ABRUPTO

30.7.12


COISAS DA SÁBADO
O REINO DOS EUFEMISMOS, DO ATIRAR PARA O LADO, DA FRASE QUE DISTRAI 


No que depende de nós as contas estão controladas” é uma frase que se ouve do lado do governo para justificar a derrapagem da execução orçamental. É mais uma frase justificatória e uma frase que aponta para o lado da distracção, quer enganar-nos e distrair-nos. A escola de Sócrates, um grande especialista na frase ao lado, na estatística ao lado, na frase que de spin destinada a circular contra as evidências dos factos como um soundbite, deixou discípulos. 

 A frase, se vista para lá do manto de confusão em que nos pretender envolver e do caminho errado que nos quer fazer seguir, não se sustenta um segundo. Começa por nos dizer que na execução orçamental há dois lados, um de responsabilidade do governo (as despesas) que corre gloriosamente “bem”, e outro do lado da “nuvem”, um misto de economia espanhola, de economia portuguesa, de fuga ao fisco, de economia paralela, de acaso, dos malvados efeitos da “surpresa” do desemprego, da “queda acima do esperado” da procura interna, e de mais meia dúzia de imponderáveis com que o governo nada tem a ver (as receitas) e que corre muito mal.  Claro que começa por presumir que despesas e receitas não estão ligadas entre si, como nem vale a pena perder tempo a referir. Como se pode perceber a quebra das receitas que vai levar ao incumprimento do défice, se não tivermos em conta a política global do governo? Não pode ser… 

Acresce que o controlo das despesas assenta essencialmente no corte de salários e subsídios na função pública, que não é propriamente uma medida estrutural. O próprio governo admitia-a como transitória e de excepção, para acabar em 2013, 2014, 2015, ou 2018, seja lá quando for, mas provisória. Hoje sabe-se que a medida é considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, como aliás de há muito se suspeitava, pelo que ainda mais conjuntural e excepcional ela parece. Ajuda em 2012, mas não chega, e desaparece em 2013. Por isso, aquilo em que a frase “no que depende de nós” enche o peito de ar, ´pouco mais do que ar de lá sai, porque a dura realidade dos factos é que o governo não vai atingir o seu objectivo central, quase único, de cumprir o aspecto central do acordo com a troika. A troika fecha os olhos, ou porque precisa de um exemplo positivo para mostrar aos malditos gregos, ou porque uma parte da troika começa a perceber que o programa de laboratório não resulta nos testes com os ratinhos, ou porque, avaliando Portugal, se avalia a si própria e não quer dar má nota a si mesma. 

Mas o problema destas frases de spin é que escondem o facto tenebroso: o problema que existia, continua lá; ou não é o problema que foi apontado e é outro; ou os remédios não servem, ou os médicos não sabem o que estão a fazer e preparam-se para matar o doente, pensando que estão a fazer um grande artigo para o New England Journal of Medicine. Neste caso para o Financial Times.

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NOT SO 
EARLY MORNING BLOGS   
2237

"A tragic situation exists precisely when virtue does not triumph but when it is still felt that man is nobler than the forces which destroy him. "

(George Orwel)

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27.7.12

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NOT SO 
EARLY MORNING BLOGS   
2236

En tout pays, il y a une lieue de mauvais chemins.

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23.7.12


 TOUT VA TRÉS BIEN MADAME LA MARQUISE (3)

A TESE DA CONSPIRAÇÃO

 A tese da conspiração no caso Miguel Relvas é absolutamente idêntica à “cabala” socrática: uma construção do poder para justificar o injustificável. Os mecanismos são os mesmos, os protagonistas são os mesmos, os propagandistas são os mesmos, por turnos. Há uma falta de vergonha absoluta na capacidade de hoje se dizer o que ontem se abjurara, mas há quem suba na vida assim. Mas tout va bien. É só uma canção.

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TOUT VA TRÉS BIEN MADAME LA MARQUISE (2)
RAIVA 

A um observador atento não escapa o crescendo dos mecanismos de raiva. Há um ano era e resignação, agora é a raiva. A raiva estala por todos os poros e é péssima conselheira. A raiva vem de cima e vem de baixo, mas o seu efeito é semelhante. Varre tudo à volta, a moderação, a sensatez, a possibilidade de poder haver equilíbrios. A raiva é fruto dos tempos, nuns a sensação de que estão encostados à parede, sem esperança, e perdendo todos os dias o pouco que têm; noutros a consciência de que este momento único para moldar o país aos seus interesses está a esgotar-se e está a começar a correr mal. Uns e outros estão sem espaço de manobra, daí a raiva. Exemplos: a decisão do Tribunal Constitucional, a greve dos médicos.

 A decisão do Tribunal Constitucional pode ter todos os defeitos jurídicos que se lhe apontam, mas não é por isso que está a ser violentamente atacada. Está a ser violentamente atacada por ter ido a contrario da politica do governo, que naturalmente todos os que a defendem acham que tem que ser indiscutível e autoritária, se for mesmo inconstitucional, ou dito de modo mais claro, ilegal. Perante o “ajustamento” que é que valem as leis? Não podemos dar-nos a este luxo. A greve dos médicos foi também atacada não porque os médicos não estivessem socialmente do lado das classes certas, mas porque é uma greve e feita contra o governo. Inadmissível haver uma greve com sucesso, um mau exemplo para todos nesta altura. Ainda por cima acompanhada por um comício, parecido com a CGTP! Inaceitável. Perturbador da paz social, subversivo. 

 Depois há a raiva de baixo, aquela que neste momento de subserviência comunicacional ao poder, é sujeita a um anátema absoluto. A raiva de baixo ainda só aparece quando se soltam as línguas e quando quem fala não tem medo. Sim, porque há muito medo, demasiado medo. Mas o medo é um alimento da raiva. Poderoso. Vamos num péssimo caminho. Mas tout va bien. É só uma canção.

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22.7.12


TOUT VA TRÉS BIEN MADAME LA MARQUISE


O hino dos nossos dias devia ser esta velha canção francesa  de Ray Ventura. Primeiro a marquesa telefona ao mordomo inglês James a perguntar por notícias.

Quelles nouvelles ?
(…) Que trouverai-je à mon retour ?

James responde : 

Tout va très bien, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.

