ABRUPTO

28.4.14


VASCO E OS COSTUMES DOS PORTUGUESES

Excerto de uma intervenção numa homenagem a Vasco Graça Moura, há um ano. 


Quando lhe tirei esta fotografia, no dia do seu doutoramento honoris causa pela Universidade do Porto, o Vasco, sorriu e disse: vou pôr-me na posição do Jorge Luís Borges. E colocou as mãos, o corpo e a bengala na posição de uma célebre fotografia de Borges.

"Nas minhas recordações das nossas deambulações europeias recordo em particular um dos nossos habituais jantares na Petite Écurie de Estrasburgo. Tratava-se de um pequeno restaurante, um bistrot, a que regularmente íamos, - porque ele e eu somos pessoas de hábitos e, se estamos bem num sítio não precisamos de outro, – e que tinha aquele aspecto de acolhimento quase rural, de um Estrasburgo mais provinciano do que cosmopolita.

Um dia, no restaurante, a nossa conversa começou com o pretexto da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, não sei bem porquê. A uma dada altura, um de nós perguntou: mas não são hoje os portugueses os mesmos? Os mesmos da Peregrinação? A pergunta apareceu, sem ser “intelectual” na medida em que apenas nos perguntávamos se aqueles portugueses de barrete vermelho, perdidos no Mar da China, matando, pilhando, aprisionando e sendo aprisionados, eram os mesmos de hoje. Havia tanta naturalidade na pergunta, como se estivéssemos a falar de futebol num café, e alguém perguntasse nostálgico, se o seu clube era o mesmo de “antigamente”, há vinte anos.

A conversa pendeu para o “Veloso amigo” e o seu outeiro nos Lusíadas de Camões e não sei se foi para o Soldado Prático, mas a pergunta era a mesma: somos os mesmos ou mudámos? Esta gente dos navios do Oriente e da Índia, eramos nós mesmos, embora vivendo no “país estrangeiro” que é o passado? Não havia resposta certa, mas ambos suspeitávamos que não éramos. A resposta não é nova: há 200 anos que todos os que reflectem sobre a história portuguesa pensam na decadência da pátria e dos homens sendo que o período das Descobertas parece ser essa excepção, a partir da qual é só caminhar para baixo. Trivial.

Mas, não era tanto o conteúdo da conversa que importava, – também importava, - era o facto de nós acharmos, ao mesmo tempo que a fazíamos, que era a mais improvável das conversas, a sensação de que pouca gente teria essa conversa nos nossos dias, assim tão “habitualmente”. Quem estaria, algures nos anos noventa do nosso velho século, a discutir Fernão Mendes Pinto, Camões, Diogo de Couto, num jantar ameno de bistrot, numa Alsácia que fica europeia e estrangeira durante uma semana? Podem pensar que era presunção, mas nenhum de nós tinha uma gota de presunção, mas de perplexidade sobre o nosso velho país, a nossa pátria, a nossa língua, e falávamos dos nossos antigos para o exprimir. Não, não éramos os mesmos, éramos outros e, sendo outros, que identidade desse Portugal longínquo podia restar hoje? 

Recordando essa conversa bizarra, antiga, antiquada, na capital artificial da Europa, entre detentores da mais moderna das funções – deputados europeus, estrangeirados, deputados de uma utopia dos nossos dias, que, como todas as utopias, sabíamos ir a caminho de se tornar uma perigosa engenharia utópica, voluntarista e a correr para o desastre, ambos sabíamos que os portugueses em si, do povo, do povo comum, não eram assim tão diferentes, sempre mais “Velosos” do que “Gamas”, como é normal.

Sabíamos que a grande diferença entre os séculos XV e XVI e os dias de hoje está nos costumes. Os costumes de hoje amolecem-nos, as ideias circulantes nos pequenos e médios intelectuais, abastardam os fortes sem proteger os fracos, e é contra essa influência deletéria dos costumes que Vasco Graça Moura combate desde sempre na sua actividade pública e politica. Há aqui algum pecado elitista, ou soberba? Talvez haja. Mas é saudável pecá-lo num mundo feito de frases feitas, hipocrisias vazias, amiguismos interesseiros e pouca bravura. Muito bragadoccio, mas pouca bravura.

Na nossa conversa estrasburguesa havia pelo menos um “antigo”: Vasco Graça Moura. A voz que ele transportava consigo, o fio das palavras que vem da Grécia, de Roma, da Idade Média, da Renascença até à modernidade, era também essa voz antiga em que Camões, Sá de Miranda, Diogo de Couto falavam, a dos portugueses valentes das naus da Índia e a dos portugueses valentes que não queriam, como o “velho do Restelo”, iludir-se ao cheiro da canela. 

