ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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3.8.13
De uma carta recebida de A. C. S. :
Tenho 72 anos e vivo numa casa arrendada há mais de 40 anos. Com a saída da nova lei das rendas, o senhorio informou-me da sua intenção de aumentar a renda.
Uma vez que não tenho
rendimentos que me permitam pagar a renda, e para fazer prova desse
facto, desloquei-me à repartição de finanças onde pedi a emissão do
comprovativo do valor do rendimento anual bruto
corrigido (RABC), tendo apresentado o requerimento em impresso provisório disponibilizado pelas finanças para o efeito. Duas semanas depois
recebi das finanças uma declaração comprovativa de que eu havia pedido o
documento comprovativo do meu rendimento RABC. Esse documento, referia
ainda que a sua validade era de 90 dias após os quais devia eu requerer a
emissão de novo documento comprovativo do valor do RABC.
Foi entretanto disponibilizado o formulário de pedido comprovativo do RABC. Hoje, voltei ás finanças para obter esse documento comprovativo de RABC tendo-me sido cobrados 6,50€ pela sua emissão.
Não imagina o tempo que perdi nas bichas nas finanças, onde estão outras pessoas como eu, doentes e com dificuldades. Quem me paga os transportes e o tempo perdido?
Não há respeito.
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Na guerra dos swaps, os responsáveis do PS do governo Sócrates divulgam informações sobre os compromissos de governantes do PSD na venda dos swaps, os governantes do PSD usam o acesso ao Estado para divulgar documentos prejudciciais aos ex-governantes do PS. Todos a usarem documentos e informações reservadas, todos a usarem a comunicação social para "fugas" tendo como alvo os adversários e a desresponsabilização própria, todos com culpas e muitas culpas. Um exemplo típico da promiscuidade entre bancos nacionais e estrangeiros, gabinetes ministeriais, governantes, consultoras financeiras, assessores, todos dentro do círculo de ferro dos membros do establishment que mandam em Portugal e definem as políticas no PS e no PSD.
(url) OS AMANHÃS QUE CANTAM
Há uma obscena falta de
vergonha incrustada no texto da moção de confiança que o Governo vai
apresentar e que, por si só, é um retrato de uma política que, após as
ingenuidades e ignorâncias iniciais, tem sido feita pelo dolo, para a
manipulação e para o engano. Que haja intelectuais por detrás desta
mistificação, faz-me confirmar uma velha desconfiança quanto à corrupção
que a ambição traz ao pensamento. E mais: com esta moção, todos os
membros do Governo passam a ser versões de Paulo Portas e a reverem-se
no modelo de duplicidade sobrevivente do "irrevogável".
O que esta moção nos diz é uma completa mistificação desde a primeira letra. Diz-nos que havia um ciclo político pensado em duas fases: uma, o cumprimento do "programa", outra, o desenvolvimento e o crescimento. A crise governativa das últimas semanas foi o rito de passagem, a perda da pele da serpente, que permitiu abandonar a velha pele, para fazer reluzir a segunda. Ou seja, ainda bem que houve esta crise, catártica na sua bondade, para podermos, limpos e lustrais, apresentar um "novo ciclo" aos portugueses. Nada disto é verdade, nem o "programa" foi cumprido, bem longe disso, nem este "novo ciclo" estava previsto nestes termos na programação governativa, nem as vítimas da "austeridade" podem esperar qualquer alívio, nem as vítimas que se seguem, as da "reforma do Estado", podem escapar à desvalorização do seu trabalho e ao desemprego. O programa real continua, o virtual vem aí. Só que não é para os mesmos.
Cumpriu-se o "programa", apesar de nenhum dos
números do défice e da dívida ter sido atingido? Podemos "regressar aos
mercados"? Obtiveram-se os resultados miraculosos do "ajustamento"? Bem
pelo contrário, o que Passos, Gaspar, Moedas e outros pensavam, em
completa consonância com a troika, é que após uma varredela para o
lixo da economia "ultrapassada", após o desmantelamento do Estado
social, após a inversão das relações de poder na legislação laboral,
após o fim dos "direitos adquiridos", depois da "libertação" da
sociedade do Estado, após o "ajustamento" dos portugueses a viverem "de
acordo com as suas posses", muito poucas, aliás, a economia exportadora,
a economia desenvolvida tecnologicamente, a sociedade dinâmica dos
"empreendedores" esmagasse os "piegas", sem que o Estado tivesse
qualquer outro papel do que garantir a ordem pública e a hierarquia
social estabelecida. O "arranque" viria da sociedade "libertada", e
nunca jamais, em tempo algum, o Estado voltaria a ser
"desenvolvimentista".
