ABRUPTO

9.4.05


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL , NO MURO DAS LAMENTAÇÕES e A LER de 6 de Abril.

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EARLY MORNING BLOGS 466: "UM OLHAR DE AÇO QUE ESSA NOITE EXPLORA"

Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado.
Pára e fica, e demora-se um momento.

Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, se demora.
E mergulha na noite escura e fria.

Um olhar de aço, que essa noite explora.
Mas a espora da dor seu flanco estria,
E ele galga e prossegue sob a espora...


(Angelo de Lima)

*

Bom dia!

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8.4.05


OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 1.1)


[Esta lista é uma primeira versão. Será completada e eventualmente alterada com as colaborações dos leitores do Abrupto, incluindo as sugestões de “momentos” adicionais para perfazer o número de cinquenta. A vermelho as sugestões que me parecem ser de aceitar de imediato e que passarão a preto na versão 2.0, do mesmo modo que os comentários respeitantes a cada entrada serão colocados a seguir a essa entrada.]


1. O primeiro 1º de Maio, o respirar inicial da liberdade;

2. Criação dos partidos democráticos depois do 25 de Abril: a estruturação do PS na legalidade, a criação do PSD e do CDS;

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC);

4. Golpe e contra-golpe do 11 de Março;

5. Nacionalizações a seguir ao 11 de Março;

6. Resistência ao PREC dos socialistas, apoiados pelo PSD e pelo CDS;

7. Eleições para a Assembleia Constituinte que deram vitória aos partidos que se opunham ao PREC;

8. O 25 de Novembro, fim da expressão militar do PREC;

9. Declarações de Melo Antunes impedindo a ilegalização do PCP depois do 25 de Novembro;

x. Fim do império colonial e "retorno" dos portugueses de África.

10. Aprovação da Constituição em 1976 que garantia os direitos fundamentais de uma democracia, mas mantinha na sua parte económica e em muitos outros aspectos a linguagem e o adquirido do PREC;

11. Acção de Sottomayor Cardia no Ministério da Educação, o primeiro ministro a tentar sair do “estilo” e dos poderes do PREC;

12. A Lei Barreto, o início da contra-reforma agrária;

13. Fim do Conselho da Revolução;

14. Vitória da AD demonstrando a possibilidade de alternância democrática à hegemonia do PS;

15. Morte acidental (ou assassinato) de Sá Carneiro;

16. “Bloco central” em que PS e PSD dividiram o estado, os cargos públicos, as áreas de influência, os gestores públicos, criando um establishment de poder que ainda hoje é prevalecente;

17. “Apertar do cinto” obrigado pelo FMI, numa situação de quase ruptura das finanças públicas;

18. A criação do PRD, o partido de iniciativa presidencial que dividiu o eleitorado socialista;

19. Primeira volta das eleições presidenciais de 1985 em que Mário Soares acaba com o “pintasilguismo” e com as últimas tentativas de um “socialismo” ao modelo peruano;

20. Congresso do PSD da Figueira da Foz em que vence Cavaco:

21. Dissolução da Assembleia da República depois da aprovação da moção de censura do PRD;

22. Maioria absoluta de Cavaco Silva, uma verdadeira subversão de um sistema eleitoral construído para obrigar a governos de coligação;

23. Entrada de Portugal na UE;

24. O influxo de vultuosos fundos comunitários, parcialmente desperdiçados no Fundo Social Europeu, mas permitindo importantes obras infraestruturais que mudaram a face do país;

25. Privatização do espaço televisivo e da comunicação social escrita do estado;

26. Introdução do IVA, a mais efectiva modernização do sistema fiscal desde o 25 de Abril;

27. Revisão económica da Constituição permitindo finalmente a existência de uma plena economia de mercado e as privatizações;

