ABRUPTO

28.9.13


APELO DO EPHEMERA

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2013 – ESTADO DA RECOLHA 
As eleições autárquicas de 2013 realizam-se num universo de 308 concelhos e 3091 freguesias. Cerca de 12000 candidaturas foram apresentadas. De uma observação directa, em parte significativa do país, e pelas informações recolhidas, estas são desde o 25 de Abril as eleições que maior número  de espécimes (cartazes, panflletos, “brindes”, autocolantes, etc.) produziram e talvez as mais caras autárquicas de sempre. O número muito elevado de candidaturas independentes, principalmente nas freguesias, aumentou exponencialmente a propaganda. Numa estimativa prudente, calculo que cerca de 100000 espécimes de propaganda diferentes foram produzidos, com relevo para o elevado número de outdoors e cartazes.  As grandes candidaturas partidárias, em Lisboa e Porto, produziram nalguns casos mais de cinquenta itens por freguesia.

A recolha física (fotos tiradas nos sítios, panfletos e “brindes”) cobriu até agora cerca de 170 concelhos e  500 freguesias, havendo material digitalizado recolhido para mais de 250 concelhos. A regra continua a ser dar prioridade à recolha física, servindo o arquivo electrónico para  identificar as faltas e salvaguardar o “apagamento” da Rede. Apenas uma pequena parte foi até agora publicada no EPHEMERA, mas continuará depois das eleições.

Aproxima-se agora a parte mais crítica desta tarefa, a que já é feita para “salvar” o que resta, mais do que para recolher o que permanecia activo nas campanhas. A chuva vai destruir brevemente os outdoors, e muitos são retirados logo a seguir à eleições. Nas sedes vai começar a deitar-se muita coisa fora.  Ainda muito se pode salvar, mas é preciso correr contra o tempo.


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A NATUREZA DA "CRISE PORTAS" É SER ENDÉMICA




A palavra desagregação não chega. Decomposição também serve, mas não é suficiente, porque pelo menos o esqueleto tem estrutura. Quando chamei a este Governo o "navio-fantasma", ainda pensei que a evidência da desagregação não fosse tão rápida, depois do fôlego das proclamações de que "no fim de tudo o Governo ficou melhor" e de que o país, empurrado pelos "sinais" de recuperação, ia para bom porto. Se pudesse ter uma tabuleta gigante nela escreveria: "Com esta gente nunca. Nunca, jamais, em tempo algum".


A rábula actual do défice na "negociação" com a troika, com Portas e Maria Luís a deambularem pelos "centros políticos" da CE, do BCE e do FMI, para fazerem a "negociação política", depois a irem à Assembleia dizerem aquilo que desdizem no dia seguinte, com Portas a dizer uma coisa e Passos outra, com recados do PSD em período eleitoral enchendo o peito de ar contra a "hipocrisia" do FMI, com truques, mensagens, recados e intrigas, com a troika a fazer de esfíngica com aqueles com que se tem de encontrar, sindicatos, deputados, mas que considera irrelevantes para qualquer decisão, apenas reuniões protocolares aborrecidas que são perda de tempo, com a cacofonia do PS, mostra como singra o "navio-fantasma" com as suas velas cor de sangue. 

O que temos hoje à nossa frente? Ideias, planos, projectos, ideologias? Nem isso. Apenas pessoas, e pessoas que não valem muito. Estão desprestigiadas, mesmo quando tinham apenas um vago prestígio. Estão confundidas, embora a clareza nunca tenha sido uma coisa por aí além. Fazem o que sabem fazer, fazem pela vida. Tentam sobreviver e manter o poder no meio dos sarilhos que criaram e estão agarradas ao seu eu, nalguns casos um gigantesco Eu, noutros um pequeno eu que não se enxerga, mas existe, está lá, ocupa espaço. 

Nós baixamos de tal modo os critérios de exigência, que aceitamos ser governados por gente muito acima do seu princípio de Peter, mesmo para serem bons chefes de secretaria. Que experiência tinham, que qualificações tinham, que adquirido traziam consigo, que caracteres excepcionais, que cinismo lúcido e criador ou bondade genuína, que inteligência especial, que intuição carismática, traziam consigo para ocuparem, numa das maiores crises da nossa história, a condução de Portugal? Nem sequer eram homens normais, cuja razoabilidade e senso comum nos protegiam da asneira. Eram a gente da estufa partidária, com um curso de como singrar no aparelho, uma ambição desmedida, sabedores de que o essencial era estarem no lugar certo na altura certa. E estavam. E estavam, porque nós os deixamos estar. Em democracia, é assim, quem chega ao poder, está lá com o nosso voto. Seja Sócrates, seja Passos Coelho, seja Portas.

