Acabar com as tolerâncias de ponto, que são só e apenas “tolerâncias”, é inevitável quando se está a acabar com os feriados. Na actual situação económica e financeira, é uma medida inevitável e aceitável. Infelizmente, nos dias de hoje as medidas aceitáveis estão a ser vendidas com uma carga punitiva que acaba por as tornar muito mais conflituosas do que seriam se o governo se limitasse a decidir com discrição e reserva em vez de nos dar uma lição de moral por junto.
Mas uma coisa é a justeza da decisão de acabar com a tolerância do Carnaval, outra é a má qualidade da implementação da decisão. A forma como esta decisão foi tomada e anunciada é um case study de incompetência. É que uma coisa é o domínio da ideologia e do discurso punitivo, outra a qualidade da governação. Pode acaso saber-se a razão pela qual as tolerâncias de ponto, mais ou menos institucionalizadas como é o caso do Carnaval, não foram levantadas a tempo e horas quando se começou a discutir os feriados? Desde Outubro de 2011 que tal era suposto acontecer e, pelo menos minimizava os prejuízos com contratos e despesas entretanto feitas. Agora fazê-lo em vésperas dos Carnavais preparados, que têm também valor económico para muitas localidades, é pelo menos negligência pura. Por outro lado, o Governo parece desconhecer que, se para os funcionários públicos o Carnaval é uma “tolerância” (e lá vão os deputados pressurosos mostrar que eles também são funcionários públicos…), para muitas das áreas da nossa economia ele está contratualizado em acordos de empresa e sector. Uma parte importante da economia nacional, incluindo a principal exportadora a AutoEuropa, assim como a Secil, a Cimpor, a Brisa, a banca, os seguros, o pessoal das autarquias com festas organizadas (pelo menos Ovar, Torres Vedras, Mealhada, Carregal do Sal, Loulé e Sesimbra) e muita da construção civil, fecha no dia de carnaval. O resultado é dar uma imagem pública de desigualdade, caos e falta de autoridade, que funciona também como um irritante inútil.
O número zero dos Estudos Sobre o Comunismo
saiu em Julho de 1983, fará em 2013 trinta anos. Do seu Conselho de
Redacção faziam parte Fernando Rosas, Rogério Rodrigues, Maria Goretti
Matias, António Moreira, José Alexandre Magro (“Ramiro da Costa”).
Manuel Sertório e eu próprio, que era o seu director. Era um grupo
heterogéneo, mas na sua maioria tinha passado pela oposição à ditadura
antes do 25 de Abril. O decano do grupo, mais velho do que todos os
outros, era Manuel Sertório, um militante da oposição portuguesa com um
papel muito importante na Seara Nova, no exílio de Delgado no Brasil,
nos eventos da FPLN em Argel. Desde meados da década de cinquenta, não
há história da oposição sem Manuel Sertório e até praticamente à sua
morte, o seu companheirismo e o seu testemunho foram fundamentais. A ele
se juntavam Fernando Rosas, que tinha vindo do MRPP e iniciava a sua
carreira académica, António Moreira e José Alexandre Magro, ambos com
publicações na área da história do movimento operário, e que tinham sido
militantes da UDP, Rogério Rodrigues que escrevia sobre o PCP no jornal
O Jornal e Maria Goretti Matias a trabalhar na génese daquilo que viria
a ser o arquivo do ICS. Muitos outros amigos colaboraram com a
revista, no arranjo gráfico, com artigos e com outros contributos.
Fora de Portugal Annie Kriegel e Stephane Courtois, cuja revista Communisme
tinha servido de inspiração aos Estudos, apoiaram sempre a iniciativa. A
seu convite participei nos seminários que Kriegel organizava em
Nanterre, e, com Stephane Courtois, em várias actividades na França e na
Alemanha, com o objectivo de criar uma rede de estudos a nível europeu
sobre o fenómeno do comunismo, fora da história “oficial” e do
proselitismo anti-comunista, a tenaz que durante muito tempo condicionou
a análise de um dos fenómenos mais importantes do século XX. Um dos
frutos destas iniciativas veio a ser o Livro Negro do Comunismo
e, mais tarde, a explosão documental que o fim da URSS e do “sistema
comunista mundial” (a expressão era de Kriegel) trouxeram, tornando
obsoletos muitos estudos anteriores a 1991.