28. A primeira Presidência portuguesa da UE;

29. A decisão de fazer a Expo mudando a face oriental de Lisboa;

30. A orientação do Independente por Paulo Portas para criar um populismo de direita contra o PSD;

31. Criação do PP contra o CDS, dando expressão partidária ao populismo de direita e à acção unipessoal de Paulo Portas;

32. Adesão ao euro e ao “pelotão da frente” da UE;

33. O “tabu”, a decisão de Cavaco Silva de não se candidatar às próximas eleições legislativas, fim do “cavaquismo”;

34. Criação do Rendimento Mínimo Garantido;

35. Demissão de António Guterres;

36. Processo Casa Pia: depois do processo Emaudio, é o primeiro grande processo-crime que envolve importantes dirigentes políticos;

37. Saída de Durão Barroso para a Presidência da UE;

38. Campanha eleitoral do PS entre Manuel Alegre e José Sócrates;

39. Dissolução da Assembleia da República e fim do governo Santana Lopes - Paulo Portas;

40. Maioria absoluta do PS.

*

Subjectiva como necessariamente tem de ser, a lista é discutível. Como normalmente acontece com estas listas, noto nela alguma aceleração rumo ao presente.

Por mim, acrescentaria como fundamental na estabilização da nossa vida cívica pós 25 de Abril, a primeira requisição civil aquando de uma greve, feita (salvo erro) pelo Governo liderado por Carlos Alberto da Mota Pinto.

(António Cardoso da Conceição)

*

Julgo que há três momentos a juntar.
- A 1ª eleição de Eanes que marcou a normalização democrática "mínima" e a normalização militar. (Restou o Conselho da Revolução)
- A votação do Orçamento do Governo Presidencial de Mota Pinto, que veio a originar a cisão das opções inadiáveis por três razões:
Marcou o fim dos governos de inciativa Presidencial ( o de Lurdes Pintassilgo já era apenas para realizar eleições)
Marcou o início, para o bem, e para o mal, o carácter presidencialista na vida dos partidos.
Da cisão das opções inadiáveis e do insucesso da ASDI (que fazem parte da minha história) , definitivamente se apercebeu que as cisões não têm futuro. As cisões deram lugar às travessias no deserto. E tudo já deu várias voltas.
- A coligação PSD-PP de 2002- marca o assumir que quando um partido não obtem a maioria absoluta é porque a indicação do eleitorado é a de uma coligação. Terminaram os tempos em que "ganhava" o maior partido minoritário.

(António Alvim)

*

Falta o debate Soares/Cunhal
"Olhe que não, olhe que não"
Um momento ímpar no separar das águas
O comunismo veio ao de cima

(Nuno Magalhães)

*

Há duas alterações que venho sugerir aos pontos que mencionou:

1) Sou da opinião que ao falar na «Resistência ao PREC dos socialistas, apoiados pelo PSD e pelo CDS» deveria lembrar o comício da Fonte Luminosa.

2) Quando menciona a fundação d'O Independente, deveria também falar de Miguel Esteves Cardoso.

(José Carlos Santos)

*

Eu faria as seguintes correcções, tendo em vista alguns pormenores do importante período inicial, hoje muito esquecido:

3. Oposição armada do PCP, PS e MFA anti-spinolista à manifestação autorizada da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro, dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC);

6. Levantamentos populares anti-comunistas no Norte e Centro do pais, seguidos de resistência do PS, nao ao PREC, mas 'a sua própria destruição pelo PCP, que começa no auge do caso Republica e acaba por congregar em torno de si todas as forças anti-PCP.

Porquê?

3. Porque a oposição (armada) à manifestação de 28 de Setembro, que visava fornecer ao gen. Spinola um apoio popular visível que pudesse, não permitir o «golpe spinolista» (como então alegaram os verdadeiros
golpistas) mas, pelo contrario, evitar que o golpe em curso contra o programa do MFA / Junta prosseguisse, não foi, de modo algum, unicamente do PCP. Foi, pelo menos em parte igual, do PS e, até certo ponto, também do PPD. A situação é adequadamente resumida na manifestação triunfal conjunta de PS, PCP e PPD no Rossio, que se seguiu à jornada das «barricadas». Alias, os próprios adeptos do PPD expulsaram com sucesso manifestantes com bandeiras do CDS que procuravam, também eles, um pequeno lugar ao sol do PREC, no descalabro do programa inicial do MFA / Junta, e na proibição dos partidos embrionários à direita do CDS, bem como de diversos jornais com as correspondentes orientações.

