens picantes, pancadaria no parlamento da Coreia, mortos no Iraque, ou assobios ao Primeiro-ministro, então é que não passa nada. A excepção é os “momento-Chávez” do primeiro-ministro na RTP, mas, mesmo estes, parecem esgotados e o homem tem que se vestir como se tivesse o Ebola pela frente, para aparecer de burka na televisão. O que interessa à televisão é, obviamente, a burka.

Eu sei que se eu disser que o Presidente da República devia era ter denunciado a anemia cívica dos órgãos de comunicação social, (a começar pelo que tem o recorde dos jogos de futebol em vez de notícias e é pago pelos nossos impostos supostamente para ser diferente, a RTP), a resposta dos responsáveis por esses órgãos é que ninguém quer saber de política, porque os políticos são maus e não dizem nada que interesse a ninguém. E ainda sobra para mim. Na verdade, está fechado o círculo da irrelevância e vai ser difícil quebrá-lo.

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IMAGENS DE UMA BIBLIOTECA



Fotografia estenopeica (vulgo pinhole). Câmara Zeroimage 6x9 multiformato. Exposição de 18 minutos sobre emulsão Preto e Branco Rollei retro 100 tratada com revelador Rollei RHS. Digitalizada e invertida em tratamento digital com ACDsee Pro2.
(António Leal)

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EARLY MORNING BLOGS


1294 - Supposing that I should have the courage

Supposing that I should have the courage
To let a red sword of virtue
Plunge into my heart,
Letting to the weeds of the ground
My sinful blood,
What can you offer me?
A gardened castle?
A flowery kingdom?

What? A hope?
Then hence with your red sword of virtue.

(Stephen Crane)

*

Bom dia!

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EXTERIORES: CORES DESTES DIAS

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver








"Nós lembramo-nos da tua proeza, soldado russo!". Desfile dos veteranos de guerra nas comemorações do dia da Vitoria em S. Petersburgo.


No autocarro: Óleo para o carro - Qualidade alemã. Likvi Moli - "Made in Germany".

(João Tiago Santos)


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7.5.08


EARLY MORNING BLOGS


1293

Le vrai champ et sujet de l'imposture sont les choses inconnues. D'autant qu'en premier lieu l'étrangeté même donne du crédit ; et puis, n'étant point sujettes à nos discours ordinaires, elles nous ôtent le moyen de les combattre. A cette cause, dit Platon, est-il bien plus aisé de satisfaire parlant de la nature des Dieux que de la nature des hommes, parce que l'ignorance des auditeurs prête une belle et large carrière et toute liberté au maniement d'une matière cachée. Il advient de là qu'il n'est rien cru si fermement que ce qu'on sait le moins, ni gens si assurés que ceux qui nous content des fables, comme alchimistes, pronostiqueurs, judiciaires, chiromanciens, médecins, "id genus omne"."

(Michel de Montaigne)

*

Bom dia!

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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



Manhã. (Ochoa)



Pesca na Costa da Caparica. (C. Oliveira)



Visto da Casa da Música. (José Manuel de Figueiredo)



Céu azul em Amarante. (Helder Barros)



Vendedora na Feira de Maio em Felgueiras. (Sérgio Martins)



Performer em Buenos Aires. (MJ)

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6.5.08


UM POEMA INÉDITO DE VASCO GRAÇA MOURA

glosa para josé pacheco pereira

são sentimentos humanos,
eu na alma hei-de pôr luto:
o abrupto hoje faz anos,
não pode ficar "abruto"!

não deve viver-se à míngua,
neste nosso dia-a-dia,
de prezar a ortografia
que bem calha à nossa língua.
se lhe dão facadas, vingo-a,
passo logo a fazer planos,
eriçado por tais danos,
de lavrar o meu protesto,
e se assim me manifesto
são sentimentos humanos.

chamo então especialistas,
eminentes professores,
os colegas escritores
e também vários linguistas,
leio livros e revistas,
questiono, leio, escuto,
e aprendendo assim refuto
coisa que é tão aberrante
que se acaso for àvante
eu na alma hei-de pôr luto.

grafias facultativas
em matérias tão sisudas
como as consoantes mudas
levam ao caos, às derivas,
às asneiras permissivas
e aos babélicos enganos.
porém fiquemos ufanos
pela data que hoje passa.
pois não sabiam? tem graça...
o abrupto hoje faz anos...

se lhe tirassem o p,
vigorosa consoante
do seu título, bastante
mal faziam, já se vê.
e percebe-se porquê
sem se gastar um minuto:
se do p ficar enxuto,
vão-se a força e a coragem
abruptamente da imagem:
não pode ficar "abruto"!