Ora isto não aconteceu, nem podia
acontecer, houve demasiadas "surpresas" e estes homens ficaram presos
nas ruínas do seu discurso, arrastando-o, já não para construir o seu
modelo utópico, mas para encobrir e remediar os estragos do que tinham
feito. Já há algum tempo que as medidas sucessivas de austeridade se
destinam não a qualquer "ajustamento", mas a tapar a ineficácia das
anteriores. Gaspar percebeu isto e percebeu que o primeiro-ministro já
estava a hesitar com o partido e eleições, e como precisava de uma
determinação absoluta, foi-se embora.
Passos ficou no ar, entre
um discurso cuja simplicidade e "economês", feito de algumas leituras
sobre Singapura, lhe era atractivo e as pressões partidárias e
atribulações governativas. Continua no ar, lançando mais confusão do que
clareza -, o discurso partidário de ruptura das conversações é o oposto
do texto da moção de confiança e só passou uma semana - mas, como
sempre disse, nunca me convenceram pessoas que se tornam ideólogos de
uma coisa, quando essa coisa está na moda. E por isso, o Passos
desenvolvimentista e socrático contra Manuela Ferreira Leite pode
regressar a qualquer momento, até porque não foi assim há muito tempo.
Não
é hoje tão fácil fazer estas inflexões quando se tem o lastro dos
desastres cometidos, mas não é impossível. No fundo, todos eles são
Paulo Portas. A verdade é que Passos aprovou uma moção de confiança que,
se tomada a sério, é uma crítica dura aos seus desvarios de engenharia
utópica. Substituir Gaspar por Maduro, ambos tendo influência por via da
insegurança académica de Passos, a mesma que o faz entrar mudo e sair
calado dos Conselhos Europeus, pode ser reconfortante como mentor, mas
não chega. E, por isso, o discurso governamental vai-nos dizer à
saciedade que saímos de uma encruzilhada "má" para uma estrada "boa".
Com a capacidade que tem a comunicação social para reproduzir a
linguagem do poder, esta propaganda vai ser repetida sem prudência. Até
ao dia em que tombará e o contrário será a norma. Tem sido sempre assim,
com Sócrates e Passos, não vai ser diferente.
Claro que haverá
algumas "medidas", nos impostos para as empresas, no IVA da restauração,
na concertação social, com uma UGT desejosa de voltar ao "consenso",
com um PS cujo compromisso real com este "novo ciclo" desconhecemos. E
vamos admitir que há mesmo "sinais" de alguma recuperação da economia,
como nos diz a propaganda governamental, seleccionando para o efeito os
indicadores positivos e não falando dos negativos. Vamos admitir que
estamos na véspera de uma "mudança", de "uma segunda oportunidade", de
"uma nova fase". Vamos admitir isso tudo, mas não vamos admitir que nos
digam que isso significa o que nos querem dizer que significa.
Vamos
admitir que o "pior já passou", mesmo que se trate apenas de bater no
fundo. Claro que há-de haver uma altura - não sei se ainda esta -, em
que, estando tudo mal, já não se pode piorar. Na verdade, não é bem
assim, pode-se sempre piorar, basta a passagem do tempo para o fazer. Um
ano de empobrecimento não é a mesma coisa que três e quatro, e estar
desempregado a única dinâmica que conhece é o passar do tempo, para
pior.
Olhando estes "sinais", as perguntas que temos que fazer são
duas. Uma, o que é que ficou para trás destruído sem recuperação, cujos
restos estão por todo o lado, e como é que eles vão envenenar o
presente e o futuro? Outra, bem mais importante e "subversiva", é que,
se houver "recuperação", quem é que dela beneficia? A resposta
politicamente correcta é que beneficia a todos. A resposta verdadeira é
que a poucos, muito poucos, e aos mesmos de sempre. Talvez umas migalhas
cheguem aos de baixo, ou nem isso, porque eles podiam lembrar-se de
comprar electrodomésticos e lá se vão os números das importações.
Numa
sociedade em que se agravaram os factores de exclusão e em que uma
parte importante - classe média, desempregados, "novos pobres", mundo do
trabalho desprotegido - perdeu todo o poder, os frutos de qualquer
tímida "recuperação" seguirão as linhas de água profunda cavadas pela
ruptura social na sociedade portuguesa e correrão para onde sempre
correram.
Este óbvio facto, de que ninguém que levou com a
"crise" em cima vai beneficiar dos "sinais" em tempo da sua vida, é
ocultado por um discurso político que foi reduzido nestes últimos anos
ao "economês". Esse discurso não se vai embora apenas porque passamos a
ter uma retórica política que fala do "crescimento" em vez do "rigor
orçamental". Bem pelo contrário, pode até reforçar-se, moldando o modo
como se vai ver a "recuperação" e os seus frutos, legitimando a
continuação da austeridade para os mesmos e "libertando" alguns de
impostos, regulações, limitações, leis. Leis, no limite da Constituição,
um dos programas escondidos das "negociações" com o PS.
