ABRUPTO

31.3.13




ÓSCAR LOPES 

Não gosto de escrever nas ondas necrológicas, porque elas são hipócritas no pior sentido do termo: fazem uma vénia à morte, mas tratam o falecido como nunca o trataram em vida, quer porque o atacaram, quer porque o esqueceram. Agora que está morto, é sempre um poço de virtudes. 

Sucede que eu conheci e trabalhei com Óscar Lopes, em circunstâncias de alguma proximidade em momentos complicados da nossa história, os anos sessenta e setenta, em que esquerdistas e comunistas tinham uma relação difícil. Difícil é um eufemismo para não ir mais longe. Na então Editorial Inova partilhávamos duas secretárias coladas, uma em frente a outra, numa altura em que se estavam a preparar uma série de edições pioneiras de traduções de poesia mundial. Eugénio republicou as suas traduções de Lorca, Quintela, as de Rilke, Sena preparava a sua antologia de Arquíloco a Bashô, a primeira de dois volumes, havia prémios de cujo júri ambos pertencíamos, e eu tratava de organizar um volume de Vergílio Ferreira, que nunca saiu, mas que deu origem a uma correspondência entre mim e ele que permanece inédita. Eu e Óscar Lopes tínhamos também uma tarefa comum, alternávamos no velho Comércio do Porto, uma página de crítica a livros, no então afamado suplemento literário do jornal. 

Falávamos por isso bastante, ele velho estalinista, eu jovem esquerdista, sobre arte e literatura, livros e autores, mais do que de política, que não era coisa que se conversasse facilmente nesses anos. Óscar Lopes estava nessa altura a voltar a sua atenção para a lógica e para a matemática, como fundamento dos seus estudos de linguística, que culminaram numa série de pequenos estudos e na Gramática Simbólica do Português. Esta deslocação para a “cientificidade” não era alheia aos movimentos ideológicos do seu tempo, em particular, o estruturalismo com a sua rejeição do impressionismo humanista, mesmo que “neo-realista”, e do biografismo, que tinham um papel na crítica literária. Óscar Lopes, cuja exposição ao tempo, mais do que abertura ao tempo, era visível na correspondência com António José Saraiva, estava entusiasmado com as suas novas “descobertas” e com o que estudava e aprendia ao ler os lógicos e os matemáticos. Associava a esse retorno à forma, um muito biográfico interesse pela música. 

Óscar Lopes era um homem pequeno, falava baixo, ouvia mal, e tinha uma gentileza de trato que se manifestava entre outras coisas num bem muito escasso nesses anos, a tolerância. Nos meios do comunismo portuense, na altura muito agressivo e completamente desabituado de ter que discutir alguma coisa muito menos a si próprio, marcado por figuras como Virgínia Moura, Óscar Lopes fazia a diferença porque falava, conversava e ouvia. Uma vez, conversando sobre os Três Seios de Novélia de Manuel da Silva Ramos, sublinhou uma divertida passagem erótica do livro e rindo-se disse-me, “eu já não sou de tempo destas coisas, sou muito estalinista, nessa altura não se escrevia assim”. E eu disse-lhe “ nessa altura não se podia escrever assim”. Riu-se de novo. O livro ganhou um prémio literário muito por iniciativa de Óscar Lopes, que sublinhou a sua adequação aos tempos de “1968”. 

Boa viagem e muita música.

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EARLY MORNING BLOGS  


2309 - Como afastar os maus segundo a receita dos Mistérios de Eleusis
πύξ, λάξ, δάξ

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30.3.13


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE 
 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM) 

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EARLY MORNING BLOGS  
2308

Geranium, houseleek, laid in oblong beds
On the trim grass. The daisies' leprous stain
Is fresh. Each night the daisies burst again,
Though every day the gardener crops their heads.

A wistful child, in foul unwholesome shreds,
Recalls some legend of a daisy chain
That makes a pretty necklace. She would fain
Make one, and wear it, if she had some threads.