(Vasco Graça Moura)

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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

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Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY NIGHT BLOGS


Liberdade, onde estás? Quem te demora?

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?


Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.


Movam nossos grilhões tua piedade;

Nosso númen tu és, e glória, e tudo,

Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!


(Bocage)

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5.5.08


EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

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Incêndio na Reitoria da Universidade do Porto. (José Carlos Santos)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: RETRATOS DO TRABALHO NOS ANOS SESSENTA

Conhecendo o seu interesse por imagens do trabalho em Portugal, venho enviar-lhe fotografias que descobri nos arquivos do meu pai (de autor desconhecido, certamente um fotógrafo profissional local), relativos a uma empresa têxtil pertencente e dirigida (à distância) por suecos que apenas periodicamente se deslocavam a Portugal, as “Confecções Norsel”. Concebida de raiz e instalada em Coimbrões (V N Gaia), começou a laborar em 1964, com condições de trabalho raras na época (incluindo semana de 42 horas quando vigorava a de 48 horas, refeitório, assistência médica, actividades recreativas e um modelo de relação nivelada entre administração e funcionários). Em 1977 foi vendida ao grupo suíço Kispo mas ao fim de alguns anos entrou em decadência como a maioria das têxteis nacionais.



O meu pai, que chefiava o escritório, um candeeiro de um design incrível e os objectos datados como carimbos, mataborrões, telefones, etc. Penso que é uma foto já dos anos 70, ao contrário das que se seguem que são todas dos anos 60.



Todo o pessoal da empresa, incluindo os 2 suecos que a dirigiam (o 3º homem a contar da esqª e a senhora loira que no meio das costureiras segura um ramo de flores).



A zona de produção.



Um dos passeios que anualmente a empresa oferecia aos funcionários: a gestora sueca (ao centro, com flores) rodeada de costureiras com indumentárias e cortes de cabelo típicos dos 60’s.




A sala de reuniões com os 2 gestores suecos e na parede o mapa da Suécia.



Mais um passeio, desta feita de ferry a Bayona, com Stª Tecla ao fundo, cremos nós.



Outro passeio, de barco, na antiga Barrinha de Esmoriz (a gestora sueca sempre no meio das costureiras, de quem era muito querida)



Passeio a Coimbra, gestores sempre em confraternização com funcionários


No porto de Caminha (provável) o Mercedes sueco onde seguiam familiares dos gestores.

(Mónica Granja)

*
Sobre a empresa sueca onde o meu pai trabalhou e à qual reportam as imagens no post do Abruto enviadas pela minha irmã Monica, gostaria de acrescentar os seguintes factos que a meu ver, completam as imagens,

Os suecos disponiblizavam uma verba mensal fixa a ser distribuida por instituições de solidariedade social locais (Gaia)

Os suecos logo nos primeiros tempos ofereceram ao meu pai uma viagem a Londres e à Suecia o que lhe permitiu alargar horizontes. Esta iniciativa, numa época em que viajar de avião pela Europa era muito pouco vulgar em Portugal, diz muito sobre a forma como viam o negócio.

Porque desde miudo frequentei a "fábrica do meu pai" e privei com os administradores, cresci a pensar que as fábricas deveriam ser todas assim. Anos mais tarde apercebi-me da triste realidade da maioria das empresas portuguesas e quão previligiado tinha sido quem de algum modo trabalhou ou privou com aqueles suecos.

