ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
28.9.13
A NATUREZA DA "CRISE PORTAS" É SER ENDÉMICA
A palavra desagregação não
chega. Decomposição também serve, mas não é suficiente, porque pelo
menos o esqueleto tem estrutura. Quando chamei a este Governo o
"navio-fantasma", ainda pensei que a evidência da desagregação não fosse
tão rápida, depois do fôlego das proclamações de que "no fim de tudo o
Governo ficou melhor" e de que o país, empurrado pelos "sinais" de
recuperação, ia para bom porto. Se pudesse ter uma tabuleta gigante nela
escreveria: "Com esta gente nunca. Nunca, jamais, em tempo algum".
A rábula actual do défice na "negociação" com a troika,
com Portas e Maria Luís a deambularem pelos "centros políticos" da CE,
do BCE e do FMI, para fazerem a "negociação política", depois a irem à
Assembleia dizerem aquilo que desdizem no dia seguinte, com Portas a
dizer uma coisa e Passos outra, com recados do PSD em período eleitoral
enchendo o peito de ar contra a "hipocrisia" do FMI, com truques,
mensagens, recados e intrigas, com a troika a fazer de esfíngica
com aqueles com que se tem de encontrar, sindicatos, deputados, mas que
considera irrelevantes para qualquer decisão, apenas reuniões
protocolares aborrecidas que são perda de tempo, com a cacofonia do PS,
mostra como singra o "navio-fantasma" com as suas velas cor de sangue.
O
que temos hoje à nossa frente? Ideias, planos, projectos, ideologias?
Nem isso. Apenas pessoas, e pessoas que não valem muito. Estão
desprestigiadas, mesmo quando tinham apenas um vago prestígio. Estão
confundidas, embora a clareza nunca tenha sido uma coisa por aí além.
Fazem o que sabem fazer, fazem pela vida. Tentam sobreviver e manter o
poder no meio dos sarilhos que criaram e estão agarradas ao seu eu,
nalguns casos um gigantesco Eu, noutros um pequeno eu que não se
enxerga, mas existe, está lá, ocupa espaço.
Nós baixamos de tal
modo os critérios de exigência, que aceitamos ser governados por gente
muito acima do seu princípio de Peter, mesmo para serem bons chefes de
secretaria. Que experiência tinham, que qualificações tinham, que
adquirido traziam consigo, que caracteres excepcionais, que cinismo
lúcido e criador ou bondade genuína, que inteligência especial, que
intuição carismática, traziam consigo para ocuparem, numa das maiores
crises da nossa história, a condução de Portugal? Nem sequer eram homens
normais, cuja razoabilidade e senso comum nos protegiam da asneira.
Eram a gente da estufa partidária, com um curso de como singrar no
aparelho, uma ambição desmedida, sabedores de que o essencial era
estarem no lugar certo na altura certa. E estavam. E estavam, porque nós
os deixamos estar. Em democracia, é assim, quem chega ao poder, está lá
com o nosso voto. Seja Sócrates, seja Passos Coelho, seja Portas.
Não
há outra maneira de entender o que se está a passar nestes dias, a não
ser percebê-lo nas suas pessoas, porque são as pessoas que lhe dão forma
e expressão, e, a poucos meses de se ter "ultrapassado" a crise Portas,
esta continua a revelar-se, como se podia prever, endémica.
Há
uma razão para que reine uma enorme confusão vinda de cima e
perplexidade vinda de baixo. A teia que une o de cima com o de baixo é
feita de mentiras. Mentiras em toda a sua plenitude, com todas as
cambiantes, omissão de verdade, sugestão de falsidade e falsidade. A
maioria dos portugueses não sabe nada do que se passa e os poucos
conhecedores preparam em segredo a sua Arca de Noé. O que se passa nos
encontros com a troika? Não se sabe. O que se passou em Bruxelas e
Washington? Não se sabe. O que os homens de Lagarde ou de Draghi ou de
Barroso dizem? Não se sabe. Recados não são informação. Nunca nos tempos
mais recentes tão pouca informação fidedigna existe.
E as lendas
não encaixam. Até agora, o "prestígio" conseguido por Portugal travava
os juros e fazia-os descer. Quantas vezes a retomada do "prestígio" de
Portugal foi louvada, nalguns casos como o único resultado da governação
Passos-Gaspar. "Credibilidade" era a buzzword. Era por aí que
regressaríamos aos mercados em Setembro de 2013, este mês. Era a
barreira que nos separava da Grécia e nos colocava ao lado da Irlanda.