Sun, leprous flowers, foul child. The asphalt burns.
The garrulous sparrows perch on metal Burns.
Sing! Sing! they say, and flutter with their wings.
He does not sing, he only wonders why
He is sitting there. The sparrows sing. And I
Yield to the strait allure of simple things. 

(John Gray)

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28.3.13


ÍNDICE DO SITUACIONISMO: DISTRACÇÕES

A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Ontem, toda a gente discutia as divergências entre o PSD e o CDS, hoje toda a gente discute a entrevista de José Sócrates. Ontem, o governo parecia mais acossado do que nunca, embrenhado na necessidade de remodelar e na  impossibilidade de o fazer de forma eficaz, hoje toda a gente discute   a entrevista de José Sócrates. Ontem, Seguro esbracejava para aparecer, hoje esbraceja para emergir da sombra negra do seu antecessor. Ontem, discutia-se o duro presente, hoje discute-se uma aparição do passado. É assim o "espaço mediático". Sócrates sabe disso, Relvas sabe disso. São da mesma escola.

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23.3.13



DESMORALIZAÇÃO, APATIA, REVOLTA 

A desmoralização do governo é evidente. Autismo, teimosia, perda de noção da realidade, confusão, contradições, alternância entre medo e ar de rufia, acções sem nexo, repetição sem sentido de slogans e intenções em que já ninguém acredita, nem emissor, nem receptores, ataques de pânico, tudo. Se houvesse psiquiatras para governos, este estava mesmo precisado de uma série vasta de sessões. 

A apatia cresce e o governo acha que é paciência. Não é, é uma mistura de exaustão, defensismo até ao limite da inacção, medo, e acima de tudo impotência. Nada disto é bom conselheiro. E revolta, que a há bastante. Infelizmente em Portugal não há tradição de desobediência civil, o passo mais civilizado para a expressão dessa revolta, pelo que se vai a caminho do menos civilizado, o conflito puro e duro, as mil e uma vias pelas quais todas as violências fluem.

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VEM AÍ MAIS UM 

Sempre que o governo falha os seus objectivos, há mais um pacote de austeridade.

Cada vez que há um novo pacote de austeridade, o governo falha os seus objectivos.

 Enquanto não sairmos deste círculo vicioso, daqui não saímos.

No fundo, é simples.

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EARLY MORNING BLOGS  
2307

A menos pensamiento, pensamiento más tiránico y absorbente. 

(Miguel de Unamuno)

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17.3.13


O PRESIDENTE COMO ALVO 
Com a habilidade táctica que as caracteriza, a oposição mais radical e a oposição mais mole, atiram-se à troika, à senhora Merkel, aos alemães e ao Presidente da República… O governo apreciará certamente esta escolha de alvos.

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SUSTENTABILIDADE 
É uma palavra daquelas que o bando do “economês”, que vai muito para além dos economistas, gestores, jornalistas económicos para a retórica empresarial de “sucesso”, quase sempre em relação directa com o insucesso, gostam de usar. Sabe-lhes bem na língua, mesmo que signifique muito pouco e transporte mais ambiguidade do que certeza. Aliás o mesmo acontece com muitas outras palavras do jargão actual do “economês” que, transpostas para um conteúdo programático para além de um conteúdo descritivo de variáveis económicas, dão torto. 

Vejamos alguns dos sucessos proclamados do “ajustamento”: abaixamento do nível de vida das famílias, destruição das “más” empresas, baixa de salários, redução dos custos do estado em salários e pensões, equilibro da balança comercial, redução drástica do consumo, corte do investimento público. Muito bem. No entanto, muitas destas medidas foram apresentadas como temporárias e a prazo curto, extinguindo-se com ao fim do “programa” do memorando, umas vezes até 2012 (incumprido), outras para 2013 (incumprido) e agora prometidas para 2014, ou 2015. 

