ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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5.4.14
OS PIU-PIU DE MAÇÃES
Os tweets de um secretário de Estado chamado Bruno Maçães
têm sido alvo de chacota generalizada na Internet, mas não é o seu
contributo para o anedotário destes dias de lixo que é relevante. Eles
significam muitas outras coisas, bem mais graves do que as inanidades
que escreve: vão fundo ao pensamento débil de quem nos governa e mostram
a perigosidade social de meia dúzia de ideias extremistas na mão de
quem tem poder e que, sem mudarem nada, estragam o país por muitos anos.
Que ele canta como um pássaro de curtos trinados, que é o que significa tweets,
isso é verdade. Mas que dificilmente se pode encontrar melhor exemplo
da gigantesca arrogância e presunção de um conjunto de conselheiros de
Passos Coelho, em que tudo transpira a uma gigantesca auto-suficiência e
assertividade, associada a uma profunda ignorância do que é Portugal, a
sua história e as suas pessoas, o povo, nós todos, o único “nós” que
tem sentido.
Como todos os revolucionários são adâmicos, acham que
o mundo começou com eles e vai acabar com eles, seja como paladinos de
um combate mundial contra o Mal, quer como heróis consumidos num
Armagedão de perversidade alheia, de preguiça colectiva, de pieguice
generalizada, da maus costumes despesistas, de hábitos de vida de rico
nuns miseráveis que acham que têm direitos e não sabem economia, ou
seja, nas chamas do socialismo, da coligação do Papa Francisco com
Obama, com Cavaco, com o Tribunal Constitucional, com os “socráticos” e
com os ressabiados “velhos do Restelo” do PSD e CDS que só pensam nas
suas pensões milionárias. Essa junção pestífera de demónios representa
as mil cabeças do Diabo. Sim, eles viram o Exorcista em pequenos e têm medo do Diabo.
A
metade de Passos Coelho que não foi feita por Relvas foi feita por
homens como Maçães, combinando na mesma criação a esperteza
aparelhística e o mundo das negociatas e das cunhas, com as altas
esferas académicas sempre dispostas a fazerem de dr. Strangelove. Ou
seja, o dr. sem ser dr., junto com o Professor Doutor. Infelizmente, a
história tem muitos exemplos destes e dão sempre torto. Mas eles nunca
querem saber de história.
Num desses trinados, em inglês como convém, Maçães escreve que “todos
os dias lhe lembram o muito que os 35 anos de hegemonia socialista em
Portugal fizeram de mal ao país. Felizmente podemos hoje dizer que esses
dias acabaram”. É o equivalente ao “I think I saw a pussycat”, sendo que o “pussycat” que quer comer o passarinho é o socialismo, “I did, I did”, ele viu 35 anos de “pussycat”.
Comecemos
pelo cálculo, que Maçães certamente fez na sua mente, dos 35 anos.
Imagino que o fez para o período posterior ao 25 de Abril, porque
presumo também que não o fez incluindo os santos governos dos
Professores Salazar e Marcelo Caetano, embora, com este tipo de
extremistas, nunca se saiba. Podem perfeitamente achar que o Salazar dos
Planos de Fomento e o Marcelo Caetano das “conversas em família”, eram
perigosamente socializantes. Nunca se sabe. Porém, vamos admitir que o
cálculo dos 35 anos começa depois de 1974, ou seja, houve cinco anos de
não-socialismo, ou de anti-socialismo desde essa altura. Onde é que
estão esses cinco anos?
Retiremos para já dois anos, ou seja, os
do governo de que faz parte, que também presumo não seja socialista,
mas, de novo, com estes extremistas nunca se sabe. Pode ser que ele se
ache em missão gloriosa de infiltração no meio de um governo de
socialistas... moderados. Não me admirava. Bom, mas vamos dar o
benefício da dúvida de que Maçães não inclui o Governo Passos Coelho,
mesmo apesar da ditadura fiscal socialista, na dita categoria. Faltam
pois dois gloriosos anos sem socialismo.
Onde estão? Não deve ser
nenhum governo provisório, nem o VI de Pinheiro de Azevedo, sobre o qual
ele não deve saber nada, como nada sabe da nossa história recente
quanto mais a antiga. Vamos pois aos governos constitucionais. Serão os
governos da AD, de Francisco Sá Carneiro e depois Balsemão, três anos
mal contados? Duvido. Sá Carneiro era um “social-democrata”, ou seja, um
perigoso socialista envergonhado, e Balsemão um tenebroso socialista,
encarregado pelo grupo de Bilderberg e pela conspiração maçónica
universal, de dar suporte mediático aos socialistas portugueses para que
eles nunca abandonem o poder.
