ABRUPTO

13.7.12


E SE O MEMORANDO DA TROIKA FOR IMPOSSÍVEL DE CUMPRIR? 

E se o memorando da troika for impossível de cumprir? Ou dito de outra maneira: e se o memorando da troika for impossível de cumprir, faça o Governo que fizer? Ou dito de outra maneira ainda: e se o memorando da troika estiver mal feito, se as suas metas forem irrealistas e por isso ele seja impossível de cumprir? Ou dito ainda de outra maneira: e se o memorando da troika tivesse sido feito, mesmo que no fio da navalha, para uma conjuntura nacional e internacional, que um ano depois não existe? Reparem que não digo apenas conjuntura internacional, mas também nacional, porque esta também conta e muito.

Podíamos continuar a formular a mesma pergunta de várias maneiras, todas elas com o mesmo sentido: o memorando é incumprível e não depende do voluntarismo do Governo português. É como se o memorando estipulasse que o Governo português teria que se mover ao dobro da velocidade da luz e a física que nós conhecemos diz que isso é impossível. Claro que há a magia, mas a magia não é argumento para este caso. Os milagres também não.


Quem escreve isto, sempre defendeu e defende, notem defende, o cumprimento do memorando da troika, como condição básica para qualquer negociação futura. Estou por isso com o Governo na necessidade de cumprir aquilo que é o cerne do memorando, as metas do défice, sem nenhum "mas". Se tiver mais tempo, não deve ser porque o peça, mas porque lho dão. Se tiver um novo valor do défice, é porque lhe permitem, não porque seja um facto consumado, a que a troika se curva, com mais ou menos boa vontade para manter a face, a sua e a do governo. 


E digo isto porque há aqui um desses problemas intangíveis e imateriais de confiança entre partes, entre quem empresta e quem recebe, e esse tem sido o principal adquirido do Governo. Discordo que pouco o use, mas mais vale tê-lo do que não tê-lo. E se calhar só o tem porque não o usa. Concedo e percebo. Posso inclusive dar um benefício de dúvida àquilo que me parecem ser políticas erradas, suspendendo um juízo muito negativo, em nome do resultado principal: cumprir o défice. Estou longe de considerar que o caminho escolhido seja o melhor, mas neste momento é o resultado que conta antes de tudo o resto. Eu percebo o "custe que custar", embora ache muito arrogante dizê-lo na cara de quem não tem culpa nenhuma no que está a acontecer, ou seja quase todos os portugueses. Não gosto de os ver  assim tratados como expendables


Agora há uma coisa que não se pode aceitar porque é o pilar básico de toda a legitimidade governativa, é que não se cumpra o défice. Ponho de parte para já a decisão do Tribunal Constitucional, visto que o descontrolo do défice é anterior. É que o caminho descontrolado do défice (sigo aqui a muito conservadora UTAO, tão elogiada quando criticava, e com razão, a execução orçamental do Governo Sócrates) obriga-nos a recolocar duas questões, ambas muito gravosas para a legitimidade do Governo, e, por tabela, do memorando da troika. A primeira é que o Governo pode ter seguido políticas erradas para garantir o cumprimento do défice; a segunda é que os pressupostos do memorando da troika são impossíveis de cumprir. As duas coisas podem acontecer ao mesmo tempo, e não têm necessariamente que ser consequência uma da outra. O programa da troika pode ser cumprível e é o Governo que o está a aplicar de forma errada, ou ele pode não ser cumprível e o Governo, que com ele se identificou completamente, partilha responsabilidades no erro inicial. 


A partir do momento em que Passos Coelho se apropriou do memorando da troika para o "seu" programa do PSD, e o interpretou como tendo uma profunda comunidade ideológica com as suas próprias ideias, a responsabilidade é sua. Não precisava de o ter dito, mas quis dizê-lo. Acresce que no plano internacional se tem apresentado como o seu principal defensor depois dos alemães. Assim  quer seja ele que está a fazer asneira, quer seja o programa da troika que seja a asneira, ou as duas coisas, a responsabilidade é sua. 

Sócrates é o grande responsável por ter conduzido o país à bancarrota, e Passos Coelho pode vir a ser o grande responsável de, no afã de querer prosseguir um programa próprio de "revolução", deixar o país pior do que o que estava. Não coloco as duas responsabilidades com o mesmo peso nos pratos da balança porque acho que Sócrates tem a principal responsabilidade em tudo o que aconteceu e condiciona tudo o que está a acontecer. Mas hoje é Passos Coelho que está no poder, logo é a sua política que tem sentido criticar. Viver permanentemente na parada e resposta da culpa, muito típica do debate parlamentar, não leva a parte nenhuma, mas quem manda hoje é Passos Coelho, Vítor Gaspar e Miguel Relvas, não necessariamente por esta ordem. E sobre eles a troika e sobre a troika o Governo alemão.