Publicar em 1983 uma revista como esta
tinha dificuldades inimagináveis nos dias de hoje. O “campo” de estudos
académicos do comunismo em Portugal não existia, muito menos o dos
estudos sobre o PCP. Mais do que ser pioneira nessa matéria, – a revista
“abriu” toda uma temática da história contemporânea, – a sua própria
existência era entendida na época como uma provocação pelo PCP e pela
esquerda radical, isto numa altura em que estas instituições eram muito
mais poderosas do que nos dias de hoje e detinham uma forte hegemonia
nos meios intelectuais. À direita este tipo de “estudos” eram tidos como
academicamente impuros. A história académica do período contemporâneo
era dominada então pelo estudo do Estado Novo., muito mais pacífico do
que a do comunismo. Tudo isto está felizmente no passado, mas não
totalmente. O facto do PCP ser um dos poucos partidos comunistas
sobreviventes em todo o mundo que ainda mantém fechados os seus
arquivos, continua a funcionar como um bloqueio para o aggiornamento
da sua história, prendendo-a ainda no ciclo de “revelações” e negações,
de que de há muito se libertou a história do comunismo em muitos
países.
Os Estudos sobre o Comunismo existem na Rede desde 2003, numa primeira série digital (2ª se contarmos com a de papel) aqui e numa segunda série aqui, com altos e baixos até 2009, altura em que a manutenção do EPHEMERA me levou a deixar de a actualizar. Embora o problema do tempo continue sempre cada vez mais premente, vou tentar retomar este trabalho
que, nos primeiros tempos, será ainda muito imperfeito. Há
bibliografias para actualizar, sistemas de categorias por aperfeiçoar,
ligações a verificar e a actualizar, e muito material recolhido nos
últimos três anos por publicar. Pouco a pouco, talvez se consiga retomar
uma sequência regular.
Não conheço discurso de Passos Coelho que melhor retrate a retórica oficial deste governo do que aquele que fez esta semana numa escola privada de Odivelas em que deu aulas. O grupo de que faz parte essa escola tem um conjunto de edições cujo “eduquês” deveria assustar o Ministro da Educação, e inclui uma intitulada “contra o terror do neoliberalismo” assim anunciada
Com os seus mundos utópicos de poder, comércio e rentabilidade, o neoliberalismo introduziu uma nova Era Dourada, na qual a lógica do mercado governa agora cada aspecto dos media, da cultura e da vida social – desde a escolarização aos cuidados de saúde. À medida que o contrato social se torna uma memória longínqua, o novo “estado empresarial” distancia-se a si próprio dos trabalhadores e grupos minoritários, que se tornam cada vez mais descartáveis num novo tempo de incerteza e de medo cultivado.
Não sei se ofereceram o livro ao Primeiro-ministro.
Dito isto, Passos Coelho explicou a epifânia adâmica que o motiva e que não sei se assusta mais pela ingenuidade, ou se pela inconsciência. Previno desde já quem ache que estas coisas são do domínio da ideologia, que ao célebre neoliberalismo que a escola acha um “terror”, não lhe dou esse estatuto. É mais uma colecção de lugares comuns que estão na moda, a vulgata do “pensamento único” dos nossos dias.
