COISAS DA SÁBADO: O REINO DA PEQUENA, GRANDE E MÉDIA MENTIRA
Embora haja filosofias da verdade, e todas as religiões vivam da Verdade, a verdade terrena é do domínio do não provado, do inverificável. Popper foi apenas um dos vários teóricos que escreveu sobre isso. Pelo contrário, a mentira é verificável e todas as humanas proposições podem e devem ser sujeitas a um critério de verificação, do qual saem como falsas mas nunca como verdadeiras. Mas se a verdade está assim tão longe de povoar a humana terra, nem por isso deixa de nela existir a vontade de verdade, matéria imperfeita, mas pura. Sim, o melhor que nos cabe é a vontade de verdade, não a verdade. Na filosofia e nos costumes. É a escola que prefiro, o branco de um preto que invade tudo, o da meia verdade, o da cosmética da mentira, o da ilusão programada, o da aparência, o do relativismo. É uma escola de vida, mas também uma escola da política. Diferentíssima no reino das pequenas, médias e grandes mentiras.
Com esta deliberação da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social acabou a "directiva" da ERC que representava um objectivo atentado à liberdade dos órgãos de comunicação social e de todos aqueles que livremente materializam os seus critérios editoriais e o interesse do seu público:
A confederação das empresas de comunicação social considerou hoje "inadmissível" a suspensão das colaborações na imprensa de comentadores que são candidatos eleitorais, defendida pelo regulador, e ordenou aos órgãos de informação que sigam os seus critérios jornalísticos.
Há uma semana, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) emitiu uma directiva que determina que os órgãos de informação "deverão suspender" a "participação e a colaboração" regulares com comentadores, analistas e colunistas que são candidatos às eleições legislativas de 27 de Setembro e autárquicas de 11 de Outubro, sempre que não esteja garantido espaço para todas as candidaturas se exprimirem.
A orientação, que não é vinculativa, visa "assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas" durante as pré-campanhas e campanhas eleitorais.
Em comunicado, a Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, que agrega mais de 600 empresas, sustenta que, "não sendo a directiva vinculativa nos termos da lei, os órgãos de comunicação social não estão obrigados a cumpri-la, devendo cumprir as normais legais contratuais em vigor e seguir os seus próprios critérios jornalísticos, com respeito pelos estatutos editoriais".
A Confederação considera a recomendação da ERC "uma interferência inadmissível na liberdade editorial" dos órgãos de informação e na "liberdade de imprensa, valor fundamental para a democracia, constitucionalmente reconhecido".
O organismo entende que a directiva do regulador "interfere, igualmente, na liberdade de contratação, 'impondo' limites à prestação de trabalho, ao sugerir a suspensão de 'colaboradores regulares em espaço de opinião' menosprezando o quadro constitucional em vigor".
A mesma nota conclui que a orientação da ERC, que invoca critérios de "boas práticas" de "justificação subjectiva e pouca fundamentada", se intromete "numa área da competência habitual da Comissão Nacional de Eleições".
A directiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social já havia sido contestada, em declarações à agência Lusa, por directores de informação de jornais, rádios e televisões, que advogaram que a suspensão das colaborações de comentadores, analistas ou colunistas candidatos comprometia os critérios jornalísticos, o debate político e o esclarecimento da opinião pública.
Embora reconhecendo condicionamentos à actividade editoral dos órgãos de informação, o presidente da ERC, José Azeredo Lopes, justificou a directiva com o respeito pelo princípio constitucional de igualdade de oportunidades das candidaturas. (Público)
A Quadratura do Círculo, sucessora do Flashback, na rádio e na televisão, tem mais de vinte anos e é o programa de discussão política mais antigo dos media portugueses. Atravessou várias eleições com situações muito diversas dos seus intervenientes, que participaram sempre no programa pela sua individualidade e não por qualquer condição, rateio ou equilíbrio político. Todos os seus intervenientes defenderam sempre este carácter único do programa, em grande parte responsável pelo seu sucesso e longevidade. Pela Quadratura do Círculo, fundada por Emídio Rangel na TSF, passaram para além de mim próprio, Vasco Pulido Valente, José Magalhães, Miguel Sousa Tavares, Nogueira de Brito, Lobo Xavier, Jorge Coelho, António Costa, Carlos Andrade e o próprio Emídio Rangel. Já teve entre os seus participantes independentes, deputados do PCP, PS, PSD e CDS, um membro do governo no exercício de funções, gente umas vezes próxima da direcção do seu partido, outras vezes afastada, nenhuma nessa qualidade, nenhum escondendo essa qualidade. O público da Quadratura do Círculo é adulto e vacinado e manteve-se sempre fiel ao programa.