Não há outra maneira de entender o que se está a passar nestes dias, a não ser percebê-lo nas suas pessoas, porque são as pessoas que lhe dão forma e expressão, e, a poucos meses de se ter "ultrapassado" a crise Portas, esta continua a revelar-se, como se podia prever, endémica.

Há uma razão para que reine uma enorme confusão vinda de cima e perplexidade vinda de baixo. A teia que une o de cima com o de baixo é feita de mentiras. Mentiras em toda a sua plenitude, com todas as cambiantes, omissão de verdade, sugestão de falsidade e falsidade. A maioria dos portugueses não sabe nada do que se passa e os poucos conhecedores preparam em segredo a sua Arca de Noé. O que se passa nos encontros com a troika? Não se sabe. O que se passou em Bruxelas e Washington? Não se sabe. O que os homens de Lagarde ou de Draghi ou de Barroso dizem? Não se sabe. Recados não são informação. Nunca nos tempos mais recentes tão pouca informação fidedigna existe.

E as lendas não encaixam. Até agora, o "prestígio" conseguido por Portugal travava os juros e fazia-os descer. Quantas vezes a retomada do "prestígio" de Portugal foi louvada, nalguns casos como o único resultado da governação Passos-Gaspar. "Credibilidade" era a buzzword. Era por aí que regressaríamos aos mercados em Setembro de 2013, este mês. Era a barreira que nos separava da Grécia e nos colocava ao lado da Irlanda. E, subitamente, hoje ninguém do lado do poder já fala de "credibilidade", a não ser quando serve para se aceitar mais uma medida de austeridade. Ou um novo "imposto", como o Presidente chamou aos cortes dos reformados, o que deve ter posto o Governo com os cabelos em pé. 

Porquê? Primeiro, porque a "credibilidade" não era assim tão sólida como se dizia; depois porque o penhor da "credibilidade", Vítor Gaspar, se foi embora, e, por fim, porque a crise Portas mostrou a fragilidade de tudo. Os propagandistas do Governo acusam o Tribunal Constitucional, mas basta olhar com atenção para os juros, para perceber o enorme estrago que foi a crise Portas, tornando tudo muito frágil. E para perceber outra realidade incómoda para o Governo, que a evolução dos juros da dívida dependem essencialmente da conjuntura europeia e internacional e aquilo que considerávamos o grande mérito do nosso Governo, era pouco mais do que evitar, pela obediência e bom comportamento, não agravar altos e baixos que vinham de fora. Que foi o que a crise Portas fez.

O que se passava é que, como muita gente prudente disse e o Governo, ofuscado por si próprio, não queria ouvir, nunca estivemos, nem estamos, em condições de "voltar aos mercados", porque a política seguida é errada e é insustentável em democracia, façam-se os pactos, acordos, entendimentos, "consensos" que se quiserem. E porque comparticipamos pelo euro numa crise europeia económica, social, política, em que somos, com a Grécia, o elo mais fraco. Por isso a troika pode ir-se embora daqui a uns meses, que um segundo resgate, às claras ou disfarçado de "plano cautelar", vai continuar a manter-nos sob controlo estrangeiro tendo como único objectivo manter a política actual. 

Como acontece sempre, a imoralidade de cima penetra como um veneno em todo o tecido social. Estamos hoje menos "povo", mas uma soma de medos, egoísmos, defesas, invejas e raivas. Acresce que a relação do poder actual na governação é doentia, para não dizer outra coisa. A grande responsabilidade de Cavaco Silva foi ter mantido um Governo que não existe, não tem primeiro-ministro, mas dois, cada um para um Governo, um é o do CDS e outro é, mais ou menos, do PSD, que não se governa a si próprio quanto mais o país. E a única coisa que é capaz de fazer são medidas avulsas, mal pensadas e mal preparadas e muitas vezes iníquas, que dão cabo da vida das pessoas, não para um ano ou dois ou três, mas para o resto das suas vidas. Depois arranjam um nome pomposo para lhe dar.