A fórmula dos novos cortes, a da “refundação do estado”, é suposto ser de outra natureza, trazendo cortes permanentes destinados a dar “sustentabilidade ao país”. Cá está palavrinha mágica. Eu que não me deixo encantar facilmente por estas palavrinhas, faço algumas perguntas. 

Será que já perceberam que a manutenção em permanência do actual status quo, não representa a manutenção de status, mas um declive que se acentua ano a ano para a pobreza? Ou seja, não resulta na queda para num nível “ajustado” de pobreza, mas sim na aceleração de um processo de empobrecimento, que é hoje o único elemento dinâmico da sociedade portuguesa? E que uma sociedade a empobrecer rapidamente, dia a dia, mês a mês, ano a ano, não é uma sociedade estável mas conflitual e que as consequências desses conflitos são imprevisíveis? E que os que estão a empobrecer votam pelo menos de quatro em quatro anos, e não me parece que vão dar o seu voto aos que os querem empobrecer “permanentemente”, mas irão atrás de quem lhes propuser qualquer coisa desde que não seja ao seu presente?

Ou seja, resumindo e concluindo, em democracia esta política não é sustentável. Insustentável. Ponto.

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O HÍBRIDO

Já se percebeu que, a cada avaliação da troika, a troika se avalia a si mesma em primeiro lugar, e que o compromisso da troika com o “programa” português é profundo. Há várias razões para isso e o ter do outro lado o aluno subserviente que faz tudo o que o professor manda (que não é a mesma coisa do que o bom aluno), é sem dúvida uma delas. Mestre e discípulo partilhavam ambos o mesmo entusiasmo profético e milenar sobre as virtualidades da sua engenharia política, coisa que não acontecia na Grécia e na Irlanda. Por isso, aqui, nenhum zelo seria excesso de zelo, bem pelo contrário, o discípulo queria sempre ir mais longe do que o mestre. O resultado está à vista. Troika e governo envolveram-se num projecto de experimentalismo económico-financeiro comum que, se falhar, falha para ambos. Ora nem o governo, que sempre vai a eleições, nem os altos funcionários da troika, que não vão a eleições e dependem dos seus chefes, querem ter um insucesso no seu currículo. E no entanto, o seu “programa” comum já falhou, o seu “exercício” (como gosta de dizer Vítor Gaspar) não deu os resultados pretendidos. Trata-se agora de fazer outra coisa de diferente, numa parte correção e noutra disfarce. 

Ou seja, como o “programa” já falhou nas suas virtualidades proclamadas, vai-se agora produzir um híbrido. Mas, como se sabe, os híbridos não se reproduzem como the real thing. No entanto, serve a ambos, troika e governo, e ajuda a ambos a tentar limitar os desastres a que o seu experimentalismo levou o país. De passagem, é melhor para os portugueses do que nada, mas como é feito a contragosto e sem convicção, nunca será feito como devia e acaba por acrescentar mais destroços aos que já existem por todo o lado. Vejam a patética encenação das mesmas medidas que vilipendiaram (e bem) no governo Sócrates, desde um TGV para as mercadorias, de Sines não se sabe bem onde, até à deslocação de parte do Porto de Lisboa para a margem sul, tudo obras de necessidade urgentíssima. A ideia é sempre a mesma: grandes obras públicas, salvam a construção civil, e aguentam algum emprego. 

O problema é que antes de voltarem ao “socratismo”, mataram tudo à sua volta, empresas, emprego, e oportunidades, queimaram o tecido económico existente sem o substituir por coisa nenhuma. O “exercício” entendia-se como sendo de “destruição criativa” (imagino Schumpeter às voltas no túmulo), e falhou. Logo, agora querem injectar num quase morto uma injecção de adrenalina. O que vai acontecer é que, como o coração não bate, vão espetar a seringa em qualquer sítio do corpo e o resultado serão movimentos convulsivos. Como os da rã de Luigi Galvani. E isso é se não a espetarem na carteira de alguns zombies mais espertos que fazem bem o papel de vivos e têm um gigantesco alvo na sua conta bancária.