Os ordenados pagos a todo o pessoal estavam claramente acima da média dos sector à época. As diversas corporações do sector não viam com bons olhos esta prática dos suecos e faziam questão de o demonstrar sempre que podiam.

(nuno g)
*

Há algum tempo, perguntava-me uma colega, professora universitária, em que “o” levava a palavra “álcool” o acento. Já tinha discutido o assunto com outro colega e não tinham chegado a conclusão nenhuma.

Lembrei-me nesse dia da minha professora primária (agora, de forma politicamente correcta, diz-se professora do ensino básico) que, para nunca o esquecermos, nos ensinara que a sílaba que leva o acento é a sílaba tónica e que esta se determina imaginando que chamamos um amigo à distância, com o nome da palavra cuja tónica pretendemos descobrir. A sílaba onde pararmos mais tempo nesse chamamento é a tónica. Portanto, bastava imaginar o meu amigo “Álcool” do outro lado da rua e chamá-lo: «Ó ÁLLLLLLLLLLLLLLLLcool, anda cá», para perceber que em “álcool” a sílaba tónica é “al”, recaindo no “a” o acento.

Apesar do carácter exclusivamente lúdico que o ensino assumiu nas últimas duas décadas, parece que já ninguém ensina nem aprende estes jogos e as novas gerações crescem sem saber que “álcool” não leva acento em “o” nenhum.

Trago aqui este assunto, porque, acabada a 4.ª classe, nunca mais vi ou ouvi falar da minha professora primária. Passaram cerca de 40 anos. Hoje, com profunda surpresa, descubro publicadas no “Abrupto” as fotos de uma fábrica têxtil em Vila Nova de Gaia, enviadas precisamente pelos filhos da minha professora primária, a Mónica e o Nuno Granja.

Acho que minha geração nunca disse à geração da mãe da Mónica e do Nuno, o “OBRIGADO!” que lhe deve. Pertencemos à última geração que pode poupar dinheiro, dispensando a compra de um software de correcção ortográfica. Pelo menos, pertencíamos, até chegar o novo acordo luso-brasileiro.

Se o “Abrupto” estiver aberto à criação de uma rubrica intitulada “Grandes Carros” (à semelhança das “Grandes Capas”), talvez a Mónica e o Nuno Granja tenham nos seus arquivos a foto de um risível “NSU Prinz”.

(António Cardoso da Conceição)

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INTENDÊNCIA





Os Estudos sobre o Comunismo estão a ser actualizados. Durante o dia alguns documentos inéditos para a história do impacto original do "bolchevismo" em Portugal em 1919, serão publicados. Haverá também mais materiais sobre os anos sessenta e Maio de 1968.

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EARLY MORNING BLOGS


1292 - D'un vanneur de blé aux vents

A vous, troupe légère,
Qui d'aile passagère
Par le monde volez,
Et d'un sifflant murmure
L'ombrageuse verdure
Doucement ébranlez,

J'offre ces violettes,
Ces lis et ces fleurettes,
Et ces roses ici,
Ces vermeillettes roses,
Tout fraîchement écloses,
Et ces oeillets aussi.

De votre douce haleine
Éventez cette plaine,
Éventez ce séjour,
Cependant que j'ahanne
A mon blé que je vanne
A la chaleur du jour.

(Joachim du Bellay)

*

Bom dia!

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4.5.08


DESEMPREGO



Pelo meu intratável e malévolo esquerdismo genético, que evidentemente nos ex-esquerdistas é considerado um defeito de carácter (nos direitistas, antigos fascistas ou "situacionistas", pelos vistos não é, porque ninguém os acusa de estarem presos psicologicamente ao seu passado, bem pelo contrário podem ser democratas sem mancha e sem memória), sempre insisti nas campanhas eleitorais em que participei em visitar as fábricas, em encontrar os trabalhadores "à saída das fábricas" e em escapar ao interminável percurso pelas "instituições de solidariedade social", ou seja, lares de idosos cujo director era dos "nossos".

