ABRUPTO

30.10.13


O NAVIO FANTASMA (46):AH! VALENTES!

Caladinhos com Angola, caladinhos  com a troika, confortáveis no "protectorado", eis que nosso bravo governo exprime um "forte sentimento de revolta" "total repúdio" pela "triste figura" do presidente da FIFA, Joseph Blatter, nas declarações sobre o futebolista Cristiano Ronaldo... Onde nós chegamos.

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O NAVIO FANTASMA (45): a reforma do estado

O próprio facto de uma coisa chamada "guião da reforma do estado" ser apresentada por Paulo Portas, diminui o seu alcance e significado. Se fosse a sério seria Passos Coelho a apresentá-lo, mas como é mais um instrumento para a sobrevivência de Portas, é deixado ao esbracejar do próprio, que é o que ele faz desde a crise que provocou.

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29.10.13


O NAVIO FANTASMA (44): O VENENO DE ANGOLA


Poucas coisas são hoje tão venenosas para a nossa democracia e para a nossa liberdade como o modo como se está a discutir a questão de Angola. O espectro de represálias, a atitude subserviente, a aceitação da força alheia e perda de dignidade da nossa, o abandono dos mais basilares princípios do que é uma democracia e do que é a liberdade, cria um ambiente de medo no debate angolano que poucos são capazes de romper. 

No Prós e Contras da RTP ouviram-se as mais absurdas das coisas, e, com excepção de uma defesa por Ricardo Costa da "obrigação" jornalística de dar as notícias que tanto inflamam a elite angolana, o debate foi um retrato de como o veneno da chantagem angolana funciona. Como acontece muitas vezes os "especialistas" que são chamados à televisão trabalham em Angola, têm interesses angolanos e recebem salários do governo de Angola. É o caso do antigo Ministro Martins da Cruz, que para além de ter sido "ministro dos negócios estrangeiros" de Luís Filipe Meneses na Câmara de Gaia, é, segundo o seu currículo, "membro do conselho de administração de empresas em Portugal, Espanha e Angola" e "consultor do Governo de Angola". Ou seja, para efeitos daquele debate, está do lado de lá.

E mesmo Louçã, um "internacionalista", disse que não discutia a "origem do dinheiro angolano porque isso era um problema dos angolanos". Como assim? Ele que não se coíbe de discutir os dinheiros dos americanos, ingleses, franceses, a política interna de todos os países do mundo, subitamente pára às quatro rodas naquele debate e, perante aquela plateia, onde o que era vitalmente preciso dizer é que é a origem do dinheiro angolano o principal problema, dinheiro roubado a um povo na miséria, por uma clique de políticos e generais do MPLAe "lavado" em Portugal, fica calado.

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O NAVIO FANTASMA (43):O GOVERNO FRACTURANTE


O governo, pela mão da Ministra Cristas, arranjou a sua variante da proibição do piropo, essa brilhante causa política do Bloco de Esquerda. Pelos vistos vai ser proibido ter mais do que dois cães em casa, um gravíssimo problema que afectava milhões de portugueses e que exigia a este governo "liberal" actuar em força e com autoridade. 

A Senhora tem a certeza de que não tem mesmo nada para fazer?


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28.10.13


POR FAVOR TIREM-ME DAQUI



De cada vez que escrevo sobre o que acontece em Portugal, haja ou não haja "guião", haja ou não haja Orçamento, haja ou não haja mais peripécias do Governo bipolar que temos, haja ou não haja avaliações da troika, haja ou não haja manifestações, haja ou não haja greves, haja ou não haja mais uma mentira, um escândalo, uma inconfidência, uma fuga via Marques Mendes, ou um "recado" via Expresso, haja ou não haja um retorno vingativo e um ajuste de contas, haja ou não haja o que houver, Portugal parece Sísifo com a sua pedra, ou um navio que não sai do sítio, encalhado por uma maldição qualquer num canto do oceano. Até aqui, nestes textos, parece que se volta sempre à maldição de Sísifo, ou do Navio-Fantasma, ou, mais prosaicamente, ao Dia da Marmota do filme Groundghog Day com Bill Murray, traduzido para português apropriadamente como o Feitiço do Tempo. Nem o mítico Sísifo, nem o wagneriano Navio-Fantasma, nem o Bill Murray, acordando sempre no dia seguinte no mesmo dia anterior, são novidades, porque já estou a repetir referências que já fiz. Já não tenho mais metáforas, nem mitos, nem filmes. Por favor, tirem-me daqui.

Quando falo em público, as perguntas das pessoas são sempre as mesmas: "Quanto tempo é que isto vai durar?", "Como é que nos vimos livres destes senhores?", "Quando é que saímos disto?", "Como é que se dá a volta?", e outras variantes do mesmo. E embora eu desconte a relação entre o que diz o palestrante e as expectativas dos ouvintes, cujo acto de lá ir é já de si uma mostra de empatia e interesse, seja de simpatia, seja de antipatia, mesmo assim há alguma coisa que está muito errada quando uma sala com duas ou três centenas de pessoas, no meio de uma noite de tempestade, no fundo, quer saber quando é que anda tudo à pancada e a partir montras ou coisas piores, e manifesta o seu enorme desagrado e impotência por tal não acontecer. E quando falo de uma sala destas - e estou a pensar em exemplos muito concretos e recentes - estou a falar de gente da classe média, composta, educada, com profissões reconhecidas como sendo de elite, engenheiros, médicos, professores, advogados, funcionários públicos dos escalões superiores, reformados com pensões acima de mil euros, pelo menos, alguns pequenos empresários privados, e os seus filhos qualificados e desempregados. 