Tudo está a correr bem. Os objectivos estão a ser cumpridos. O ajustamento está a ocorrer mais depressa do que esperado. Já há sinais de recuperação da economia. Pela primeira vez, desde 1943, a balança comercial vai ter um superavit. O país está a mudar para melhor. Os portugueses estão a mudar de hábitos para melhor. Com os salários mais baixos a nossa economia é mais competitiva. Etc., etc,
E no entanto…

On déplore un tout petit rien
 Un incident, une bêtise,

há uns pequenos problemas, Madame. Uns pequenos nadas, uns incidentes de percurso, umas asneiras sem consequências. Morreu a égua de Madame. É pena, mas é coisa ínfima.

Mais, à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien.


O desemprego tem sido uma “surpresa”. A quebra do consumo interno foi maior do que a “esperada”. Falências e insolvências de empresas e família são aos milhares. O sistema de segurança social está sob tensão. Mas isso é o preço a pagar pelo “ajustamento”. Ah! Já me esquecia, o défice tem um “desvio colossal”, antes mesmo da decisão do Tribunal Constitucional.

Mas por que é que isso aconteceu? Como morreu a minha estimada égua, meu exemplar criado? Bom, Madame, um pequeno incêndio na estrebaria. Na verdade, a estrebaria pegou fogo porque o castelo também ardeu, porque o Marquês, cheio de dívidas, suicidou-se, caiu em cima dumas velas e lá se foi o castelo.

Eh bien ! Voila, Madame la Marquise,
Apprenant qu'il était ruiné,
A pein' fut-il rev'nu de sa surprise
Que M'sieur l'Marquis s'est suicidé,
Et c'est en ramassant la pell'
Qu'il renversa tout's les chandelles,
Mettant le feu à tout l'château
Qui s'consuma de bas en haut ;
Le vent soufflant sur l'incendie,
Le propagea sur l'écurie,
Et c'est ainsi qu'en un moment
On vit périr votre jument !

Mas,
Cela n'est rien, Madame la Marquise
À part ça, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.

Estamos em 1935, a três anos de Munique, a quatro da segunda grande guerra. Presumo que Madame la Marquise apoiou vivamente Pétain, James voltou a Inglaterra e combateu em Dunquerque, e o castelo, ou o que sobra dele, foi vendido a uma empresa americana de real estate que prepara moradias de luxo para os príncipes árabes. Tout va bien. É só uma canção.

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EARLY MORNING BLOGS   
2235

The times are nightfall, look, their light grows less;  
The times are winter, watch, a world undone:  
They waste, they wither worse; they as they run  
Or bring more or more blazon man's distress.  
And I not help. Nor word now of success:       
All is from wreck, here, there, to rescue one—  
Work which to see scarce so much as begun  
Makes welcome death, does dear forgetfulness.  
  
Or what is else? There is your world within.  
There rid the dragons, root out there the sin.   
Your will is law in that small commonweal...
 
(Gerard Manley Hopkins) 

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21.7.12


ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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16.7.12


O VALOR ACADÉMICO DA EXPERIÊNCIA POLÍTICA SEGUNDO A UNIVERSIDADE LUSÓFONA

(Versão integral, contendo partes cortadas, por razões de espaço, no jornal. A azul os acrescentos.)

 
Traduzir a "experiência da vida" em qualificações académicas é uma tarefa difícil, mas com sentido. Sou defensor que tal seja uma prática institucional no ensino universitário, onde a ideia de "saber" tem que ir muito para além dos graus académicos formais. No entanto, como infelizmente se passa quase sempre com ideias com mérito, existe uma capacidade para as transformar em mais um pretexto para a troca de cumplicidades, que degrada o ensino universitário e estende o campo da corrupção, do clientelismo e do patrocinato à atribuição de "equivalências" académicas como favores políticos. Não é ilegal, parece, mas é inaceitável.

Os documentos apresentados aos jornalistas pela Lusófona foram cuidadosamente organizados pela universidade, colocados fora do contexto, após um hiato de vários dias em que a sua consulta não foi permitida, não se sabe porquê. Quando vieram a público, uma série de fotocópias estendidas numa mesa, separadas por tema, os jornalistas tiveram meia hora para as consultar sem haver possibilidade de as reproduzir, controlados por funcionários da universidade.

O Parecer que justifica as "equivalências" é talvez o mais significativo documento que se conhece sobre o "caso". Este é um documento sobre o qual gostaria de saber muito mais, em particular sobre a sua tramitação em 2006 dentro da universidade: em que actas se encontra, como foi enviado aos outros membros do Conselho Científico, como foi discutido, está anexado a quê, apenso a que documentos, ao livro de actas, ou está isolado numa pasta? Ora também aqui, como aconteceu no processo Sócrates, quando se tentava esclarecer uma matéria, um documento, uma omissão, apareciam logo novas questões, novos documentos, novas omissões e, acima de tudo, imensas contradições. O aspecto original dos documentos foi uma das coisas que mais embaraçou Sócrates.

O Parecer de equivalências é por si só um documento muito interessante, não só porque é feito à medida do aluno muito especial, mas também pelo que revela de uma certa maneira de pensar a política. O seu conteúdo é danoso para a Universidade Lusófona e compreende-se a preocupação dos seus alunos e professores de se porem a milhas deste processo. Mas é também um documento sobre o Portugal dos nossos dias.

Começa porque os saberes que o documento refere são todos vivenciais e não será difícil a todos os deputados da Assembleia, todos os dirigentes da JSD e JS, os funcionários dos grupos parlamentares, os presidentes de secções, distritais, federações, organismos regionais, seja lá o que forem, ou seja todo o pessoal com experiência de cargos partidários, de Monção a Vila Real de Santo António, que não tenha um grau académico, obter uma licenciatura na Universidade Lusófona e usar o "dr." antes do nome. É que os argumentos para dar o título a Relvas aplicam-se a todos eles e a muitos deles com mais mérito e razão.

