ABRUPTO

17.12.05


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(17 de Dezembro)


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"The music group of greater kalamazoo" no Rocketboom.

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Nulla dies sine linea, num Moleskine perto de mim.
O provérbio referido, nulla dies sine linea (“nem um dia sem uma linha”) tem origem em Plínio. Mas não se refere à escrita. Refere-se ao desenho.

Refere-se ao pintor ateniense Apeles, que nos ensinou que a Verdade se pinta nua. Como mais tarde nos veio recordar Sandro Filipepi (alcunhado de Botticelli) ao tentar reproduzir o diálogo de Luciano de Samosata De Calumnia. Veja-se a passagem de Plínio na História Natural (35, 24): Apelli fuit alioqui perpetua consuetudo numquam tam occupatum diem agendi, ut non lineam ducendo exerceret artem, quod ab eo in proverbium venit.

(F.)
*








O DVD Shostakovich Against Stalin - The War Symphonies, mostra a máquina trituradora do "Pai dos Povos", contra o mais genial dos "seus" músicos. Mesmo assim, a música defendeu Shostakovich. A música e não os músicos.

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Mais um artigo que é pena que não se possa ler em linha, mas que vale o jornal em papel: Helena Matos, "Um pequeno ponto no nariz", no Público. Uma amostra:
"Não sei se Mário Soares se pergunta porquê mas os comentários, as dúvidas e as acusações daqueles que por ele falam remetem para um perplexo: "Porquê? Porque é que desta vez não acontece o tal ponto de viragem?" A resposta encontra-se não tanto nos manuais de propaganda política, mas sim num livro sobre o discurso amoroso: "Ao mesmo tempo que se interroga obcecadamente por que motivo não é amado, o sujeito apaixonado vive com a convicção de que, na verdade, o objecto amado o ama mas não diz. (...) A verdade é que - exorbitante paradoxo - não deixo de acreditar que sou amado. Alucino o que desejo. Toda a dor resulta menos de uma dúvida do que de uma traição." O livro de Roland Barthes Fragmentos de Um Discurso Amoroso torna-se num dos mais fascinantes guias de leitura do que está a acontecer na campanha de Mário Soares."

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EARLY MORNING BLOGS 662


a.k.a BREAK OF DAY


'TIS true, 'tis day ; what though it be?
O, wilt thou therefore rise from me?
Why should we rise because 'tis light?
Did we lie down because 'twas night?
Love, which in spite of darkness brought us hither,
Should in despite of light keep us together.

Light hath no tongue, but is all eye ;
If it could speak as well as spy,
This were the worst that it could say,
That being well I fain would stay,
And that I loved my heart and honour so
That I would not from him, that had them, go.

Must business thee from hence remove?
O ! that's the worst disease of love,
The poor, the foul, the false, love can
Admit, but not the busied man.
He which hath business, and makes love, doth do
Such wrong, as when a married man doth woo.

(John Donne)

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Bom dia!

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15.12.05


SABEM O QUE É OPORTUNISMO?



A má fé no debate com Jerónimo de Sousa por parte de Louçã foi exemplar. Depois de passar todo o debate a falar do que era comum na "esquerda" com o PCP, aproveitou o minuto final, em que não há resposta, para elogiar João Amaral e Lino de Carvalho, dois críticos da direcção do PCP. Se o tivesse feito no início, o debate teria sido bem diferente, mas aqui há pura má fé e oportunismo político.

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TEMAS PRESIDENCIAIS: LOUÇÃ E OS DEBATES



1.Embora os debates ainda não tenham terminado e faltem dois importantes (decisivos? não sei) à data em que escrevo, penso que a candidatura que mais favorecida tem sido é a de Francisco Louçã. Todos os debates lhe correram bem, em particular o que teve com Cavaco.