6. Porque a resistência ao PREC não foi inicialmente, e contrariamente às lendas piedosas, do PS, em cujas fileiras militavam muitos dos seus mais destacados adeptos, claramente desejosos de impor um regime de socialismo anti-burguês e anti-parlamentar («com liberdade para todos sem excepção, desde a extrema-esquerda até ao centro», como dizia Sottomayor Cardia, sem se aperceber do ridículo). A resistência ao PREC foi um fenómeno genuinamente popular que, no inicio, durante o «verão quente» de 1975, teve um enquadramento que poderia ser classificado de «reaccionário» (sem nenhuma conotação negativa), na medida em que a onda de ataques às sedes do PCP (na ordem dos 300, muitos dos quais incendiários, sobretudo no norte do pais), nao proveio de modo algum do PS, mas sim de meios ligados sobretudo à pequena propriedade rural, pequena burguesia e "last but not the least" à própria Igreja. Alias, os assaltos e fogos-postos estenderam-se em diversos locais 'as sedes do PS.

Pequeno aparte a propósito do 28 de Setembro, verdadeira charneira de todo o processo subsequente: o tipo catastrófico de descolonização que viria a ter lugar foi uma consequência directa da derrota de Spinola frente ao eixo MFA-PCP-PS. A responsabilidade do que sucedeu no Ultramar português deve ser compartilhada pelo regime colonialista de Salazar, que nunca quis perceber que o futuro das colónias tinha necessariamente que passar pelo futuro dos colonizados e nao sá dos colonizadores, e pelo PREC do continente que assegurou a transição directa do colonialismo para a guerra civil (ou a ditadura) sem dar qualquer hipótese, nem de desenvolvimento politico controlado 'as populações locais, nem de eventuais soluções menos trágicas para os colonos por la' estabelecidos. Como e' evidente, os planos de «federalismo progressista» de Spinola não tinham qualquer hipótese, a menos que se concebesse Portugal como uma futura colónia africana na Europa, mas e' admissível que com mais tempo e sem os contínuos psico-dramas dos golpes e contra-golpes, dentro e fora dos quartéis, se conseguisse uma descolonização menos catastrófica.

Nestas coisas de «catástrofes politicas», as que sucederam de facto são sempre apresentadas pelos seu responsáveis como muito menos importantes do que as que teriam sucedido em seu lugar se as acções tivessem sido diferentes. Geralmente cinco segundos de reflexão chegam para se perceber a lógica da «catástrofe menor», sobretudo quando a responsabilidade e' maior...

(A.)

*

Parece-me que a eleição de Mário Soares para a Presidência da República foi importante também por ser o primeiro civil a desempenhar o cargo após o 25 de Abril.

Noutro campo, talvez incluísse na lista as primeiras medalhas de ouro olímpicas de Carlos Lopes e Rosa Mota, por terem conjugado a recompensa do esforço individual com a projecção do país. (Estes exemplos não arrastam o futebol. Os êxitos desportivos podem dizer pouco sobre um país, mas indicam um mínimo de organização. Os desportos em que esses êxitos acontecem também dizem alguma coisa... Cf. com quenianos...)

(S.)

*

Parece-me importante, as independências das colónias, enquanto consumação real do fim do Império com todas as consequências económicas, sociais e humanas .

(António Miguel Guimarães)

*

O referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez em Junho de 1998:
- foi o primeiro referendo nacional;
- com abstenção superior a 50%;
- a dificuldade de fugir a uma leitura dos resultados: norte (e ilhas) vs sul.

Pelo acima exposto considero esse referendo um dos cinquenta momentos políticos mais importantes depois do 25 de Abril.