É talvez por isso que habitualmente se diz de Vasco Graça Moura que, sendo um grande poeta, tradutor, intelectual, é na sua intervenção política rude e brutal. Este tipo de afirmação parte de uma incompreensão profunda do sentido da obra de Vasco Graça Moura que, aliás, como no caso de Jorge de Sena, não deixa de expressar preocupações de repúdio e repulsa semelhantes na sua acção pública, nos seus poemas e na sua correspondência, face aos costumes pátrios. Aliás, esta cesura entre obra intelectual e cultural e acção pública, no sentido global do termo, acção para a polis, repete um arquétipo salazarista que vê com distância e nojo a participação pública e politica como menor, como poluindo a criação, pensada sempre no domínio do intangível para permanecer inócua. Insisto, como em Sena, ou mesmo em Pessoa, e, medidas as distâncias, em Camões ou Antero, há um contínuo entre a escrita poética, a ensaística e o discurso sobre a sociedade e os seus costumes, os costumes que engrandeceram os portugueses antigos e esmaeceram os modernos."

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27.4.14


O VASCO NO ABRUPTO


glosa para josé pacheco pereira

são sentimentos humanos,
eu na alma hei-de pôr luto:
o abrupto hoje faz anos,
não pode ficar "abruto"!

não deve viver-se à míngua,
neste nosso dia-a-dia,
de prezar a ortografia
que bem calha à nossa língua.
se lhe dão facadas, vingo-a,
passo logo a fazer planos,
eriçado por tais danos,
de lavrar o meu protesto,
e se assim me manifesto
são sentimentos humanos.

chamo então especialistas,
eminentes professores,
os colegas escritores
e também vários linguistas,
leio livros e revistas,
questiono, leio, escuto,
e aprendendo assim refuto
coisa que é tão aberrante
que se acaso for àvante
eu na alma hei-de pôr luto.

grafias facultativas
em matérias tão sisudas
como as consoantes mudas
levam ao caos, às derivas,
às asneiras permissivas
e aos babélicos enganos.
porém fiquemos ufanos
pela data que hoje passa.
pois não sabiam? tem graça...
o abrupto hoje faz anos...

se lhe tirassem o p,
vigorosa consoante
do seu título, bastante
mal faziam, já se vê.
e percebe-se porquê
sem se gastar um minuto:
se do p ficar enxuto,
vão-se a força e a coragem
abruptamente da imagem:
não pode ficar "abruto"!

(Vasco Graça Moura)

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HOJE: o que é um debate a sério sobre a Europa.

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 O PREÇO DE FALAR ALTO SEM TER UM PAU PARA BATER 



É o preço que a União Europeia paga por pretender ter uma política externa, muitas vezes agressiva e aventureira, e depois, quando as coisas começam a aquecer, fica reduzida à sua inexistência militar. E claro, que quando as coisas efectivamente aquecem, como se passa hoje na Ucrânia e se passou no passado na Jugoslávia, lá vem os americanos, uma potência militar credível, tentar pôr na ordem as complicações que os europeus criam. 

A questão da Ucrânia chegou aqui, porque os europeus e os americanos foram irresponsáveis e atiçaram um conflito para que não tinham saída viável, e porque Putin é perigoso e não é de agora. Com o silêncio conveniente dos europeus, Putin ascendeu ao poder provocando uma segunda guerra na Chechénia para “vingar” a derrota da primeira, e no caminho violou todas as regras dos direitos humanos. A Europa fez de conta que não era com ela, como o fez na Geórgia, ou porque os separatistas chechenos eram um terreno para a Al Qaida, ou porque a Geórgia não valia o incómodo. Mas a Ucrânia é outra coisa. É demasiado importante, quer para os russos, quer para os vizinhos da Rússia, aqueles para quem vale mais ter melhor geografia do que uma “gloriosa história”. Infelizmente não tem, estão condenados à “gloriosa história”. E depois há o peso da história, ou melhor a sua leveza, que as opiniões públicas cada vez mais débeis na Europa permitem institucionalizar em governações que acabam por ser aventureiras e proclamatórias e depois são inconsequentes. Até ao momento em que a coisa começa a doer. Era tão bonito ver as barricadas de Kiev, a luta pela “liberdade” em Kiev, e ignorar que o governo resultante dessas barricadas não seria aceite pela parte leste do país. Os russos deitam gasolina no fogo, mas o fogo está lá antes da gasolina. 

Na segunda guerra mundial, a Ucrânia pagou caríssimo esse fogo como já tinha pago no período breve de independência na sequência da primeira guerra, seguida da vitória dos bolcheviques que obrigaram a Ucrânia a assinar o Tratado da União, que deu origem à URSS e depois varreram o campesinato “rico”, a intelligentsia e a Igreja com métodos terroristas, desde a fome às execuções em massa. O nacionalismo ucraniano, um dos mais radicais na história já de si excessiva do nacionalismo europeu, foi a componente do lado “perdido” da história de que ninguém quis saber até ao dia em que apareceu vitorioso nas barricadas de Kiev. E o país voltou a ser dois, como tinha sido durante a guerra, um lado que tinha estátuas a Stepan Bandera e outro que mantinha as de Lenine. E os ucranianos sabem de mais da sua própria história, desde a guerrilha antialemã na segunda guerra mundial, que provocou retaliações violentas nas aldeias ucranianas, ao papel da “polícia ucraniana” uma das que mais cruéis polícias colaboracionistas que fizeram o trabalho sujo para os alemães, como aconteceu também nos países bálticos. E, quando olhamos para o mapa da URSS, percebe-se bem que o peso duríssimo da invasão e ocupação alemã em profundidade, foi… na Ucrânia. 