Por exemplo, se Jerónimo de Sousa quisesse ser "doutor da mula ruça", como coloridamente se referiu ao título de Relvas, teria o curso de imediato. Não tem ele experiência do "exercício de cargos públicos, o exercício de funções políticas e o desempenho de funções em domínios empresariais, ou de intervenção social e cultural"? Militante e funcionário do PCP, dirigente sindical, autarca (tudo "exercício de cargos públicos, o exercício de funções políticas"), organizador tanto de greves como de festas como a do Avante! ("desempenho de funções em domínios empresariais, ou de intervenção social e cultural"), não encaixa nos critérios da Lusófona? Não tem ele "experiência (...) que se estende ao longo de mais de duas décadas de actividades essencialmente focadas no domínio da política nacional e local"? Até mais do que duas décadas, o que devia dar um doutoramento. Não tem ele "desde muito jovem uma participação activa nos mais relevantes palcos do debate e da discussão política nacional, nomeadamente enquanto deputado à Assembleia da República"? Não tem ele por essa experiência "a aquisição de competências relevantes na área de (...) Ciência Política e Relações Internacionais, nomeadamente aquelas que dizem respeito à compreensão dos quadros institucionais da actuação política e partidária em Portugal, (...) ao funcionamento dos sistemas eleitorais, (...) métodos e técnicas de análise política e (...) consequências sociais do fenómeno político"? Se tem! Até se podem acrescentar várias "universidades da vida" muito complicadas: fez a Guerra Colonial, trabalhou numa fábrica, estudou ao mesmo tempo que trabalhava, militou num partido "duro", em que os riscos sociais de exclusão são muito mais pesados do que no PS e no PSD depois de 1975.

Mas Jerónimo de Sousa nunca pediria equivalências académicas pela sua vida, até porque entenderia que isso a diminuiria no seu valor de esforço, ou naquilo a que chamaria "de luta". E não tenho dúvidas de que Jerónimo de Sousa, que é em grande parte um autodidacta, gostaria de ter tido mais qualificações académicas. Como muita gente que não pode estudar para além do ensino básico e profissional (também ele "frequentou" o antigo Curso Industrial, que interrompeu para ir trabalhar), com a sua condição social, valoriza o estudo, o conhecimento, e a escolaridade.

Foi para responder a esta valorização da escola, para muitos que dela foram afastados pela "vida", que, numa fase inicial, as Novas Oportunidades se dirigiam, com grande mérito e resultados importantes ao nível do 9.º ano. Depois, Sócrates estragou-as ao transformá-las num programa de bandeira, obcecado por estatísticas marteladas e produzindo diplomas administrativos. Mas só quem não viu como gente que nunca mais tinha imaginado voltar à escola o fez, mesmo quando tinham "apenas" que fazer a história da sua própria vida, em cadernos cuidados e ingenuamente decorados, com uma escrita esforçada, pode desvalorizar essa experiência. O diploma do 9.º ano não servia para quase nada, mas voltar à escola deu brevemente a muitos portugueses um sentido de vida e dignidade que pensavam perdido para sempre.

Mas este não é o mundo da Universidade Lusófona nem de Relvas, que desprezam os seus pares por não serem espertos como eles são. Hoje dir-se-ia "empreendedores". Por isso, a Universidade Lusófona atribuiria estas "equivalências" com mais rapidez e sensação de "normalidade" - o que é o maior absurdo neste caso é esta "normalidade" - a um jovem lobo em ascensão numa juventude partidária e num partido do poder, do que ao velho comunista, sábio, mas bem longe de ter as relações certas que a universidade quer cultivar com a elite no poder político em Portugal. Porque o favor que foi feito a Relvas, que é isso que se chama ao que aconteceu, como o favor que no passado foi feito a Sócrates, são trade offs com o poder político, não os únicos, nem certamente os mais importantes, mas reveladores do pântano em que se move o poder em Portugal.

Há muita coisa pouco rigorosa no Parecer e feita à medida do fato que se pretendia vestir a Relvas. Por exemplo esta caracterização da militância nas juventudes partidárias e do "peso relevante que as mesmas adquiriram no contexto da transição para a democracia e a integração de Portugal na Comunidade Europeia está reflectido na informação curricular apresentada". Lamento, mas não percebo.

O papel de relevo das juventudes partidárias, essencialmente o acesso crescente ao poder nos partidos "adultos", a nível nacional e local, está longe de ter a ver com o "contexto da transição para a democracia", quando muito referido a 1974-6, em que as juventudes eram ainda muito incipientes. O seu poder começa a ser relevante só na década de oitenta, sendo que o currículo partidário de Relvas só começa a ter relevo no final dessa década, ou seja muito depois do "contexto da transição para a democracia". O mesmo se pode dizer da "integração de Portugal na Comunidade Europeia", onde também o papel das juventudes partidárias é negligenciável, ou bastante mais tardio.

Na verdade, "o peso relevante", como diz o Parecer, é em grande parte resultado da progressiva sobreposição da carreira nas juventudes com a ascensão no PS e no PSD da primeira geração de políticos profissionais cuja carreira era essencialmente interior. E é também nessa fase que o problema da ligação dos "jotas" com a profissão ou a falta dela, ou com as qualificações académicas, ou a ausência dessas qualificações, começou a ser questionado publicamente como perverso. Ora a carreira de Relvas é completamente típica desse momento de profissionalização dos "jotas", que adquiriam um estatuto político e de poder, dentro dos partidos e na governação, a que não correspondiam outras competências que não o controlo das nomeações partidárias. É o que significava o anátema dos "jobs for the boys", ou das carreiras ascendentes baseadas apenas no jogo de poder interno. Foi isso mesmo, uma carreira feita apenas de lugares políticos ou de nomeação política, que a Lusófona premiou em Relvas, à revelia da crítica social crescente a esse modo de fazer política.
 

Aliás, o Parecer padece de uma espécie de abstracção cronológica bizarra, considerando valorativamente aquilo que chama “património de experiência profissional acumulado (…) cobre períodos relevantes da história de Portugal contemporâneo.” Estamos a falar grosso modo dos anos do “cavaquismo”, do “guterrismo”, do interregno de Barroso-Santana Lopes (em que Relvas chegou ao governo com um cargo típico de controlo partidário, o poder local), e depois do “socratismo”, ao todo cerca de 20 anos, de 1985 a 2006 (data atribuída ao Parecer). Esse período é caracterizado como sendo aquele em que “a materialização de princípios teóricos relevantes no campo das ideias políticas (…) muito contribuíram (…) para a evolução da sociedade.” O que é que isto quer dizer? De novo, lamento, mas não percebo, como ainda percebo menos porque razão a “experiência acumulada no domínio político” por Relvas é valorizada por ser “temporalmente simultânea“ com este período histórico. Porque é que os anos de 1985-2006 são mais especialmente valorizados do que os de 1974-1985? Não percebo o argumento, a não ser porque são os anos politicamente activos de Relvas, ou seja o Parecer é tailor-made.