(Pedro Tarquinio)

*

Penso que a realização do referendo sobre o Aborto em 1998 foi um momento relevante não só pela desmistificação da possibilidade da co-existência da democracia directa com a democracia representativa mas também pelo resultado, uma demonstração (incómoda para muitos) da não coincidência entre o país dos partidos e o país das consciências individuais.

(Carlos Campos)

*

Acho este exercício muito interessante de fazer, na tentativa de identificar o que realmente marcou politicamente estes quase 31 anos de regime democrático (quer dizer, quase 30 anos, porque o período entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro tem muito pouco de democrático...).

Concordo com a maioria dos factos identificados, ainda que os meus 31 anos apenas me permitam conhecer muitos deles à distância e através dos relatos que me foram chegando. No entanto, sobre o período do qual tenho memórias mais concretas, destacaria igualmente:

a) O Massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste e todo o processo subsequente de luta pela autodeterminação de Timor-Leste, apoiado de uma forma praticamente unânime pelo povo português.

b) Mais recentemente, a eleição de Rui Rio para a Câmara Municipal do Porto, dando um sinal ao País de que ainda é possível a competência triunfar sobre o populismo e o caciquismo.

c) As figura de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto a "consciência política" do País, primeiro com os seus "Exames" na TSF, posteriormente com as crónicas dominicais na TVI.

d) Pela negativa, o recente Governo Santana Lopes, que em 6 meses conseguiu praticamente destruir a credibilidade do País e, acima de tudo, do PSD.

(Nuno Peralta)

*

Eu acrescentaria à lista o I Congresso Socialista do PS na legalidade, que decorreu de 13 a 15 de Dezembro de 74 na Aula Magna. Parece-me um momento muito importante no processo da implantação da democracia porque constituiu, a meu ver, uma ruptura com uma certa mentalidade "unitária", personalizada por Manuel Serra. A vitória de Mário Soares (que esteve em risco de perder o congresso) foi a vitória da moderação e a demonstração da possibilidade de um caminho "de esquerda" autónomo face ao PCP. Embora este período tenha muitos momentos significativos e importantes, tudo seria diferente se Serra tivesse ganho.

(Tiago Saleiro Maranhão)

*

Penso que deveria figurar a promulgação da Lei da Liberdade Religiosa: Lei 16/2001, de 22 de Junho.

(Abílio Cardoso)

*

Parece-me que, bem mais importante que o jornal Independente que, permita-me que lhe diga, sugere-me uma pequena vingança e eventualmente dar-lhe uma importância que acho não teve em termos de pós 25 de Abril, parece-me dizia, que a intervenção do Jornal Novo ou da Tarde (não me recordo bem) dirigido por Artur Portela (filho), enquanto lugar de reflexão não alinhado, de, por exemplo, a Carta dos Nove (outro momento decisivo), merece um destaque, porque uma voz diferente, nos momentos vividos após o 25 de Abril.

(Rui Silva)

*

(...) um momento político relevante passa por referir a intervenção do Prof Freitas do Amaral ao louvar a actuação do então General Costa Gomes no 25 de Novembro, evitando a guerra civil.

(carlos gama)

*

Penso que dois momentos importantes são a saída de Alvaro Cunhal do PCP e a criação do BE.

(Jorge Alexandre Jorge)

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AR PURO


C. Angrand

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7.4.05


EARLY MORNING BLOGS 465

Let Evening Come


Let the light of late afternoon
shine through chinks in the barn, moving
up the bales as the sun moves down.

Let the cricket take up chafing
as a woman takes up her needles
and her yarn. Let evening come.

Let dew collect on the hoe abandoned
in long grass. Let the stars appear
and the moon disclose her silver horn.

Let the fox go back to its sandy den.
Let the wind die down. Let the shed
go black inside. Let evening come.

To the bottle in the ditch, to the scoop
in the oats, to air in the lung
let evening come.

Let it come, as it will, and don't
be afraid. God does not leave us
comfortless, so let evening come.


(Jane Kenyon)


*

Bom dia!