Americanos poderosos, europeus impotentes e russos ambiciosos estão de novo a medir forças no território mártir da Ucrânia. É demasiado perigoso, até porque alguém vai ficar a perder. Para além dos ucranianos, claro.

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POLÍTICA VIRTUAL, POLÍTICA REAL 


O que é que, segundo o FMI, falta fazer para que o “ajustamento” português seja o “sucesso” absoluto, mesmo que, no fim de contas nenhum dos grandes números, deficit e dívida, tenha mudado de forma sustentável, ou não se tenha agravado? Mais do mesmo, dito de modo tecnocrático, que “as ineficiências remanescentes no mercado de trabalho [não possam] aumentar o risco de uma retoma com pouca criação de emprego, à medida que a economia ganha velocidade”, ou seja em português corrente, facilitar os despedimentos. 

Mais ainda: precisamos de baixar mais os salários, garantindo “uma subida substancial na proporção de trabalhadores com reduções dos salários”. Precisamos ir mais longe nas ”mudanças no código do trabalho feitas através da aplicação do programa”, de modo a facilitar os despedimentos individuais, demasiados difíceis para a vontade do FMI. Ao mesmo tempo, deve acelerar-se o fim dos acordos colectivos de trabalho, que, saliente-se, são acordados entre trabalhadores e entidades patronais, para que um novo ciclo de negociações seja “mais condizente com a situação da economia”, ou seja, haja menores salários. 

E depois, a cereja em cima do bolo, mais uma vez se defende a redução das indemnizações por “despedimentos ilegais”, de modo a aproximarem-se das dos despedimentos legais. Reparem nesta coisa muito interessante desta proposta, o objectivo é que a violação da lei possa ficar mais barata. Isto é que é um estado de direito! Pensava eu, que quem despedia “ilegalmente” não podia, uma vez verificada a ilegalidade, despedir. Mas não, é uma questão de preço: é apenas mais caro despedir “ilegalmente”, o que revolta o FMI. Dito de outro modo, podes cometer um crime, pagas é só um pouco mais por isso. Isto não é economia, é “luta de classes”. Depois queixem-se. O problema é que não há nenhuma indicação de que o que diz o FMI não seja o que Passos Coelho e o seu grupo pensam. Bem pelo contrário. Esta é que é a política real. O resto é virtual.

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26.4.14


O QUE CHEIROU A BAFIO NO 25 DE ABRIL 


De todas as comemorações do 25 de Abril, a única que verdadeiramente cheirou a bafio foi o almoço que o primeiro-ministro ofereceu, não se sabe em que qualidade, a alguns militantes da JSD e a simpatizantes do Governo em meia dúzia de associações juvenis, escolhidas a dedo e cognominados de “líderes de vários movimentos estudantis e juvenis”.

A lista incluiu associações académicas de Coimbra, Lisboa e Algarve, muitas das quais estiveram na vanguarda da defesa da praxe, o Corpo Nacional de Escutas, a Conexão Lusófona e as associações Synergia, Zunzum, Sport Club Operário de Cem Soldos, Suão e Moju. Não se sabe qual a sua representatividade, a começar pela capacidade de representarem a “juventude”, e os sites desses “movimentos” revelam bem a dependência dos apoios das organizações de juventude estatais, como o Instituto Português do Desporto e Juventude, cujo membro da tutela esteve presente, e autarquias ligadas ao PSD. Não me recordo de ver algum dos blogues governamentais mais assanhados contra tudo o que sejam ajudas de Estado protestarem. Que se saiba no almoço não houve qualquer reivindicação ou protesto. Estes “jovens” portam-se bem.

Passos Coelho, que deve ter do bafio um conceito muito especial, usou uma metáfora hortícola para falar da "liberdade e a democracia [que] têm de ser regadas com muito cuidado todos os dias". De novo, usou a dicotomia menos inocente que há nos nossos dias, a dos jovens e dos velhos, que esteve presente nas suas palavras: “O que peço é a esses que não têm com que comparar que não deixem de acreditar na capacidade de todos os dias fortalecer o espirito da liberdade e da democracia, sem a qual a nossa sociedade fica com menos futuro".

Fazer de conta que o Governo actua essencialmente para os jovens ou em nome dos jovens, presente no perverso conceito de “justiça geracional” – sacrifiquem-se duramente os avós e os pais, em nome do benefício hipotético dos filhos e dos netos – é um dos leitmotivs da propaganda governamental e o almoço “comemorativo” do 25 de Abril serviu para isso. Os velhos estão na rua a manifestar-se, os jovens em fila ordenada para os cumprimentos ao primeiro-ministro. O passado “bafiento” comemora o 25 de Abril defendendo egoisticamente as suas “regalias” e roubando aos mais jovens o futuro. O futuro zangado foi sentar-se à mesa do primeiro-ministro com um disciplinado guardanapo.