 Há um embrião de resposta no Parecer, mas é pior a emenda do que o soneto. Lá se diz que este “envolvimento” “promove "a aquisição de competências transversais de compreensão do papel de diferentes classes sociais e elites na modelação da sociedade”. Não contesto que se possa aprender muito sobre as fraquezas da sociedade com um currículo como o de Relvas, mas duvido que essa aprendizagem constitua um “saber” com valor académico, sabendo-se como se sabe, o que faz um dirigente político com uma biografia como a de Relvas. O mesmo se diga da “aquisição de competências em outra área essencial para o domínio científico (…) a do marketing político". Que a Universidade valorize aquilo que chama a “competência” de Relvas no marketing politico, também se compreende se se traduzir marketing político pela propaganda e pela experiência de se ser fonte próxima de muitos jornais e da promiscuidade com muitos jornalistas, numa troca de favores e informações que é uma das pragas actuais da política e do jornalismo. Relvas aqui é doutor, mas a Lusófona chumba. 
Todo o Parecer é assim, vago e genérico, abstracto e pouco rigoroso, justificando tudo e nada. Podia ser resumido a duas ou três linhas: Relvas é um dos dirigentes em ascensão no PSD, é mação da nossa "obediência", detém um poder considerável em todos os mecanismos-chave da partidocracia, nomeações, facilitações, intermediação, influência, etc., o PSD é um partido do poder portanto é bom para a Lusófona, que é uma universidade privada, "estar de bem com o poder político", ter boas relações com este tipo de pessoas. Ponto. Bastava e era muito mais verdadeiro.

(Versão do Público de 14 de Julho de 2012.)

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EARLY MORNING BLOGS   
2234

"Talk about your plenty, talk about your ills, 
one man gathers what another man spills." 

(Grateful Dead)

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15.7.12


DE ONDE SAEM OS MILHARES DE VOTOS QUE ELEGEM O CEO DO ANO? 


Neste caso é o Diário Económico, mas outros jornais fazem a mesma coisa: eleições através de votação electrónica em linha para escolherem o melhor ou o pior de qualquer coisa, ou, como é muito comum nas televisões, votações por telefone. Num caso e noutro estas votações não têm qualquer mérito nem significado, são mecanismos indirectos de financiamento, quer através do aumento do número de visitas e pageviews que valorizam as páginas na Internet para efeitos de publicidade ou através do valor acrescentado das chamadas telefónicas. 

Mas há um efeito de manipulação da opinião pública que responsabiliza estes órgãos de comunicação, porque contribuem assim para algo que nada tem a ver com o jornalismo, e está até nos antípodas de qualquer concepção deontológica ou normativa profissional. Na área económica, muito menos escrutinada do que a política, estas votações mobilizam grandes interesses pessoais e de empresas. Estes tem os meios, o dinheiro, para manipular profissionalmente os media em todo o espectro, como se dizia num relatório através da "monitorização de e-reputação pela avaliação diária de sites, blogues, fóruns e redes sociais", e da implantação de falsos comentários e outros mecanismos “negros” para defender os interesses dos seus clientes. Isto é feito, como também revelam os documentos judiciais do processo Silva Carvalho / Ongoing, quer através de grandes agências de comunicação, quer através de empresas bizarras como a Setestrelas que aparecia a tratar das “reputações” através da manipulação das redes sociais. 

Ora, eu acho completamente implausível que nos queiram convencer que muitos cidadãos saem da sua letargia habitual para irem votar às dezenas de milhares nos sites nos jornais para elegerem o melhor CEO, e que tenham, num surto inabitual de estima pelo homem que lhes aumenta a factura de electricidade, António Mexia, escolhido na primeira volta como o melhor gestor. É que o anúncio dos resultados da votação vale muito dinheiro, quase em relação inversa à “verdade” da votação que não vale mesmo nada. Ninguém controla o mecanismo da votação, que não tem qualquer fidedignidade, e que se presta a ser “trabalhado” pelas agências de comunicação. “Elas” sabem os serviços que oferecem, “eles” sabem os serviços que compram, talvez seja bom “nós” sabermos o lixo que aceitamos como sendo ouro.

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COISAS DA SÁBADO

OS FALSOS “ERROS DE COMUNICAÇÃO”
 Uma das razões porque penso que é errada a ideia de que o governo comete sucessivos “erros de comunicação”, é porque esta interpretação pretende esconder que se trata de erros políticos, que é o que o que eles são. Não é por não saber “explicar” as políticas, é porque as políticas estão erradas, ou não são aquilo que se anuncia, ou tem consequências mais que previsíveis que o governo não quer admitir e que depois chegam “de surpresa”, como o desemprego. Algumas são de duvidosa legalidade. De um modo geral, do anúncio virtual à realidade vai uma enorme distância. 

 Este receio de dar o nome às coisas é um dos aspectos menos sadios, esse sim da comunicação, dos tempos presentes, porque representa uma subserviência inaceitável a relações de força não-escritas que vem da política para a sociedade. Acresce que não é certamente por falta de profissionais de spin, assessores de comunicação e de agências de comunicações que o governo peca, já para não falar dos canais informais que mantêm com jornalistas amigos e blogues de propaganda. 

OS VERDADEIROS ERROS POLÍTICOS 

Veja-se o caso do último “erro de comunicação” do Primeiro-ministro em resposta à decisão do Tribunal Constitucional. Confrontado com aquilo que é de facto uma declaração de ilegalidade de uma sua decisão, pense-se o que se pensar da Constituição ou do Tribunal, o Primeiro-ministro revelou na sua resposta mais do que uma incompetência comunicacional. Revelou um irritado revanchismo social, que se pode traduzir nesta frase: “ai sim, pensam que vão escapar, nem pensem nisso, vão levar ainda com uma dose maior”. Já não é a primeira vez que transpira nas suas palavras a ideia que a austeridade é um acto punitivo contra uma população que “viveu acima das suas posses”, entendido como uma espécie de vingança moral do “ajustamento” sobre o esbanjamento. Já quanto aos funcionários públicos, as palavras de vingança são ainda mais duras, tratados como privilegiados por uma garantia de emprego, que o governo já tem dito ser para limitar ou mesmo para acabar, dependendo claro de tal passar no Tribunal Constitucional… 

O problema deste tipo de resposta “ai sim, então ainda vai ser pior”, dada com mais irritação do que preocupação, é que é excepcionalmente empática, ou seja, comunica muito bem. As pessoas percebem que há ali um elemento de vingança e ainda está por descobrir uma população de ratinhos de laboratório que ache em democracia que tem culpa no presente por ter vivido um pouco melhor no passado. Desse ponto de vista, o Primeiro-ministro revelou-se um excelente comunicador, mas o que “comunicou” não lhe é de todo favorável.