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NO MURO DAS LAMENTAÇÕES

Quem lida com a Igreja Católica Apostólica Romana e se esquece que está a lidar com uma instituição antiga, uma das raríssimas instituições que merece o nome de antiga, engana-se ou não percebe as linhas com que se cose ou é cosido. (A surpresa da derrota no referendo do aborto é um bom exemplo, se bem que de um evento apesar de tudo menor). No meio de todo este ruído que se agita à nossa volta a propósito da morte do papa, – e que daqui a uma semana será substituído por outro nos telejornais, exactamente com os mesmos mecanismos –, encontrei na Rua da Judiaria este texto que o Papa escreveu num papelinho para colocar no Muro das Lamentações em 26 de Março de 2000:

Deus dos nossos pais, que escolheste Abraão e os seus descendentes para trazer o Teu nome às nações: estamos profundamente tristes com o comportamento daqueles que, ao longo do curso da história, causaram sofrimento a estes teus filhos e, pedindo o teu perdão, manifestamos o desejo de nos comprometermos a uma irmandade genuína com o povo do convénio.

Não tem nem uma palavra a mais, nem a menos e diz exactamente o que quer dizer. Tudo é medido com uma dimensão que dificilmente encontramos à nossa volta. É ao mesmo tempo um texto religioso, – o acto de o colocar nas reentrâncias do Muro tem significado religioso –, uma mensagem religiosa e política e um programa de intenções. O Papa dirige-se ao “Deus dos nossos pais”, ou seja a Jeová; “que escolheste Abraão e os seus descendentes para trazer o Teu nome às nações”, ou seja os judeus, o povo eleito com uma missão divina; afirma a sua “tristeza” pelas perseguições aos judeus colocando-se do lado dos perseguidores, daí o pedido de “perdão” (a Jeová, a Deus); e manifestando o desejo ecuménico de uma “irmandade genuína” com o “povo do convénio”, de novo com os judeus assim descritos na sua qualidade bíblica. Os judeus são nomeados sempre pelas suas designações e funções bíblicas, acentuando o fundo teológico e histórico comum. Na terra, Jerusalém, em que Cristo foi morto, não há menção a Cristo, como se o Papa estivesse, de um modo ainda mais ancestral. virado apenas para as paredes do Templo de Salomão.

*
A propósito da sua nota sobre o modo como o Papa, pedindo perdão ao povo judeu pelas perseguições da História, em termos que mais parecem exprimir o desejo do restauro da unidade primordial da mesma fé, uma espécie de "regresso à casa comum", não resisto a deixar-lhe um belo texto de Santo Agostinho, no seu Comentário ao Evangelho de S. João (XVI, 3), que traduzo:

"A Pátria do Senhor é o Povo judeu.
Contempla a multidão dos judeus agora,
observa essa nação, dispersa pelo mundo, arrancada às suas raízes, olha para esses ramos, esmagados, cortados, lançados de um canto para o outro, ressequidos.
Na sua ferida, a oliveira selvagem teve o seu enxerto.
Vê a massa do povo judeu, o que te diz ele?
Esse que vós honrais, Esse que vós adorais, era nosso irmão!"


Agostinho escreveu este texto no momento histórico em que os judeus já levavam três séculos de diáspora forçada (após a queda de Jerusalém, em 70 d. C.), e em que se começava a adensar, no Estado romano legalmente cristianizado, a perseguição à religião irmã, suficientemente próxima nas suas características para se constituir rival para o cristianismo, e que, por isso, urgia diabolizar. Ao mesmo tempo, uma e outra religião empreendem um caminho teológico de reinterpretação dos textos que, avivando as diferenças, as colocou de costas voltadas pelos séculos afora.

Mas Agostinho escreveu este texto para ser ouvido, em homilia (comentário ao Evangelho), pelos fiéis cristãos que tinham Agostinho por pastor. O cristão é, pois, interpelado a corrigir a sua atitude em relação a "esse irmão mais velho" que era o judaísmo, como se vê pela pessoa e modo verbal usados. Não teria sido, decerto, a atitude mais comum por parte dos pastores da Igreja, como também não foi comum a atitude de João Paulo II. Mas a verdade do Espírito nem sempre fala pelo número dos que lhe invocam a autoridade.