E, subitamente, hoje ninguém do lado do poder já fala de
"credibilidade", a não ser quando serve para se aceitar mais uma medida
de austeridade. Ou um novo "imposto", como o Presidente chamou aos
cortes dos reformados, o que deve ter posto o Governo com os cabelos em
pé.
Porquê? Primeiro, porque a "credibilidade" não era assim tão
sólida como se dizia; depois porque o penhor da "credibilidade", Vítor
Gaspar, se foi embora, e, por fim, porque a crise Portas mostrou a
fragilidade de tudo. Os propagandistas do Governo acusam o Tribunal
Constitucional, mas basta olhar com atenção para os juros, para perceber
o enorme estrago que foi a crise Portas, tornando tudo muito frágil. E
para perceber outra realidade incómoda para o Governo, que a evolução
dos juros da dívida dependem essencialmente da conjuntura europeia e
internacional e aquilo que considerávamos o grande mérito do nosso
Governo, era pouco mais do que evitar, pela obediência e bom
comportamento, não agravar altos e baixos que vinham de fora. Que foi o
que a crise Portas fez.
O que se passava é que, como muita gente
prudente disse e o Governo, ofuscado por si próprio, não queria ouvir,
nunca estivemos, nem estamos, em condições de "voltar aos mercados",
porque a política seguida é errada e é insustentável em democracia,
façam-se os pactos, acordos, entendimentos, "consensos" que se quiserem.
E porque comparticipamos pelo euro numa crise europeia económica,
social, política, em que somos, com a Grécia, o elo mais fraco. Por isso
a troika pode ir-se embora daqui a uns meses, que um segundo
resgate, às claras ou disfarçado de "plano cautelar", vai continuar a
manter-nos sob controlo estrangeiro tendo como único objectivo manter a
política actual.
Como acontece sempre, a imoralidade de cima
penetra como um veneno em todo o tecido social. Estamos hoje menos
"povo", mas uma soma de medos, egoísmos, defesas, invejas e raivas.
Acresce que a relação do poder actual na governação é doentia, para não
dizer outra coisa. A grande responsabilidade de Cavaco Silva foi ter
mantido um Governo que não existe, não tem primeiro-ministro, mas dois,
cada um para um Governo, um é o do CDS e outro é, mais ou menos, do PSD,
que não se governa a si próprio quanto mais o país. E a única coisa que
é capaz de fazer são medidas avulsas, mal pensadas e mal preparadas e
muitas vezes iníquas, que dão cabo da vida das pessoas, não para um ano
ou dois ou três, mas para o resto das suas vidas. Depois arranjam um
nome pomposo para lhe dar.
Passos Coelho é o factor permanente e
estático da governação. Está lá e permite tudo. Está muito agarrado ao
poder. Mas o factor dinâmico da crise é Portas, por isso muita da
confusão actual se lhe deve, quer ao que fez, quer ao que está a fazer a
ver se remedeia o que fez. Aceitou ser primeiro-ministro na prática,
com tudo o que implica a assunção de um máximo poder, para o qual não
tem legitimidade eleitoral, mas sabe que essa oferta foi dada com
desespero de causa e é mantida com dolo.
O que faz Paulo Portas
hoje é tentar desesperadamente reconstruir-se dos efeitos do
"irrevogável" e dos milhões que nos custou na crise que deve ter o seu
nome. O que Passos Coelho e o PSD fazem é impedi-lo de obter ganho de
causa. No meio de tudo isto há eleições e as eleições contam e muito.
Todos usam e manipulam os jornais, que se deixam alegremente encher com
recados e pseudo-informações. É uma festa.
A salgalhada dos 4% e
dos 4,5% (em que Seguro participa com os seus 5%, provavelmente porque
sabe ou suspeita que o Governo já conseguiu os 4,5%), a valsa de
declarações eleitorais contra a troika, os ralhetes a pedir
silêncio, desobedecidos de imediato, são o retrato dessa decomposição
com que comecei este artigo. Não são mais do que os sinais de como a
crise Portas continua em pleno, Portas a querer mostrar serviço, Passos
Coelho a dificultar-lhe a vida, e nenhum a ter qualquer consideração nem
com as pessoas, nem com o país. Eles vivem noutro mundo e nenhum pode
vir dizer que é Portugal que lhes interessa, mas a única coisa que lhes
importa que não se "lixe" são eles próprios.
(url)
© José Pacheco Pereira
|