ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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28.10.13
POR FAVOR TIREM-ME DAQUI
De cada vez que escrevo
sobre o que acontece em Portugal, haja ou não haja "guião", haja ou não
haja Orçamento, haja ou não haja mais peripécias do Governo bipolar que
temos, haja ou não haja avaliações da troika, haja ou não haja
manifestações, haja ou não haja greves, haja ou não haja mais uma
mentira, um escândalo, uma inconfidência, uma fuga via Marques Mendes,
ou um "recado" via Expresso, haja ou não haja um retorno vingativo e um
ajuste de contas, haja ou não haja o que houver, Portugal parece Sísifo
com a sua pedra, ou um navio que não sai do sítio, encalhado por uma
maldição qualquer num canto do oceano. Até aqui, nestes textos, parece
que se volta sempre à maldição de Sísifo, ou do Navio-Fantasma, ou, mais
prosaicamente, ao Dia da Marmota do filme Groundghog Day com Bill
Murray, traduzido para português apropriadamente como o Feitiço do
Tempo. Nem o mítico Sísifo, nem o wagneriano Navio-Fantasma, nem o Bill
Murray, acordando sempre no dia seguinte no mesmo dia anterior, são
novidades, porque já estou a repetir referências que já fiz. Já não
tenho mais metáforas, nem mitos, nem filmes. Por favor, tirem-me daqui.
Quando
falo em público, as perguntas das pessoas são sempre as mesmas: "Quanto
tempo é que isto vai durar?", "Como é que nos vimos livres destes
senhores?", "Quando é que saímos disto?", "Como é que se dá a volta?", e
outras variantes do mesmo. E embora eu desconte a relação entre o que
diz o palestrante e as expectativas dos ouvintes, cujo acto de lá ir é
já de si uma mostra de empatia e interesse, seja de simpatia, seja de
antipatia, mesmo assim há alguma coisa que está muito errada quando uma
sala com duas ou três centenas de pessoas, no meio de uma noite de
tempestade, no fundo, quer saber quando é que anda tudo à pancada e a
partir montras ou coisas piores, e manifesta o seu enorme desagrado e
impotência por tal não acontecer. E quando falo de uma sala destas - e
estou a pensar em exemplos muito concretos e recentes - estou a falar de
gente da classe média, composta, educada, com profissões reconhecidas
como sendo de elite, engenheiros, médicos, professores, advogados,
funcionários públicos dos escalões superiores, reformados com pensões
acima de mil euros, pelo menos, alguns pequenos empresários privados, e
os seus filhos qualificados e desempregados.
Bem sei que são
eles, os que "ainda têm alguma coisa", o alvo preferencial da sanha
governativa, aquilo que antes se chamava "classe média", e hoje se
considera os ricos e os privilegiados, para confiscar fiscalmente e
reduzir, por todos os meios, salários e pensões, ao remedeio, à quase
pobreza, quando não à pobreza. E são eles que me perguntam, de uma forma
cada menos eufemística, quando é que há uma revolução, nem mais nem
menos. E mesmo eu, que entendo que toda a intransigência face ao Governo
e à governação é pouca, ainda fico surpreendido com a veemência da sua
revolta, que já ultrapassou a hostilidade aos governantes, para estar já
na raiva por nada acontecer e no vitupério ao "povo" que aceita tudo e
não faz nada. E se pensam que estou a exagerar, enganam-se. A coisa está
muito negra por estes lados.
Não estou a falar de gente que tenha
simpatias pelo PCP, pelo BE. Bem pelo contrário, a sua esmagadora
maioria são votantes "centrais", votaram no PSD e no PS e mesmo no CDS.
Estão informados, muito mais informados do que a média dos portugueses,
vêem a SICN e a TVI24, acompanham os debates, lêem o Expresso no
fim-de-semana, sabem o que disse o Marcelo e o que escreveu o Vasco
Pulido Valente ou o Miguel Sousa Tavares, conhecem-me da Quadratura mais
os meus companheiros de debate. E estão positivamente furiosos, não só
porque o seu bolso é o alvo principal mas também porque se sentem
impotentes e, acima de tudo, insultados e humilhados.