Passos Coelho é o factor permanente e estático da governação. Está lá e permite tudo. Está muito agarrado ao poder. Mas o factor dinâmico da crise é Portas, por isso muita da confusão actual se lhe deve, quer ao que fez, quer ao que está a fazer a ver se remedeia o que fez. Aceitou ser primeiro-ministro na prática, com tudo o que implica a assunção de um máximo poder, para o qual não tem legitimidade eleitoral, mas sabe que essa oferta foi dada com desespero de causa e é mantida com dolo. 

O que faz Paulo Portas hoje é tentar desesperadamente reconstruir-se dos efeitos do "irrevogável" e dos milhões que nos custou na crise que deve ter o seu nome. O que Passos Coelho e o PSD fazem é impedi-lo de obter ganho de causa. No meio de tudo isto há eleições e as eleições contam e muito. Todos usam e manipulam os jornais, que se deixam alegremente encher com recados e pseudo-informações. É uma festa.
A salgalhada dos 4% e dos 4,5% (em que Seguro participa com os seus 5%, provavelmente porque sabe ou suspeita que o Governo já conseguiu os 4,5%), a valsa de declarações eleitorais contra a troika, os ralhetes a pedir silêncio, desobedecidos de imediato, são o retrato dessa decomposição com que comecei este artigo. Não são mais do que os sinais de como a crise Portas continua em pleno, Portas a querer mostrar serviço, Passos Coelho a dificultar-lhe a vida, e nenhum a ter qualquer consideração nem com as pessoas, nem com o país. Eles vivem noutro mundo e nenhum pode vir dizer que é Portugal que lhes interessa, mas a única coisa que lhes importa que não se "lixe" são eles próprios.

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27.9.13


FALANDO SOBRE O "ESTADO DA NAÇÃO" 
NA UNIVERSIDADE DE VERÃO (LOULÉ, SETEMBRO DE 2013)



FALANDO SOBRE "UMA UNIÃO FEDERAL?"
NA FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS (SETEMBRO DE 2013)

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23.9.13


O NAVIO FANTASMA (37): A VERDADE É SEMPRE MUITO SIMPLES


Se houver segundo resgate é porque a política do governo Passos Coelho - Gaspar - Relvas - Portas - Maduro falhou. Falhou porque estava errada e acumulou erros colaterais, falhou por incompetência e ilusão, falhou porque o príncípio de Peter tem muita força, falhou porque era irrealista, começou por ser ingénua e acabou por ser dolosa, tinha poucas e más ideias e teve uma péssima execução. Falhou porque a realidade tem muita força e quem não a conhece bate com a cabeça na parede. Falhou porque gente medíocre pensou (e pensa) que é genial e que pode "mudar Portugal" com meia dúzia de ideias gerais, muitos preconceitos e uma gigantesca ignorância. O último que sabia o que queria, saiu porque percebeu demasiado tarde o que seria o dia 23 de Setembro. O penúltimo que sabia ao que vinha, quis fugir "irrevogavelmente" a tempo, mas estava envolvido numa teia sem liberdade e regressou coroado por uma coroa de pirite, o ouro dos tolos. Detonou a crise que ainda se vive e que o Presidente da República permitiu que se tornasse pantanosa.

Quem não começa por aqui, não percebe o que se passou nos últimos dois anos. A situação europeia, as resistências sociais e políticas, as decisões do Presidente da República e do Tribunal Constitucional, tudo isso teve um papel, mas não foi central. O que foi (e é) central foi a decisão de fazer uma lei inconstitucional, não a decisão do Tribunal em travá-la. O que é central foi semear a semente da cizânia para obter ganhos políticos e deixar o país estragado.

Falhou, já falhou há muito tempo, se tivessem algum resto de estima pelo país e pelos portugueses já tinham escolhido um mosteiro longínquo para reclusão perpétua a pedir perdão a todos os deuses. Mas não é gente dessa, já estão a ensaiar todas as justificações com  a procura obsessiva de bodes expiatórios, para não se assumirem as responsabilidades. Pobre país, o nosso.