2. Saliente-se, logo à cabeça, que não penso que esta candidatura tenha alguma coisa a ver com as eleições presidenciais. Louçã aproveita o tempo de antena presidencial para promover a sua organização política e a si próprio, o que é aliás legítimo em candidaturas de carácter tribunício, como também é a de Jerónimo de Sousa. E nessa função, após um arranque débil, a participação nos debates presidenciais tem-no favorecido. O modelo dos debates começa por colocar todos os candidatos que os jornalistas escolhem (e não todos os candidatos) no mesmo nível de importância. Logo à partida essa posição de relevo igualizadora é-lhe favorável, coloca-o como Grande entre os Grandes, o primeiro objectivo de um Pequeno. Louçã não tem desmerecido dessa condição.

3. Ainda mais favorável é o facto de Louçã poder usar de toda a liberdade discursiva, e tratar, como aliás justificou, de tudo. Um candidato presidencial pode tratar de tudo, só que nem a todos se lhe admite a liberdade de tratar de tudo sem ter que teorizar sobre os poderes presidenciais, ou sem que se lhe suspeitem intenções de subversão da Constituição e do regime. Esta liberdade é-lhe concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários, que ainda não o confrontaram com os limites dos poderes presidenciais, porque pura e simplesmente não o tomam como candidato presidencial, mas como o líder do BE.

4. O que Louçã tem conseguido é seu mérito e demérito alheio. Ele é um dos políticos portugueses mais experientes e mais velhos na função. Fazendo política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril, tem mais experiência do que Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, ombreando com Soares e Alegre, que, no entanto, têm a desvantagem de parecer muito mais "velhos" do que ele. Mais: Louçã fez toda a sua vida política em grupos radicais nos quais o debate e a discussão, oral e por escrito, é sistemática e permanente. Como quadro trotsquista, actuando nos grupos trotsquistas portugueses e na Quarta Internacional, Louçã participou de parte inteira em grupos que não só são internacionalistas e cosmopolitas, como incluem gente muito brilhante e capaz, de que ele faz parte de pleno direito. Mais do que qualquer outro dos seus companheiros de corrida presidencial, Louçã tem milhares e milhares de horas de discussão por detrás, discussões muitas vezes duras, escolásticas, doutrinais, sobre nuances políticas exploradas até à exaustão. Se a isso somarmos a sua experiência académica, os seus hábitos de estudo e leitura, e a sua inteligência, temos a chave das suas capacidades.

5. O problema com Louçã não são as suas capacidades, é o facto de elas ofuscarem, na nossa mediania comunicacional, o escrutínio do seu radicalismo, das inverdades da sua propaganda, e da essência demagógica e populista do seu discurso arrogante e moralista. Louçã é o único que fala como escreve, inclui os sublinhados, as aspas, as vírgulas e os pontos finais. É um discurso fechado e cerrado a qualquer interpretação, ou porque ele próprio fornece o quadro da sua interpretação, como se uma mão invisível fosse sublinhando a marcador amarelo e vermelho as frases que temos que ver, ou porque nos acena de imediato com o pecado moral em que estamos a cair se com ele não concordamos. Quando fala da guerra do Iraque, o ouvinte que com ele não concorda já está de imediato na posição de réu moral de qualquer crime. Nisso ele e Paulo Portas são quase iguais.

6. A sua vantagem nos debates não vem só das suas capacidades retóricas e argumentativas (menos aliás do que do seu saber, porque Louçã deturpa os dados de uma forma pouco académica para servirem para a propaganda), mas também do facto de ele ter um dos discursos políticos com menos baias que se fazem em Portugal. Ele tem baias, enormes e rígidas baias, só que é preciso percebê-lo política e ideologicamente muito bem, para as revelar. É preciso conhecer muito bem as novas formas de "língua de pau" do radicalismo, que mudou de madeira quando a anterior se esboroou.

7. Na prática, Louçã fala do que quer, como quer, dizendo o que quer, porque não tem que prestar contas, não tem responsabilidades por nada, nem tem memória, nem actua em função dos cargos a que concorre, nem das leis, nem da democracia, nem da economia de mercado. Louçã é um socialista colectivista, uma forma peculiar de comunista, se o termo não estivesse tão abastardado, um revolucionário de raiz leninista, aceitando o princípio do direito à violência para derrubar o "capitalismo", defensor de um regime político-social autoritário, sempre presente como pano de fundo na lógica da sua argumentação. Ele nunca o dirá, porque somente faz a crítica ao existente. É na crítica que ele brilha, mas não tem que pagar o preço de falar das alternativas, a não ser através de uma retórica de ocultação, porque as alternativas com que ele concorda lhe estragariam a imagem e a propaganda.