Bem sei que são eles, os que "ainda têm alguma coisa", o alvo preferencial da sanha governativa, aquilo que antes se chamava "classe média", e hoje se considera os ricos e os privilegiados, para confiscar fiscalmente e reduzir, por todos os meios, salários e pensões, ao remedeio, à quase pobreza, quando não à pobreza. E são eles que me perguntam, de uma forma cada menos eufemística, quando é que há uma revolução, nem mais nem menos. E mesmo eu, que entendo que toda a intransigência face ao Governo e à governação é pouca, ainda fico surpreendido com a veemência da sua revolta, que já ultrapassou a hostilidade aos governantes, para estar já na raiva por nada acontecer e no vitupério ao "povo" que aceita tudo e não faz nada. E se pensam que estou a exagerar, enganam-se. A coisa está muito negra por estes lados.


Não estou a falar de gente que tenha simpatias pelo PCP, pelo BE. Bem pelo contrário, a sua esmagadora maioria são votantes "centrais", votaram no PSD e no PS e mesmo no CDS. Estão informados, muito mais informados do que a média dos portugueses, vêem a SICN e a TVI24, acompanham os debates, lêem o Expresso no fim-de-semana, sabem o que disse o Marcelo e o que escreveu o Vasco Pulido Valente ou o Miguel Sousa Tavares, conhecem-me da Quadratura mais os meus companheiros de debate. E estão positivamente furiosos, não só porque o seu bolso é o alvo principal mas também porque se sentem impotentes e, acima de tudo, insultados e humilhados.


Se voltarmos ao nosso país, permanentemente no Dia da Marmota, ou encalhado no Mar dos Sargaços, ou a levar a pedra ao cimo do monte para a ver cair, percebe-se que não lhes faltam irritantes quotidianos. Há, primeiro que tudo, o estado ontológico da "inevitabilidade", ou seja, nós somos os "forçados da dívida", presos numa prisão de alta segurança, cujos carcereiros menores, empregados dos carcereiros maiores, nos dizem que não há a mínima esperança de sair de lá. Volto ao armazém literário, para ver a entrada do Inferno de Dante: ó vós que entrais, perdei toda a esperança. Como é que se vive sem esperança? Eles sabem.


Depois que palavras novas - nem sequer estou à espera de dizer promissoras, salvíficas, esperançosas - esperam eles ouvir de Cavaco Silva ou Passos Coelho, que logros e enganos renovados esperam de Portas ou Maduro, que coisas convincentes de Seguro, que não sejam as mesmas de ontem, gastas, cansadas, fora de qualquer prazo de validade. Nem sequer mentiras novas, mas sempre as mesmas recicladas. Já vimos tudo, já ouvimos tudo, já sabemos tudo, e é também por isso que a indústria das peripécias, vulgo comunicação social, nunca descansa nos seus moinhos de orações. Coisa graves há, Angola, dívida, orçamento, saque fiscal, destruição da confiança, vidas estragadas, perda, perda, perda. Mas misturadas com muita irrelevância que ganha terreno no meio do cansaço, a ver se ainda há alguma novidade. Ah! Sócrates escreveu uma redacção sobre a tortura e desceu dos céus parisienses via RTP... E depois? Serve de entretenimento, mas mais nada.


Este gigantesco marasmo inquina tudo. Bloqueia qualquer solução política que "abra" a situação e permita avançar. Cavaco Silva tem muita culpa ao não ter fechado uma crise endémica, que está aí todos os dias no governo da diarquia, com eleições antecipadas. Não mudava tudo, mas permitia uma descompressão da situação. O que é que o impedia de ter exigido aos partidos nova legislação para encurtar os prazos eleitorais e assim minimizar os danos dos tempos longos entre a decisão de haver eleições e a posse de um novo governo? O que é que o impedia de forçar um pacto pré-eleitoral entre os três partidos, dizendo-lhes claramente que ia convocar eleições, em vez de andar penosamente a pedi-lo em público, recebendo um não? 


Havia riscos e custos? Certamente que havia, nos juros que nos impediriam de ir aos mercados. Mas a verdade é que depois da "crise Portas" também não há condições para ir aos mercados, e suspeito que os portugueses preferiam defrontar o problema com eleições do que ter que pagar o mesmo preço com Portas a agitar-se todos os dias para parecer bem e Passos Coelho a tirar-lhe o tapete para que ele pareça mal. Até a troika, que sabe o que são factos consumados, aceitaria a inevitabilidade, esta virtuosa, de haver eleições. Mas Cavaco Silva não quis e agora está condenado a aceitar um orçamento inconstitucional, ele que jurou defender a Constituição.


O bloqueio político é o maior problema que Portugal hoje conhece, maior do que o défice e do que a dívida, porque ele condiciona o defrontarmos o problema do défice e da dívida em democracia e a médio prazo, única forma de o podermos fazer. Sublinho, em democracia. Bloqueado politicamente, com este pseudogoverno, arrastando-se nas suas contradições, preparando um golpe contra o Tribunal Constitucional, com uma ilegalidade tornada normal pela retórica da "emergência financeira", com as instituições a não funcionarem, Portugal está encalhado no meio do mar, traz aos ombros a pedra maior dos sacrifícios do seu povo, para a ver cair de novo, e assiste pela milionésima vez às comemorações do Dia da Marmota. 


Admirem-se pois que aqueles pacíficos cidadãos queiram a revolução. Tirem-me daqui. Por favor, porque somos gente educada. Queremos partir tudo, mas somos educados.

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27.10.13


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.

  Veremos se o caos do futebol não lhe alterará mais uma vez o horário. Presumo.

