ABRUPTO

27.4.14


  
 O PREÇO DE FALAR ALTO SEM TER UM PAU PARA BATER 



É o preço que a União Europeia paga por pretender ter uma política externa, muitas vezes agressiva e aventureira, e depois, quando as coisas começam a aquecer, fica reduzida à sua inexistência militar. E claro, que quando as coisas efectivamente aquecem, como se passa hoje na Ucrânia e se passou no passado na Jugoslávia, lá vem os americanos, uma potência militar credível, tentar pôr na ordem as complicações que os europeus criam. 

A questão da Ucrânia chegou aqui, porque os europeus e os americanos foram irresponsáveis e atiçaram um conflito para que não tinham saída viável, e porque Putin é perigoso e não é de agora. Com o silêncio conveniente dos europeus, Putin ascendeu ao poder provocando uma segunda guerra na Chechénia para “vingar” a derrota da primeira, e no caminho violou todas as regras dos direitos humanos. A Europa fez de conta que não era com ela, como o fez na Geórgia, ou porque os separatistas chechenos eram um terreno para a Al Qaida, ou porque a Geórgia não valia o incómodo. Mas a Ucrânia é outra coisa. É demasiado importante, quer para os russos, quer para os vizinhos da Rússia, aqueles para quem vale mais ter melhor geografia do que uma “gloriosa história”. Infelizmente não tem, estão condenados à “gloriosa história”. E depois há o peso da história, ou melhor a sua leveza, que as opiniões públicas cada vez mais débeis na Europa permitem institucionalizar em governações que acabam por ser aventureiras e proclamatórias e depois são inconsequentes. Até ao momento em que a coisa começa a doer. Era tão bonito ver as barricadas de Kiev, a luta pela “liberdade” em Kiev, e ignorar que o governo resultante dessas barricadas não seria aceite pela parte leste do país. Os russos deitam gasolina no fogo, mas o fogo está lá antes da gasolina. 

Na segunda guerra mundial, a Ucrânia pagou caríssimo esse fogo como já tinha pago no período breve de independência na sequência da primeira guerra, seguida da vitória dos bolcheviques que obrigaram a Ucrânia a assinar o Tratado da União, que deu origem à URSS e depois varreram o campesinato “rico”, a intelligentsia e a Igreja com métodos terroristas, desde a fome às execuções em massa. O nacionalismo ucraniano, um dos mais radicais na história já de si excessiva do nacionalismo europeu, foi a componente do lado “perdido” da história de que ninguém quis saber até ao dia em que apareceu vitorioso nas barricadas de Kiev. E o país voltou a ser dois, como tinha sido durante a guerra, um lado que tinha estátuas a Stepan Bandera e outro que mantinha as de Lenine. E os ucranianos sabem de mais da sua própria história, desde a guerrilha antialemã na segunda guerra mundial, que provocou retaliações violentas nas aldeias ucranianas, ao papel da “polícia ucraniana” uma das que mais cruéis polícias colaboracionistas que fizeram o trabalho sujo para os alemães, como aconteceu também nos países bálticos. E, quando olhamos para o mapa da URSS, percebe-se bem que o peso duríssimo da invasão e ocupação alemã em profundidade, foi… na Ucrânia. 

Americanos poderosos, europeus impotentes e russos ambiciosos estão de novo a medir forças no território mártir da Ucrânia. É demasiado perigoso, até porque alguém vai ficar a perder. Para além dos ucranianos, claro.

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© José Pacheco Pereira
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