8. Que país se aproxima, no seu regime político-económico, do que Louçã pretende para Portugal? Aqui está uma pergunta a que ele não responde facilmente, em particular se quem lha colocar souber evitar as fugas que a sua habilidade fará aparecer. O albanês, o da Nicarágua sandinista, o de Cuba, o sueco, o argelino, o do Brasil de Lula, o holandês, a Venezuela de Chávez? Ele tenderá a sugerir, sem o dizer, que é o sueco na segurança social e o holandês nos costumes, mas sugestio falsi, diria um jesuíta ilustrado. Em que partidos e movimentos, fora e dentro da Europa, Louçã se revê? Nos zapatistas de Chiapa, nos trotsquistas franceses (quais?), nos peronistas, no PT de Lula, ou na ala esquerda do PT? Prudente silêncio nas grandes intervenções, e só levantando a ponta do véu nos círculos partidários. Que política externa devemos ter face à Europa, à OTAN e aos EUA? Aqui Louçã é mais transparente, mas convinha perceber que, na prática, a política que ele nos sugere é muito parecida com a da Venezuela, ou a da Líbia, excluídos os respectivos particularismos regionais.

9. O mundo de Louçã, que é transparente para quem conheça as suas posições, é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda. O que é que ele realmente pensa da economia de mercado? Como é que ele entende as empresas no seu país ideal, como vê a propriedade privada, até onde é que ele pensa que devem ir os impostos para financiar o país providencial que sugere ser o alfa e ómega do seu programa político.

Não basta só falar do desemprego e da segurança social, dos impostos, e enunciar um programa meio sindicalista, assistencial e de fiscalidade punitiva dos "ricos", completamente irrealista. Esse programa levaria a uma forte conflituosidade social, ao encerramento de muitas empresas, à fuga de capitais, ao fim do investimento e seria ineficaz sem repressão. O programa de Louçã nunca aparece nos debates, mas é a uma espécie de PREC que conduz. Ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro.

(No Público de hoje.)

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LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(15 de Dezembro)


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"Confiança", a palavra-chave desta campanha presidencial
. O que diz quase tudo.

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Olhar para mesma Lua. A que Ansel Adams fotografou um dia no Glacier Point:

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Enquanto escrevo, ouço. VivaLaVoce.

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O Top 10 das máquinas-humanas, dos robots. Ganha o par R2-D2 e C-3P0, como se esperaria, mas Der Maschinian-Mensch do Metropolis de Lang está em boa posição.

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Na Nature uma comparação que favorece a Wikipedia (ou desfavorece a Britannica, como se quiser):

"Nature's investigation suggests that Britannica's advantage may not be great, at least when it comes to science entries. In the study, entries were chosen from the websites of Wikipedia and Encyclopaedia Britannica on a broad range of scientific disciplines and sent to a relevant expert for peer review. Each reviewer examined the entry on a single subject from the two encyclopaedias; they were not told which article came from which encyclopaedia. A total of 42 usable reviews were returned out of 50 sent out, and were then examined by Nature's news team.

Only eight serious errors, such as misinterpretations of important concepts, were detected in the pairs of articles reviewed, four from each encyclopaedia. But reviewers also found many factual errors, omissions or misleading statements: 162 and 123 in Wikipedia and Britannica, respectively."

Resposta da Britannica:

"Editors at Britannica would not discuss the findings, but say their own studies of Wikipedia have uncovered numerous flaws. "We have nothing against Wikipedia," says Tom Panelas, director of corporate communications at the company's headquarters in Chicago. "But it is not the case that errors creep in on an occasional basis or that a couple of articles are poorly written. There are lots of articles in that condition. They need a good editor."


