ABRUPTO

5.10.13


ALGUMAS NOTAS SOBRE AS AUTÁRQUICAS (1) 
 
 1. As eleições autárquicas foram desprezadas por quase todos: pelas direcções do PSD e CDS, pelos comentadores pró-governamentais que fizeram tudo para lhe tirar importância política, e pela comunicação social e não só por causa das decisões absurdas da Comissão Nacional de Eleições, aceites com zelo, mas também em editoriais cheios de enjoo snobe. Durante um mês, se havia referências às eleições, era ao estilo engraçadista dos “tesourinhos deprimentes”, substituindo o noticiário político pelo gozo com os candidatos que tinham a infelicidade de cair sob a atenção dos cada vez mais numerosos profissionais do ridículo alheio. 

2. E no entanto… as eleições autárquicas foram um dos poucos momentos de respiração livre da política portuguesa, livre da “inevitabilidade” que retira o ar à democracia. Tinham aliás que ser relevantes, porque eram as primeiras a realizarem-se depois das legislativas de 2011, num país plenamente atingido pela governação Passos – Portas, sob a égide da troika. E essa liberdade de respiração forneceu-nos resultados reveladores sobre o “estado” político do país, que só podem incomodar o poder estabelecido, muito para além dos exercícios de menorização, como seja repetir que todas as eleições autárquicas penalizam os governos em funções. Estas foram mais longe, penalizaram o governo, os partidos políticos do chamado “arco da governação”, e o sistema político-partidário como ele hoje existe. Foram, a seu modo, uma das eleições “revolucionárias” da história democrática, como a que deu origem ao PRD, e como a que gerou a primeira maioria absoluta em sistema proporcional de Hondt. Como se vê pelos precedentes, não é líquido que não possa haver retrocesso, mas que houve expresso desejo de mudança, muito para além de punir o PSD e muito menos do que premiar o PS, houve. 

3. As eleições traduziram o ambiente político de hostilidade aos partidos sob três formas: uma parte das abstenções, o elevado número de votos brancos, a duplicação de votos nulos. No último caso, se fosse possível divulgar o que muita gente escreveu nos boletins de voto perceber-se-ia com clareza o seu significado. Em cada uma destas manifestações, - abstenções, brancos e nulos, - o significado é evidente e não vale a pena perder muito tempo a analisá-lo. Já uma quarta manifestação, o papel das listas independentes, merece mais atenção, visto que os seus resultados eleitorais extravasaram o terreno habitual dos independentes, freguesias e pequenas autarquias, para o centro da decisão eleitoral em grandes cidades. O Porto, Sintra, Oeiras, Gaia, Matosinhos, concentrando centenas de milhares de pessoas em grandes aglomerados urbanos, tiveram as suas eleições marcadas por candidaturas independentes que ou ganharam ou estiveram quase a ganhar, remetendo para segundos e terceiros, os grandes partidos nacionais. Também aqui existe um argumento de minimização que é o facto de muitos destes independentes virem dos aparelhos partidários, apresentando-os como “ressabiados” (uma típica acusação dos aparelhos e seus funcionários) que queriam vingar-se de serem preteridos. A verdade é que os eleitores os reconheceram como melhores candidatos e deram, com o seu voto, uma lição à arrogância partidária. 

 4. O que se vai passar com estes independentes? Não se pode prever, mas tudo indica que se podem tornar num factor permanente da vida local, variando a oferta política, e pressionando os partidos para terem mais cuidado com as suas escolhas. E muitos vão ser excelentes autarcas, que lá chegaram pelo mais duro dos caminhos. A lição que se deveria tirar era repensar a lei eleitoral para a Assembleia da República, terminando também aí com a hegemonia dos partidos nas candidaturas, permitindo que independentes e listas de independentes concorressem. Não tenho dúvidas de que, em particular nos meios urbanos, seria o caminho para uma renovação dos deputados, com uma nova geração de pessoas que trariam para a Assembleia, características de independência contra a governamentalização de que o parlamento necessita. 

 5. Quem perdeu é óbvio e perdeu muito mais do que se pensa. Perdeu nos anéis e nos dedos. A derrota da actual direcção do PSD é gigantesca. Nela contam factores nacionais de rejeição do governo e das suas políticas, que são tão evidentes que não merecem também que se perca muito tempo com eles. Mais interessante são os efeitos internos de rejeição da partidocracia que no PSD (e no PS) é hoje um factor de perversão da democracia. Menezes, Pedro Pinto, Carlos Abreu Amorim, Moita Flores foram escolhas pessoais de Passos Coelho e da sua direcção. Direi mais, escolhas íntimas: Menezes controla, entre Porto e Gaia, uma parte importante do aparelho partidário decisivo para o apoio a Passos Coelho; Pedro Pinto é Vice-presidente de Passos Coelho, com um claro apoio e incentivo da direcção actual quer no parlamento, que usou para a sua campanha, quer numa das raras presenças encenadas na rua de Passos; Moita Flores “preparou” uma saída falsa de Santarém para ir para Oeiras, sob o incentivo e controlo do PSD; Carlos Abreu Amorim, um homem truculento que só existia nos blogues, que pelo seu servilismo parlamentar se tornou um dos ícones da actual direcção, sempre promovido e premiado por defender a outrance tudo o que o governo desejava. Todos eles e todas as suas campanhas foram das que mais dinheiro tiveram, com uma enorme exibição de riqueza patente para quem visitasse o Porto, Oeiras ou Vila Nova de Gaia, cheias de outdoors sempre renovados. Tinham outras características comuns, ligações com a Maçonaria, um traço da actual direcção do PSD e ódios dirigidos a adversários reais e putativos de Passos, como a hostilidade a Rio, visceral em Menezes e Abreu Amorim. O objectivo destas candidaturas era solidificar o apoio interno com os mais agressivos dos fiéis, e falhou completamente.

 (Continua.)

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© José Pacheco Pereira
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