ACTUALIZAÇÃO: novos comentários e carta de Estrela Serrano da ERC.
Se as pessoas forem capazes de deixar de lado os seus inimigos de estimação e a "camisola" da partidarização, que hoje vai muito mais longe do que os partidos, combateriam de imediato a "directiva" da ERC como um dos atentados maiores à liberdade de informação, à liberdade editorial (e os órgãos de comunicação social privada não se regem pela fita métrica do "serviço público", que aliás a viola todos os dias a favor do governo), ao debate público. Se os órgãos de comunicação social e os jornalistas forem capazes de distinguir o principal do secundário, idem.
Mas não só: esta resolução favorece o poder que existe, ela vai calar críticas à governação e permitir que se continue a fazer propaganda todos os dias sob a forma de passagens "normais" nos noticiários, muito mais importantes para a manipulação da opinião pública do que artigos de opinião ou a participação em debates em órgãos de comunicação. Com o modus operandi e o pensamento autoritário, burocrático e regulador da ASAE da comunicação social que é hoje a ERC, esta medida é apenas mais uma num caminho de normativização burocrática da liberdade de opinião, da liberdade. A seu tempo passar-se-á para os blogues, para os autores de programas de governo mesmo que não candidatos, para os futuros putativos candidatos, passará da contabilidade dos candidatos às eleições para os seus apoiantes ou para qualquer pessoa que manifeste uma opinião qualquer que possa ser tida como alinhada num período eleitoral. A seu tempo chegará aos signatários de qualquer abaixo assinado a favor de um candidato, às suas Comissões de Honra, aos apoiantes com relevo público, a Saramago, Mário Soares, José Miguel Júdice, etc. Abram a porta e vão ver quantos cabem por ela, incluindo jornalistas, que têm todo o direito de participação cívica.
A ideia que o alinhamento político+exposição pública (na televisão em particular) deturpa a igualdade que o PS ou o PSD ou o PCP possam ter com o POUS, comporta todas as ideias erradas sobre comunicação que se possa ter e implica uma visão da sociedade e da política estatizante, burocrática e iliberal. Pelas normas da ERC, Obama e McCain nunca poderiam ter um debate entre si, sem ter ao lado mais cinquenta pequenos candidatos às eleições presidenciais. Numa democracia não é possível garantir uma participação milimétrica de todas as forças políticas no espaço público, nem isso é por si só democrático. Numa ditadura é possível, a favor do partido do poder e dos seus companheiros de estrada.
Se estivéssemos em tempos de coragem, os órgãos de comunicação social contestariam por todos os meios esta "directiva" e não a aceitariam, mesmo arcando com as consequências. O que está em causa é a liberdade editorial da comunicação social, a existência de critérios jornalísticos, por contestáveis que sejam, o interesse público e o interesse do público, a pura e simples liberdade sem mais nada. Esta é uma boa causa.
NOTA por causa da reinante má fé: é verdade que participo num programa em que também participa António Costa, que aliás já tinha decidido afastar-se durante o período da campanha eleitoral. Como também não custa compreender, pelo que se escreve e se "ilustra" nos jornais, a Quadratura do Círculo, é provavelmente o alvo principal desta "directiva" e duvido muito que seja pela presença de António Costa. Aliás, nunca me passou pela cabeça lembrar que Pedro Santana Lopes, que tem igualmente participação regular em órgãos de comunicação social, pudesse ser posto em causa na sua liberdade de continuar a tê-los, liberdade essa que defenderei sem ambiguidades. A Quadratura do Círculo, com o seu papel no debate público, com as suas audiências, sempre foi um alvo apetecido por todos os que com ela se sentem incomodados. A ERC tomou para si essas dores.
Confesso que nunca percebi os ataques à Quadratura do Círculo por causa da presença de António Costa. Se Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, fosse candidato a algum cargo, aí ainda conseguia perceber; ele brilha sozinho no programa dele. Mas na Quadratura do Círculo os comentadores não estão sós. Cada um sabe que qualquer ideia que possa emitir pode (e geralmente é) criticada pelos outros participantes, que são de outras áreas políticas.
(José Carlos Santos)
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Subscrevo inteiramente.
Este tem sido o papel que o governo de Sócrates lhe atribuiu e que a ERC tem cumprido paulatinamente: procurar meios de limitar a liberdade dos media, dos seus jornalistas, críticos e comentadores. Esses meios passam por uma carapaça pseudo-científica e legalista, que não só é prejudicial para liberdade como para o trabalho meritório e não enviesado dos cientistas sociais que recorrem a metodologias qualitativas e quantitativas na análise dos media (não em decisões administrativas, como se arroga a ERC).
A maioria governamental da ERC vai procurando limitar as liberdades de informar e opinar a coberto de leis, decretos-leis e directivas e ainda de relatórios pseudo-científicos que são arrasados por especialistas do mundo académico. Seria importante, além da repulsa pública por parte dos media, que a legitimidade administrativa invocada pela ERC para nos limitar o que o 25 de Abril nos devolveu, pudesse também ser verificada pelo Tribunal Constitucional: pode a ERC limitar a liberdade de informação e de opinião tal como propõe esta "directiva" de sabor a bafio pré-25 de Abril?