O "novo
ciclo" do Governo, naquilo que não é pura sobrevivência eleitoral, mas
discurso de feiticeiro, serve para reciclar a linguagem do poder aos
mesmos interesses de sempre. Mas a sua fragilidade é a mesma do discurso
do "rigor orçamental". É mais agradável de ouvir, mais enleante, leva o
PS à ilharga, foge da agressividade militante da engenharia utópica
Passos-Gaspar, mas destina-se a manter o mesmo círculo de ferro que
captura a democracia portuguesa por um establishment financeiro e
de grandes empresas nacionais (cada vez menos) e estrangeiras, e de uma
elite que aceita servi-las e aceita os seus limites de fogo daquilo que
se pode ou não fazer.
Visto de longe, sanitariamente de longe,
este Governo, para se manter, fez todos os tratos com Cassandra e abriu
todas as caixas de Pandora. É só esperar pelos resultados do "novo
ciclo".
(url) (url) 2.8.13
“COMO OS POBREZINHOS”
A dama Espírito Santo que disse ao Expresso que os da sua laia, os ricos, iam para a Comporta “brincar aos pobrezinhos”, também vale pelo que vale. Zero. Mas já que a dama gosta de brincar “aos pobrezinhos”, então vamos brincar a sério. Vamos atribuir casa no Barreiro à dama, num dos dormitórios lisboetas que ali se fizeram há vinte anos, dar-lhe, vá lá, mais do que o salário mínimo nacional, 600 euros brutos, por exemplo, dar-lhe um emprego em Lisboa, num lar da Misericórdia, numa cantina, que é o que faz quem ganha esta fortuna, um marido a preceito, talvez funcionário da Câmara, mil euros brutos, dois filhos que está bem para a natalidade da classe dos ricos, agora a brincar aos pobrezinhos. Depois, acordamos todos os dias a dama, às 6 da manhã, merenda para os meninos, barco, autocarro, oito horas de trabalho, mais autocarro e barco e fazer o jantar. Aturar o marido, os filhos, limpar a casa. No dia seguinte, a mesma coisa, no dia seguinte, a mesma coisa. Um ano a “brincar aos pobrezinhos”, e aos “pobrezinhos de cima, porque os pobrezinhos de baixo estão na limpeza e no desemprego. Um ano. Sem Xanax. Ao fim do ano, volta para a Comporta. As mãos não são as mesmas. O cabelo não é o mesmo. A roupa não é a mesma. O marido e os filhos não são os mesmos. A cabeça? Não sei. Mas também não deve estar na mesma. Um ano a 600 euros não ajuda a querer “brincar aos pobrezinhos”. Agora já podem dar-lhe o Xanax, o Valium, o que quiser. Vai precisar.
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“A UNIÃO NACIONAL”
Não vale a pena fazer muitas ondas com o uso da expressão “união nacional” por Passos Coelho, ainda por cima enunciando que a escolhera em detrimento de outra, a de “unidade nacional”. A ignorância de Passos da história portuguesa recente não é novidade, mesmo em quem apresenta dados “antifascistas” na sua “biografia” ficcional e foi da JCP. Também importa pouco o facto de ele mesmo já ter usado e recusado a mesma expressão” união nacional”. Como aquilo é tudo colado a cuspo, não admiram estas flutuações. Passos não é salazarista, é indiferente ao salazarismo. No fundo, Passos quer dizer a mesma coisa com a sua “união nacional”, que Cavaco com a “salvação nacional”. Ambos comparticipam de uma cultura política que menospreza o valor da diferença, das “partes” em democracia, das ideias e das políticas como interpretações distintas da mesma realidade social, ambos ocultam o papel dos interesses e das ideias em democracia, tudo aquilo que faz com que duas pessoas “igualmente informadas” não cheguem às mesmas conclusões.
O problema não é pois o uso da expressão, mas sim o pensamento que está por detrás dela: o de que o seu programa é “natural”, é a “realidade” e só gente pervertida pela “porca” da política, o pode recusar. A expressão é um apelo a que o PS se junte à “realidade”, àquilo que é a política do governo, entendida como não tendo alternativa. A pulsão pelo Único é que é preocupante, os termos e o seu uso, são apenas ignorância.