Voltemos ao início, que formulo hipoteticamente sob a forma de pergunta, mas não é uma pergunta retórica. Cada vez mais suspeito de que a receita da troika é pelo menos muito pouco realista, a começar pelo seu objectivo fundamental que é garantir o controlo do défice. Mas, se somar o memorando da troika com o chamado tratado orçamental, então não tenho dúvida nenhuma em dizer que é impossível de cumprir, cá e em quase todos os países europeus. Aliás, é só esperar algum tempo para se ver que não sobrará ninguém para garantir que ele seja cumprido. 


Aqui não faço perguntas, afirmo pura e simplesmente, que o açaime sobre os orçamentos dos programas de resgate mais o tratado significam para Portugal um longa e medíocre arrastamento pela depauperação, sem qualquer capacidade de controlar quer o défice, quer a dívida nos valores previstos. Não é preciso ser sequer um medíocre economista para o dizer, porque o que estamos a ver no último ano mostra à evidência que vai ser assim. É uma questão apenas de puro bom senso.


O que é que falhou já, mesmo que no limite se consiga em 2012 controlar o défice, sendo que em 2013, então, já nos aproximamos do milagre e da magia? Primeiro, a completa incapacidade de compreender os chamados "efeitos perversos" de qualquer política, e por maioria de razão de uma política "forte", de viragem, de mudança. Quando um governante diz que está "surpreendido" com os números do desemprego, ou com a "contracção maior do que a esperada no consumo", está exactamente a dizer que menosprezou estes efeitos, quando eles estavam escritos na natureza da crise que atravessamos e no tecido produtivo português, que é um e não é outro. Quando um governante se espanta com o "ritmo" negativo das receitas na execução orçamental, não se trata apenas de aplicar a Lei de Laffer, que ele certamente conhece, mas de perceber o papel da economia paralela em Portugal, e, de novo, o tecido económico e social do país. 

É que é este o país e não outro virtual. É nos cafés do Minho, nas fabriquetas de Leiria,  nas pedreiras ilegais, nas plantações subsidiadas, no electricista de bairro, na empresa de construção civil familiar que contrata os vizinhos e actua num raio de dez quilómetros da casa do "patrão", na loja de informática com refugo, no restaurante à beira da estrada, no camionista que faz uns biscates, na horta de alfaces de Loures, que está o país  real e não nos artigos do Financial Times, na melhor das hipóteses. Há muito mais "empreendorismo" por metro quadrado nestas actividades económicas que se pretende "ajustar", ou seja extinguir, que em toda a Universidade de Lisboa. E depois há as PPPs, a oligarquia de cima, das velhas famílias do poder, e os seus criados, a oligarquia do meio, nos partidos políticos, e um mar de corrupção, patrocinato e clientelismo, que também não é alheio ao que o país é. Quase todos os efeitos perversos se devem à ignorância da realidade nacional, mas não só. 


E o "não só" regressa como um anjo vingador. O que acaba com o "consenso social", aliás sempre mais um mito dos poderosos do que outra coisa qualquer, é que o tempo muda as coisas. E como o tempo se traduz em cada vez mais gente a passar mal, cada vez mais gente a perceber que não tem futuro, sem qualquer esperança, cada dia que passa torna tudo mais complicado. Havia melhores condições há um ano do que há hoje, mas o Governo resolveu não as usar.


E depois há um "não só" que se agiganta todos os dias e seria bom que o Governo se apercebesse de que aí é que está a "tempestade perfeita": a questão da igualdade e justiça dos sacrifícios. E aqui o Governo tem mostrado ser submisso aos poderosos, à EDP, aos interesses dos bancos, aos donos das PPP, à elite de poder que circula entre a política as grandes sociedades de advogados, as consultoras, as administrações, etc. É verdade que mesmo esses já perderam alguma coisa, mas foram apenas beliscados, tocados ao de leve, se compararmos com o desastre absoluto que é estar desempregado aos 40 anos, sem qualquer esperança de voltar a ter emprego, com a derrocada da economia familiar, da casa, do carro quando havia, dos estudos dos filhos, de uma vida que era decente e que agora é indecente. O Governo aparece como atacando as pessoas, rasgando os contratos com elas, e, em contraste, como tendo um sumo respeito pelos interesses, mesmo quando, como no caso das PPP, roçam o crime. 


Nada disto está escrito no memorando da troika assumido pelo Governo como o "seu" programa. Mas pode ser por isto que ele é inexequível, ou pode ser por isto que o Governo o tornou impossível de cumprir.