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EARLY MORNING BLOGS   
2233 - The Changing Light
The changing light
                 at San Francisco
       is none of your East Coast light
                none of your
                            pearly light of Paris
The light of San Francisco
                        is a sea light
                                       an island light
And the light of fog
                   blanketing the hills
          drifting in at night
                      through the Golden Gate
                                       to lie on the city at dawn
And then the halcyon late mornings
       after the fog burns off
            and the sun paints white houses
                                    with the sea light of Greece
                 with sharp clean shadows 
                       making the town look like
                                it had just been painted

But the wind comes up at four o'clock
                                     sweeping the hills

And then the veil of light of early evening

And then another scrim
                  when the new night fog
                                        floats in
And in that vale of light
                      the city drifts
                                    anchorless upon the ocean
 
(Ferlinghetti) 

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13.7.12


E SE O MEMORANDO DA TROIKA FOR IMPOSSÍVEL DE CUMPRIR? 

E se o memorando da troika for impossível de cumprir? Ou dito de outra maneira: e se o memorando da troika for impossível de cumprir, faça o Governo que fizer? Ou dito de outra maneira ainda: e se o memorando da troika estiver mal feito, se as suas metas forem irrealistas e por isso ele seja impossível de cumprir? Ou dito ainda de outra maneira: e se o memorando da troika tivesse sido feito, mesmo que no fio da navalha, para uma conjuntura nacional e internacional, que um ano depois não existe? Reparem que não digo apenas conjuntura internacional, mas também nacional, porque esta também conta e muito.

Podíamos continuar a formular a mesma pergunta de várias maneiras, todas elas com o mesmo sentido: o memorando é incumprível e não depende do voluntarismo do Governo português. É como se o memorando estipulasse que o Governo português teria que se mover ao dobro da velocidade da luz e a física que nós conhecemos diz que isso é impossível. Claro que há a magia, mas a magia não é argumento para este caso. Os milagres também não.


Quem escreve isto, sempre defendeu e defende, notem defende, o cumprimento do memorando da troika, como condição básica para qualquer negociação futura. Estou por isso com o Governo na necessidade de cumprir aquilo que é o cerne do memorando, as metas do défice, sem nenhum "mas". Se tiver mais tempo, não deve ser porque o peça, mas porque lho dão. Se tiver um novo valor do défice, é porque lhe permitem, não porque seja um facto consumado, a que a troika se curva, com mais ou menos boa vontade para manter a face, a sua e a do governo. 


E digo isto porque há aqui um desses problemas intangíveis e imateriais de confiança entre partes, entre quem empresta e quem recebe, e esse tem sido o principal adquirido do Governo. Discordo que pouco o use, mas mais vale tê-lo do que não tê-lo. E se calhar só o tem porque não o usa. Concedo e percebo. Posso inclusive dar um benefício de dúvida àquilo que me parecem ser políticas erradas, suspendendo um juízo muito negativo, em nome do resultado principal: cumprir o défice. Estou longe de considerar que o caminho escolhido seja o melhor, mas neste momento é o resultado que conta antes de tudo o resto. Eu percebo o "custe que custar", embora ache muito arrogante dizê-lo na cara de quem não tem culpa nenhuma no que está a acontecer, ou seja quase todos os portugueses. Não gosto de os ver  assim tratados como expendables


Agora há uma coisa que não se pode aceitar porque é o pilar básico de toda a legitimidade governativa, é que não se cumpra o défice. Ponho de parte para já a decisão do Tribunal Constitucional, visto que o descontrolo do défice é anterior. É que o caminho descontrolado do défice (sigo aqui a muito conservadora UTAO, tão elogiada quando criticava, e com razão, a execução orçamental do Governo Sócrates) obriga-nos a recolocar duas questões, ambas muito gravosas para a legitimidade do Governo, e, por tabela, do memorando da troika. A primeira é que o Governo pode ter seguido políticas erradas para garantir o cumprimento do défice; a segunda é que os pressupostos do memorando da troika são impossíveis de cumprir. As duas coisas podem acontecer ao mesmo tempo, e não têm necessariamente que ser consequência uma da outra. O programa da troika pode ser cumprível e é o Governo que o está a aplicar de forma errada, ou ele pode não ser cumprível e o Governo, que com ele se identificou completamente, partilha responsabilidades no erro inicial. 


A partir do momento em que Passos Coelho se apropriou do memorando da troika para o "seu" programa do PSD, e o interpretou como tendo uma profunda comunidade ideológica com as suas próprias ideias, a responsabilidade é sua. Não precisava de o ter dito, mas quis dizê-lo. Acresce que no plano internacional se tem apresentado como o seu principal defensor depois dos alemães. Assim  quer seja ele que está a fazer asneira, quer seja o programa da troika que seja a asneira, ou as duas coisas, a responsabilidade é sua. 

Sócrates é o grande responsável por ter conduzido o país à bancarrota, e Passos Coelho pode vir a ser o grande responsável de, no afã de querer prosseguir um programa próprio de "revolução", deixar o país pior do que o que estava. Não coloco as duas responsabilidades com o mesmo peso nos pratos da balança porque acho que Sócrates tem a principal responsabilidade em tudo o que aconteceu e condiciona tudo o que está a acontecer. Mas hoje é Passos Coelho que está no poder, logo é a sua política que tem sentido criticar. Viver permanentemente na parada e resposta da culpa, muito típica do debate parlamentar, não leva a parte nenhuma, mas quem manda hoje é Passos Coelho, Vítor Gaspar e Miguel Relvas, não necessariamente por esta ordem. E sobre eles a troika e sobre a troika o Governo alemão.


