ABRUPTO

11.7.12


COISAS DA SÁBADO: CAMARATE ESTÁ A TORNAR-SE ESTRANHO 


A decisão da Assembleia da República de criar mais uma Comissão para o chamado “caso de Camarate”, é uma das raras sobrevivências no PSD do “sá carneirismo”, permitida por uma direcção que nada tem de “sá carneirista”, mas que considera que, como tudo que dali venha é inócuo para o actual poder, não há mal nenhum em haver outra distracção das dificuldades do presente. Para a geração do PSD que assistiu à queda do avião a defesa da tese do atentado funciona quase como um atestado de legitimação política, que separava os “bons” e os “maus”, os fiéis e os traidores, e isso marcou o partido como uma das suas tradições não escritas, mais sólidas. A actual geração de dirigentes não quer saber das tradições para nada, mas recebeu-a dos sectores mais antigos do partido, que já quase não existem nas secções, mas que deixaram as suas marcas nas paredes, nas lápides, nos bustos, que ornamentam as sedes que não foram modernizadas por decoradores.

O grande factor que turva as águas de qualquer inquérito a Camarate é que é óbvio que houve grossa incúria na sua investigação policial, quando tudo estava ainda quente e que se percebe que essa incúria foi politicamente motivada e protegida pela vontade de impedir qualquer dúvida sobre se estávamos perante um atentado. A tese do atentado foi recusada por razões políticas de imediato, pelo receio das perturbações que geraria num momento muito complicado da vida política nacional. A partir daí as suspeitas de que isto foi feito com dolo para encobrir uma conspiração, geraram, como é obvio, uma série de teses igualmente conspirativas e daqui não se consegue sair. 

Porém há um dado novo, a que a comunicação social tem dado pouca atenção: é que recentemente começaram a circular na Internet, documentos escritos e “confissões” de responsabilidade de alguns suspeitos do “crime” e não só, cujas “confissões” seriam agora feitas porque já não há medo de haver consequências legais devido á prescrição dos processos. Marcelo Rebelo de Sousa usou esse argumento para justificar a reabertura de mais uma Comissão de inquérito. 

Ora aqui entramos num terreno muito pantanoso, porque pelo menos um documento “confessional”, que circula na Internet atribui aos serviços secretos americanos um papel decisivo no “crime”, é uma fabricação, mas uma fabricação com marca profissional, ou seja feita também muito provavelmente por uma qualquer pessoa ou serviço que teve acesso a informações, agendas, e pormenores que lhe permitiu montar um texto que impressiona o vulgo pelos seus detalhes. Ou seja, o caso Camarate ainda está vivo, na guerra entre serviços secretos, e é nesse vespeiro que a Assembleia vai entrar, sem meios, sem informações e sem capacidade de separar as águas. Movendo-se por um desejo de encontrar um “crime”, para que novas “provas” lhe serão certamente fornecidas, encontrá-lo-á. Camarate está a tornar-se estranho, mas já é outro Camarate.

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© José Pacheco Pereira
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