Comparadas com este solene e composto almoço de fato e gravata, até as comemorações do 25 de Abril na Assembleia foram um verdadeiro elixir de juventude e muito mais arejadas. Houve discursos melhores do que o costume, não houve fantochadas para épater os jornalistas como um célebre discurso de Aguiar Branco citando Lenine e Rosa Luxemburgo a partir da Wikipedia e cheio de erros, e, mesmo do lado governamental, discursos como o do representante do CDS, Filipe Lobo de Ávila, foi moderado e digno. A presidente da Assembleia fez um discurso teórico, mas certeiro sobre a democracia, mais reflexivo do que costuma ouvir-se naquela casa, e o Presidente começou bem e acabou mal, enredado nos seus próprios demónios. O PS conseguir ser a nulidade mais completa, com uma retórica sem convicção nem substância.

Depois há a rua. Umas dezenas de militantes da extrema-direita manifestaram-se junto da Assembleia, mas as televisões (que eu vi) fugiram de os mostrar em directo numa clara violação do direito à informação. Eu não gosto do que eles dizem e pensam, mas não compreendo por que razão não têm direito a serem tratados como notícia. Não me venham com o argumento de que eram poucos, porque o número escasso de pessoas que já vi em protestos locais da CGTP e mesmo manifestantes singulares nas galerias da Assembleia têm muitas vezes um longo tratamento noticioso e com destaque.

O resto da rua foi uma enorme manifestação que mobilizou centenas de milhares de pessoas em dois dias de protestos, em Lisboa, no Porto, um pouco por todo o país. Fizeram-no num dia que permitia um fim-de-semana mais prolongado e, na zona Sul do país, com um sol esplêndido para ir para a praia. No Norte do país, no Porto em particular, debaixo de chuva. As manifestações não foram vencidas pelo conforto e isso mostra militância.

Há um único fio condutor de todas estas manifestações e é inequívoco: são protestos contra o Governo e o Presidente da República, são protestos contra a situação. E embora houvesse alguma organização, são resultado de uma disposição genuína e espontânea, em que os partidos e sindicatos têm papel diferente do habitual. Não estão lá por serem do PCP, do BE, da CGTP, do PS, do PSD e da UGT que são contra o Governo, não estão lá por serem do “Que se lixe a troika”, ou da complicada e múltipla fauna de grupos e grupúsculos de protesto, de género, de single issue, da cultura, etc., etc. Estão lá por causa do 25 de Abril revisto e ampliado dos dias de hoje, estão lá porque a data já longínqua os ajuda a mobilizarem-se no presente. Dá-lhes músicas como a Grândola, poemas como os da Sophia e do Ary dos Santos, imagens como as dos “rapazes dos tanques” nas fotos de Alfredo Cunha, de Gageiro ou de Miranda Castela, histórias de proveito e exemplo, de resistência e coragem, figuras e ícones, ou seja, dá-lhes uma identidade que vem do passado para o presente.

E essa identidade ainda tem alguma capacidade de transmissão geracional. Eu disse alguma, não disse muita. Mas essa alguma é ela própria nos dias que correm tão excepcional que merece atenção. O 25 de Abril que se viveu no dia de ontem não foi o de 1974, mas o de 2014 feito em nome do de 1974. E muita gente apareceu, em manifestações menos soturnas do que as habituais, porque ainda há um resto de alegria dos primeiros dias após Abril de 1974 que ainda permanece. Recordar o 25 de Abril de 1974 é instrumental para as lutas do presente e daí o incómodo do “bafio”.

É relevante o número elevadíssimo de manifestantes? Claro que é, até pelo contraste com o almofadado almoço de S. Bento, que significa que o PSD e o CDS nascidos com o 25 de Abril estão hoje acossados em todos os lados menos nos salões. Perderam a rua, não porque o desejassem – tenho a certeza de que se pudessem fazer uma grande manifestação, ou mesmo uma pequena manifestação de apoio ao Governo, certamente que a fariam. Mas não podem. Hoje, os partidos do poder não conseguiam mobilizar para uma rua qualquer nem quinhentas pessoas, puxando por todos os cordelinhos e os fundos largos à sua disposição. Conseguem duas mil nuns almoços de campanha, arregimentados pela camisola e pelos pequenos poderes locais, em certas zonas do país. Mas se o apelo for por causas tão genéricas como o apoio ao Governo, como muitos franceses fizeram a De Gaulle contra o Maio de 1968, então ninguém lá vai. Este abandono da rua não é por a rua ser de “esquerda”, mas porque a actual “direita” no poder estar de mal com o seu país, muito de mal.

Se o “1640”, a ocorrer oportunamente uma semana antes das eleições europeias, fosse mais do que uma boutade ou um soundbite de Paulo Portas, e fosse para tomar a sério, a rua no 25 de Abril seria o equivalente a uma gigantesca e colectiva defenestração dos Miguel de Vasconcelos da actualidade. E isso é bem pouco “bafiento”, muito juvenil e fresco quanto sábio e experimentado. 