Poucas coisas mais deprimentes aconteciam do que ouvir um zeloso director a falar com uma velhinha - "sabe que a Mariazinha tem noventa e cinco anos e ainda canta, canta aqui ao senhor deputado, canta" - e desejar veemente que a terra se me abrisse à frente e enviasse a senhora Maria para o Céu, onde certamente está, e a mim para o Inferno, porque entre as suas piores penas não está assistir à humilhação alheia, de quem já não tem defesa do seu querer. Talvez a senhora Maria gostasse daquela última atenção e seja eu que esteja enganado, mas é por essas e por outras que abomino o populismo e não sirvo para certas coisas.

Voltemos à "saída das fábricas", lugar que se tornou maldito depois do dr. Menezes dizer que aí estaria em permanência. Nessas campanhas eleitorais passei por várias grandes fábricas, não só em dimensão como no número de trabalhadores que, já na altura, não abundavam no país, cuja desindustrialização fizera desaparecer muitas que a nossa sempre débil industrialização tinha feito. Todas essas fábricas, todas sem excepção, desapareceram nos últimos dez anos. Em tão poucos sítios é possível ver a história a fazer-se como se fosse um filme acelerado. Estava lá ontem, hoje já não está.

Eu, que sou portuense, sabia que poucas coisas se abatem mais rapidamente do que as grandes fábricas. No Porto, tudo o que era amplo espaço urbanizável nas décadas de setenta e oitenta estava no lugar vazio de uma grande fábrica, quase sempre têxtil, e as novas urbanizações para a classe média alta tinham o nome das fábricas como a William Graham na Avenida da Boavista. (ver foto) Desaparecidas as fábricas têxteis de Salgueiros, da Torrinha, das Sedas, para além das fábricas de fósforos e de cerveja, a cidade substituía as imensas construções fabris por apartamentos. Num artigo do Expresso, um dos primeiros escritos em Portugal sobre a salvaguarda do património industrial, ainda tentei que se preservasse alguma coisa da Fábrica de Salgueiros, um exemplar típico da arquitectura industrial então em ruínas, mas o efeito do artigo foi que o que sobrava foi deitado abaixo logo a seguir, não fosse haver alguém que se lembrasse de prestar a atenção à nova (por cá) concepção de arqueologia industrial e dificultasse o caminho aos bulldozers.


Esta semana, com o despedimento de centenas de trabalhadores da Yasaki Saltano de Gaia, recordei-me de outra grande fábrica desaparecida, a Clark"s de Castelo de Paiva, uma daquelas onde estive "à saída da fábrica". Por muito boa vontade que se tivesse em fazer política, distribuir uns papéis, falar com pessoas, na "saída das fábricas", a Clark"s era um sítio péssimo para o fazer. A saída era espectacular, mas muito, muito, rápida. Nos breves momentos que durava, um mar de raparigas, mulheres jovens e na meia-idade, o maior número de gaspeadeiras que alguma vez vi na vida, saía como uma mola das portas interiores e corria, literalmente corria, para os portões e desaparecia pelas ruas e caminhos, em motocicletas, algumas em carros. Dez minutos depois, não havia ninguém e os papéis dados à pressa no meio daquelas almas fugidias desapareciam com elas tão depressa como a noite se punha.

A corrida tinha uma razão de ser, iam para casa o mais cedo possível cuidar dos filhos e do marido, cuidar da casa, não tinham tempo a perder com políticas. Como na Yasaki Saltano, a maioria dos trabalhadores são trabalhadoras, mulheres, muitas bastante jovens, muitas com poucas qualificações e que abandonaram a escola antes do tempo, a face visível do "insucesso" e do "abandono escolar", para irem trabalhar e constituir família numa idade em que os mais abastados ainda se arrastam pelo 12.º ano ou pelos primeiros anos da universidade e vivem em casa dos pais. A atracção do emprego e da família, da "sua" família, marido e filhos, não é apenas motivada pela necessidade económica, mas sim pela procura de autonomia, de uma vida própria na teia demasiado densa das famílias ainda próximas da ruralidade. Castelo de Paiva não é propriamente o centro do mundo urbano e Gaia ainda tem muitas aldeias.