Será que Cavaco serve para
encontrar os três anos que faltam? Duvido, até porque Cavaco foi
primeiro-ministro durante dez anos e, portanto, teria sete de
socialismo, tantos quanto Jacob serviu Labão por causa de Raquel, e este
em vez da amada lhe dava Lia, ou seja, o socialismo de novo. Mas não
pode ser. Nas “análises” que este Governo faz todos os dias, Cavaco é o
digno percursor de Sócrates, numa linha de continuidade sem falhas,
incluindo os momentos menores de Guterres, o esquecido pelos anátemas.
Sobra Durão Barroso e Santana Lopes, o breve. São três anos de 2002 a
2005, que davam para encaixar no prazo. Porém, Barroso será sempre
suspeito, um ex-MRPP reciclado, merecedor de menos consideração do que
os ex-trotskistas americanos que deram excelentes teóricos
conservadores. Mas isso é na América. Talvez fique Lopes, embora o seu
lado muito distributivo seja suspeito.
Difícil. Há aqui gato nos 35 anos, há aqui pussycat.
E a razão é muito simples: os 35 anos de Maçães não encaixam em nada
porque ele queria dizer 40 e não teve coragem de dizer, pelo menos neste
tweet, porque o diz nos outros. Para ele, há o 25 de Abril,
essa revolução comunista que condenou o país ao socialismo, e depois a
vitória de Passos Coelho, ou melhor ainda, a chegada da troika moralizadora,
que implantou à força de “inevitabilidade” uma nova revolução de bons
costumes, punição para os de baixo, porta-aviões para os justos
empreendedores.
Os 35 anos de Maçães são uma variante de uma
necessidade de recriar um fio da história sem diferenças, igual para
todos, de Soares a Barroso, de Vasco Gonçalves a Cavaco, toda
“hegemonicamente socialista” para legitimar e radicalizar a ruptura.
Esta é a questão mais interessante e mais perigosa, porque é essa que
acaba por ter circulação mediática e entrar na cabeça das pessoas, para
quem a crise é também um risco de meter dentro da cabeça muito lixo,
porque esta versão imbecil da história tem sucesso populista.
"Eles
são todos iguais”, “eles são todos culpados”, foi a “classe política
abrilista” que nos fez chegar onde chegámos, como se tudo o que
aconteceu desde o 25 de Abril fosse apenas um intróito para a bancarrota
socrática. Há apenas uma explicação e é a explicação útil para
extremistas como Maçães: a de que desde 1974 há uma única linha de
continuidade, em que tudo o que aconteceu, com todos os seus
intervenientes, é apenas uma linha única a da governação “despesista”,
que culmina em Sócrates mas que tem como antecessores Mário Soares e,
principalmente, Cavaco Silva.
A guerra ideológica mais importante
deste Governo não é com Sócrates, é com Cavaco Silva, o inimigo íntimo,
porque é de dentro. Ele é o verdadeiro “criador do Monstro”, Sócrates
foi apenas um discípulo menor que tem a vantagem de ter levado o Monstro
à sua conclusão natural, a bancarrota de 2011, e permitir a gloriosa
entrada punitiva da troika. Tudo o que aconteceu desde o 25 de
Abril, a “classe política” hoje vilipendiada nos “velhos” para ser
redimida pelos “jovens” como Maçães, foi apenas uma e a mesma coisa, “hegemonia socialista”.
Por
isso, eles têm de rasoirar a história e as suas múltiplas
possibilidades virtuais, a luta pela democracia e liberdade de 1975, a
lenta construção de um Estado democrático com o afastamento do MFA do
poder, o combate por uma economia de mercado, desde os governos PS-CDS,
até à revisão constitucional que permitiu as privatizações, a melhoria
da qualidade de vida dos portugueses, as revoluções na mortalidade
infantil, na saúde pública, na democratização do ensino, a conquista
difícil de direitos sociais e políticos, ou seja, tudo equívocos, tudo
assente no despesismo, tudo socialismo. Não houve história, houve puro
determinismo que culminou na actual revelação que o tweet de Maçães denuncia em tom bíblico, “esses dias acabaram”.
Chegou o Salvador. Aleluia!
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© José Pacheco Pereira
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