HOJE: gramática e oriente.

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25.10.13


DA "LIÇÃO INAUGURAL" NA ABERTURA SOLENE DAS AULAS NO INSTITUTO POLITÉCNICO DE COIMBRA (23 DE OUTUBRO DE 2013)


Em breve integral. Excerto:
"O meu ponto é que em nome do futuro justificamos o abandono dos valores do presente, que é onde as pessoas nascem, vivem e morrem, abandonamos a perspectiva humanista que é a que deve enformar uma sociedade civilizada, a favor de uma abstracção que pode ser uma das variantes de religiões laicas, uma engenharia utópica da sociedade que tanto pode ser a do comunismo como a de uma ideia simplista de que a mão de Deus é “a mão invisível” de Adam Smith, pobre “filósofo natural” que tem que aturar do seu túmulo a mistela que foi feita das suas ideias por mil e um repetidores vindos do pensamento débil dos blogues. Mas, quem, é que vos disse que a mão de Deus é invisível? Ela pode ser misteriosa, mas pelo menos a mão de Cristo era bem visível e falava pelos pobres, os fracos e os humilhados. E quem vos escreve isto é agnóstico, mas não suporta a indiferença com que uma linguagem burocrática e de matter of fact é usada para dar cabo da vida de muitos portugueses."

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AGORA VAI COMEÇAR A CENA DO “PROGRAMA CAUTELAR”
 (PORQUE PORTUGAL NÃO PODE IR AOS MERCADOS) 

Como era inevitável começou a discussão do chamado “programa cautelar”, que é a segunda fase do memorando, sem a troika cá, mas em Bruxelas. O “programa cautelar” não é o “segundo resgate”, mas é a coisa mais próxima do “segundo resgate” que há. A questão central é que com a troika em Lisboa, ou a troika em Bruxelas, o mesmo tipo de política vai ser exigida, imposta, obrigada. Até um dia.

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PORTAS E OS “MAIS POBRES” 

Portas é hoje a face mais repulsiva do governo, num campeonato em que concorrem muitos candidatos poderosos. É-o pelo seu papel na crise que atravessamos, que nos custou mais milhões por sua causa, é-o pela obsessão de querer remendar a todo o custo a sua imagem e ser evidente que para o tentar fazer é capaz de quase tudo. Uma dessas cenas que ele representa para as televisões é a de paladino dos “mais pobres”. Para ele, o CDS (ou seja ele próprio) e os seus ministros (os seus clones) tem tido um papel essencial em “proteger os mais pobres”, o que não é de todo verdade. Mesmo que fosse verdade, ele esquece-se de assumir o seu papel em empobrecer muitos mais do que aqueles que putativamente protege. Hoje a defesa dos “mais pobres” é o argumento retórico para combater os pobres, que já são muitos, e os que estão a caminhar para a pobreza, que são muitos mais.

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O DESPREZO PELOS MANIFESTANTES DA CGTP 

Uma coisa que mostra como quem está do lado do poder não percebe (ou melhor não quer perceber), o que está a acontecer em Portugal, é o modo como exibem um racismo social com os manifestantes da CGTP, tão patente nos comentários à saga da ponte. Pode não ser deliberado, mas sai-lhes do fundo, naturalmente. Os filhos dos comentadores e opinadores podem ir às manifestações dos “indignados”, que são aceitáveis, engraçadas e chiques, e que tem muita cultura e imaginação, mas nenhum irá às da CGTP. Eles “são sempre o mesmo”, ou “mais do mesmo”, eles são “pouco criativos” que insistem em fazer manifestações “que não adiantam nada”. Eles são “os feios, os porcos e os maus”. 

http://ephemerajpp.files.wordpress.com/2013/10/dsc_4706.jpg Os manifestantes da CGTP não são da classe social certa, não ambicionam ir tomar chá com Ricardo Salgado, ou ir comer aos restaurantes da moda, não são frequentáveis e, ainda pior, não se deixam frequentar. Têm, muitos deles, uma vida inteira de trabalho e de muitas dificuldades. Tem um curso, uma pós-graduação e um doutoramento em dificuldades. São velhos, um anátema nos nossos dias. Tiveram ou tem profissões sobre as quais os jornalistas da capital não sabem nada, foram corticeiros, mineiros, soldadores, torneiros, mecânicos, condutores de máquinas, pedreiros, ensacadores, motoristas, afinadores, estivadores, marinheiros, operários têxteis, ourives, estofadores, cortadores de carnes, empregados de mesa, auxiliares educativos, empregadas de limpeza, etc., etc. Foram e são cozinheiros e cozinheiras em cantinas, e não chefs. E foram ou são, professores, funcionários públicos, enfermeiros, contabilistas. 

 Este desprezo social é chocante quando é feito por quem tem acesso ao espaço público e que trata os portugueses que se manifestam, - e, seja por que critério, são muitos, pelo menos muitos mais, muitíssimos mais dos que estariam dispostos a vir para rua pelo governo, – como uma “massa de manobra” do PCP, que merece uma espécie de enjoo distanciado, umas ironias de mau gosto e um gueto intelectual. Façam vocês o que fizerem, “não contam”. Vocês são umas centenas de milhares, vocês são “activistas” e por isso se vêem muito (quem não se vê nada são os do “outro lado”), mas “não contam” para nada. Existirem ou desaparecerem é a mesma coisa, nenhum dos “de cima” se pode ou deve preocupar convosco. Votam em partidos anacrónicos, têm hábitos plebeus, vão fazer campismo de férias, fazem excursões organizadas pelas autarquias, jogam a sueca, as mulheres passam-se pelo Tony Carreira e todos acham que tem direitos. Vejam lá, imaginem lá o abuso, acham que tem direitos… Eles são os maus portugueses, os que estão de fora do “arco governativo”, os que não percebem o "estado de emergência financeira", aqueles cujos "interesses" bloqueiam o nosso radioso empreendedorismo.