(Eduardo Cintra Torres)
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Pela lógica subjacente à directiva da ERC sobre a “igualdade de oportunidades” durante o período eleitoral, o governo deveria demitir-se e ser substituído por um governo de coligação entre todos os partidos candidatos às legislativas ou, em alternativa, por um governo de independentes.
(Pedro Bandeira)
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Caro Dr. Pacheco Pereira
Considero espantoso e interessante o incitamento ao desrespeito da Constituição e da lei que faz aos jornalistas e, indirectamente, aos membros da classe política, a propósito da Directiva da ERC sobre as campanhas eleitorais.
Num País onde muitos acusam os órgãos reguladores de não regularem e em que o espaço público mediático é estreito e “aristocrático” - no sentido em que a ele têm acesso apenas certas elites, algumas das quais opinando ao mesmo tempo em jornais, rádios e televisões - é no mínimo incoerente que seja o Dr. Pacheco Pereira, porventura o actor político com maior presença no espaço mediático (independentemente do seu mérito, que é muito), a não aceitar o princípio constitucional e legal que assiste a todos os candidatos a eleições de, em período eleitoral, disporem de igualdade de oportunidades no acesso aos media.
É uma estranha concepção da democracia e da liberdade a que revela no seu post, ao classificar como “um dos atentados maiores à liberdade de informação [e] à liberdade editorial” (!) o facto de o órgão regulador dos media adoptar uma Directiva sobre o cumprimento desse princípio de igualdade de oportunidades dos candidatos e das candidaturas em espaços de opinião (debates, entrevistas, comentários).
Mas o seu post incorre, além do mais, em omissões e equívocos. Por um lado, ignora que a liberdade editorial e os critérios jornalísticos não são absolutos e que em período eleitoral os critérios jornalísticos não podem sobrepor-se ao princípio da igualdade de oportunidades e da não discriminação entre candidatos. Por outro, esquece que esse princípio se aplica a todos os órgãos de comunicação social e não apenas ao operador de serviço público. Parece, ainda, confundir o direito que assiste aos media privados para, de forma transparente, manifestarem, se assim o entenderem, apoio a um partido ou candidato (que não é prática comum em Portugal embora exista noutros países europeus) com o dever, que sempre lhes incumbe, de conferirem a todos os candidatos e candidaturas um tratamento jornalístico não discriminatório, incluindo, portanto, a igualdade de acesso aos media.
O Dr. Pacheco Pereira defende um critério, no mínimo, redutor de classificação dos candidatos, dividindo-os entre candidatos de “primeira” e candidatos de “segunda”. Aos primeiros, confere (exige) acesso aos espaços “nobres” da opinião e do comentário; aos segundos, aceita que lhes sejam reservados alguns minutinhos nos telejornais (de menor audiência, adivinha-se, para não “roubarem tempo” aos candidatos de “primeira”, os que, em sua opinião, verdadeiramente contam). Tomando como exemplo a hipótese de o Dr. Pacheco Pereira ser candidato a uma autarquia, será que acharia que os concorrentes a essa mesma autarquia não teriam, se o desejassem, direito de usufruir de espaços de comentário equivalentes aos seus?
Mesmo correndo o risco de o ouvir dizer que “a liberdade editorial está posta em causa” (!) não posso concordar com os seus critérios de “graduação” de candidatos e candidaturas.
Diz também no seu post que o “alvo principal desta "directiva" é a Quadratura do Círculo (um dos seus espaços semanais de intervenção) mas, depois, confrontado com a sua própria contradição (afirma também que Directiva “favorece o poder actual”), duvida ”que seja pela presença de António Costa”. Afinal, em que ficamos? Bem sei que lhe é difícil aceitar (mesmo com os factos à vista) que a ERC não se move por critérios político-partidários. Mas há-de concordar que o seu argumento é um estereótipo politicamente correcto.
Também ao contrário do que afirma, nada impede que um “Obama” português possa ter um debate com um “McCain” português, “sem ter ao lado mais cinquenta pequenos candidatos”, porque, como diz o ponto 6 da Directiva, “no que se refere a debates e entrevistas, sempre que estes ocorram, deverá ser assegurada a presença, ainda que não necessariamente simultânea, de representantes de todas as candidaturas”. Faz toda a diferença, como vê.
No fundo, o Dr. Pacheco Pereira não acredita na capacidade de directores e editores alargarem os espaços de debate e comentário a outros actores (candidatos ou membros das candidaturas), para além dos que já têm entrada nesses espaços. É uma convicção elitista e conservadora que não encontra sustento na realidade, desde logo por não ter em conta a deslocação da Internet para os media tradicionais e para os partidos políticos de figuras até há pouco mal conhecidas ou mesmo desconhecidas. É que a Directiva da ERC não estreita o espaço público mediático. Ao contrário, alarga-o a outros (candidatos ou representantes de candidaturas).
Tenho, pois, de concluir que o Dr. Pacheco Pereira não leu a Directiva até ao fim e viu nela apenas mais uma oportunidade para bramar contra a ERC. Aliás, faça a ERC o que fizer sempre, na opinião do Dr. Pacheco Pereira, será para favorecer o Governo. É o seu direito à opinião. Admiradora que sou da sua inteligência leio o seu post como fruto de uma reacção impulsiva.