Por vezes, na História da Igreja, temos umas centelhas cuja luz, brilhando, indicam o caminho a seguir, feito de tolerância, de reconhecimento pelo valor do outro, cuja diferença é uma riqueza, e não uma realidade a esmagar.
(Paula Barata Dias)

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6.4.05


A LER

Na Capital de 6 de Abril, que só vi hoje, a lista actual dos 116 cardeais com notas biográficas. Embora não tenha encontrado no jornal a indicação da origem, deve ter sido um trabalho comprado lá fora. Seja como for, é das melhores contribuições para ficarmos informados sobre a realidade da Igreja, contrastando com jornais e televisões que nos dão escassa informação e muita palha.

Só hoje o seu comentário sobre o trabalho que publicámos sobre os 116 cardeais. Apesar de parecer "comprado" no estrangeiro foi feito aqui mesmo nesta pequena redacção através de um imenso trabalho de pesquisa. Deu trabalho, mas pensamos que valeu a pena.

(Fernanda Mira)

Como todos o coleccionadores gosto de listas e a rede é um magnífico repositório de listas. Camille Paglia começou a publicar as dela no seu endereço "oficial" , e começou com as dez esculturas preferidas. A "novidade", a descoberta da Camille, numa lista previsível, é a estátua de Chapin, o "puritano" fundador de Springfield. A estátua é muito interessante, mas, enfim, sempre ocupa o lugar do Moisés ou da Pietá, o que convenhamos... Dez é pouco.

(E, de passagem, o grafismo do endereço da Paglia parece o dos cartazes do PSD na última campanha. Fica-se com a sensação de dejà vu.)

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EARLY MORNING BLOGS 464

SONETO FIEL


Vocábulos de sílica, aspereza,
Chuva nas dunas, tojos, animais
Caçados entre névoas matinais,
A beleza que têm se é beleza.

O trabalho da plaina portuguesa,
As ondas de madeira artesanais
Deixando o seu fulgor nos areais,
A solidão coalhada sobre a mesa.

As sílabas de cedro, de papel,
A espuma vegetal, o selo de água,
Caindo-me nas mãos desde o início.

O abat-jour, o seu luar fiel,
Insinuando sem amor nem mágoa
A noite que cercou o meu ofício.


(Carlos Oliveira)

*

Bom dia!

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FOGO QUE ARDEU VENDO-SE


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5.4.05


INTENDÊNCIA

Continua a ser completada a bibliografia sistemática nos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.

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A LER


A nota O Estado Ladrão no Jaquinzinhos, um retrato exacto de por que é que temos dificuldade a ir a qualquer outro lado que não seja a cepa torta.

A Memória Inventada em geral e o Esplanar sobre a comida histórico-literária.


As notícias sobre os Prémio Pulitzer deste ano. O prémio de poesia foi para Ted Kooser, um improvável (para os paradigmas de muitos intelectuais europeus) poeta segurador, que foi toda a vida vice-presidente da Lincoln Benefit Life Insurance, de Lincoln, Nebraska, uma terra de milho e mísseis. Um dia contarei as minhas memórias de Lincoln, mas fica para já um poema:


After Years

Today, from a distance, I saw you
walking away, and without a sound
the glittering face of a glacier
slid into the sea. An ancient oak
fell in the Cumberlands, holding only
a handful of leaves, and an old woman
scattering corn to her chickens looked up
for an instant. At the other side
of the galaxy, a star thirty-five times
the size of our own sun exploded
and vanished, leaving a small green spot
on the astronomer's retina
as he stood on the great open dome
of my heart with no one to tell.


(Ted Kooser)

Um poema de Kooser, A Happy Birthday, foi reproduzido no Abrupto em 28 de Dezembro de 2004.