Em várias eleições, havia candidatos no programa e não candidatos, e isso nunca foi problema nem para o programa, nem para os órgãos de comunicação social em que passou (TSF e SIC), nem para os seus ouvintes e telespectadores. A Quadratura do Círculo foi sempre sujeita a pressões, mas nunca tinha sido tão posta em causa na sua identidade do que pelas medidas autoritárias, administrativas e "reguladoras" da ERC. A atitude de resistência contra esta intromissão abusiva da ERC na liberdade editorial da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, numa altura em que do lado do governo e do estado existe uma ofensiva regulamentadora, é um sinal muito positivo nestes tempos difíceis para a liberdade.
Eu sempre combati a existência de entidades como a ERC. No passado, defendi a extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social e votei vencido em várias circunstâncias sobre a sua existência. Continuarei a defender a extinção da ERC, ainda mais convencido da razão dessa atitude por "directivas" como esta.
Há quatro anos o PS apresentou o seu programa mesmo em vésperas de eleições. Não havia então a discussão, sempre inconclusiva, sobre as datas óptimas para apresentar os programas, (um remake da discussão sobre o “atraso” na apresentação dos candidatos para o PE), que agora grassa, à falta de melhor , soprada pelo PS.
Na verdade, para além desta discussão escolástica e inútil, - claro que PS, PSD, PCP, BE e tutti quanti irão apresentar os programas em tempo útil, - valia mais a pena lembrar o que aconteceu ao programa sufragado nas eleições de 2005. Porque, um dos efeitos perversos ou pretendidos nesta pseudo-discussão, é ela esconder a necessidade de se fazer um balanço sobre a governação do PS e a sua relação com o programa de 2005 e as afirmações e promessas de campanha. E aí é que tudo se torna mais complicado e se lança uma luz de irrealidade e ficção sobre o programa actual do PS.
É que duas coisas são esquecidas nesta discussão, que seria inteiramente fútil se não fosse interessada. Uma é que o PS actuou de forma diametralmente oposta àquela com que orientou o seu programa e a sua campanha de 2005, outra é que a concepção do que é um programa eleitoral é muito diferente no PS e no PSD.
O PS fez campanha em 2005 a favor do abandono da “obsessão pelo deficit”, prometendo empregos e baixa de impostos, num tom desenvolvimentista e de investimento público contra o “discurso da tanga”. Este era também o tom do candidato do PSD, Santana Lopes, que também se demarcava da “obsessão pelo deficit”. Depois, José Sócrates fez exactamente o oposto ao que prometeu na campanha eleitoral e, nalguns aspectos, ainda bem. Não hesitou, logo que o Banco de Portugal lhe deu o pretexto, meteu o programa e as promessas dos cartazes no saco, e passou a partidário da “obsessão pelo deficit”. Por isso, é preciso ter muito cuidado com os programas quando eles são uma lista de promessas, em que cada dia acordamos com mais uma nas notícias da manhã.
É por isso, que a diferença com o PS também deve ser na concepção do programa. Em vez de listas de promessas, as coisas que devem ser feitas de imediato, a seis meses, a dois anos, para consertar o país. Poucas promessas, mas linhas de diferença claras que orientam decisões alternativas. Contrariamente ao que o PS diz, durante um ano existiram propostas alternativas quanto ao apoio social na crise, à luta contra o desemprego, ao apoio á pequenas empresas, aos grandes projectos, ao controlo do deficit público. Dos Certificados de Aforro aos PIN sabe-se o que deve ser feito. O resto, mesmo que algumas coisas não estejam muito bem, mais vale deixar estar como está, gerir o melhor possível, para que haja um esforço de concentração no que é mais importante: fazer de novo Portugal crescer. Um programa que diga cinco medidas de fundo, que são realmente para cumprir, é melhor do que um com cem medidas para encher olho.
EARLY MORNING BLOGS 1605 -On the Freedom of the Press
While free from Force the Press remains, Virtue and Freedom chear our Plains, And Learning Largesses bestows, And keeps unlicens'd open House. We to the Nation's publick Mart Our Works of Wit, and Schemes of Art, And philosophic Goods, this Way, Like Water carriage, cheap convey. This Tree which Knowledge so affords, Inquisitors with flaming swords From Lay-Approach with Zeal defend, Lest their own Paradise should end.