A Constituição dá os meios, a rua a vontade.

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20.4.14


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HOJE:

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BARROSO E “O ENSINO DE EXCELÊNCIA” ANTES DO 25 DE ABRIL 


A última pessoa que podia ter dito o que disse sobre uma hipotética “excelência” do ensino antes do 25 de Abril era Durão Barroso. Primeiro, porque é falso, depois, porque é um daqueles casos em que as palavras ditas actuam como ferrete para quem as diz. Que havia ensino de excelência antes do 25 de Abril, é verdade, como sempre o houve depois do 25 de Abril. O problema é que, em muitos casos era, e é, caro e só acessível a poucos, e quando não é assim, principalmente no caso do ensino universitário público, foi fruto de uma dura e prolongada resistência contra o próprio “24 de Abril”. Ou seja, o antes do 25 de Abril era um enorme obstáculo para que houvesse “excelência” em coisa alguma, a começar pelo ensino. 

Como podia haver ensino de excelência antes do 25 de Abril, quando uma parte significativa da população portuguesa era analfabeta? Quer-se comparar a meia dúzia de liceus de elite de antes do 25 de Abril com a multidão de escolas complicadas dos dias de hoje, sem dizer que a esmagadora maioria dos portugueses com idade escolar estavam de fora do sistema de ensino e iam trabalhar nas obras e nas fábricas? Nos anos sessenta apenas 4% dos alunos universitários eram de origem operária e camponesa, era porque não eram “excelentes”? Como podia haver ensino de excelência sem liberdade académica?  Eu tive um “excelente” professor, profundamente conhecedor de Husserl, mas o ensino da filosofia parava em termos gerais em Hegel e evitava-se cuidadosamente a filosofia contemporânea, acontecendo o mesmo na história que ficava à porta da Revolução Francesa. E onde é que se estudava, nesse ensino de “excelência”, a sociologia, ou as outras ciências sociais e humanas? 

Eu compreendo muito bem que haja conservadores, conservadores na velha acepção do termo, gente com apego a tradições, com receio de que a mudança traga perdas importantes no que está adquirido, atitudes que não são desprovidas de algum mérito político e muitas vezes travam um excessivo experimentalismo cujos custos podem ser onerosos. Mas, o que não compreendo de todo são os reaccionários e o tempo parece estar a fazê-los medrar como cogumelos. Barroso juntou-se a esses cogumelos.

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40 ANOS DE 25 DE ABRIL (1)


 Em vésperas das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril é natural que todos os demónios se soltem. Há várias razões para que as actuais comemorações do 25 de Abril sejam as mais importantes de sempre no plano político. Não sei se vão ter eficácia para os objectivos dos seus proponentes, quer os que as querem evitar cuidadosamente fazendo umas vénias de circunstância, quer os que esperam grandes mobilizações. O 25 de Abril como evento histórico assume hoje um largo consenso, embora o seu simbolismo no discurso político actue como factor de divisão. Parece uma contradição, mas não é. São duas coisas diferentes. 

O inquérito do ICS, divulgado pelo Expresso, revela que o 25 de Abril, enquanto acontecimento já envolvido pela história, não divide os portugueses. Porém, é só esperar pelos próximos dias, à volta da sessão na Assembleia da República e com as manifestações “populares” habituais, cuja dimensão é fácil de prever que vai ser grande, para retirar a conclusão de que a data e a sua interpretação vão polarizar uma parte da elite política e social portuguesa. E essa polarização é tudo menos amável. 

OS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL (2) 

 
A esquerda criou para si própria um handicap no modo como nomeia o 25 de Abril. Fez sempre como na história do Pedro e o lobo, tanto berrou que vinha aí o lobo que agora que ele aparece de facto, ninguém acorre ao seu chamamento. E o lobo que vem está muito para além do conflito esquerda-direita, tendo sido aliás mais claramente identificado à direita do que à esquerda. Por isso, a natureza da polarização que tem sentido à volta do 25 de Abril está muito para lá dos temas habituais do “Portugal de Abril”, interpretado pelo PCP, pelo BE e timidamente pelo PS. Envolve a questão da independência e soberania nacional, do modo como se entende o contrato social, mais do que o “estado social”, da saúde da democracia portuguesa. Advém mais do “democratizar”, do que do “desenvolver”, na lista dos 3 Ds. E isso implica uma nova formulação política mais abrangente do que as divisões entre o 25 de Abril pomposo e oficial e o das “comemorações populares”.

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13.4.14


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HOJE: Paco Franco


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6.4.14


NAVIO FANTASMA: COMO É QUE SE CHAMAM OS CORTES PARA QUEM É DESPEDIDO?

Vai haver novos cortes? Não, o governo garante que não vai haver "aprofundamento" dos cortes. O que é que significa "aprofundamento"? Não sei. Sei que um corte que é provisório e passsa a definitivo é "aprofundado" e muito. Vai haver "poupanças" na despesa? Sim. Como? Despedindo um número significativo de funcionários públicos Como é que, para quem é despedido, se chamam os cortes?