(Versão do Público de 7 de Julho de 2012.)

Concordo em quase tudo o que escreveu no Público, com três ressalvas:

1º, o memorando foi essencialmente acordado com Sócrates, e não com o PSD de Passos Coelho. Embora seja certo que este se tenha assumido como seu campeão, muitos dos erros técnicos dos termos do memorando, do insuficiente valor do empréstimo ao prazo demasiado curto de regularização do défice, foram do Governo que negociou o acordo, e não de Passos Coelho.

2º, Catroga (que com o tempo fiquei a conhecer melhor, e que não se distingue pela verticalidade nem pela sensibilidade social) tem alguma razão em dizer que o défice era maior do que o suposto quando da negociação. Um dos buracos que nem até hoje foi mencionado, por exemplo, foi o do IRC de 2011 e do “benefício fiscal” outorgado pela legislação de 2010 que aumentou de 20 para 32,5% os descontos no IRC de 2011 (cobrado agora em 2012) dos “investimentos em I&D”. 1/4 pelo menos desse IRC seria da EDP, Banca e outras que são a base tradicional da colecta de IRC. Obviamente Passos Coelho não contava com estes extras, e ainda que ao assumir-se como campeão do acordo se torne responsável pelo seu fracasso, continua a não ser dele a responsabilidade desses buracos herdados.

3º, duvido que a recessão geral se deva principalmente à política fiscal e ao corte de vencimentos de pensionistas e funcionários públicos. Essa recessão deve-se sobretudo a problemas próprios da economia, e não à acção do Governo, embora se acabem por relacionar – deve-se à falta de crédito externo para a Banca e as empresas que se financiam directamente lá fora (poucas), resultante de problemas próprios que são agravados pelo desaparecimento da garantia estatal. Claro que se a falta de crédito externo atinge assim a economia, é porque esta vivia desse crédito – da construção civil ao consumo corrente – e esse é que é o nosso maior problema, insuperável, talvez.

Agora que esta equipa não tem o menor nível para lidar com a dimensão da crise nacional em que o euro nos meteu (ou mais exactamente, o modo como lidámos com o euro), nisso concordo consigo! E como vamos sair daqui?
José Luís Pinto de Sá
*

A nível global o grande erro do acordo da troika foi querer fazer em 3 anos aquilo que forçosamente tinha que demorar mais tempo. E a questão essencial era a contradição entre o re-equilibrio das contas externas do país e o re-equilibrio das contas do estado. Por motivos vários o estado lusitano tem a suas principais fontes de receitas no IRS sobre o trabalho dependente e nos impostos sobre o consumo, quer o genérico IVA quer os impostos especiais como o ISV (automóveis) e o ISP (derivados do petróleo). Assim para equilibrar as contas externas é necessário travar o consumo que tem uma forte componente importada. No entanto essa travagem gera a quebra de receitas a que estamos a assistir pondo em causa o equilíbrio das contas do estado pelo lado da receita. Com quebras superiores a 40% no mercado automóvel e de 8% no consumo dos combustíveis entre outras quebras de consumo o resultado é o que se vê. Acrescente-se o desemprego e a redução de rendimentos variáveis do trabalho (comissões, bonus, prémios etc dependentes da performance de cada trabalhador e do resultado da repectiva empresa) gerados numa economia demasiado virada para o consumo publico e privado interno e temos as receitas de IRS em quebra (nesta quebra se incluindo a inerente à redução de rendimentos dos funcionários públicos e reformados devido ao corte de 14% do seu rendimento anual) a ajudar à festa.

A pergunta que se impõe é: será que nem os negociadores da troika nem do lado luso conseguiram ver isto? Não acredito. Houve vontade política de fazer assim. Talvez p/ apressar privatizações e outros negócios. Talvez p/ a agradar aos castigadores teutónicos dos pecados do club med. Não era preciso grande sapiência económica e financeira para prever aquilo que escrevi acima e que está a acontecer. E a questão é que este fazer à pressa (cá, na Grécia, Irlanda, Itália, Espanha) está a ter consequências em toda Europa como os despedimentos na PSA mostram (acresce que o mesmo deverá ocorrer na Opel e que algumas fábricas de automóveis de outros construtores na Alemanhã estão a reduzir turnos e fazer dias de paragem por causa da quebra do mercado no sun belt / club med). Entre o mercado automóvel em 2007 e as previsões para a totalidade de 2012 (com o 1º semestre já decorrido) só na Península Ibérica deverão vender-se menos 1.000.000 de automóveis no ano corrente. O equivalente a 7 Auto-Europas! Quanto (des)emprego está em causa? 