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É verdade que este debate sobre a história, que mais uma vez atravessa a França intelectual, é a melhor ilustração da tese do eterno retorno. Os franceses lidam mal com uma história que, ou os culpa, ou os culpa de os absolver da culpa. Alemães e austríacos lidam mal com o Holocausto, entre a vergonha transformada em agressividade penal, ou o esquecimento incomodado. Por todo o lado, os velhos comunistas não conseguem ultrapassar a sucessão de testemunhos heróicos e de falsidades propagandísticas, pelos factos e pelos documentos (por cá também não). Por isso fica aqui o manifesto (ele também tão francês...) de Jean-Pierre Azéma, Elisabeth Badinter, Jean-Jacques Becker, Françoise Chandernagor, Alain Decaux, Marc Ferro, Jacques Julliard, Jean Leclant, Pierre Milza, Pierre Nora, Mona Ozouf, Jean-Claude Perrot, Antoine Prost, René Rémond, Maurice Vaïsse, Jean-Pierre Vernant, Paul Veyne, Pierre Vidal-Naquet e Michel Winock:
"Emus par les interventions politiques de plus en plus fréquentes dans l'appréciation des événements du passé et par les procédures judiciaires touchant des historiens et des penseurs, nous tenons à rappeler les principes suivants :

L'histoire n'est pas une religion. L'historien n'accepte aucun dogme, ne respecte aucun interdit, ne connaît pas de tabous. Il peut être dérangeant.

L'histoire n'est pas la morale. L'historien n'a pas pour rôle d'exalter ou de condamner, il explique.

L'histoire n'est pas l'esclave de l'actualité. L'historien ne plaque pas sur le passé des schémas idéologiques contemporains et n'introduit pas dans les événements d'autrefois la sensibilité d'aujourd'hui.

L'histoire n'est pas la mémoire. L'historien, dans une démarche scientifique, recueille les souvenirs des hommes, les compare entre eux, les confronte aux documents, aux objets, aux traces, et établit les faits. L'histoire tient compte de la mémoire, elle ne s'y réduit pas.

L'histoire n'est pas un objet juridique. Dans un Etat libre, il n'appartient ni au Parlement ni à l'autorité judiciaire de définir la vérité historique. La politique de l'Etat, même animée des meilleures intentions, n'est pas la politique de l'histoire.

C'est en violation de ces principes que des articles de lois successives ­ notamment lois du 13 juillet 1990, du 29 janvier 2001, du 21 mai 2001, du 23 février 2005 ­ ont restreint la liberté de l'historien, lui ont dit, sous peine de sanctions, ce qu'il doit chercher et ce qu'il doit trouver, lui ont prescrit des méthodes et posé des limites.

Nous demandons l'abrogation de ces dispositions législatives indignes d'un régime démocratique. "
*

Uma pergunta certeira, citada do Bloguitica:
«A pergunta sem resposta», por Sérgio Figueiredo. Destaco apenas um parágrafo e que não dispensa a leitura do artigo: «A pergunta do Governo deveria ser colocada ao contrário: será que um investimento de quase 8 mil milhões não eterniza a crise orçamental do Estado? e, por conseguinte, não implicará um agravamento sucessivo da carga fiscal que, essa sim, compromete a competitividade da economia?», (Jornal de Negócios, 14.12.2005: 3).

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EARLY MORNING BLOGS 661

È ridicolo credere


È ridicolo credere
che gli uomini di domani
possano essere uomini,
ridicolo pensare
che la scimmia sperasse
di camminare un giorno
su due zampe

é ridicolo
ipotecare il tempo
e lo é altrettanto
immaginare un tempo
suddiviso in piú tempi

e piú che mai
supporre che qualcosa
esista
fuori dall'esistibile,
il solo che si guarda
dall'esistere.



(Eugenio Montale)

*

Bom dia!

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12.12.05


QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO:
6. ELES NÃO O ESPERAVAM (REPIN)



Este é um dos quadros que perde com a reprodução, embora não seja o tamanho que aqui conte, mas a intensidade dramática das faces, a complexidade visual da cena. O viajante inesperado é um deportado que regressa de surpresa. Lembrei-me do Frei Luís de Sousa, embora aqui se saiba que ele está vivo, só não se sabe quando volta ou se volta.