Voltemos ao início, que formulo hipoteticamente sob a forma de pergunta, mas não é uma pergunta retórica. Cada vez mais suspeito de que a receita da troika é pelo menos muito pouco realista, a começar pelo seu objectivo fundamental que é garantir o controlo do défice. Mas, se somar o memorando da troika com o chamado tratado orçamental, então não tenho dúvida nenhuma em dizer que é impossível de cumprir, cá e em quase todos os países europeus. Aliás, é só esperar algum tempo para se ver que não sobrará ninguém para garantir que ele seja cumprido. 


Aqui não faço perguntas, afirmo pura e simplesmente, que o açaime sobre os orçamentos dos programas de resgate mais o tratado significam para Portugal um longa e medíocre arrastamento pela depauperação, sem qualquer capacidade de controlar quer o défice, quer a dívida nos valores previstos. Não é preciso ser sequer um medíocre economista para o dizer, porque o que estamos a ver no último ano mostra à evidência que vai ser assim. É uma questão apenas de puro bom senso.


O que é que falhou já, mesmo que no limite se consiga em 2012 controlar o défice, sendo que em 2013, então, já nos aproximamos do milagre e da magia? Primeiro, a completa incapacidade de compreender os chamados "efeitos perversos" de qualquer política, e por maioria de razão de uma política "forte", de viragem, de mudança. Quando um governante diz que está "surpreendido" com os números do desemprego, ou com a "contracção maior do que a esperada no consumo", está exactamente a dizer que menosprezou estes efeitos, quando eles estavam escritos na natureza da crise que atravessamos e no tecido produtivo português, que é um e não é outro. Quando um governante se espanta com o "ritmo" negativo das receitas na execução orçamental, não se trata apenas de aplicar a Lei de Laffer, que ele certamente conhece, mas de perceber o papel da economia paralela em Portugal, e, de novo, o tecido económico e social do país. 

É que é este o país e não outro virtual. É nos cafés do Minho, nas fabriquetas de Leiria,  nas pedreiras ilegais, nas plantações subsidiadas, no electricista de bairro, na empresa de construção civil familiar que contrata os vizinhos e actua num raio de dez quilómetros da casa do "patrão", na loja de informática com refugo, no restaurante à beira da estrada, no camionista que faz uns biscates, na horta de alfaces de Loures, que está o país  real e não nos artigos do Financial Times, na melhor das hipóteses. Há muito mais "empreendorismo" por metro quadrado nestas actividades económicas que se pretende "ajustar", ou seja extinguir, que em toda a Universidade de Lisboa. E depois há as PPPs, a oligarquia de cima, das velhas famílias do poder, e os seus criados, a oligarquia do meio, nos partidos políticos, e um mar de corrupção, patrocinato e clientelismo, que também não é alheio ao que o país é. Quase todos os efeitos perversos se devem à ignorância da realidade nacional, mas não só. 


E o "não só" regressa como um anjo vingador. O que acaba com o "consenso social", aliás sempre mais um mito dos poderosos do que outra coisa qualquer, é que o tempo muda as coisas. E como o tempo se traduz em cada vez mais gente a passar mal, cada vez mais gente a perceber que não tem futuro, sem qualquer esperança, cada dia que passa torna tudo mais complicado. Havia melhores condições há um ano do que há hoje, mas o Governo resolveu não as usar.


E depois há um "não só" que se agiganta todos os dias e seria bom que o Governo se apercebesse de que aí é que está a "tempestade perfeita": a questão da igualdade e justiça dos sacrifícios. E aqui o Governo tem mostrado ser submisso aos poderosos, à EDP, aos interesses dos bancos, aos donos das PPP, à elite de poder que circula entre a política as grandes sociedades de advogados, as consultoras, as administrações, etc. É verdade que mesmo esses já perderam alguma coisa, mas foram apenas beliscados, tocados ao de leve, se compararmos com o desastre absoluto que é estar desempregado aos 40 anos, sem qualquer esperança de voltar a ter emprego, com a derrocada da economia familiar, da casa, do carro quando havia, dos estudos dos filhos, de uma vida que era decente e que agora é indecente. O Governo aparece como atacando as pessoas, rasgando os contratos com elas, e, em contraste, como tendo um sumo respeito pelos interesses, mesmo quando, como no caso das PPP, roçam o crime. 


Nada disto está escrito no memorando da troika assumido pelo Governo como o "seu" programa. Mas pode ser por isto que ele é inexequível, ou pode ser por isto que o Governo o tornou impossível de cumprir.

(Versão do Público de 7 de Julho de 2012.)

Concordo em quase tudo o que escreveu no Público, com três ressalvas:

1º, o memorando foi essencialmente acordado com Sócrates, e não com o PSD de Passos Coelho. Embora seja certo que este se tenha assumido como seu campeão, muitos dos erros técnicos dos termos do memorando, do insuficiente valor do empréstimo ao prazo demasiado curto de regularização do défice, foram do Governo que negociou o acordo, e não de Passos Coelho.

2º, Catroga (que com o tempo fiquei a conhecer melhor, e que não se distingue pela verticalidade nem pela sensibilidade social) tem alguma razão em dizer que o défice era maior do que o suposto quando da negociação. Um dos buracos que nem até hoje foi mencionado, por exemplo, foi o do IRC de 2011 e do “benefício fiscal” outorgado pela legislação de 2010 que aumentou de 20 para 32,5% os descontos no IRC de 2011 (cobrado agora em 2012) dos “investimentos em I&D”. 1/4 pelo menos desse IRC seria da EDP, Banca e outras que são a base tradicional da colecta de IRC. Obviamente Passos Coelho não contava com estes extras, e ainda que ao assumir-se como campeão do acordo se torne responsável pelo seu fracasso, continua a não ser dele a responsabilidade desses buracos herdados.

3º, duvido que a recessão geral se deva principalmente à política fiscal e ao corte de vencimentos de pensionistas e funcionários públicos. Essa recessão deve-se sobretudo a problemas próprios da economia, e não à acção do Governo, embora se acabem por relacionar – deve-se à falta de crédito externo para a Banca e as empresas que se financiam directamente lá fora (poucas), resultante de problemas próprios que são agravados pelo desaparecimento da garantia estatal. Claro que se a falta de crédito externo atinge assim a economia, é porque esta vivia desse crédito – da construção civil ao consumo corrente – e esse é que é o nosso maior problema, insuperável, talvez.