Cada vez mais fica evidente que “depressa e bem não há quem” o faça. E isto põe em causa a receita da troika, pois como refere o grande objectivo de redução do deficit publico, em cujo altar se sagrifcam direitos sociais, empregos, serviços de saúde de reconhecida qualidade e resultados (ex: MAC), nível de vida geral do país, etc não está a ser atinigido

A decisão do TC só peca por tardia. Nove meses para avaliar algo mais que publico e aprovado na AR mostra mais 1 vez a extrema lentidão da nossa justiça. Era obvio que aquilo era discriminativo. E foi feito assim p/ o governo ter 1 almofada para a quebra da receita. Tirando tudo a alguns (100% de 2 subs aos funcionários público e reformados) ficava espaço financeiro e moral para tirar algo aos restantes (trabalhadores privados) se alguma coisa corresse mal como era mais do que previsível. Sempre estive convicto (e continuo) desde a aprovação do OE 2012 que este ano 50% (ou mais...) do meu Subs. Natal vai ter o mesmo destino do ano passado. O isso trará mais quebra de consumo, logo menos IVA, ISP, etc. E o círculo vicioso continua. Se todos forem taxados a 50% nos 2 Subs. em 2013 o círculo vicioso continuará...
 
Até porque o mito que os 2 susbs retirados a funcionários público e reformados representam 2 mil milhões de EUR a menos no deficit é falso. Representam de facto essa verba a menos na despesa. Mas há quem se "esqueça" que estes rendimentos também pagavam e voltarão a pagar em 2013 IRS e que o consumo que eles geravam e voltorão a gerar em 2013 também paga IVA, ISV, ISP, etc. Será que o ultra-competente Vitor Gaspar não previu isto? Por exemplo: Na quebra de 6,6% de venda de combutíveis da GALP e de 8% na receita de ISP qual é o contributo dos funcionários públicos e reformados que reduziram as suas deslocações por perda de 14% dos seus rendimentos anuais? Numa estimativa rápida será fácil de concluir que entre IRS, IVA, ISP, etc 40% do que estado poupa na despesas destes 2 subs perde na receita fiscal. Portanto o impacto líquido no deficit da decisão do TC será de quanto muito 1,2 mil milhões de EUR. Menos de 1/3 do que custou o BPN.
 
E usando o BPN como medida, há 4 mil milhões de EUR  para cobrir o risco sistémico do BPN e não há 3 mil milhões de EUR para pagar a divida do SNS? Não há risco sistémico se o SNS falir? Francisco George que é ouvido nos media sempre que há riscos epidémicos ainda não foi ouvido sobre este risco sistémico, mas não será dificil imaginar o que ele diria.
 
Voltando a assuntos mais estratégicos, é evidente que a correcção da crise causada pelo capital (é sempre tempo de voltar a Marx (Karl, que o tempo não está para Gourcho) e sua dicotomia capital / trabalho, embora estejamos a falar do capital financeiro e não do capital como (detentor dos) meios de produção de Marx) está a ser resolvida muito mais às custas do sacrifício do trabalho (dos rendimentos directos aos direitos e benefícios sociais) do que do capital que continua a jogar e ter grandes rendimentos no casino das bolsas. Enquanto a economia de produção definha.

 Uma das soluções vedadas na zona Euro nesta crise é emitir dinheiro e fazer o chamado “financiamento monetário” das dívidas publicas. Resultado: para a Banca se aguentar  o BCE empresta-lhe (emite massa monetária) a juros baixos (75 pontos base) desde que haja os colaterais aceites pelo BCE. O que faz a banca. Em vez de financiar a economia de produção a banca pega no capital que tem empresta a juros baixos ou até negativos à Alemanha para a seguir pegar nesse colaterais e obter empréstimos no BCE (emissão de massa monetária) a 75 pontos base para depois comprar e/ou continuar a deter dívida Italiana, Espanhola, Portuguesa ou outra com juros de 5%, 6%, 8% e por aí acima. Na prática há “financiamento monetário” dos déficits e dividas publicas mas só alguns ganham fortunas com isso e a economia produtiva não tem crédito. Isto enquanto os americanos e ingleses emitem moeda para manter as respectivas economias em pé.

 Enquanto não houver coragem p/ se tomar as medidas necessárias p/ resolver o problema financeiro europeu pela via financeira e monetária e não destruindo a estrutura produtiva existente (que tem poucas  falhas como se vê no caso do estrondoso crescimento das exportações Lusas), quer pela via do capital (falta de crédito absorvido pelas especulações bolsistas), quer do trabalho (esmagamento de salários e consequente fuga dos melhores para outras paragens em franco crescimento... por enquanto) continuaremos a ver apenas uma ilusória luz no fundo do tunel, mas este não terá fim.
 
Miguel Sebastião


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