A guerra orwelliana do significado prossegue em pleno.

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 O ADQUIRIDO, POUCO MAS BOM 

O que é que se pode considerar adquirido e sustentável depois destes anos de “ajustamento”? Muito pouco. É verdade que no meio da confusão algumas percepções saem reforçadas e, como faziam falta antes, é bom que tenham crescido na consciência dos portugueses. A ideia de que há que ter cuidado com o esbanjamento e que há muita “má despesa pública”. As pessoas estão mais conscientes de que não pode haver uma piscina em cada aldeia, ou um pavilhão gimnodesportivo. Atenção de que as pessoas fazem a diferença entre estes gastos e ter ou manter um posto dos correios, um tribunal relativamente perto, transportes razoáveis, segurança a pelo menos uma hora de distância e, acima de tudo, saúde muito perto. Mas muita coisa lúdica que se considerava adquirida, hoje é vista com muito maior prudência. Ainda bem. O mesmo se passa nas pessoas e nas famílias. A enorme paulada da crise obrigou a uma maior contenção de gastos supérfluos. Também é positivo. Para muito jovens a alternativa empresarial passou a existir num país em que não havia cultura de iniciativa privada. Claro que muitas ilusões de que a crise pode ser combatida pelo regresso ao agro, ou por vender coisas na Internet ou fazer compotas com a receita da avó, actividades em que hoje há algum dinheiro fácil na demagogia dos “impulsos jovens”, durarão até o dinheiro acabar e não resolverão nenhum problema da economia portuguesa. Mas, mesmo no falhanço, aprende-se e alguma cultura empresarial vai ficar. É bom. Há algum esforço de adaptação das nossas empresas à necessidade de exportar, o que também é bom. Mas é muito menos sólido do que a propaganda nos diz e acima de tudo não justifica o embandeirar em arco com o equilíbrio do deficit externo que é um resultado perverso da recessão económica e da quebra do consumo. Mas admito que alguma coisa vá ficar de positivo, se o resto não o estragar. E o resto é imenso. 

O ADQUIRIDO, MUITO E PÉSSIMO 

Depois há muita outra coisa que vai durar para além do “ajustamento” e que vai estragar a vida das pessoas e do país. A maior pobreza, que não é efeito colateral da crise como os arautos do governo dizem, mas uma intenção estrutural de colocar Portugal no seu sítio, de país que não devia ter saído da década de 70 do século passado, “vivendo acima das suas posses”. A pobreza estrutural está inscrita no confisco da classe média, que deixa de servir para a mobilidade social para cima, mas passa para baixo. A pobreza estrutural que significa o cerco dos mais pobres dos pobres pelo círculo infernal da assistência e do congelamento da sua situação de pobres. A pobreza estrutural resultado da desvalorização do trabalho, com o altíssimo desemprego, levando à quebra de salários, assim como medidas cujo único objectivo é alterar profundamente o equilíbrio de poder entre o patronato e os trabalhadores. A pobreza estrutural resultado do ataque sistemático aos milhões de portugueses que não tem vinte anos de idade, que já estão “velhos” para o mercado de trabalho e que são um “peso” para o estado. Os resultados destes péssimos adquiridos para o futuro implicam que qualquer relação entre a recuperação económica e a recuperação social será muito lenta e escassa, criando uma sociedade dual de ricos e pobres. Será a ainda mais baixa da qualificação da mão-de-obra, será o peso insustentável do empobrecimento para as prestações sociais. Isto, no plano social, porque no plano político a crise só tem dois efeitos: solidificar a partidocracia e criar um enorme espaço virtual para o populismo. No plano nacional, o adquirido do “ajustamento”, da troika ao Tratado Orçamental, é acabar com a independência de Portugal transformado em província de Bruxelas. 

E O NÃO ADQUIRIDO 

O não adquirido é a sustentabilidade da política do “ajustamento”, que soçobrará rapidamente quer com Passos, quer com Seguro. Seguro fará umas coisas à Hollande “bom” e outras à Hollande “mau”, ou seja uma “mixórdia” em bom português. E o néon continuará inerte até um dia. Mas atenção, mesmo os mais raros e nobres dos gases mudam se lhes atirarem com uma arma de destruição massiva química, o fluor. Vão ser os “tempos interessantes” da pseudo-maldição chinesa, quer na Europa, quer em Portugal. Depois queixem-se. Até o néon muda. Até o néon dá luz no meio destas trevas.

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 ACELERAR NUM BECO SEM SAÍDA PENSANDO QUE É UMA AUTOESTRADA


Se a coisa não fosse grave, mais do que isso, muito grave, a vida pública portuguesa seria tão aborrecida como a química do néon. O néon, com uma excepção, permanece solitariamente sem reagir com nada, altaneiro na sua condição de raro e nobre. Hoje, a nossa vida pública parece o néon, nada reage com nada, apesar do absurdo em que vivemos, apesar das malfeitorias quotidianas. E este absurdo vem de que qualquer pessoa que se debruce sobre o que verdadeiramente se passa e não sobre a nuvem de propaganda e retórica, percebe com absoluta clareza que nada está a mudar, enquanto as pessoas e o país pagam um custo enorme em nome de uma mudança inexistente. Pagaram e muito e vão ficar de mãos a abanar. 