The Press from her fecundous Womb Brought forth the Arts of Greece and Rome; Her offspring, skill'd in Logic War, Truth's Banner wav'd in open Air; The Monster Superstition fled, And hid in Shades in Gorgon Head; And awless Pow'r, the long kept Field, By Reason quell'd, was forc'd to yield.
This Nurse of Arts, and Freedom's Fence, To chain, is Treason against Sense: And Liberty, thy thousand Tongues None silence who design no Wrongs; For those who use the Gag's Restraint, First Rob, before they stop Complaint.
A thousand books my library Contains; And all are primed, it seems to me With brains. Mine are so few I scratch in thought My head; For just a hundred of the lot I've read.
A hundred books, but of the best, I can With wisdom savour and digest And scan. Yet when afar from kin and kith In nooks Of quietness I'm happy with Sweet books.
So as nine hundred at me stare In vain, My lack I'm wistfully aware Of brain; Yet as my leave of living ends, With looks Of love I view a hundred friends, My books.
Este é um livro só para amadores da coisa. A coisa é aquilo a que o autor chama a venatio librorum, a caça aos livros, neste caso os livros quinhentistas e seiscentistas, de que Pina Martins é um praticante exímio tendo conseguido reunir uma preciosa livraria pessoal sem paralelo em Portugal. Estamos a falar de uma caça cara e rara que pode andar por volta das centenas de milhares de euros por volume e muita sorte, muita sorte, sequer em ver tão esguios e fugidios animais a passar pelas mãos de um livreiro, ou pelas páginas de um leilão francês ou inglês.
Pina Martins, o senhor académico mais respeitável que se possa imaginar, que se fotografa no livro de traje académico e segurando um volume ricamente encadernado (e com que volúpia se fala das encadernações...), chega junto aos livros que quer e parece um voyou. Confessa que, num leilão, fez correr que um exemplar que queria arrematar não era perfeito, a ver se não tinha competição e o preço baixava e que hesitou em devolver um livro na biblioteca de Poitiers que lhe fora emprestado com ligeireza e que deveria estar na Reserve precieuse ... e muitos outros truques do ofício. E bateu, metaforicamente claro, em si próprio, quando se ofereceu para avaliar um livro que lhe tinha sido proposto barato e que foi depois tido como raríssimo e centenas de vezes mais caro.
Que faz Pina Martins nestes textos? Primeiro traz um gosto erudito, - a erudição é que é a verdadeira fonte da loucura, - pelos grandes humanistas da Renascença: Erasmo, Pico della Mirandola, Moore, e pelos seus livros, texto e objecto. Depois acrescenta o conhecimento aprofundado da edição renascentista, a começar pelo mestre Aldus Manucio, e a continuar por várias edições cujas datas e locais ele conhece de cor ao ponto de conseguir assim identificar edições que nunca tinham sido recenseadas em qualquer bibliografia, como é o caso de uma edição lisboeta de Garcilaso de Vega.
Neste livro, Pina Martins faz umas pequenas vinhetas à volta de um livro ou um manuscrito, o modo como o procurou, encontrou, comprou, perdeu ou vendeu, sempre num tom a roçar uma mansa loucura agravada pelas idiossincrasias narrativas do autor. Por exemplo, Lisboa é Ulisseia e Paris, Lutécia dos Parísios, e os alfarrabistas (ou melhor os livreiros-antiquários) toda uma fauna bizarra que habita lugares que são identificados ou por arcaísmos ou por latinismos e que tem sempre um "gabinete" obscuro de onde saem preciosidades, ou uma gaveta que se abre magicamente mostrando uma edição aldina. Primeiro estranha-se e depois se entranha, tanto mais que tudo aquilo parece um mundo já perdido pelo tempo, como no relato que tem de várias conversas com o seu amigo e bibliófilo Eugenio Asensio. Imaginem dois senhores de idade, passeando pelo Guincho, passando por várias raparigas "peripatéticas", a discutir Camões , Sá de Miranda e Lope de Vega... Depois Pina Martins fala com os livros e ouve os livros falarem com ele, o que , convenhamos, como eu ainda não o consegui apesar dos meus esforços, me parece um pouco para lá do sério. Por fim, ele também pensa que os livros reconhecem os seus verdadeiros amantes e que regressam sempre aos seus braços, mesmo depois de turbulentas traições, o que não é ciência exacta.
Eu gosto de ler livros como este, embora seja em si mesmo um livro muito especial, onde no meio da sua leitura me pergunto muitas vezes sobre quem é mais louco, quem escreve, ou quem lê tão estranho e extravagante produto.