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SAÍA AÍ UMA "NOVA CULTURA POLÍTICA". SE FAZ FAVOR, EM QUE SE CHAME AOS DESPEDIMENTOS "REQUALIFICAÇÃO"




O ministro Poiares Maduro, no estilo bastante arrogante com que faz declarações, diz que quer "uma nova cultura política para Portugal", coisa que ele sabe o que é, escolheu no lote de "culturas políticas", e que nos acena como "melhor". Repare-se que ele não se fica por pedir uma outra política, ou outras práticas políticas, quer nem mais nem menos do que uma "nova cultura política", ou seja, que pensemos de forma diferente.


Muito bem. Embora eu não saiba o que é essa "nova cultura política" que não temos (e que se percebe que, no entender do Ministro, resistimos a ter), sei qual é a que temos, sei muito bem qual é a que o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro, o Governo e o actual poder têm. E sei que sem essa "cultura política" ser combatida, não há nenhuma "nova cultura" que se imponha e muito menos uma "melhor cultura política". E sei muito bem qual é o contributo que o ministro Poiares Maduro pode dar para essa "nova cultura política": demitir-se de imediato e denunciar o discurso, a prática, a linguagem do actual poder, a mais velha e perniciosa cultura política que existe em Portugal, uma mistura de muita ignorância, apego ao poder, desprezo pelos portugueses, partidocracia e dolo. Em que casa é que ele pensa que está?


Mas Poiares Maduro entrou para o Governo para substituir Relvas como ministro da propaganda, portanto a "novidade cultural" que podia trazer seria de imediato incompatível com o cargo e as funções se ele fosse menos ambicioso e se se respeitasse intelectualmente a si próprio, ou seja, se tivesse uma outra "cultura política". Ele não podia deixar de saber ao que vinha e para que vinha. E sabia-o tão bem que de imediato se colocou na função de repetidor da propaganda governamental naquilo em que ela é mais dolosa, função que tem desempenhado até ao dia de hoje, como circulador de falsos argumentos e de afirmações manipulatórias. O intelecto e a arrogância ajudam, a subserviência acrítica de muita comunicação social faz o resto.


Um bom exemplo foi dado logo numa das suas primeiras entrevistas à TVI, onde se percebe muito bem ao que vem: dar uma cobertura intelectual e de falso "saber" àquilo que em bruto repete qualquer deputado das filas de trás do PSD e do CDS na Assembleia. Nessa entrevista (sigo o resumo do PÚBLICO), dada em meados de Junho de 2013, afirmou "que a coligação governamental PSD/CDS é "muito coesa" por comparação com outras existentes na Europa" e teorizou dizendo que isso até era uma vantagem porque as ""várias perspectivas" dos diferentes membros, que sendo discutidas e consensualizadas, dão valor às políticas públicas". E ainda, do alto da sua sabedoria europeia, afirmou que "em Portugal temos uma coligação muito coesa", por comparação com "governos de coligação na Europa que têm divergências muito fortes, como no Reino Unido e na Holanda". E insistiu que não havia "qualquer indicador para achar que esta é uma coligação a prazo"


Quinze dias depois, Paulo Portas pedia a demissão, seguindo-se o psicodrama que conhecemos. Tenho a certeza de que Poiares Maduro teria argumentos profundos para explicar como tudo o que se passou foi excelente para mostrar a "coesão" da coligação. Ingleses e holandeses olharam com pasmo para o "valor" que a crise deu "às políticas públicas" da coligação milagrosa, só os mercados é que não se convenceram e perdemos uns milhões pelo caminho. Estes ao menos não podem ser assacados aos reformados.
Na mesma entrevista, repetiu todas as mentiras governamentais, na mesma linguagem orwelliana de propaganda, que é sua função no Governo produzir.Garantiu que não iria haver despedimentos nos professores, e ensarilhou-se com os duodécimos dos subsídios cujo atraso se devia a um "conflito de normas": "O que devia ser pago no Natal será, e o Governo já está a pagar o de férias desde Janeiro." Não era verdade, até porque o Governo não contava pagar dois subsídios, mas não tem importância. Relvas diria o mesmo, sabendo que estava a mentir sem problemas, mas Maduro traz a vantagem de usar o doubletalk em todo o seu esplendor, ou seja, entende que basta mudar um nome a uma coisa para essa coisa não ser o que é, mas outra. 