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COISAS SIMPLES


Vuillard, Fleurs sur une cheminée aux Clayes

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EARLY MORNING BLOGS 463

SEM DATA


Esta voz com que gritei às vezes
Não me consola de só ter gritado às vezes.

Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
Chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
Sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.

Quando acabava uma soma de silêncios,
Gritava o resultado, não gritava um grito.

Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
Circula entre folhas paradas,
Conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.

Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

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GEOGRAFIA DO MUNDO SUBTERRÂNEO



Geografia do mundo subterrâneo, em Fédon de Platão (111-112)

"(...) No seu conjunto, tal é a natureza da terra e de tudo quanto a rodeia. Mas também nela, nas suas concavidades, há muitas regiões dispostas circularmente; umas mais profundas e abertas do que esta em que habitamos; outras que, sendo mais profundas, têm uma abertura menor que a nossa região; e há outras que são de menor fundura que esta, mas mais amplas. Todas estas regiões subterrâneas comunicam entre si, em muitos pontos no interior da terra, por meio de canais, de diâmetros mais estreitos ou mais largos, por onde flui em abundância a água de umas regiões para as outras, como em bacias, formando rios perenes e subterrâneos de incontável grandeza, tanto de águas quentes como frias, em contínuo fluxo; passando por aí em abundância o fogo, há também enormes rios de fogo e de lama, ora mais límpida, ora mais lamacenta, como essas torrentes de barro que na Sicília fluem precedendo a torrente de lava e depois a própria lava. Todas essas regiões da terra, são inundadas por estes rios, consoante a direcção tomada pelas suas correntes, que se movem para cima e para baixo, por efeito de uma oscilação que se produz no interior da terra, cuja causa natural obedece ao seguinte: Há entre os abismos da terra um que é o maior e que a atravessa de lado a lado. A isto alude Homero quando diz: Muito distante, onde se abre sob a Terra, o abismo mais profundo. (...)"

(cortesia de Ana da Palma)

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4.4.05


INTENDÊNCIA

Continua a actualização dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, onde arquivei a crítica que publiquei a semana passada ao Dicionário no Feminino e continuo a completar a bibliografia.

Actualizada a nota O ENXOFRE É BOM PARA AS RÃS?

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DE "MARIA GRAÇA SAPINHO" A CATARINA EUFÉMIA: ALGUMAS FONTES

A discussão que se trava nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO sobre Catarina Eufémia revela as grandes dificuldades em tratar com distância os eventos da nossa história do século passado, em particular nos anos da ditadura. Nostálgicos do regime e / ou da história “oficial” do PCP , canónica para a oposição mesmo quando não era comunista, tornam toda a discussão uma polémica. Esta parece-me útil e reveladora, mas nela , em princípio, não participarei directamente.

No Abrupto e nos Estudos reproduzo apenas algumas das primeiras versões publicadas dos eventos na imprensa clandestina, que revelam a rapidez da difusão da notícia da morte, mas também as confusões com a identidade da "camponesa" (o termo era usado na época para designar aquilo que era, na verdade, uma trabalhadora rural). Tendo em conta o modo como funcionava a estrutura clandestina do PCP, isto parece indicar que o partido podia seguir de perto os conflitos rurais, quase em tempo real, mas aponta para que Catarina Eufémia não fosse militante ou simpatizante organizada do partido. Dois elementos suplementares sobre a clandestinidade: a cadeia de comunicação dependia dos encontros regulares dos funcionários controleiros, que devia ser pelo menos mensal; e as datas reais dos jornais (não dos panfletos) deve ser acrescentada pelo menos de um mês.