O desemprego é devastador para todos, mas é-o mais para estas mulheres jovens e de meia-idade. Não é apenas a sua condição económica, a sua condição de vida que é afectada, é também a sua autonomia como mulheres, a sua capacidade de terem no salário e no emprego uma vida e uma dignidade próprias como mulheres, num mundo em que esta afirmação ainda é crucial. Recebida a notificação do desemprego, passado o período da agitação, as notícias e contranotícias de que pode haver um plano de integração na fábrica ao lado, ou a cinquenta quilómetros dali, que pode haver um supermercado que as aceite prioritariamente, que a câmara vai cuidar delas, que os sindicatos vão obter uma melhor indemnização, etc., etc., chega uma altura em que acabou. Acabou mesmo, está desempregada.

Nesse momento, em que o dinheiro que se levava para casa começa a faltar, a mulher começa a fazer contas e a cortar nas despesas. E não corta no pão, no infantário, na luz, na casa, no telemóvel - há-de vir a cortar - corta nas suas despesas, nas despesas consigo. Vai menos vezes ao cabeleireiro, arranja-se menos, compra menos roupa, tudo coisas que parecem fúteis para quem tem tudo, mas que representam um caminho para uma menor auto-estima, um desleixo que pode vir a crescer com os anos, se passar definitivamente de operária a dona de casa. É um caminho invisível, um passo atrás em que ninguém repara a não ser as próprias.

Elas sabem o que é não ter emprego, ou ter que mudar para outro emprego menos qualificado, mais solitário, mais dependente, socialmente menos reconhecido. Elas sabem que podem fazer menos coisas sozinhas, com o seu dinheiro, sem prestar contas a ninguém. Elas sabem o que significa ficar mais dependente do marido ou dos pais, ter menos esperança para os filhos, desistir de coisas que achava até então possíveis: umas férias baratas no Algarve, um carro melhor, mais visitas às lojas do Arrábida Shopping, não para ver as montras, mas para entrar lá dentro e comprar aquela roupa para o "bebé", ou aquela blusa. E sabem que saem menos e vêem mais televisão.

O desemprego pode suscitar mil e uma discussões teóricas, e ser inevitável como "destruição criadora", como "reconversão" da nossa economia, como efeito de políticas erradas que assentam na ilusão de um "modelo social europeu" insustentável face à natalidade e à globalização, tudo isso. Também eu penso que a deslocalização das fábricas é inevitável e que muito tecido industrial que temos não resiste à realidade da economia actual e que, com a nossa baixa qualificação da mão-de-obra, não temos a plasticidade para encontrar alternativas que tornem "criadora" a "destruição" schumpeteriana. A trabalhadora da Yasaki Saltano que disse que ia aproveitar a "oportunidade" para completar o 12.º ano tem toda a razão e aponta o caminho, mas nem por isso deixa de ter todas as dificuldades e não é certo que possa vir a poder utilizar as suas novas qualificações.

Mas nem por não se ter qualquer solução a curto prazo, a sociedade, nós todos, devemos deixar de olhar para cada um destes desempregos colectivos de mulheres sem a preocupação de vermos e sentirmos a devastação que ele tem por trás, o atraso social que isto significa para Portugal. Estas mulheres não vão educar os seus filhos da mesma maneira, vão reproduzir melhor o Portugal antigo do que preparar o novo. Elas sentem que falharam, tinham algumas ilusões que perderam. Mas nós falhamos mais se não temos a consciência de fazer alguma coisa. Porque se pode, na acção cívica, no voluntariado, no mundo empresarial, na política, fazer muita coisa por estas mulheres. O que é preciso é vê-las e à sua condição e não as cobrir com o manto diáfano da inevitabilidade. A começar pelo Governo, que mais uma vez se vai voltar para o betão e não para as pessoas.

(Versão do Público, de 3 de Maio de 2008.)

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EARLY MORNING BLOGS


1291

Piensa el ladrón que todos son de condición.

(Provérbio espanhol)

*

Bom dia!

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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro.



Na lezíria ribatejana.



Nazaré.



Fim da tarde. (RM)

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© José Pacheco Pereira
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