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12.3.13


MEUS AMIGOS, O TEMPO NÃO ESTICA...

...pelo que vos peço paciência para as respostas atrasadas, pouco atempadas e, às vezes, ultrapassadas na oportunidade, a muitas solicitações, pedidos de intervenções, conferências, debates, apresentações, etc. que mereceriam certamente aceitação e resposta rápida. O mesmo se passa com o correio, um mal histórico por estes lados, que deixa muitas vezes por responder as mensagens que mais exigiam resposta. De facto, o tempo não estica...

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11.3.13


EARLY MORNING BLOGS  
2306 - Nonsense Alphabet (I)


I was an Inkstand new,
      Papa he likes to use it;
He keeps it in his pocket now,
      For fear that he should lose it.

(Edward Lear)

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9.3.13


O PEREGRINO



Muitos portugueses identificam-se como católicos, muitos são mesmo crentes, e parte desses crentes é praticante. Uma minoria pertence a várias instituições da Igreja, no plano social, cultural e assistencial. Sem eles desabaria a frágil rede que protege os mais pobres e fracos na sociedade portuguesa, e a que o Estado dá cada vez menos e pior. Uma mais pequena minoria é militante católica apostólica romana, em vários grupos "progressistas" e outros em vários grupos "integristas". Estas classificações são muito grosseiras, mas servem para o efeito.


Mas cada vez mais portugueses são agnósticos ou, melhor ainda, indiferentes à experiência religiosa na sua vida quotidiana, mesmo que ocasionalmente entrem numa igreja em funerais, baptizados e casamentos. Um cada vez maior número de portugueses faz a sua vida com considerável indiferença face à Igreja e organiza-a em muitos aspectos em que a Igreja e religião tinham papel no passado e hoje têm cada vez menos. Não baptiza os seus filhos, não se casa pela Igreja, é hostil à moral sexual cristã, e vive como quer e lhe apetece, sem ser afectado em nada pela instituição, a não ser quando esta aparece associada a qualquer escândalo, como a pedofilia, e então julga-a com ainda maior severidade, reconhecendo-se nessa reacção mais próximo da Igreja do que desejaria e admite. Contradições, de que o mundo é feito. 


Nos últimos dias, foi impossível a todos não observar os vários episódios do "espectáculo" papal, em parte involuntário, noutra parte desejado. Uso aqui o termo sem especial sentido pejorativo, que também o tem. Desde o momento da declaração de renúncia, que o Papa fez em latim e que só uma jornalista e os dignitários da Igreja que o acompanhavam perceberam porque conheciam a velha língua morta da Igreja, até à sucessão de aparições, discursos e mensagens, todos os passos e palavras daquele homem vestido de forma única, de branco e vermelho, na janela do Vaticano, no carro branco de nome ridículo, no helicóptero, a cuja passagem tocavam os sinos, uma coisa moderna chamando uma coisa antiga, um mundo fortemente simbólico que se tornou actual no ecrã por onde se vê o mundo, a televisão. 


A sua figura é a de um homem cansado e velho, "sem forças" para dirigir a "barca petrina", e por isso o seu acto de renúncia foi visto como contraditório com o sofrimento público, a revelação da doença e por último da morte quase em directo, diante dos fiéis reunidos na Praça de S. Pedro, de João Paulo II. Já o escrevi e repito, os dois Papas sucessivos, cuja colaboração e estima foi intensa, não quiseram dizer nada de contraditório entre si, mas apenas coisas diferentes: um, que a velhice e a morte fazem parte da condição humana; outro, que não há razões para o Papa não se retirar se entender que a Igreja precisa de força e vitalidade para defrontar as suas dificuldades. Cada um testemunha, a seu modo, a humanidade do papado, e por isso ambos serviram a sua causa e a sua igreja.