A referência religiosa a Cristo está patente na face do recém-chegado, pai, filho, neto, menino, que suscita todas as reacções: alegria, emoção, espanto, curiosidade. Naquela sala está a casa toda, do rapaz e da rapariga que estudam, ao cozinheiro que espreita. Percebe-se que é uma casa burguesa, simples. O Cristo impresso na face do deportado é o mesmo do quadro de Kramskoy (o terceiro desta série). É Cristo, símbolo do sofrimento do povo russo.
Na parede estão os retratos de dois poetas narodnik, Chevtchenko e Nekrassov, pelo que podemos perceber as simpatias políticas da família, ligada aos populistas, o grande movimento revolucionário anterior aos socialistas-revolucionários e aos bolchevistas.

Repin nunca ficou satisfeito com este quadro.

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INTENDÊNCIA

Nunca como hoje a palavra "intendência" me pareceu inconveniente e pobre para referir o texto que Maria Lúcia Lepecki escreveu em forma de carta sobre o meu livro biográfico de Cunhal. Está no ÁLVARO CUNHAL - UMA BIOGRAFIA POLÍTICA.

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LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(12 de Dezembro)


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Uma magnífica série de fotografias de Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii, o "fotógrafo do czar", organizada pela Biblioteca do Congresso. A não perder.

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As más notícias que deixaram de ser novidade e por isso deixaram de ser notícias: W. Wayt Gibbs / Christine Soares, "Preparing for a Pandemic" no Scientific American : "One day a highly contagious and lethal strain of influenza will sweep across all humanity, claiming millions of lives. It may arrive in months or not for years--but the next pandemic is inevitable. Are we ready?". Não.

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Marcador para livros da minha livraria favorita de Paris.

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Não é comum encontrar num jornal (o Região de Rio Maior de 2 de Dezembro) um artigo um pouco estranho justificando o encerramento por privados com enormes portões, de um caminho público, usado há anos pela população e pelos "caminhantes". Esse caminho era o leito de uma antiga via férrea que atravessava várias quintas e terrenos e sempre foi de livre passagem. Agora, os novos donos de uma das quintas decidiram fechar o acesso, parece que, segundo "fonte camarária", com autorização da autarquia. O jornal revela uma grande compreensão com as intenções dos novos proprietários e diz que os portões serão sempre abertos "em caso de necessidade pública", o que, está-se mesmo a ver, será muito eficaz se houver um incêndio às duas da manhã e nada diz sobre quem habitualmente usava o caminho e agora por lá não pode passar.

Este é apenas um pequeno exemplo das coisas bizarras que estão a acontecer a cerca de trinta, quarenta quilómetros do epicentro da OTA. Grandes empresas de construção civil, directa ou indirectamente, mostram uma nova apetência por comprar quintas, que estavam há muito abandonadas na sua função agrícola, "para plantar feno". Deve ser mesmo para plantar feno, pois esses terrenos estão classificados como agrícolas e não é suposto servirem para mais nada. Casas também não faltam, há milhares de velhas casas, lagares, armazéns em ruínas, integrados harmoniosamente nas aldeias locais, à venda, cuja reconstrução evitava destruir mais uma vez a paisagem rural e urbana com urbanizações em banda, levando os subúrbios de Lisboa até dezenas de quilómetros à volta da OTA. Percebe-se muito bem que há uma máquina de fazer dinheiro em marcha, com a complacência das autarquias e das "forças vivas" locais, para estragar o pouco que sobrevive de um Portugal equilibrado e fazer mais do Portugal feio que nos asfixia a todos. Não se esteja atento e vai-se ver daqui a anos, as metamorfoses nas classificações dos terrenos agrícolas, subitamente impróprios para "cultivar feno".

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No "desligado" Público, uma conversa curiosa e pedagógica entre Graça Franco e "Monsieur le Directeur", quando esta pretendeu colocar os seus meninos no "Paradis des Enfants". No final Graça Franco sugere e bem que o problema das escolas é ter lá em cima, no meio da parede, no centro simbólico da parede, no lugar geométrico da autoridade, o prego: "No despacho não se podia acrescentar que tirassem também o prego?".