 Tudo isso é verdade, e tudo isso é mentira. Estes portugueses fora de moda e fora das modas, pelo menos tem o enorme mérito de sentirem um agudo sentimento de injustiça, eles que sabem mais da vida real, concreta, vivida do que todos os seus críticos juntos. Não é a eles que se pode dar lições de trabalho, nem de esbanjamento, nem de perseverança, nem de sacrifício. Pode-se discordar deles, mas merecem respeito. Pelo que foram, pelo que são e porque não se ficam.

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O GÖTTERDÄMMERUNGZINHO


Entre os produtos do romantismo alemão que circulam na cultura popular está a ideia do Götterdämmerung, título de uma ópera de Wagner, mas, mais do que isso, uma vasta encenação trágica do fim, da decadência, da queda. Não de uma queda qualquer, mas de um fim dos tempos, em que tudo desaba e se desintegra, corpos, cabeças, nações, impérios. No final da ópera tudo é destruído pelo fogo e pela água, num reverso da criação original, em que mesmo os deuses conhecem o seu destino final. Como sempre, em todo o romantismo alemão, a morte tem um papel central.

Os dicionários enunciam variadíssimos significados para o poderoso tom de fim do "crepúsculo dos deuses": em francês, "déclin", mas também "dégringolade"; para o inglês "demise", "descent", "downfall", "fall", "flameout", "comedown", "breakdown", "burnout", "colapse", "crash", "meltdown", "ruin", "undoing"; "defeat", "reversal", "abasement", "disgrace". Não nos faltam palavras, muitas com "down" no princípio ou no fim, e muitas que parecem (e algumas são) títulos de filmes catástrofes. Mas o alemão é para estas coisas a melhor língua, "crepúsculo dos deuses" em alemão tem toda uma história mítica e cultural que se tornou universal, um arquétipo. 

Ninguém retrata a grande purga estalinista como um "götterdämmerung", nem o genocídio do Ruanda, nem os massacres bélicos da Guerra da Secessão, nem, em bom rigor, nenhuma guerra do presente ou do passado. A guerra termonuclear, que felizmente para a humanidade, permanece apenas uma hipótese mereceu esse epíteto, como o da encarnação do Armagedão, mas são classificações virtuais. No entanto, na cultura alemã, na literatura, na poesia, no teatro, no cinema e mesmo nas ciências humanas como a história, o "götterdämmerung" parece um pólo magnético. O livro de Ian Kershaw sobre o último ano do Reich chamava-se apropriadamente apenas The End, o "fim", e o filme Der Untergang feito a partir da obra de Joachim Fest o primeiro filme alemão com Hitler como personagem, retrata esse ambiente de "queda", ou melhor dizendo de "götterdämmerung". Muitas destas obras são controversas, porque existe uma enorme dificuldade em traduzir racionalmente, como é suposto, numa análise e numa interpretação, algo que acaba por ter uma dimensão mítica e simbólica e a queda de Hitler tem essa dimensão "crepuscular".

Em todas estas obras se refere como Hitler entendeu punir o povo alemão por lhe ter "falhado" e perdido a guerra e que com a sua queda se extinguia não só o homem Hitler, mas também a nação alemã, a identidade alemã, o "espírito" ariano do Reich de mil anos. Por isso, pouco importava o sofrimento enorme para os alemães, civis e militares, com o prolongamento absurdo da guerra, quando todos, a começar por Hitler, sabiam que ela estava perdida. Ele olhava à sua volta e via-se no "götterdämmerung", encarnando um qualquer Deus nórdico da guerra, e por isso, os alemães mereciam a morte.

Mas por que razão vou eu gastar estas velas de cera cultural com tão ruim defunto como é o nosso primeiro-ministro? Não é porque não pense que qualquer comparação mesmo negativa com personagens como a deste "götterdämmerung" só podem ser grotescas e ridículas. Não me passa pela cabeça qualquer comparação de Passos com Hitler, nem com Churchill, nem com qualquer figura histórica com dimensão nem pequena nem média, quanto mais grande. 

A comparação é puro overkill, mas nalguns aspectos ajuda. O ponto é que há qualquer coisa que sobe à cabeça dos governantes em determinados momentos e que os leva a pensarem, na sua mediania, que também eles são os depositários do destino de um povo e fundem esse destino com o seu próprio, mostrando assim um traço de obsessão que tem uma dimensão psicológica, mas, mais do que isso, tem consequências políticas muito perigosas em democracia. Não é preciso ser um génio, nem um iluminado, nem ter qualquer pulsão, ou "vontade de poder", pode-se ser vulgar e ter ilusões destas. Numa altura em que vivemos tempos de "maldição" essa tentação pode fazer estragos muito para além da qualidade ou falta dela do seu ilusório instrumento. 