Nos seus últimos dias de Papa, Bento XVI apresentou-se diante de audiências globais como algo de muito diferente do comum, como uma "estranheza", ou um "mistério" que nos interpela. Desse ponto de vista, foi um sucesso "mediático" porque é único: um homem alquebrado, mas com um sorriso poderoso, falando várias línguas de um modo geral bastante bem, lendo textos simples mas densos, cheios de história, onde os dois mil anos da Igreja se reflectem num fio condutor que apela a muitas memórias da cultura ocidental e da religiosidade. Mas, mais do que isso, um homem que sabemos ser um grande intelectual, um produto da exigente cultura universitária alemã, mas que se percebe ter fé, acreditar, e que, numa timidez evidente mas segura, fala com Deus tratando-o por Tu.


O "espectáculo" papal dos dias de hoje não converte os incréus, porque a sua incredulidade é mais forte e mais funda, por boas e más razões, mas abre-os a uma certa perplexidade, nalguns casos mesmo sedução, da e pela fé. Ver alguém que acredita, como o Papa Bento XVI, agora Papa Emérito, de uma forma tão gentil, sem aí ser frágil e "sem forças", faz muito para restaurar um respeito pela espiritualidade, uma atenção ao "mistério" ao sentimento do outro, mesmo que não restaure a fé, que é um "dom" e não depende dele.

É por isso que este Papa fez muito mais pela Igreja do que muitos cristãos pensam que fez, resultado de terem ficado órfãos em Bento XVI da religiosidade afectiva de João Paulo II, daquela bondade de pater que beijava a terra e peregrinava pelo mundo todo. Bento XVI é uma outra espécie diferente de "peregrino", autoclassificação que deu a si próprio na sua última declaração ainda Papa no seu belo italiano de adopção: "Voi sapete che io non sono più Pontefice, sono semplicemente un pellegrino che inizia l"ultima tappa del suo pellegrinaggio in questa terra."


Para João Paulo II, cuja acção é muito intimamente complementar da de Bento XVI e vice-versa, a preocupação foi sempre reforçar a Igreja nas suas mais seguras fontes de continuidade e influência: o cristianismo popular, mariano, orgânico, "comunitário", como o era na sua Polónia natal, assegurando-lhe a liberdade de culto, e a autonomia das suas instituições, em particular as ligadas ao ensino. O seu olhar dirigia-se aos sítios onde o cristianismo estava a crescer e a consolidar-se, em África, na América Latina, na Ásia, a partir do povo comum, da religiosidade popular e simples. Daí também o seu papel no combate ao comunismo onde participou como inspirador e conspirador. O "Papa polaco", anticomunista, foi sempre visto pelo Kremlin como um dos grandes problemas na fase final da crise do sistema comunista, e um actor decisivo nessa queda.


Bento XVI era diferente, pela sua carreira, pela sua acção intelectual, como teólogo, pela sua acção como jovem consultor dos bispos alemães que organizaram no Vaticano II a resistência ao poder da Cúria Romana, assim como, mais tarde, como alto responsável na hierarquia da Igreja na defesa da ortodoxia da doutrina. Este último papel colocou-o na mira dos "progressistas" que o tinham como adversário capaz e duro, elevando o debate intelectual, teológico, a níveis que apenas poucos, como era o caso de Hans Kung, eram capazes de aceder. Mas Bento XVI, quer como Joseph Ratzinger, quer como Papa, sabia muito bem que para defrontar a competição com a descrença no mundo contemporâneo, era preciso resistir ao "progressismo" que descaracterizava a Igreja, a tornava numa variante profética do marxismo na "teologia da libertação", abrindo-a de forma perversa a um mundo que se tinha feito contra ela e sem ela, e que acabaria por a dissolver no "século" sem diferença. A resistência à "modernidade", e foi o próprio Ratzinger que o lembrou, é mais moderna e interpela mais a descrença, do que a contínua cedência ao "mundo" secular, aos seus hábitos e costumes. E foi também por isso que, ao associar o seu acto prosaico de renúncia ao papado a uma "peregrinação" mística e de intensa religiosidade, apelou aos incréus, seus pares na mesma tradição greco-latina da cultura ocidental que tanto prezava, e fez muito mais pela "propaganda da fé" do que alguns dos seus pares mais modernizadores reconhecem. 


