ABRUPTO

22.7.12


TOUT VA TRÉS BIEN MADAME LA MARQUISE


O hino dos nossos dias devia ser esta velha canção francesa  de Ray Ventura. Primeiro a marquesa telefona ao mordomo inglês James a perguntar por notícias.

Quelles nouvelles ?
(…) Que trouverai-je à mon retour ?

James responde : 

Tout va très bien, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.

Tudo está a correr bem. Os objectivos estão a ser cumpridos. O ajustamento está a ocorrer mais depressa do que esperado. Já há sinais de recuperação da economia. Pela primeira vez, desde 1943, a balança comercial vai ter um superavit. O país está a mudar para melhor. Os portugueses estão a mudar de hábitos para melhor. Com os salários mais baixos a nossa economia é mais competitiva. Etc., etc,
E no entanto…

On déplore un tout petit rien
 Un incident, une bêtise,

há uns pequenos problemas, Madame. Uns pequenos nadas, uns incidentes de percurso, umas asneiras sem consequências. Morreu a égua de Madame. É pena, mas é coisa ínfima.

Mais, à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien.


O desemprego tem sido uma “surpresa”. A quebra do consumo interno foi maior do que a “esperada”. Falências e insolvências de empresas e família são aos milhares. O sistema de segurança social está sob tensão. Mas isso é o preço a pagar pelo “ajustamento”. Ah! Já me esquecia, o défice tem um “desvio colossal”, antes mesmo da decisão do Tribunal Constitucional.

Mas por que é que isso aconteceu? Como morreu a minha estimada égua, meu exemplar criado? Bom, Madame, um pequeno incêndio na estrebaria. Na verdade, a estrebaria pegou fogo porque o castelo também ardeu, porque o Marquês, cheio de dívidas, suicidou-se, caiu em cima dumas velas e lá se foi o castelo.

Eh bien ! Voila, Madame la Marquise,
Apprenant qu'il était ruiné,
A pein' fut-il rev'nu de sa surprise
Que M'sieur l'Marquis s'est suicidé,
Et c'est en ramassant la pell'
Qu'il renversa tout's les chandelles,
Mettant le feu à tout l'château
Qui s'consuma de bas en haut ;
Le vent soufflant sur l'incendie,
Le propagea sur l'écurie,
Et c'est ainsi qu'en un moment
On vit périr votre jument !

Mas,
Cela n'est rien, Madame la Marquise
À part ça, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.

Estamos em 1935, a três anos de Munique, a quatro da segunda grande guerra. Presumo que Madame la Marquise apoiou vivamente Pétain, James voltou a Inglaterra e combateu em Dunquerque, e o castelo, ou o que sobra dele, foi vendido a uma empresa americana de real estate que prepara moradias de luxo para os príncipes árabes. Tout va bien. É só uma canção.

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© José Pacheco Pereira
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