Talvez o melhor exemplo disso mesmo está em que, na mesma semana em que nos exortou a uma "nova cultura política", em que "as ideias sejam discutidas em vez de ser substituídas por slogans", ele assinou um comunicado do Conselho de Ministros. Nesse comunicado diz-se, quanto ao "processo de requalificação" (que ele já tinha jurado na entrevista à TVI não ter como objectivo despedir ninguém), que os primeiros doze meses se destinam "a reforçar as capacidades profissionais do trabalhador", e que, por isso mesmo, dão logo origem a uma brutal diminuição de salário, seguida de um ersatz do despedimento, apenas porque o Tribunal Constitucional não permitiu a fórmula anterior. Quer dizer "reforçam-se as capacidades profissionais do trabalhador", gastando dinheiro e recursos, e depois deita-se fora. É isto que é uma comunicação "menos baseada na táctica política e mais nas opções políticas de fundo, e fornecer às pessoas o máximo de informação viável"? Um intelectual que aceita chamar "requalificação" àquilo que o Governo pretende há muito fazer, despedir funcionários públicos, não merece qualquer respeito, nem que tenha mil doutoramentos.


Verificou-se que o país, jornalistas e políticos não estavam à altura dos méritos dos seus briefings, por isso, continuar a fazê-los, seria deitar pérolas a porcos, fazer coisas como se faz em Inglaterra para portugueses. Depois, está-nos sempre a chamar atrasados e relapsos devido à "cultura velha" que temos, que tem todos os defeitos de não "ser baseada na verdade e na realidade em que vivemos", uma variante da fórmula hoje muito em voga para substituir as "inevitabilidades" e o "não há alternativas" do período Gaspar, e da fase inicial de adoração da troika. Essa fórmula é muito comum nos textos de Joaquim Aguiar e de João César das Neves, que acham que existe uma espécie de monismo da "realidade", em que esta é interpretada como sendo um estado natural, que só por ilusão, cegueira, engano e irresponsabilidade se pode ignorar. Eles são os "realistas", os outros são os "iludidos" ou, pior ainda, os vendedores de ilusões.
Noutra altura, vale a pena ir mais longe na percepção de como esta "realidade" é um reducionismo muito empobrecedor (e por isso não "funciona" nem é sustentável na condução dos "negócios humanos" em democracia) da complexidade de uma sociedade em que a gestão de bens escassos está muito para além do sentido "economês" em que é interpretado. Classes sociais, mitos, valores simbólicos, esperanças e expectativas, tradições, memórias, "culturas", história, hábitos, são tudo elementos que esta "realidade" compreende mal e por isso faz asneiras e, acima de tudo, não resulta. Mas isso é tudo "cultura velha".


Mas não vale a pena ir muito mais longe com Poiares Maduro. Este discurso da "realidade" é apenas outra maneira de dizer que ou as coisas se fazem como o Governo quer ou não se podem fazer. Ou se fazem como o Governo quer ou são ilusões irrealistas. Como é que um simples mortal pode discutir com os excelsos intérpretes da "realidade", que têm consigo a força das leis da física, o peso imenso da natureza e da "realidade", e as atiram à cara de uns ignorantes que pensam que não é bem assim, que talvez haja outra maneira de fazer as coisas, e que a "realidade" é outra, ou que há várias "realidades" e que a performance dos "realistas" tem sido um desastre, e que podem sempre lembrar que 2014 era o ano dos 2% de défice e agora o Governo está a pedir que lhe autorizem mais do dobro, ou que neste mês de Setembro regressaríamos em pleno aos mercados? 

Alguma coisa falhou na "realidade", não é verdade?

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22.9.13


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
será aos domingos às 20 horas na SICN.

HOJE: uma educação muito especial.

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EPHEMERA: APELO COM URGÊNCIA

"Para que é que isso serve?" (pergunta de uma jornalista quando de uma recolha de material junto de uma candidatura).