Usou o "espectáculo" para sair dele para uma dimensão muito alheia ao nosso quotidiano vulgar, retomando o sentido do seu nome de Papa, como o disse na sua última audiência do dia 27 de Fevereiro:

 "O "sempre" é também um "para sempre": não haverá mais um regresso à vida privada. E a minha decisão de renunciar ao exercício activo do ministério não revoga isto; não volto à vida privada, a uma vida de viagens, encontros, recepções, conferências, etc. Não abandono a cruz, mas permaneço de forma nova junto do Senhor Crucificado. Deixo de trazer a potestade do ofício em prol do governo da Igreja, mas no serviço da oração permaneço, por assim dizer, no recinto de São Pedro. Nisto, ser-me-á de grande exemplo São Bento, cujo nome adoptei como Papa. Ele mostrou-nos o caminho para uma vida, que, activa ou passiva, está votada totalmente à obra de Deus."


Boa viagem, peregrino.

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3.3.13


DEVO QUEIXAR-ME AOS CHINESES, DEVO MUDAR PARA A IBERDROLA, DEVO SEI LÁ FAZER O QUÊ, QUEIXAR-ME À TROIKA, ESCONJURAR O DR. CATROGA, PEDIR UMA INDEMNIZAÇÃO À EDP POR PERDAS E DANOS,  TALVEZ ASSIM PERCEBAM...

...o que é estar a trabalhar na Rede, a enviar e receber ficheiros, e a electricidade faltar sete ou oito vezes por 15-30 segundos, numa manhã. Vai tudo abaixo, recomeça tudo outra vez, com tudo perdido. E o mesmo acontece agora todos os fins de semana, a menos de 100 quilómetros de Lisboa, nos confins da terra. E está a piorar.

PS. Alguns amigos sugerem que comprem uma UPS, Agradeço  a sugestão, mas já tenho. O problema é que com a luz falha a Internet, e lá se vai o trabalho em trânsito. Acresce que vale a pena experimentarem viver numa casa grande e a luz estar sempre a ir e a vir, com toda a parafernália eléctrica ligada a ir abaixo e a reiniciar... A ver se não rogavam pragas à EDP. Eu sei que um gerador minimizava o problema, mas não é um pouco de mais?



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PONTO / CONTRAPONTO: HORÁRIOS CONVULSOS DEVIDO AO FUTEBOL

Devido a uma qualquer convulsão futebolística, parece que o Ponto Contraponto passa hoje às 20.30, em vez das 21.30 do costume.

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2.3.13


 
LIBERDADE, ONDE ESTÁS? QUEM TE DEMORA?  

 
Liberdade onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a Hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!,venha... Oh!, venha e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória ,e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!
 
(Bocage)



Este artigo é um panfleto. Não acrescenta nada de novo àquilo que digo há mais de dois anos, pelo que não tem interesse mediático. Não é distanciado, nem racional, nem equilibrado, nem paciente, nem tem um átomo da imensa gravitas de Estado que enche a nossa vida pública no PS e no PSD, cheia daquilo a que já chamei redondismo e pensamento balofo. Como vêem já disse isto tudo e estou-me a repetir. Não é sequer um artigo feliz, que se faça com gosto e prazer. Prescindia bem de o fazer para falar de outras coisas, refrigérios da alma, como se dizia no passado, seja livros, seja o Inverno, seja algum momento especial, uma descoberta de amador curioso, uma coisa que se aprendeu, uma calmaria hegeliana do espírito, ou uma negatividade divertida e sagaz. 