Se voltarmos
ao nosso país, permanentemente no Dia da Marmota, ou encalhado no Mar
dos Sargaços, ou a levar a pedra ao cimo do monte para a ver cair,
percebe-se que não lhes faltam irritantes quotidianos. Há, primeiro que
tudo, o estado ontológico da "inevitabilidade", ou seja, nós somos os
"forçados da dívida", presos numa prisão de alta segurança, cujos
carcereiros menores, empregados dos carcereiros maiores, nos dizem que
não há a mínima esperança de sair de lá. Volto ao armazém literário,
para ver a entrada do Inferno de Dante: ó vós que entrais, perdei toda a
esperança. Como é que se vive sem esperança? Eles sabem.
Depois
que palavras novas - nem sequer estou à espera de dizer promissoras,
salvíficas, esperançosas - esperam eles ouvir de Cavaco Silva ou Passos
Coelho, que logros e enganos renovados esperam de Portas ou Maduro, que
coisas convincentes de Seguro, que não sejam as mesmas de ontem, gastas,
cansadas, fora de qualquer prazo de validade. Nem sequer mentiras
novas, mas sempre as mesmas recicladas. Já vimos tudo, já ouvimos tudo,
já sabemos tudo, e é também por isso que a indústria das peripécias,
vulgo comunicação social, nunca descansa nos seus moinhos de orações.
Coisa graves há, Angola, dívida, orçamento, saque fiscal, destruição da
confiança, vidas estragadas, perda, perda, perda. Mas misturadas com
muita irrelevância que ganha terreno no meio do cansaço, a ver se ainda
há alguma novidade. Ah! Sócrates escreveu uma redacção sobre a tortura e
desceu dos céus parisienses via RTP... E depois? Serve de
entretenimento, mas mais nada.
Este gigantesco marasmo inquina
tudo. Bloqueia qualquer solução política que "abra" a situação e permita
avançar. Cavaco Silva tem muita culpa ao não ter fechado uma crise
endémica, que está aí todos os dias no governo da diarquia, com eleições
antecipadas. Não mudava tudo, mas permitia uma descompressão da
situação. O que é que o impedia de ter exigido aos partidos nova
legislação para encurtar os prazos eleitorais e assim minimizar os danos
dos tempos longos entre a decisão de haver eleições e a posse de um
novo governo? O que é que o impedia de forçar um pacto pré-eleitoral
entre os três partidos, dizendo-lhes claramente que ia convocar
eleições, em vez de andar penosamente a pedi-lo em público, recebendo um
não?
Havia riscos e custos? Certamente que havia, nos juros que
nos impediriam de ir aos mercados. Mas a verdade é que depois da "crise
Portas" também não há condições para ir aos mercados, e suspeito que os
portugueses preferiam defrontar o problema com eleições do que ter que
pagar o mesmo preço com Portas a agitar-se todos os dias para parecer
bem e Passos Coelho a tirar-lhe o tapete para que ele pareça mal. Até a troika,
que sabe o que são factos consumados, aceitaria a inevitabilidade, esta
virtuosa, de haver eleições. Mas Cavaco Silva não quis e agora está
condenado a aceitar um orçamento inconstitucional, ele que jurou
defender a Constituição.
O bloqueio político é o maior problema
que Portugal hoje conhece, maior do que o défice e do que a dívida,
porque ele condiciona o defrontarmos o problema do défice e da dívida em
democracia e a médio prazo, única forma de o podermos fazer. Sublinho,
em democracia. Bloqueado politicamente, com este pseudogoverno,
arrastando-se nas suas contradições, preparando um golpe contra o
Tribunal Constitucional, com uma ilegalidade tornada normal pela
retórica da "emergência financeira", com as instituições a não
funcionarem, Portugal está encalhado no meio do mar, traz aos ombros a
pedra maior dos sacrifícios do seu povo, para a ver cair de novo, e
assiste pela milionésima vez às comemorações do Dia da Marmota.
Admirem-se
pois que aqueles pacíficos cidadãos queiram a revolução. Tirem-me
daqui. Por favor, porque somos gente educada. Queremos partir tudo, mas
somos educados.
(url)
© José Pacheco Pereira
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