O assassinato deu-se a 19 de Maio de 1954 e a primeira notícia conhecida vem num panfleto da Organização Regional do Alentejo do PCP, datado de dois dias depois:



Como se vê Catarina vem identificada como "Maria da Graça", nome pelo qual é citada no Avante! Nº 187, de Abril-Maio 1954. No Camponês nº 44,de Maio-Junho de 1954, o orgão do partido para os campos do Sul, a notícia não refere sequer o nome:




No Camponês nº 45, de Agosto-Setembro de 1954, corrigia-se o nome de Maria Graça Sapinho pelo de Catarina Eufémia



Tendo em conta a relevância do acontecimento, tal como o percebemos hoje, o seu tratamento nos números seguintes do Camponês é residual e só em 1955 começa a ganhar dimensão acompanhando iniciativas de agitação local, como a “designação” do largo principal de Baleizão como “Catarina Eufémia”, e outras no primeiro aniversário da morte.

Ver também (se tal fosse possível sem pagar haveria ligação...) o artigo de Paula Godinho, "Ainda o mito de Catarina Eufémia", no Público de 4 de Abril de 2005.

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PÚBLICO EM LINHA PAGO

Sou a favor que os serviços que custam a outrem produzir sejam pagos por aqueles que os consomem. Nada tenho por isso contra o pagamento da consulta do Público em linha: o Público custa dinheiro a fazer, devo pagar por ele. No entanto, o jornal deve pensar noutro valor, valor económico ponderável e real, que é o da sua autoridade pela influência (não coincidem necessariamente, mas relacionam-se). Essa é fortemente afectada pela diminuição de acesso, mas acima de tudo pela impossibilidade da citação e da ligação. O Público irá desaparecer das ligações quotidianas da blogosfera e de outro tipo de páginas da rede e ficará apenas dependente do mecanismo de citação da comunicação social tradicional. Ou seja, perde a rede, local de influência, perde valor em sectores cada vez mais significativos da opinião e que têm um efeito multiplicador único para um jornal que se pretende “de referência”.

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A LER

O Mar Salgado, nestes dias de mar, por causa de notas como O HERÓI ou REISEN.

Sobre o plágio nos trabalhos universitários, um caso português.

O artigo de Nat Hentoff sobre a morte de Terri Schiavo (sugestão de José Carlos Santos). Mais interessante ainda por ser de quem é e por ter sido publicado no Village Voice.

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CONE



visto do ar, a geometria da terra perfeita.

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EARLY MORNING BLOGS 462

Flying


One said to me tonight or was it day
or was it the passage between the two,
"It's hard to remember, crossing time zones,

the structure of the hours you left behind.
Are they sleeping or are they eating sweets,
and are they wanting me to phone them now?"

"In the face of technological fact,
even the most seasoned traveler feels
the baffled sense that nowhere else exists."

"It's the moving resistance of the air
as you hurtle too fast against the hours
that stuns the cells and tissues of the brain."

"The dry cabin air, the cramped rows of seats,
the steward passing pillows, pouring drinks,
and the sudden ridges of turbulence. . ."

"Oh yes, the crossing is always a trial,
despite precautions: drink water, don't smoke,
and take measured doses of midday sun,

whether an ordinary business flight
or a prayer at a pleasure altar. . .
for moments or hours the earth out of sight,

the white cumuli dreaming there below,
warm fronts and cold fronts streaming through the sky,
the mesmerizing rose-and-purple glow."

"So did you leave your home à contrecoeur?
Did you leave a life? Did you leave a love?
Are you out here looking for another?

Some want so much to cross, to go away,
somewhere anywhere & begin again,
others can't endure the separation. . ."

One night, the skyline as I left New York
was a garden of neon flowerbursts--
the celebration of a history.


(Sarah Arvio)

*

Bom dia!

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3.4.05


EXTREMO DO EXTREMO



do extremo. Quando se lá chega, sabe-se que se está no fim. E o fim é habitado.

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MAIS GEOGRAFIA



Dominado pela geografia. Por coisas simples e pelo ar puro.

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GEOGRAFIA

Terra. Milhas e milhas e milhas de mar. Um fragmento de terra, dois ou três. Milhas e milhas e milhas de mar. Um fragmento de terra ainda mais pequeno, quase nada. Depois, milhas e milhas e milhas de mar. É assim.

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© José Pacheco Pereira
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