(url) (url) 31.7.13
Os briefings do governo "abertos" revelam a sua natureza de aumento do tempo de antena do governo. O objectivo é criar uma segunda "primeira impressão", favorável ao governo. A transmissão em directo desses briefings, sem edição, elimina o papel do jornalismo. Tem sentido transmitir em directo comunicações governamentais de relevo, mas este tipo de briefings, destinados formalmente apenas à comunicação social, não podem ser conhecidos sem o trabalho de edição. O discurso, como se vê, é de carácter puramente propagandístico, não tendo aliás nenhuma sofisticação especial. Destina-se a repetir, repetir, repetir e recolher os efeitos da repetição. Que existem. (url) 30.7.13
(url) 29.7.13
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FORÇA E FRAQUEZA
Passos Coelho sai da crise mais forte (no governo e no establishment que conta), Portas sai da crise muito fragilizado, de rastos. Aparentemente o mais fraco vai ter um incremento significativo de poderes, em detrimento do mais forte, e é por essa contradição que vai continuar a crise. Admito que o instinto de sobrevivência torne ambos muito cautelosos, ou seja, capazes de engolir tudo e fazer um ar hirto, mas isso não chega.
Embora esta crise tenha sido muito mais grave, – bastava a saída de Gaspar para lhe dar outro carácter, – ela é um remake da anterior que levou a uma cena surrealista de reuniões entre os dois partidos num hotel e a comunicados conjuntos. Ah! E a uma comissão destinada a coordenar a coligação, que, nunca existiu nem funcionou. Mas a linguagem, as juras, as promessas, a propaganda de como “saímos disto mais fortes”, nada disto é novo. Já se ouviu exactamente o mesmo que se está a ouvir agora.
No entanto, esta crise foi muito pior: o medo pânico de eleições penetrou no âmago dos dois partidos, e o desequilíbrio entre Passos e Portas é agora abissal. Se a linguagem gestual diz muito, é só ver Portas a fazer de conta que tira notas, quando já tem o discurso todo escrito, a limpar a fronte, a olhar para baixo, reduzido a uma sombra do que foi e à mãe de todas as sombras daquilo que queria ser. Só que as coisas são o que são e Portas é o elo fragilíssimo do poder, cheio de títulos e responsabilidades, que tentará usar em primeiro lugar para se salvar e escapar da imagem “irrevogável”.
Só que cada sucesso de Portas, e Portas vai tentar desesperadamente ter algum a curto prazo, seja real, seja virtual, será muito perturbador para o resto do governo, e cada fracasso uma colecção de sorrisos, e afiar de fracas. Por isso, passadas as juras de fidelidade e afirmação de força da coligação, a sua doença interior, a praga que a rói por dentro, vai ser pior. Portas pode ter ido a Vice-Primeiro Ministro, mas nem Secretário de Estado é. Se quiser ser mais do que isso, todos o vão impedir. E ele não pode fazer nada.
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O NAVIO FANTASMA (23):
PENSAMENTO DE ESTADO: "IR FAZER ALGUMA COISA PARA OUTRO LADO" Passos Coelho hoje em campanha eleitoral:
“Para que isso não volte a acontecer [resgate], temos de fazer uma hierarquia
do que é realmente importante e o que não for tem de deixar de ser
feito. As pessoas que faziam aquilo que era menos importante têm que ser
afectas a fazer outras coisas que são mais importantes e, se não for
preciso tanta gente para fazer isso, essas pessoas têm de ir fazer
alguma coisa para outro lado”, salientou. Não pode,
acrescentou, “o Estado ficar-lhes a pagar eternamente para fazer o que
não é preciso - isto é assim em qualquer país desenvolvido do mundo”.(do Público)
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O NAVIO FANTASMA (22)
Estão em pleno vapor as grandes manobras de propaganda. Propaganda, desinformação, manipulação. Por exemplo, alguém tem mesmo a certeza de que é a troika que está completamente inflexível com os cortes dos 4.700 milhões, ou é o governo que anda a dizer isso? Percebe-se muito bem que faz toda a diferença, ou porque pode abrir caminho a uma "vitória" negocial se outro valor mais baixo ficar acordado, e a troika não estava assim tão "inflexível" como se diz; ou porque é o governo que deseja esses cortes (ou se comprometeu indevidamente com eles, ou vai usá-los como moeda de troca para outras benesses) e não quer prejudicar a sua nova "imagem", com uma medida tão Gaspar e "velho ciclo" e tão pouco Portas e "novo ciclo". Como a comunicação social se farta de transmitir recados do governo, destinados a manipular a opinião pública (aqui no Abrupto há vários exemplos), a "notícia" só tem sentido se vier da troika e não daqueles que "sopram" aos jornais "as posições da troika".
Infelizmente, a partir de agora, estas manobras estarão no centro da acção do governo. Como se irá ver, muito mais do que a "economia" será a propaganda que vai sair reforçada da remodelação, aquilo que alguns chamam a "comunicação política".
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© José Pacheco Pereira
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