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EARLY MORNING BLOGS 660

This Was Once a Love Poem

This was once a love poem,
before its haunches thickened, its breath grew short,
before it found itself sitting,
perplexed and a little embarrassed,
on the fender of a parked car,
while many people passed by without turning their heads.

It remembers itself dressing as if for a great engagement.
It remembers choosing these shoes,
this scarf or tie.

Once, it drank beer for breakfast,
drifted its feet
in a river side by side with the feet of another.

Once it pretended shyness, then grew truly shy,
dropping its head so the fair would fall forward,
so the eyes would not be seen.

IT spoke with passion of history, of art.
It was lovely then, this poem.
Under its chin, no fold of skin softened.
Behind the knees, no pad of yellow fat.
What it knew in the morning it still believed at nightfall.
An unconjured confidence lifted its eyebrows, its cheeks.

The longing has not diminished.
Still it understands. It is time to consider a cat,
the cultivation of African violets or flowering cactus.

Yes, it decides:
Many miniature cacti, in blue and red painted pots.
When it finds itself disquieted
by the pure and unfamiliar silence of its new life,
it will touch them—one, then another—
with a single finger outstretched like a tiny flame.

(Jane Hirshfield)

*

Bom dia!

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11.12.05


QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO:
5. RETRATO DO COMPOSITOR MODEST MUSSORGSKY (REPIN)


Um dos grandes retratos de sempre, do compositor que escreveu os Quadros de uma Exposição. O caos, a desordem vital deste homem, cuja criatividade aparecia em surtos, autor de uma obra tão genial como incompleta, está todo aqui.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
A CREDIBILIDADE DA WIKIPEDIA




Devo dizer que no assunto Wikipedia noto algum condicionalismo de sua parte, apesar da frase inspirada e inspiradora "o que não é puro discurso subjectivo e opinativo, tem um problema de credibilidade" com a qual é difícil discordar, mas talvez seja o meu, como imagino ter sido o seu, lado artístico a falar mais alto.
Mas relativamente ao que me trouxe a este comentário, o tema Wikipedia, esperava sinceramente um apoio maior de sua parte, e não posso concordar com a forma como utliza frases como "muita demagogia utópica", "comunismo primitivos diversos", para descrever este projecto. É uma ideia ambiciosa, sem dúvida, mas um dos melhores exemplos do movimento open-sourcing, surgido com a revolução da Internet (outros dois serão o movimento free-software e claro, os blogs).

1) O sonho

O sonho do criador da Wikipedia "every single person free access to the sum of all human knowledge" tem muito de utópico mas não encontro a demagogia. Porque realmente se é verdade que o sonho só se poderá concretizar para quem tenha acesso à Internet (e já agora para quem tenha acesso à língua escrita), os mecanismos que estão por detrás da Wikipedia tornam-na uma fonte de conhecimento verdadeiramente universal, de todos para todos, e que será tanto mais credível quanto maior o número de utilizadores. Como em muitos sonhos, poderá estar avançado para a sua época.

2) Os mecanismos (software social)

O exemplo do Sr. Seigenthaler é o melhor exemplo que se pode ter sobre a credibilidade de um assunto na Wikipedia. Afinal, ao fim de alguns meses, a verdade foi reposta. Outras vezes demorará apenas alguns segundos. E isso é devido, em grande parte, aos mecanismos que o projecto coloca ao dispôr de cada pessoa que deseje participar:
possibilidade de verificar o estado de cada artigo, gestão de versões que permitem aceder a cada momento que o artigo teve, identificar a fonte da alteração, quando foi feita, o que foi alterado, todas as alterações são guardadas. São técnicas utilizadas no desenvolvimento de software e por essa razão, Thomas Friedman, utiliza o termo "software social" para descrever a Wikipedia.
NOTA: Nestas questões de software, o que é difícil é definir os critérios de aceitação do produto. E sendo tantos os utilizadores, será impossível agradar a todos. :)

