ABRUPTO

17.3.13



O HÍBRIDO

Já se percebeu que, a cada avaliação da troika, a troika se avalia a si mesma em primeiro lugar, e que o compromisso da troika com o “programa” português é profundo. Há várias razões para isso e o ter do outro lado o aluno subserviente que faz tudo o que o professor manda (que não é a mesma coisa do que o bom aluno), é sem dúvida uma delas. Mestre e discípulo partilhavam ambos o mesmo entusiasmo profético e milenar sobre as virtualidades da sua engenharia política, coisa que não acontecia na Grécia e na Irlanda. Por isso, aqui, nenhum zelo seria excesso de zelo, bem pelo contrário, o discípulo queria sempre ir mais longe do que o mestre. O resultado está à vista. Troika e governo envolveram-se num projecto de experimentalismo económico-financeiro comum que, se falhar, falha para ambos. Ora nem o governo, que sempre vai a eleições, nem os altos funcionários da troika, que não vão a eleições e dependem dos seus chefes, querem ter um insucesso no seu currículo. E no entanto, o seu “programa” comum já falhou, o seu “exercício” (como gosta de dizer Vítor Gaspar) não deu os resultados pretendidos. Trata-se agora de fazer outra coisa de diferente, numa parte correção e noutra disfarce. 

Ou seja, como o “programa” já falhou nas suas virtualidades proclamadas, vai-se agora produzir um híbrido. Mas, como se sabe, os híbridos não se reproduzem como the real thing. No entanto, serve a ambos, troika e governo, e ajuda a ambos a tentar limitar os desastres a que o seu experimentalismo levou o país. De passagem, é melhor para os portugueses do que nada, mas como é feito a contragosto e sem convicção, nunca será feito como devia e acaba por acrescentar mais destroços aos que já existem por todo o lado. Vejam a patética encenação das mesmas medidas que vilipendiaram (e bem) no governo Sócrates, desde um TGV para as mercadorias, de Sines não se sabe bem onde, até à deslocação de parte do Porto de Lisboa para a margem sul, tudo obras de necessidade urgentíssima. A ideia é sempre a mesma: grandes obras públicas, salvam a construção civil, e aguentam algum emprego. 

O problema é que antes de voltarem ao “socratismo”, mataram tudo à sua volta, empresas, emprego, e oportunidades, queimaram o tecido económico existente sem o substituir por coisa nenhuma. O “exercício” entendia-se como sendo de “destruição criativa” (imagino Schumpeter às voltas no túmulo), e falhou. Logo, agora querem injectar num quase morto uma injecção de adrenalina. O que vai acontecer é que, como o coração não bate, vão espetar a seringa em qualquer sítio do corpo e o resultado serão movimentos convulsivos. Como os da rã de Luigi Galvani. E isso é se não a espetarem na carteira de alguns zombies mais espertos que fazem bem o papel de vivos e têm um gigantesco alvo na sua conta bancária.

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© José Pacheco Pereira
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