Bem pelo contrário. Não ilumina, não é feito pela curiosidade, é feito em nome da voz que não tem voz e por isso tem muitos adjectivos e podia ser todo escrito em calão, aqueles plebeísmos, grosserias e obscenidades que tem nos dias de hoje a enorme vantagem de não conter hipocrisia, porque são palavras inventadas contra a hipocrisia. Ao menos, vamos hoje usar o esplendor das belas palavras do português contra o abastardamento da língua como maneira de falarmos uns com os outros, de nos entendermos na simplicidade do povo comum, ou na riqueza criativa de uma velha fala, capaz de tudo se a deixarmos à solta, mas magoada e ferida pelo seu uso para esconder vilezas e malfeitorias, e acima de tudo para esconder arrogâncias ignorantes, que é a moeda falsa que para aí circula.


Pode ser porque eu dou valor às palavras - uma sinistra manifestação da condição suspeita de intelectual - que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sua sistemática violação pelo governo. Violação, exactamente como as outras violações. Devia haver uma lei não escrita para punir a violência feita com as palavras e pelas palavras, como há com a violência doméstica, a violência contra os mais fracos, o abuso do poder. Devia haver uma lei não escrita para punir o envenenamento das palavras pela desfaçatez lampeira, a esperteza saloia. 


De novo, pela pecha de ser intelectual, - um estado miserável nos dias de hoje, "treinador de bancada", "comentador", "opinador", "achista", "inútil", "velho do restelo", "negativista", ou qualquer outra variante das palavras com que hoje o poder e os seus serviçais entendem diabolizar o debate público que não lhes convém - é que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sistemática tentativa de nos enganar, de nos tomar por parvos, de nos despachar com um qualquer truque verbal destinado a dizer que uma coisa é diferente do que o que é, porque convém que não se perceba o que é. 


Os exemplos abundam. Por exemplo, chamar aos cortes "poupanças", como se não fosse insultuoso para quem quer que seja ver a sua vida ficar miserável por uma "poupança" virtuosa, cuja natural bondade não pode ser atacada. Quem ousa ser contra poupanças? Pode-se ser contra os despedimentos, contra a redução das despesas sociais, contra os cortes, mas não se pode ser contra as "poupanças". Mesmo quando elas mais não sejam do que cortes, despedimentos, reduções de prestações, reformas miseráveis ainda mais miseráveis, ou, como diz Bagão Félix, "diminuição do rendimento das famílias". Os espertos assessores de comunicação, que se esforçam todos os dias para dar ao Governo a "política" que o professor Marcelo diz que ele não tem e evitar assim "erros de comunicação", são os aprendizes de feiticeiros deste quotidiano embuste em que vivemos. Mas estão todos bem uns para os outros.


Chamar a um novo plano de austeridade, o enésimo de há dois anos para cá, sempre precedido da mentira de que "não vai ser necessária mais austeridade", mais uma vez sobre os funcionários públicos, os pensionistas e os que precisam de serviços públicos de saúde, educação, e outros, essa coisa obscura e neutra de "medidas contingentes", não é também um insulto à nossa inteligência e, pior que tudo, uma ofensa aos que vão ser vítimas daquilo que o Governo chama "desvios na execução orçamental", ou seja erros? A verdade, nua, bruta, cruel, dura, pétrea, é que cada vez que o Governo erra, há um novo plano de austeridade destinado a garantir que a mesma receita que falhou seja tentada de novo, com mais uns milhares de milhões retirados às pessoas, às famílias, à economia, para pagar uma obstinação, um beco sem saída ideológico, uma tese sem prova, uma abstracção intelectual, no fundo uma enorme vaidade sem perdão. Sócrates deitou fora milhões e milhões mal gastos e perdulários, Passos Coelho deita fora milhões e milhões para um vazio de arrogância, ignorância e vaidade, sem melhorar o défice, aumentando a dívida, sem se ver qualquer utilidade. Mas o dinheiro, antes como agora, foi para algum sítio.