Emerge da crença de que o que está em curso é uma espécie de revolução puritana do Bem contra o Mal (o apelo à “transformação de velhas estruturas e velhos comportamentos muito preguiçosos ou, às vezes, demasiado autocentrados”, por outros “descomplexados, mais abertos, mais competitivos”) e dá como exemplo nem mais nem menos do que a história do feriado do Carnaval (cito o Público):
A “diferença” entre uma atitude ambiciosa e exigente e outra “agarrada ao passado” (…) considerando que há quem prefira continuar a “lamentar-se com as medidas, com os feriados, com o Carnaval” em vez de lançar “mãos à obra”.
(…) como foi “caricato” aquilo que aconteceu no ano passado, quando a troika estava em Portugal para negociar a assistência financeira: “Quem emprestava dinheiro trabalhava enquanto o país aproveitava os feriados e as pontes”.
A senhora Merkel não diria melhor: a luta de classes é entre “preguiçosos autocentrados” e “descomplexados competitivos”, no palco dessa celebração pagã que é o Carnaval. Percebem melhor porque acho que a ideologia não é chamada para estas coisas?
Depois vêm os conselhos aos portugueses para não os deixar cair na tentação do pecado (na língua que ele usa chama a isto “enfatizar a relevância”):
(…) criticando ainda discursos que consideram que há “demasiada austeridade”, que as medidas adoptadas para corrigir os défices do país são “muito difíceis” e, portanto, é melhor “andar para trás” e voltar “a gastar o dinheiro” que o país não tem, até porque “o FMI e a UE hão-de emprestar mais dinheiro, que remédio”, já que Portugal faz parte da zona euro.
Admito que se possa dizer que é isto que o PCP e o BE defendem, ou até que o seu companheiro de estrada no PS, sugere. Mas este regresso ao passado está bem longe do sentimento da maioria dos portugueses, que, para bem do Governo, sabe que a austeridade é necessária. Porém, esta interiorização da inevitabilidade da austeridade, não chega para um novo puritano. Tem que haver expiação dos pecados, ou seja tem que se mexer na cabeça e no corpo das pessoas para extirpar o mal e, para isso, aconselha os portugueses a serem “menos piegas”. Num país civilizado, bastava esta frase, no actual contexto de crise violenta para as pessoas, para derrubar um governo. Aqui, a sorte do governo é que as pessoas ainda são muito complacentes, ou, se se quiser, “piegas”.
Esta espécie de revolucionarismo de varinha mágica é bem evidente no que disse sobre a “falácia”
“de que as grandes reformas levam anos a produzir efeitos”:
“Não é verdade. (…) As pessoas ajustam-se rapidamente à mudança. Mas tem de haver uma mudança (…). Os agentes ajustam-se muito rapidamente e antecipam os resultados quando há credibilidade”.
A palavrinha “agentes” denuncia o economês, mas a frase toda denuncia a ideia tecnocrática típica dos “descomplexados, mais abertos, mais competitivos”, de que as sociedades se “gerem” como as empresas, um dos maiores lugares comuns que presidem a este “pensamento único” dos dias de hoje. Não, senhor Primeiro-ministro, os “agentes” não se “ajustam muito rapidamente” ao empobrecimento de uns e às prebendas de outros, à linguagem que reduz os contratos sociais que são “direitos adquiridos” a apenas contratos empresariais das PPP, à ideia de que que quem não é “competitivo” merece o desemprego e a miséria e ainda por cima ser insultado de “piegas”.
POR QUE RAZÃO OS BLOGUES TÊM CADA VEZ MENOS IMPORTÂNCIA?
Os
blogues são colunas de opinião pessoal, diários, listas de notas,
colecções de documentos, fotografias, vídeos, auto-editados, ou seja,
sem terem qualquer intermediação como é suposto existir nos órgãos de
comunicação social. Essa intermediação faz-se pelo trabalho de edição e
pelos saberes e regras do exercício profissional do jornalismo. Os
blogues podem aproximar-se muito dos órgãos de comunicação social, podem
inclusive ser feitos com as regras do jornalismo, podem inclusive em
muitos casos produzir jornalismo, mas sendo auto-editados são mais
parecidos com as edições de autores ou com revistas em que o seu criador
define todas as condições da sua publicação. A facilidade e
gratuitidade da sua plataforma de publicação, a dimensão do seu público
potencial e a sua inserção nos mecanismos da Rede, como é o caso do
hipertexto, da interactividade, da conjugação com as redes sociais,
tornam-nos uma nova realidade comunicacional.