16.09.13 (3)sA cobertura das eleições autárquicas está no seu momento mais crítico. Os últimos cartazes, os materiais de freguesia, as acções de campanha atingem o apogeu esta semana. Depois das eleições, daqui a uma semana, começa de imediato a destruição de cartazes, panfletos,  objectos de propaganda, com o encerramento e "limpeza" das sedes. Há cerca de 12000 candidaturas distintas, a concelhos e  freguesias, de todos os partidos incluindo os que cobrem o conjunto do território nacional, PS, PSD, CDS, CDU e BE, e dos partidos mais pequenos, MRPP, PAN, PTP, etc. Centenas de movimentos independentes surgiram nos concelhos e nas freguesias, que se dissolverão depois das eleições. A maioria dos partidos, a começar pelos grandes, não tem arquivos organizados e como muita propaganda está cada vez mais descentralizada (por exemplo nas freguesias) nem sequer as sedes concelhias guardam exemplares das listas locais. Nos concelhos mais pequenos esta é a regra, confirmada em contactos directos com as sedes de campanha. Por isso, o risco  da perda da memória  política e histórica é grande.

Nenhuma instituição nacional faz este trabalho de recolha sistemática, nem a Biblioteca Nacional, nem a Torre do Tombo, nem nenhum dos grandes arquivos de fundações. A comunicação social, que podia ter algum papel na consciencialização da necessidade de guardar esta memória, usa extensivamente o EPHEMERA sem o citar, mas prefere os "Tesourinhos Deprimentes". Por outro lado, é mais cómodo usar as imagens electrónicas existentes na Rede, desvalorizando os elementos físicos das campanhas, mas a prazo perceber-se-á que a plena compreensão do fenómeno político das autárquicas, na sua dimensão icónica, simbólica, social e económica, só se percebe inteiramente com os objectos físicos, sejam T-shirts, canetas, fitas ou caixas de medicamentos. Por isso, nos contactos com as candidaturas e os voluntários que ajudam o EPHEMERA neste trabalho se salienta sempre a importância de recolher o papel de um panfleto, mesmo quando haja o texto na Rede.

Até esta data exsitem materiais de 170 concelhos, na maioria dos casos cobrindo mais do que uma candidatura, incluindo por regra PS, PSD , CDS, CDU, BE, sozinhos ou coligados. Há, em comparação com as eleições de 2009, muito maior cobertura das freguesias, e dos movimentos independentes. Nos últimos dias mais de 1000 espécimes, fotos, panfletos, cartazes, objectos de propaganda, etc. entraram no ARQUIVO / BIBLIOTECA Várias "expedições" tem sido realizadas por mim próprio e pelos amigos do EPHEMERA para recolher fotografias e materiais de campanha, principalmente no interior do país, nos pequenso concelhos mais remotos e isolados. Este trabalho será intensificado pela emergência do tempo e continuará depois das eleições. A digitalização dos materiais e a sua publicação será mais demorada (ainda há materiais de 2009 por publicar), mas aqui o tempo não tem urgência.

Apelo a todos para que ajudem neste trabalho, voluntário e voluntarioso, nas suas terras, freguesias e concelhos, nas candidaturas em que participem, nos partidos e movimentos de que façam parte.


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ELOGIO DAS AUTÁRQUICAS
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É fácil gozar com os candidatos das autárquicas e a Rede está cheia desse gozo, como local mal frequentado que é em Portugal. Gente que não é capaz de dizer nada contra a campanha ilegal de Menezes, em que o dinheiro escorre por todo o lado, as listas “Isaltino” e “Valentim Loureiro”, as propostas absurdas de manuais escolares e medicamentos gratuitos para todos, tuneis e pontes por todo o lado, propostas chocantes em candidatos do PSD e CDS, e capaz de no virar da esquina vir exigir os cortes retrospectivos às pensões dos reformados e despedimentos nas função pública (e silêncio sobre os trabalhadores das autarquias que irão para a rua depois das eleições…), e desatar-se a rir com as cenas dos candidatos mais boçais, os cartazes ridículos, as palavras de ordem de duplo sentido, os trajes domingueiros e casamenteiros de candidatos e candidatas. De facto, eles não têm dinheiro para pagar a agências de comunicação, contratar empresas de marketing político e comprar centenas de outdoors.