Agora que esta equipa não tem o menor nível para lidar com a dimensão da crise nacional em que o euro nos meteu (ou mais exactamente, o modo como lidámos com o euro), nisso concordo consigo! E como vamos sair daqui?
José Luís Pinto de Sá
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A nível global o grande erro do acordo da troika foi querer fazer em 3 anos aquilo que forçosamente tinha que demorar mais tempo. E a questão essencial era a contradição entre o re-equilibrio das contas externas do país e o re-equilibrio das contas do estado. Por motivos vários o estado lusitano tem a suas principais fontes de receitas no IRS sobre o trabalho dependente e nos impostos sobre o consumo, quer o genérico IVA quer os impostos especiais como o ISV (automóveis) e o ISP (derivados do petróleo). Assim para equilibrar as contas externas é necessário travar o consumo que tem uma forte componente importada. No entanto essa travagem gera a quebra de receitas a que estamos a assistir pondo em causa o equilíbrio das contas do estado pelo lado da receita. Com quebras superiores a 40% no mercado automóvel e de 8% no consumo dos combustíveis entre outras quebras de consumo o resultado é o que se vê. Acrescente-se o desemprego e a redução de rendimentos variáveis do trabalho (comissões, bonus, prémios etc dependentes da performance de cada trabalhador e do resultado da repectiva empresa) gerados numa economia demasiado virada para o consumo publico e privado interno e temos as receitas de IRS em quebra (nesta quebra se incluindo a inerente à redução de rendimentos dos funcionários públicos e reformados devido ao corte de 14% do seu rendimento anual) a ajudar à festa.

A pergunta que se impõe é: será que nem os negociadores da troika nem do lado luso conseguiram ver isto? Não acredito. Houve vontade política de fazer assim. Talvez p/ apressar privatizações e outros negócios. Talvez p/ a agradar aos castigadores teutónicos dos pecados do club med. Não era preciso grande sapiência económica e financeira para prever aquilo que escrevi acima e que está a acontecer. E a questão é que este fazer à pressa (cá, na Grécia, Irlanda, Itália, Espanha) está a ter consequências em toda Europa como os despedimentos na PSA mostram (acresce que o mesmo deverá ocorrer na Opel e que algumas fábricas de automóveis de outros construtores na Alemanhã estão a reduzir turnos e fazer dias de paragem por causa da quebra do mercado no sun belt / club med). Entre o mercado automóvel em 2007 e as previsões para a totalidade de 2012 (com o 1º semestre já decorrido) só na Península Ibérica deverão vender-se menos 1.000.000 de automóveis no ano corrente. O equivalente a 7 Auto-Europas! Quanto (des)emprego está em causa? 

Cada vez mais fica evidente que “depressa e bem não há quem” o faça. E isto põe em causa a receita da troika, pois como refere o grande objectivo de redução do deficit publico, em cujo altar se sagrifcam direitos sociais, empregos, serviços de saúde de reconhecida qualidade e resultados (ex: MAC), nível de vida geral do país, etc não está a ser atinigido

A decisão do TC só peca por tardia. Nove meses para avaliar algo mais que publico e aprovado na AR mostra mais 1 vez a extrema lentidão da nossa justiça. Era obvio que aquilo era discriminativo. E foi feito assim p/ o governo ter 1 almofada para a quebra da receita. Tirando tudo a alguns (100% de 2 subs aos funcionários público e reformados) ficava espaço financeiro e moral para tirar algo aos restantes (trabalhadores privados) se alguma coisa corresse mal como era mais do que previsível. Sempre estive convicto (e continuo) desde a aprovação do OE 2012 que este ano 50% (ou mais...) do meu Subs. Natal vai ter o mesmo destino do ano passado. O isso trará mais quebra de consumo, logo menos IVA, ISP, etc. E o círculo vicioso continua. Se todos forem taxados a 50% nos 2 Subs. em 2013 o círculo vicioso continuará...
 
Até porque o mito que os 2 susbs retirados a funcionários público e reformados representam 2 mil milhões de EUR a menos no deficit é falso. Representam de facto essa verba a menos na despesa. Mas há quem se "esqueça" que estes rendimentos também pagavam e voltarão a pagar em 2013 IRS e que o consumo que eles geravam e voltorão a gerar em 2013 também paga IVA, ISV, ISP, etc. Será que o ultra-competente Vitor Gaspar não previu isto? Por exemplo: Na quebra de 6,6% de venda de combutíveis da GALP e de 8% na receita de ISP qual é o contributo dos funcionários públicos e reformados que reduziram as suas deslocações por perda de 14% dos seus rendimentos anuais? Numa estimativa rápida será fácil de concluir que entre IRS, IVA, ISP, etc 40% do que estado poupa na despesas destes 2 subs perde na receita fiscal. Portanto o impacto líquido no deficit da decisão do TC será de quanto muito 1,2 mil milhões de EUR. Menos de 1/3 do que custou o BPN.
 
E usando o BPN como medida, há 4 mil milhões de EUR  para cobrir o risco sistémico do BPN e não há 3 mil milhões de EUR para pagar a divida do SNS? Não há risco sistémico se o SNS falir? Francisco George que é ouvido nos media sempre que há riscos epidémicos ainda não foi ouvido sobre este risco sistémico, mas não será dificil imaginar o que ele diria.
 
Voltando a assuntos mais estratégicos, é evidente que a correcção da crise causada pelo capital (é sempre tempo de voltar a Marx (Karl, que o tempo não está para Gourcho) e sua dicotomia capital / trabalho, embora estejamos a falar do capital financeiro e não do capital como (detentor dos) meios de produção de Marx) está a ser resolvida muito mais às custas do sacrifício do trabalho (dos rendimentos directos aos direitos e benefícios sociais) do que do capital que continua a jogar e ter grandes rendimentos no casino das bolsas. Enquanto a economia de produção definha.