Quando esta “gente”, como o Primeiro-ministro gosta de chamar aos seus opositores, for varrida do mapa político, o país continuará com os mesmo problemas estruturais de crescimento, a mesma estagnação ou pior, e nenhum adquirido sustentável. Nem no deficit, nem na dívida, nem em nada. Com o tempo, a complacência política da troika, que se seguiu à hostilidade inicial resultado da queda de um Sócrates muito estimado pela senhora Merkel (convém não esquecer), será esquecida, e 4% de deficit será 4% e não os 2 previstos, e 130% da dívida será 130% e não os previstos. Ou seja, no fim do memorando, na “restauração” do 1640 de Portas, nada do previsto foi alcançado. A instabilidade política crescerá, a instabilidade social, idem, e os impasses actuais mostrarão a sua face soturna. E acelerar num beco sem saída, que é a política do governo, conduz-nos a bater violentamente na parede. Seguro fará o papel da espuma que se deita nas pistas para impedir os incêndios, mas a parede está lá, cada vez mais perto. O resto é magia.

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5.4.14


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE
 

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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OS PIU-PIU DE MAÇÃES


Os tweets de um secretário de Estado chamado Bruno Maçães têm sido alvo de chacota generalizada na Internet, mas não é o seu contributo para o anedotário destes dias de lixo que é relevante. Eles significam muitas outras coisas, bem mais graves do que as inanidades que escreve: vão fundo ao pensamento débil de quem nos governa e mostram a perigosidade social de meia dúzia de ideias extremistas na mão de quem tem poder e que, sem mudarem nada, estragam o país por muitos anos.

Que ele canta como um pássaro de curtos trinados, que é o que significa tweets, isso é verdade. Mas que dificilmente se pode encontrar melhor exemplo da gigantesca arrogância e presunção de um conjunto de conselheiros de Passos Coelho, em que tudo transpira a uma gigantesca auto-suficiência e assertividade, associada a uma profunda ignorância do que é Portugal, a sua história e as suas pessoas, o povo, nós todos, o único “nós” que tem sentido.

Como todos os revolucionários são adâmicos, acham que o mundo começou com eles e vai acabar com eles, seja como paladinos de um combate mundial contra o Mal, quer como heróis consumidos num Armagedão de perversidade alheia, de preguiça colectiva, de pieguice generalizada, da maus costumes despesistas, de hábitos de vida de rico nuns miseráveis que acham que têm direitos e não sabem economia, ou seja, nas chamas do socialismo, da coligação do Papa Francisco com Obama, com Cavaco, com o Tribunal Constitucional, com os “socráticos” e com os ressabiados “velhos do Restelo” do PSD e CDS que só pensam nas suas pensões milionárias. Essa junção pestífera de demónios representa as mil cabeças do Diabo. Sim, eles viram o Exorcista em pequenos e têm medo do Diabo.

A metade de Passos Coelho que não foi feita por Relvas foi feita por homens como Maçães, combinando na mesma criação a esperteza aparelhística e o mundo das negociatas e das cunhas, com as altas esferas académicas sempre dispostas a fazerem de dr. Strangelove. Ou seja, o dr. sem ser dr., junto com o Professor Doutor. Infelizmente, a história tem muitos exemplos destes e dão sempre torto. Mas eles nunca querem saber de história.

Num desses trinados, em inglês como convém, Maçães escreve que “todos os dias lhe lembram o muito que os 35 anos de hegemonia socialista em Portugal fizeram de mal ao país. Felizmente podemos hoje dizer que esses dias acabaram”. É o equivalente ao “I think I saw a pussycat”, sendo que o “pussycat” que quer comer o passarinho é o socialismo, “I did, I did”, ele viu 35 anos de “pussycat”.

Comecemos pelo cálculo, que Maçães certamente fez na sua mente, dos 35 anos. Imagino que o fez para o período posterior ao 25 de Abril, porque presumo também que não o fez incluindo os santos governos dos Professores Salazar e Marcelo Caetano, embora, com este tipo de extremistas, nunca se saiba. Podem perfeitamente achar que o Salazar dos Planos de Fomento e o Marcelo Caetano das “conversas em família”, eram perigosamente socializantes. Nunca se sabe. Porém, vamos admitir que o cálculo dos 35 anos começa depois de 1974, ou seja, houve cinco anos de não-socialismo, ou de anti-socialismo desde essa altura. Onde é que estão esses cinco anos?