Naquela encenação de entrevista que passou na RTP, uma forma masoquista dos jornalistas porem em causa a sua própria função e de dar um palco ao primeiro-ministro, Passos Coelho repetiu com a enfâse do convencimento - um sinal de perigo evidente - a ideia de que, ou ele tinha sucesso e "Portugal" e os "portugueses" também o tinham, ou caso não o tivesse, era Portugal que iria pagar um enorme preço. Numa versão benévola desse "sucesso", este consistia na passagem de Portugal do "ajustamento" exigido pelos credores ao "plano cautelar", também exigido pelos credores, a versão pós-2014 do "ajustamento". Caso tal não aconteça, cai sobre nós o mesmo que caiu sobre Sodoma e Gomorra, e a terra fica salgada para muitos e muitos anos. Não lhe passa pela cabeça que todas as premissas e todas as conclusões podem estar erradas, ele pode estar errado, e o país pagar um preço muito mais elevado do que o que seria necessário, quer falhe, quer, acima de tudo, tenha "sucesso". Temo aliás, mais pelo "sucesso" hipotético do que pelo falhanço real, porque o "sucesso" é o congelamento de um país empobrecido até aos limites aceitáveis pela União Europeia - que são muito mais elásticos do que se pensa - destinado a fornecer um mercado para o sol de Verão e mão-de-obra barata, com enormes diferenças sociais, e governado pela burocracia de Bruxelas e pela nossa elite colaboracionista.

No meio da obsessão de "que o meu fracasso é o fracasso de Portugal", convém lembrar que no fundo do que estamos a falar não é de uma guerra apocalíptica, nem do travar um meteoro, nem dos deuses a caminho do Valhalla, mas de políticas, de opções de política, de democracia. E que em democracia, mesmo em "estado de emergência financeira", há opções e há leis para cumprir, há tribunais e há protesto e há voto. É verdade que, em consonância com esta linguagem, um fruto milenar e profético da "inevitabilidade", cada vez mais nos dizem que há coisas que não se podem discutir. Não se pode falar do segundo resgate, a não ser para o usar como ameaça. Não se pode falar da insustentabilidade da dívida porque isso é "masoquismo". Não se pode falar de eleições antecipadas, porque não é responsável. Não se pode falar de escolhas eleitorais porque não há verdadeiras escolhas, estamos "obrigados" a cumprir o que os nossos credores "exigem". Não se pode dizer que uma eleição significa alguma coisa, porque, por definição, nenhuma eleição pode significar alguma coisa enquanto nos encontrarmos debaixo do "protectorado". Ou seja, deixem-se de política em democracia, porque a única política permitida é a que não tem escolha, ou seja, a que não é democrática.

Toda esta exibição de "o meu fracasso é o fracasso de Portugal" pode não passar de incutir medo, pressionar o Tribunal Constitucional ou de, pura e simplesmente, preparar uma saída baixa vitimizada caso o Tribunal não deixe passar qualquer lei com incidência orçamental. Suspeito aliás, e não é de agora, que este plano de enviar legislação claramente inconstitucional para o Tribunal e receber o respectivo "não", se destina a atirar para o Tribunal o ónus do falhanço próprio e preparar uma demissão do Governo. De facto, o nosso "götterdämmerung" é um götterdämmerungzinho, a palavra mais kitsch que escrevi na vida. E os que pensam que eu comparei Passos Coelho a Hitler não perceberam nada. 

É o "zinho" que é a nossa sina, e, se tomássemos à letra a comparação, ainda bem. Mas, mesmo o "zinho" faz imensos estragos e puxa-nos para baixo. Até porque não lhes passa pela cabeça esta coisa simples que nasce do valor intangível da dignidade humana: é que, dificuldades por dificuldades, os portugueses podem preferir sofrê-las sem salvadores, nem tutores, nem mandantes, nem euro, nem Bruxelas.

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EARLY MORNING BLOGS  
2352

“There will be time, there will be time 
To prepare a face to meet the faces that you meet.”

(T.S. Eliot)

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20.10.13


JUDEU ERRANTE



Mais uma corrida, mais uma viagem.
De regresso.


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16.10.13


Wednesday, 16 de October de 2013 
Embora ainda estejam longe de estarem resolvidos todos os problemas de importação das versões anteriores (faltam algumas imagens, problemas com os títulos dada a antiga codificação dos caracteres, etc.), abriu-se hoje a nova versão dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO. A partir de agora é aí que se vão colocar as actualizações (já lá estão algumas), mas permanece em linha a versão anterior. Nos próximos dias continuará o trabalho na nova versão.

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13.10.13


O NAVIO FANTASMA (42): SENTIDO DE ESTADO


Eu ia começar por escrever que mais uma vez se vê a completa falta de sentido de estado deste governo. Mas não é "mais uma vez", é sempre, todos os dias, sem respiração. A conferência de imprensa de Paulo Portas com a Ministra das Finanças ao lado (será castigo?)  é um retrato de como este governo é apenas o palco das ambições e justificações políticas dos seus membros, em particular dos seus dois primeiros-ministros. Se tivessemos uma gota de ideia do que é o sentido de estado, ficariamos de cabelos em pé  por coisas como esta conferência que se destina apenas a desculpar um seu membro, e punir os seus adversários, que, ou estão ao seu lado, ou lá dentro na parte de trás do pano. 

Por que razão é que se permite uma conferência de imprensa de um membro do governo, em nome do governo, para se justificar a si próprio e anunciar de forma entaramelada uma medida única, cujos contornos, contexto e ligação com outras está longe de ser esclarecida? A única vantagem é ver Portas na patética situação de se entaramelar em explicações, sem sequer perceber até que ponto fica numa situação ridícula. Se há alguém no governo (e há) a querer ajustar contas com Portas está a consegui-lo na perfeição. Claro que à custa daquilo que antigamente , no tempo do Génesis, se chamava sentido de estado.

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PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
será aos domingos às 20 horas na SICN.

E tudo indica que o caos do futebol não lhe alterará mais uma vez o horário. Presumo.

HOJE: o duplo discurso do governo e mais química.