Mas a única, insisto a única, verdadeira, genuína, intensa, participação de milhares de portugueses na democracia, para além do voto e das manifestações, é esta. Uns querem o bem de si próprios, outros o bem dos seus interesses, outros o bem dos seus partidos, outros o bem das suas terras. Estes últimos são muitos, tem que ser muitos porque da sua participação não vai restar nada, a não ser despesas, cansaço e algumas zangas. Aqui a democracia ainda é o que devia ser, imperfeita, desigual, muitas vezes ineficaz onde devia ser eficaz, desregulada no pior sentido, com sistemáticas violação da lei, mas tudo ponderado, os milhares de candidatos populares e dedicados, merecem todo o respeito.

 A CAMPANHA DO PSD NAS AUTARQUIAS

Copy of P1010638Tenho observado em primeira mão algumas actividades de campanha do PSD, sozinho ou coligado com o CDS, e está completamente enganado quem pensa que, ao nível das campanhas, os estragos da governação e a hostilidade ao governo e aos seus partidos se reflectem no enfraquecimento da mobilização das candidaturas. É verdade que este tipo de mobilização interior é muito enganador, principalmente onde já o partido está no poder, e é também verdade que partidos como o PSD são hoje essencialmente partidos autárquicos. Mas, merece reflexão.

A dimensão nacional funciona por outros mecanismos de influência, que não são “orgânicos”, nem de proximidade, e essa mesmo em campanhas autárquicas mobilizadas, está claramente em crise. É possível assistir a jantares de campanha onde estão centenas de “laranjinhas” e não ouvir o nome de Passos Coelho uma única vez. Num partido como o PSD, muito assente em lideranças pessoalizadas, é uma ruptura com o passado. E mesmo quando alguns oradores convidados fazem o possível para falar dos méritos da governação, a resposta é nula na multidão e gélida nas conversas mesa à mesa. Onde as coisas estão pior é nas ruas. Em muitas terras, habitualmente PSD e CDS, as campanhas “não são mal recebidas”, mas fora do casulo dos candidatos e suas comitivas, não há empatia. E em muitos sítios há antipatia, bocas, insultos. Aliás os candidatos que sabem disto, evitam abrir a campanha à rua principalmente nas cidades, onde por comparação com o passado, há muito menos contactos directos com a população.

 O VERDE
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 Todos os cartazes, PSD e PS, tendem a ser verdes. Mais verde, menos verde, mas muito verde. Ou azul, raras vezes vermelho, quase nunca laranja. O CDS sozinho mantem o azul, o PSD sozinho abandonou o laranja para o verde e o azul, a CDU permanece com uma linha muito tradicional, e o Bloco também. Os símbolos dos partidos no PSD são ocultados por toda a parte, do CDS menos. O PS ostenta-os quase sempre. A CDU já é há muito uma maneira de ocultar a foice e o martelo. Mas, cada vez é mais difícil a uma certa distância diferenciar os partidos e cada vez mais a propaganda assenta essencialmente em outdoors. Pode haver alguns papéis – poucos – e alguns “brindes” – muito menos do que no passado. Os autocolantes estão em crise, porque nos actuais costumes políticos pouca gente está disposta a andar com o candidato na lapela. Ou qualquer outro símbolo. Só em grupo, naquilo que agora se chama “arruadas” e mesmo assim é ver as pessoas a arrancar os autocolantes, mal acaba o ajuntamento.

 As palavras de ordem são cada vez mais vazias, menos interessantes, e desprovidas de sentido e demarcação política. “Todos juntos”, “com todos”, “tudo por (nome da terra)”, “mudança”, “compromisso para mudar”, “mudança tranquila”, “pela nossa terra”, “com (nome da terra) sempre”, “(nome da terra) primeiro”, “vamos ganhar”, “juntos fazemos”, “sentir (nome da terra), “com o coração”, “com as pessoas”, etc., etc. – uma falta de imaginação total e absoluta.

 A figuração dos cartazes é igual aos reclames dos bancos e das lojas de compra de ouro. Quem anda à procura de documentação, fotos, materiais de campanhas, antes de estar com o nariz em cima de uma sede (quase sempre fechada), está sempre a enganar-se pela semelhança com os reclames em que os bancos prometem empréstimos e propagandeiam as suas contas, com uma família dinâmica e jovem na montra, e as meninas apessoadas do ouro ou do imobiliário. É tudo tão igual, que enjoa. Bem vistas as coisas, de facto, nenhuma campanha é igual à anterior, são é todas iguais hoje.

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© José Pacheco Pereira
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