Retiremos para já dois anos, ou seja, os do governo de que faz parte, que também presumo não seja socialista, mas, de novo, com estes extremistas nunca se sabe. Pode ser que ele se ache em missão gloriosa de infiltração no meio de um governo de socialistas... moderados. Não me admirava. Bom, mas vamos dar o benefício da dúvida de que Maçães não inclui o Governo Passos Coelho, mesmo apesar da ditadura fiscal socialista, na dita categoria. Faltam pois dois gloriosos anos sem socialismo.
Onde estão? Não deve ser nenhum governo provisório, nem o VI de Pinheiro de Azevedo, sobre o qual ele não deve saber nada, como nada sabe da nossa história recente quanto mais a antiga. Vamos pois aos governos constitucionais. Serão os governos da AD, de Francisco Sá Carneiro e depois Balsemão, três anos mal contados? Duvido. Sá Carneiro era um “social-democrata”, ou seja, um perigoso socialista envergonhado, e Balsemão um tenebroso socialista, encarregado pelo grupo de Bilderberg e pela conspiração maçónica universal, de dar suporte mediático aos socialistas portugueses para que eles nunca abandonem o poder.

Será que Cavaco serve para encontrar os três anos que faltam? Duvido, até porque Cavaco foi primeiro-ministro durante dez anos e, portanto, teria sete de socialismo, tantos quanto Jacob serviu Labão por causa de Raquel, e este em vez da amada lhe dava Lia, ou seja, o socialismo de novo. Mas não pode ser. Nas “análises” que este Governo faz todos os dias, Cavaco é o digno percursor de Sócrates, numa linha de continuidade sem falhas, incluindo os momentos menores de Guterres, o esquecido pelos anátemas. Sobra Durão Barroso e Santana Lopes, o breve. São três anos de 2002 a 2005, que davam para encaixar no prazo. Porém, Barroso será sempre suspeito, um ex-MRPP reciclado, merecedor de menos consideração do que os ex-trotskistas americanos que deram excelentes teóricos conservadores. Mas isso é na América. Talvez fique Lopes, embora o seu lado muito distributivo seja suspeito.

Difícil. Há aqui gato nos 35 anos, há aqui pussycat. E a razão é muito simples: os 35 anos de Maçães não encaixam em nada porque ele queria dizer 40 e não teve coragem de dizer, pelo menos neste tweet, porque o diz nos outros. Para ele, há o 25 de Abril, essa revolução comunista que condenou o país ao socialismo, e depois a vitória de Passos Coelho, ou melhor ainda, a chegada da troika moralizadora, que implantou à força de “inevitabilidade” uma nova revolução de bons costumes, punição para os de baixo, porta-aviões para os justos empreendedores.

Os 35 anos de Maçães são uma variante de uma necessidade de recriar um fio da história sem diferenças, igual para todos, de Soares a Barroso, de Vasco Gonçalves a Cavaco, toda “hegemonicamente socialista” para legitimar e radicalizar a ruptura. Esta é a questão mais interessante e mais perigosa, porque é essa que acaba por ter circulação mediática e entrar na cabeça das pessoas, para quem a crise é também um risco de meter dentro da cabeça muito lixo, porque esta versão imbecil da história tem sucesso populista.

"Eles são todos iguais”, “eles são todos culpados”, foi a “classe política abrilista” que nos fez chegar onde chegámos, como se tudo o que aconteceu desde o 25 de Abril fosse apenas um intróito para a bancarrota socrática. Há apenas uma explicação e é a explicação útil para extremistas como Maçães: a de que desde 1974 há uma única linha de continuidade, em que tudo o que aconteceu, com todos os seus intervenientes, é apenas uma linha única a da governação “despesista”, que culmina em Sócrates mas que tem como antecessores Mário Soares e, principalmente, Cavaco Silva.

A guerra ideológica mais importante deste Governo não é com Sócrates, é com Cavaco Silva, o inimigo íntimo, porque é de dentro. Ele é o verdadeiro “criador do Monstro”, Sócrates foi apenas um discípulo menor que tem a vantagem de ter levado o Monstro à sua conclusão natural, a bancarrota de 2011, e permitir a gloriosa entrada punitiva da troika. Tudo o que aconteceu desde o 25 de Abril, a “classe política” hoje vilipendiada nos “velhos” para ser redimida pelos “jovens” como Maçães, foi apenas uma e a mesma coisa, “hegemonia socialista”.

Por isso, eles têm de rasoirar a história e as suas múltiplas possibilidades virtuais, a luta pela democracia e liberdade de 1975, a lenta construção de um Estado democrático com o afastamento do MFA do poder, o combate por uma economia de mercado, desde os governos PS-CDS, até à revisão constitucional que permitiu as privatizações, a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, as revoluções na mortalidade infantil, na saúde pública, na democratização do ensino, a conquista difícil de direitos sociais e políticos, ou seja, tudo equívocos, tudo assente no despesismo, tudo socialismo. Não houve história, houve puro determinismo que culminou na actual revelação que o tweet de Maçães denuncia em tom bíblico, “esses dias acabaram”.  

Chegou o Salvador. Aleluia!

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2.4.14


ALGUMAS INTERVENÇÕES RECENTES

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© José Pacheco Pereira
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