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O NAVIO FANTASMA (41): QUOD ERAT DEMONSTRANDUM

Há dois anos quando tudo o que era prócere governamental falava, prometia, juarava pela privatização da RTP, eu escrevi sem ambiguidades: não vai acontecer. Não aconteceu, nem acontecerá com este governo, nem com o próximo, nem nunca a não ser que mudem os mecanismos de poder em Portugal.


 Ou seja, posso garantir que o programa do governo não será cumprido. Como em quase tudo.

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12.10.13


 
O GOVERNO (?) A VOO DE PÁSSARO  (4): DE MAL A PIOR

O problema é que desde a última “crise Portas” o carácter disfuncional do governo acentuou-se. Já era mau, agora é pior porque se institucionalizou a diarquia reinante, sem que Portas tenha os verdadeiros poderes para que tem os seus múltiplos chapéus e Passos Coelho mande alguma coisa, entre o alheamento e a indiferença, a esperar que o seu Vice tropece nos seus chapéus como aconteceu na última semana. Será que o Presidente ainda não entendeu que não tem governo, tem um ajuntamento de conveniência em que os egos, as vinganças, as rasteiras, o salvar a sua própria pele são a regra e a motivação de todos os dias? Antes o cancro do governo era Relvas, hoje é Portas, mas em ambos os casos a primeira responsabilidade é de Passos Coelho e Cavaco Silva. E visto a voo de pássaro tudo parece desconjuntado, como efectivamente é. Pobre país, o nosso.

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O GOVERNO (?) A VOO DE PÁSSARO  (3): GOVERNAR POR “DESENHOS”

Pode ser aliás que não haja nada para saber, é tudo por arroubos, “desenhos”, tentativa e erro, anúncios cirúrgicos por Marques Mendes, recados ao Expresso nos fins de semana para a primeira página. O objectivo é criar “impressões”, e depois, quando as “impressões” caiem dias depois, sem sustentação, o seu efeito útil já existiu. Exemplos: “as privatizações foram as mais transparentes de sempre”, o “governo aumentou as reformas”, “não é necessário mais planos de austeridade”, “agora é que se vai exigir à EDP que participe no esforço nacional”, “o governo negociou os contratos swap de modo a evitar que se pagassem milhões”, PPPs idem, a “economia já deu a volta”, etc., etc. Tudo isto embrulhado em números reais, números imaginados, números previstos, comparação entre o que se previa e que vai acontecer, comparação entre o futuro virtual e a realidade nunca enunciada, tudo o que é mentira é “lapso”, tudo o que é grave é “declaração infeliz”, nada tem consequências. Claro, e a culpa é dos portugueses “piegas”, dos sindicatos comunistas, dos traidores do PSD, dos “socráticos” no PS e do Tribunal Constitucional

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O GOVERNO (?) A VOO DE PÁSSARO  (2): O HOMEM DOS MÚLTIPLOS CHAPÉUS 

E que faz o maior portador de chapéus da política portuguesa, o Vice-primeiro Ministro, responsável pela “coordenação económica”, pelas relações com a troika, etc,. etc? Faz de Primeiro-ministro. Anuncia as boas decisões. Oculta as más decisões, exercendo aquilo a que hoje se chama “comunicação politica”. Passeia com a Ministra das Finanças pelo mundo para chegar de mãos vazias. Faz umas frases tipo soundbite para que a sua reprodução pela comunicação social distraia do conteúdo. Distribui umas pseudo-teses cómodas e simples, para circularem em vez de análises. Um exemplo: “desta vez houve negociação política”. Ai houve? Onde, com quem, com que resultados? Ou seja, há dois governos, um de papel, presidido por Passos Coelho; outro de lata brilhante presidido por Paulo Portas.

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O GOVERNO (?) A VOO DE PÁSSARO  (1)


Vamos imaginar-nos longe, em cima, não precisa de ser em Sírius, mas na célebre altura do voo de pássaro, e observar aquilo que em Portugal passa por ser governo, é chamado governo, à falta de outra palavra qualquer. 

Temos um Primeiro-Ministro? Tenho muitas dúvidas que o nome corresponda à função. Passos Coelho só aparece na função de quinze em quinze dias na Assembleia da República, mas podia ser mais um deputado do PSD, que não faria muita diferença. Na Europa, sabemos que entra mudo e sai calado nas reuniões, talvez porque se sinta pouco à vontade junto dos outros Primeiros-ministros. Percebo bem que sim. Cá dentro que função é que tem? Relações com a troika? Não, é com Paulo Portas. Concertação social? Não, é com Paulo Portas. Condução da política económica? Não, é com Paulo Portas. Condução política? Não, é com Portas e Maduro, cada um para seu lado. Finanças? Não, é com Portas e Maria Luís, não se sabendo se é cada um para o seu lado. Relações com o Presidente da República? Sim, mas como o Presidente está sempre a sugerir que não sabe ou não é informado, como devia, também não me parece que haja muito a esperar. Coordena o Conselho de Ministros? Duvido que se possa chamar “coordenação”, visto que o papel do Conselho é escasso, os ministros actuam isoladamente, e é o ministro Marques Guedes que faz muito desse trabalho. 

Que faz pois o Primeiro-ministro? Telefona a muita gente? Sim telefona, comenta as notícias. Escolhe os “recados” a dar? Sim, alguns. Passa o dia com o seu assessor de imprensa, com a obsessão pela comunicação social que tem a sua geração de políticos? Sim. Que ouve alguns interesses, ouve. Que veta algumas escolhas, veta. Que faz outras, faz. Mas quando se quer saber quem decide o quê, aparece um pântano de vazios, fugas, irresponsabilidades, foi ele e não fui eu. Como é que surgem decisões como a do corte nas pensões de sobrevivência? Não se sabe muito bem. Que vem das negociações com a troika, vem. Que passa por Maria Luís e Passos Coelho, passa, que se passeia de Harley-Davidson diante de Mota Soares passeia-se, que chega a Portas por “desenhar”, seja o que for que isso signifique, chega. Mas isto é pouco. Como é pouco o que se sabe sobre a governação, ou a não-governação. Tudo está envolto em enganos, passa-culpas , avanços e recuos, e impunidades várias. No centro, como o vazio no meio da roda, está Passos Coelho.