 Uma das soluções vedadas na zona Euro nesta crise é emitir dinheiro e fazer o chamado “financiamento monetário” das dívidas publicas. Resultado: para a Banca se aguentar  o BCE empresta-lhe (emite massa monetária) a juros baixos (75 pontos base) desde que haja os colaterais aceites pelo BCE. O que faz a banca. Em vez de financiar a economia de produção a banca pega no capital que tem empresta a juros baixos ou até negativos à Alemanha para a seguir pegar nesse colaterais e obter empréstimos no BCE (emissão de massa monetária) a 75 pontos base para depois comprar e/ou continuar a deter dívida Italiana, Espanhola, Portuguesa ou outra com juros de 5%, 6%, 8% e por aí acima. Na prática há “financiamento monetário” dos déficits e dividas publicas mas só alguns ganham fortunas com isso e a economia produtiva não tem crédito. Isto enquanto os americanos e ingleses emitem moeda para manter as respectivas economias em pé.

 Enquanto não houver coragem p/ se tomar as medidas necessárias p/ resolver o problema financeiro europeu pela via financeira e monetária e não destruindo a estrutura produtiva existente (que tem poucas  falhas como se vê no caso do estrondoso crescimento das exportações Lusas), quer pela via do capital (falta de crédito absorvido pelas especulações bolsistas), quer do trabalho (esmagamento de salários e consequente fuga dos melhores para outras paragens em franco crescimento... por enquanto) continuaremos a ver apenas uma ilusória luz no fundo do tunel, mas este não terá fim.
 
Miguel Sebastião


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ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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12.7.12


COISAS DA SÁBADO: PENSAR POUCOCHINHO 

(Para terminar de vez com a época da bola.)

Copy 2 of CCF11072012_0001
 Autocolante (anarquista?) que circula por aí.

Eu detesto diminutivos, uma praga portuguesa. Desde a “continha” ao “cafezinho”, parece haver um gosto em traduzir na linguagem uma pequenez ontológica qualquer, na qual, pelos vistos, muitos portugueses se reconhecem. A excepção é o futebol em que se sonha sempre em grande, em melhor da Europa, quiçá do mundo. Aí não se usam diminutivos, é só peito cheio como os descobridores no monumento de Belém. Talvez porque, durante meses, isso nos permite pensar poucochinho. Em casa em que não há pão, o circo é sempre útil.

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COISAS DA SÁBADO: CONFUNDIR DESEJOS COM REALIDADES 


Não vai ser preciso muito tempo para se perceber até que ponto na última cimeira europeia se estão a confundir desejos com realidades. Começa porque o que disseram os que nela estiveram presentes não teve versões coincidentes. Depois porque as declarações públicas  destinavam-se a servir quer para aliviar a pressão dos mercados, objectivo de todos com mais ou menos zelo, quer ao consumo interno, principalmente em Espanha. Depois houve alguma coisa para servir de consumo aos desejos dos europeístas, que, como tem muito boa imprensa, conseguem facilmente com a varinha mágica do desejo transformar migalhas em rochedos. Mas como são migalhas é só esperar para se ver que não são rochedos. A verdade é que, com excepção de algumas medidas pontuais, débeis e por financiar, todo o edifício de Merkel continua intacto, com algumas obséquias retóricas a Hollande e algumas cedências mais à dimensão do problema espanhol e italiano do que a Monti e Rajoy. Nem vale a pena escrever muito mais, é só esperar até à próxima cimeira “decisiva”. 

(Escrito a 3 de Julho. Não foram precisos oito dias para se perceber as ilusões, mas ninguém que as divulgou a quente responde por elas a frio...)

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EARLY MORNING BLOGS   
2232
 
"O sucesso tem uma estranha capacidade de esconder o erro."

(Salústio)

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11.7.12


COISAS DA SÁBADO: CAMARATE ESTÁ A TORNAR-SE ESTRANHO 


A decisão da Assembleia da República de criar mais uma Comissão para o chamado “caso de Camarate”, é uma das raras sobrevivências no PSD do “sá carneirismo”, permitida por uma direcção que nada tem de “sá carneirista”, mas que considera que, como tudo que dali venha é inócuo para o actual poder, não há mal nenhum em haver outra distracção das dificuldades do presente. Para a geração do PSD que assistiu à queda do avião a defesa da tese do atentado funciona quase como um atestado de legitimação política, que separava os “bons” e os “maus”, os fiéis e os traidores, e isso marcou o partido como uma das suas tradições não escritas, mais sólidas. A actual geração de dirigentes não quer saber das tradições para nada, mas recebeu-a dos sectores mais antigos do partido, que já quase não existem nas secções, mas que deixaram as suas marcas nas paredes, nas lápides, nos bustos, que ornamentam as sedes que não foram modernizadas por decoradores.

O grande factor que turva as águas de qualquer inquérito a Camarate é que é óbvio que houve grossa incúria na sua investigação policial, quando tudo estava ainda quente e que se percebe que essa incúria foi politicamente motivada e protegida pela vontade de impedir qualquer dúvida sobre se estávamos perante um atentado. A tese do atentado foi recusada por razões políticas de imediato, pelo receio das perturbações que geraria num momento muito complicado da vida política nacional. A partir daí as suspeitas de que isto foi feito com dolo para encobrir uma conspiração, geraram, como é obvio, uma série de teses igualmente conspirativas e daqui não se consegue sair. 

Porém há um dado novo, a que a comunicação social tem dado pouca atenção: é que recentemente começaram a circular na Internet, documentos escritos e “confissões” de responsabilidade de alguns suspeitos do “crime” e não só, cujas “confissões” seriam agora feitas porque já não há medo de haver consequências legais devido á prescrição dos processos. Marcelo Rebelo de Sousa usou esse argumento para justificar a reabertura de mais uma Comissão de inquérito. 

Ora aqui entramos num terreno muito pantanoso, porque pelo menos um documento “confessional”, que circula na Internet atribui aos serviços secretos americanos um papel decisivo no “crime”, é uma fabricação, mas uma fabricação com marca profissional, ou seja feita também muito provavelmente por uma qualquer pessoa ou serviço que teve acesso a informações, agendas, e pormenores que lhe permitiu montar um texto que impressiona o vulgo pelos seus detalhes. Ou seja, o caso Camarate ainda está vivo, na guerra entre serviços secretos, e é nesse vespeiro que a Assembleia vai entrar, sem meios, sem informações e sem capacidade de separar as águas. Movendo-se por um desejo de encontrar um “crime”, para que novas “provas” lhe serão certamente fornecidas, encontrá-lo-á. Camarate está a tornar-se estranho, mas já é outro Camarate.

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© José Pacheco Pereira
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