E como aceitar o supremo insulto fruto de uma displicência que acaba por ser maldosa e arrogante, de se dizer que a recessão para este ano "aumenta de um ponto percentual", como se passasse de 35,4 para 36,4, quando passa de 35,4 para 70,8, usando estes números imaginários para se perceber a enormidade do "ponto percentual" que significa errar por 100%, duplicar por dois uma desgraça, que passa a ser o dobro do que era, ou seja uma pequena coisa, "um pequeno ponto percentual", como se fosse a coisa mais natural do mundo. 


Os erros agora também se chamam "ajustamentos" e podem ser tidos apenas como a natural consequência da "dificuldade das previsões macroeconómicas", que se tem que ir "ajustando" mês a mês. Mas os erros antes de serem "ajustados" acaso não foram instrumentos de combate político, fonte de afirmação de legitimidade, atirados contra todos os que suspeitavam da sua verdade e exequibilidade? Não tem importância, encontra-se uma estatística qualquer que mostra que estamos no "caminho certo", mesmo que tudo esteja errado, e há sempre quem coma esta palha.


É tudo "ajustamento" porque os manipuladores das palavras entendem que, lá fora da sua janela do poder, tudo é plástico que se pode moldar, é tudo paisagem em que se pode plantar uma sebe alta para não ver o mais de um milhão de desempregados "em linha com o que estava previsto", e colocar os portugueses numa jaula de ratinhos a correr para fazer experiências. E que tal cortar metade da comida a ver se eles se "ajustam" à "poupança" de só comer metade? Trinta morrem, quarenta ficam doentes, vinte ainda têm gordura para aguentar. Aguentam, aguentam, diz o tratador. Excelente, ficam dez por cento, a "selecção natural" funcionou e deixou-nos com os mais fortes, os que se "ajustam", os "empreendedores". Morreram alguns comidos pelos outros? Não há problema, sempre há ratinhos "empreendedores" e que não são "piegas", e que mostram as virtudes do modelo.


No dia em que este Governo for corrido, pelo mesmo tipo de onda de rejeição que varreu o seu antecessor, só que agora do tamanho das ondas do Canhão da Nazaré, vai sair com a atitude daquele que diz: o último a sair que feche a luz e a porta, porque já não é connosco, "queríamos mudar Portugal e não nos deixaram". E irão para os seus lugares de acolhimento confortável, já pensados e preparados, sem temor e sem tremor.
No entretanto, estragaram Portugal com a mesma sanha do filósofo de Paris, numa situação que vai demorar décadas para ser consertada, se é que tem remédio. Descaracterizaram o PSD como Sócrates fez ao PS, tornaram pestíferos os políticos em democracia e as instituições da democracia, destruíram a geração actual, a que tratam sobranceiramente como a dos "instalados" e querem desempregar para "ajustar" o preço da mão-de-obra, e hipotecaram a geração seguinte com a mesma antiga maldição da baixa qualificação, do provincianismo, do quotidiano de subsistência onde não há recursos para os bens materiais quanto mais para os "imateriais". 


Vão deixar-nos na periferia da periferia, como um país eternamente assistido por uma Europa para quem pagar ao seu bom aluno são trocos desde que ele se porte bem. Irá a troika, ficará o BCE, a Comissão Europeia e o Pacto orçamental. Ficará um país medíocre e remediado, uma praia razoável para o Verão. Deles vamos herdar uma enorme colecção de invejas e ressentimentos sociais, que dividirão os portugueses entre si, aumentando ao mesmo tempo a apatia e a violência social. 


Não é bom viver no Portugal onde reina o engano e a mentira institucionalizada. E não custa prever o futuro. Está tudo nas palavras.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE 
 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM) 

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EARLY MORNING BLOGS  
2305

I closed the book and changed my life and changed my life and changed my life and one more change and I was back here looking up at a blue sky with russets and the World was hypnotic but it wasn't great. I wanted more range, maybe, more bliss, I didn't know about bliss. Is bliss just a rant about the size of the bowl? The trance was the true thing, no, the rant, no, the sky, now, that icy whiteness.

(Bruce Smith)

Untitled [I closed the book and changed my life]

 

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