3) A rapidez de reposição da verdade

A palavra Wiki tem origem no Hawai e tem o significado de "quick"
rápido. Vejo a Wikipedia como uma fonte de acesso rápido a um conhecimento "rápido" (e portanto resumido). Por outro lado, sendo o conhecimento da Wikipedia o resultado de um processo de cooperação, existe uma espécie de selecção natural, onde os mais fortes, ou seja os artigos mais lidos, editados, serão em princípio os que sobrevivem, ou seja, os mais credíveis.
No caso tão badalado do Sr. Seigenthaler, houve algum atraso na rapidez de resposta. No entanto, quantas vezes na história das publicações, jornais e revistas não tiveram a sua credibilidade abalada por notícias que se souberam ser, anos mais tarde, forjadas, inventadas? E sublinho a unidade de tempo, anos. Parece-me então abusador dizer que o caso deste senhor possa abalar a credibilidade da Wikipedia. Antes pelo contrário. Alguns exemplos mencionados na revista brasileira Época, desta semana:
- 2003, Jason Blair, jornalista do New York Times inventava notícias, pessoas e declarações. O jornal teve que vir pedir desculpas a público.
- Nos anos 80 uma série de diários, supostamente escritos por Hitler levaram o diário alemão Der Stern a pagar 4 milhões de dolares pelos direitos de publicação. Eram falsos.
- A National Geographic publicou um artigo sobre uma tribo Tasaday, que vivia na Idade da Pedra em plenos anos 70. Anos depois descobriu-se ser tudo falso.
- 1981. Um prémio pulitzer foi devolvido depois de se descobrir que a reportagem vencedora, sobre uma criança de 8 anos viciada em heroína, era falsa.

Enfim, exemplos não devem faltar. Situações destas seriam impensáveis na Wikipedia, graças à celeridade do processo de revisão que está ao dispôr de quem a utilize.

4) A credibilidade

A credibilidade de um projecto desta natureza varia na razão inversa dos interesses pessoais elevados à potencia da ignorância de quem escreve.
E para corrigir este factor são indispensáveis variáveis como a transparência (é uma das características do projecto), a qualidade (difícil de medir, existe uma qualidade implícita na aceitação de um artigo, o que não será a melhor forma de medição mas uma aproximação), o número de participantes e os mecanismos de detecção de fraude. Todos estes factores contribuirão para aumentar o interesse global na Wikipedia e consequentemente a credibilidade dos seus artigos.

5) É gratuito

Na relação preço/qualidade, encontra melhor fonte de conhecimento? A Wikipedia é uma enciclopédia "low cost". :)

(Paulo Reis)

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LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(11 de Dezembro)


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Atrás de Sócrates, no comício do PS em Viseu, uma única palavra: "confiança". É a palavra que mais está a dar. Cavaco percebeu-o primeiro, todos os outros perceberam-no agora. A isto se chama "marcar a agenda".

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Grandes capas :

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Lendo / vendo / ouvindo o mundo no Global Voices.

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Entre senhores e doutores, a ordem bem ordenada, a Comissão de Honra da Candidatura de Garcia Pereira.

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Nova Iorque no seu melhor, ou seja muito, muito bom. No Rocketboom : "john lennon 25 year remembrance; strawberry fields in central park".

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COISAS COMPLICADAS


Berenice Abbott, Repair Shop, Christopher Street, New York

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EARLY MORNING BLOGS 659

"Requiem" de Mozart

I


Ouço-te, ó música, subir aguda
à convergente solidão gelada.
Ouço-te, ó música, chegar desnuda
ao vácuo centro, aonde, sustentada
e da esférica treva rodeada,
tu resplandeces e cintilas muda
como o silente gesto, a mão espalmada
por sobre a solidão que amante exsuda
e lacrimosa escorre pelo espaço
além de que só luz grita o pavor.
Ouço-te lá pousada, equidistante
desse clarão cuja doçura é de aço
como do frágil mas potente amor
que em teu ouvir-te queda esvoaçante.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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