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EARLY MORNING BLOGS  


2351- Provérbio russo


Гроша не стоит, а глядит рублем.

(Ele vê-se a si mesmo como uma montanha de ouro e é apenas um grama de latão.)


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11.10.13

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7.10.13


O NAVIO FANTASMA (40): 

POR QUE É QUE EU DIGO QUE 
A) NÃO HÁ GOVERNO:
B) O QUE SE CHAMA GOVERNAÇÃO É UM PERMANENTE EXERCÍCIO DE ENGANO E MÁ FÉ:
C) PORTAS DIZ TUDO O QUE FOR PRECISO PARA SE JUSTIFICAR.


Declarações de Portas (segundo o Público) para justificar as contradições entre o que está a acontecer e a Conferência de Imprensa que deu com a Ministra das Finanças:

O vice-primeiro-ministro Paulo Portas alegou nesta segunda-feira que os cortes nas pensões de sobrevivência não estavam desenhados na passada quinta-feira quando, juntamente com a ministra das Finanças, apresentou os resultados das 8.ª e 9.ª avaliações da troika e anunciou algumas medidas do Orçamento do Estado para 2014. “Na quinta-feira o desenho da medida não estava terminado”, disse Portas."
Ou seja, há várias hipóteses,  o Primeiro-Ministro não informa o Vice-Primeiro-Ministro, e deixa-o ir para uma conferência de imprensa sem saber o que se passa (possível, mas pouco provável porque Portas esteve nas conversas com a troika e a medida foi certamente discutida); o Ministro da Solidariedade Social não sabia de nada ou não informou o seu líder partidário (altamente improvável), Portas mentiu por omissão para não estragar o tom geral da conferência (altamente provável). Explicação que vai ser dada, ao estilo da "nova cultura política" de Maduro: uma coisa é a decisão (que já fora tomada) outra o "desenho", que ainda não fora feito. O "desenho" imaginem.

PS - O resto das "explicações" de Portas para dizer que não passou a "linha vermelha" ainda é pior, é pura desonestidade:

Não há qualquer relação entre os recursos [cortes] na sobrevivência e o corte da TSU das pensões”, destacou Paulo Portas, explicitando três diferenças: A TSU das pensões equivalia a um corte de 436 milhões de euros, enquanto os recursos das pensões de sobrevivência são de 100 milhões; a TSU das pensões era aplicável a pensões a partir dos 400 euros, enquanto os cortes agora divulgados só incidem quando há duas pensões e quando é superado um determinado valor, ainda não especificado. Por fim, há uma diferença entre cortes transversais, implícitos na TSU e as condições de recurso das pensões de sobrevivência."
Ou seja, eu disse-vos que não iam morrer de  broncopneumonia, mas vão morrer de  pneumonia intersticial aguda. Vejam lá como eu sou vosso amigo. "Não há qualquer relação".

Não há é paciência para este continuo engano. Esta gente não é séria.

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6.10.13


O NAVIO FANTASMA (39): TUDO COMO DANTES, QUARTEL-GENERAL EM ABRANTES

O que fez Rui Machete foi um acto, não foi uma declaração irreflectida, ou uma "declaração menos feliz". Se apenas fossem palavras, mesmo assim seriam graves, mas foi mais do que isso, foi um acto de diplomacia à revelia da lei e da ordem democrática, praticado pelo responsável máximo das nossas relações externas que fala, por isso mesmo, em nome de Portugal. 

Não me admira muito, dado que o anterior Ministro também classificava (e classifica) o seu próprio país de protectorado, sem que haja qualquer abalo nas hostes habitualmente cheias de vento patriótico. Isto está tudo num estado tão rasteiro e perigoso, que nem é a continuidade das peripécias, umas sobre as outras, mentiras nos curricula, "incorrecções factuais", mentiras ao parlamento, fugas sistemáticas de informação do governo para comentadores amigos, ocultação de dados, que já é o mais grave. O mais grave é a completa impunidade com que tudo se faz, e o modo como tudo continua na mesma, tudo como dantes quartel-general em Abrantes. Criticado Machete sem muitas ambiguidades pelo Presidente da República no 5 de Outubro, basta que o primeiro-ministro "desvalorize" - o que ele está sempre a fazer e deve ser o timbre da "nova cultura política" do Ministro Maduro - para que tudo volte ao "normal". Isto é que é muito preocupante, a impunidade dos de cima, que podem fazer o que quiserem sem consequências.  

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ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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5.10.13


ALGUMAS NOTAS SOBRE AS AUTÁRQUICAS (1) 
 
 1. As eleições autárquicas foram desprezadas por quase todos: pelas direcções do PSD e CDS, pelos comentadores pró-governamentais que fizeram tudo para lhe tirar importância política, e pela comunicação social e não só por causa das decisões absurdas da Comissão Nacional de Eleições, aceites com zelo, mas também em editoriais cheios de enjoo snobe. Durante um mês, se havia referências às eleições, era ao estilo engraçadista dos “tesourinhos deprimentes”, substituindo o noticiário político pelo gozo com os candidatos que tinham a infelicidade de cair sob a atenção dos cada vez mais numerosos profissionais do ridículo alheio. 

2. E no entanto… as eleições autárquicas foram um dos poucos momentos de respiração livre da política portuguesa, livre da “inevitabilidade” que retira o ar à democracia. Tinham aliás que ser relevantes, porque eram as primeiras a realizarem-se depois das legislativas de 2011, num país plenamente atingido pela governação Passos – Portas, sob a égide da troika. E essa liberdade de respiração forneceu-nos resultados reveladores sobre o “estado” político do país, que só podem incomodar o poder estabelecido, muito para além dos exercícios de menorização, como seja repetir que todas as eleições autárquicas penalizam os governos em funções. Estas foram mais longe, penalizaram o governo, os partidos políticos do chamado “arco da governação”, e o sistema político-partidário como ele hoje existe. Foram, a seu modo, uma das eleições “revolucionárias” da história democrática, como a que deu origem ao PRD, e como a que gerou a primeira maioria absoluta em sistema proporcional de Hondt. Como se vê pelos precedentes, não é líquido que não possa haver retrocesso, mas que houve expresso desejo de mudança, muito para além de punir o PSD e muito menos do que premiar o PS, houve. 

3. As eleições traduziram o ambiente político de hostilidade aos partidos sob três formas: uma parte das abstenções, o elevado número de votos brancos, a duplicação de votos nulos. No último caso, se fosse possível divulgar o que muita gente escreveu nos boletins de voto perceber-se-ia com clareza o seu significado. Em cada uma destas manifestações, - abstenções, brancos e nulos, - o significado é evidente e não vale a pena perder muito tempo a analisá-lo. Já uma quarta manifestação, o papel das listas independentes, merece mais atenção, visto que os seus resultados eleitorais extravasaram o terreno habitual dos independentes, freguesias e pequenas autarquias, para o centro da decisão eleitoral em grandes cidades. O Porto, Sintra, Oeiras, Gaia, Matosinhos, concentrando centenas de milhares de pessoas em grandes aglomerados urbanos, tiveram as suas eleições marcadas por candidaturas independentes que ou ganharam ou estiveram quase a ganhar, remetendo para segundos e terceiros, os grandes partidos nacionais. Também aqui existe um argumento de minimização que é o facto de muitos destes independentes virem dos aparelhos partidários, apresentando-os como “ressabiados” (uma típica acusação dos aparelhos e seus funcionários) que queriam vingar-se de serem preteridos. A verdade é que os eleitores os reconheceram como melhores candidatos e deram, com o seu voto, uma lição à arrogância partidária. 

 4. O que se vai passar com estes independentes? Não se pode prever, mas tudo indica que se podem tornar num factor permanente da vida local, variando a oferta política, e pressionando os partidos para terem mais cuidado com as suas escolhas. E muitos vão ser excelentes autarcas, que lá chegaram pelo mais duro dos caminhos. A lição que se deveria tirar era repensar a lei eleitoral para a Assembleia da República, terminando também aí com a hegemonia dos partidos nas candidaturas, permitindo que independentes e listas de independentes concorressem. Não tenho dúvidas de que, em particular nos meios urbanos, seria o caminho para uma renovação dos deputados, com uma nova geração de pessoas que trariam para a Assembleia, características de independência contra a governamentalização de que o parlamento necessita. 

 5. Quem perdeu é óbvio e perdeu muito mais do que se pensa. Perdeu nos anéis e nos dedos. A derrota da actual direcção do PSD é gigantesca. Nela contam factores nacionais de rejeição do governo e das suas políticas, que são tão evidentes que não merecem também que se perca muito tempo com eles. Mais interessante são os efeitos internos de rejeição da partidocracia que no PSD (e no PS) é hoje um factor de perversão da democracia. Menezes, Pedro Pinto, Carlos Abreu Amorim, Moita Flores foram escolhas pessoais de Passos Coelho e da sua direcção. Direi mais, escolhas íntimas: Menezes controla, entre Porto e Gaia, uma parte importante do aparelho partidário decisivo para o apoio a Passos Coelho; Pedro Pinto é Vice-presidente de Passos Coelho, com um claro apoio e incentivo da direcção actual quer no parlamento, que usou para a sua campanha, quer numa das raras presenças encenadas na rua de Passos; Moita Flores “preparou” uma saída falsa de Santarém para ir para Oeiras, sob o incentivo e controlo do PSD; Carlos Abreu Amorim, um homem truculento que só existia nos blogues, que pelo seu servilismo parlamentar se tornou um dos ícones da actual direcção, sempre promovido e premiado por defender a outrance tudo o que o governo desejava. Todos eles e todas as suas campanhas foram das que mais dinheiro tiveram, com uma enorme exibição de riqueza patente para quem visitasse o Porto, Oeiras ou Vila Nova de Gaia, cheias de outdoors sempre renovados. Tinham outras características comuns, ligações com a Maçonaria, um traço da actual direcção do PSD e ódios dirigidos a adversários reais e putativos de Passos, como a hostilidade a Rio, visceral em Menezes e Abreu Amorim. O objectivo destas candidaturas era solidificar o apoio interno com os mais agressivos dos fiéis, e falhou completamente.

 (Continua.)

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3.10.13


O NAVIO FANTASMA (38)

As "conferências de imprensa" do governo, como a de Portas e Maria Luís  hoje, continuam a ser um exercício de engano sobre engano, truque retórico sobre truque retórico, não contém informação mas sugestões de falsidade e omissões da verdade. Mas Portas fá-las subir um degrau na obscenidade do engano, com os soundbites incorporados. Insuportável.


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© José Pacheco Pereira
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