Os blogues, com
este ou outro nome, vieram para ficar. Os blogues são a "voz própria"
individual, potencialmente de todos para todos no espaço público, mesmo
que o sejam apenas para meia dúzia de amigos e não haja nenhuma
garantia, bem pelo contrário, de qualidade e interesse dessa voz. Isso é
novo, e ainda nada o substituiu e não desaparecerá pelo facto de haver
Facebook ou o Twitter, que exercem funções diferentes de forma
diferente. Aumentou imenso a logomaquia no espaço público, com todos os
defeitos de irrelevância, presunção, arrogância, ignorância e pura
tontice, do que se diz, mas o instrumento está lá e tem um papel social
ineludível.
Há uma parte da chamada blogosfera nacional em que os
blogues políticos tiveram e tem um papel central. Não é nada que não
fosse previsível, dada a grande politização do espaço público, em que
apenas o futebol, com outras características, ocupa um papel de relevo
semelhante. Essa parte da blogosfera política está em profunda crise e
explica por que os blogues políticos têm cada vez menos importância. Há
várias razões para tal acontecer, e vou referir apenas três: a agenda
dos blogues tornou-se a agenda comunicacional; os blogues tornaram-se
espelhos miméticos dos partidos e fracções políticas, e os blogues são
hoje uma "área de negócio", quer em termos da gestão de carreiras
individuais, principalmente no plano político, quer para agências de
comunicação, marketing, etc., que actuam nesse meio para servirem os
seus clientes. Tudo isso significa que os blogues políticos perderam
independência, autonomia e transparência. São por isso menos
interessantes, menos importantes e tem menos leitores.
A agenda dos blogues é hoje a da comunicação social, interagindo mais a favor dos mediado
que dos blogues. Ou seja, os temas não só são cada vez mais os mesmos,
como a relação de "novidade" vem dos jornais para os blogues e não o
contrário. Nos primeiros tempos da blogosfera, os blogues discutiam e
cobriam muito do que não vinha na comunicação social e essa diferença
introduzia novidade e interesse. Os blogues tinham que ser lidos para se
saber o que tinha ocorrido num colóquio, num espectáculo, num evento,
que a comunicação social não cobria, e ao mesmo tempo aproximavam-se dos
acontecimentos com pontos de vista muito diferentes e fora do ciclo
excitação - esquecimento dos mediatradicionais. Foi nos blogues que se "ressuscitou" uma questão que os mediajá
tinham enterrado, a do aeroporto da Ota, e foi nos blogues que se
suscitaram as dúvidas sobre a carreira profissional do primeiro-ministro
de então. Quer uma, quer outra questão tiveram imensas consequências
que ainda estão "vivas" hoje.
Ao mesmo tempo a "cor" política dominante nos blogues era muito diferente da que dominava o discurso dos media, e isso dava-lhes um sistema novo de referências, temas, questões, fora do mainstream. Os blogues estavam ou mais à direita ou mais à esquerda do que o mainstream,
e muitas vezes pareciam verdadeiros ET ideológicos e políticos, que
fascinavam, para o bem e para o mal, um novo tipo de leitores jovens que
faziam a sua aprendizagem política mais na Rede do que nos mediaclássicos. Com o tempo, isto foi mudando e o que parecia então radical e novo tornou-se cada vez mais o novo mainstream, à medida que os mediacomeçavam
a recrutar colunistas nos blogues, com raras excepções sem grande
sucesso, e os partidos políticos da oposição ao PS começavam a
deslocar-se para o interior dos blogues, encontrando aí novas formas de
recrutamento e criando expectativas crescentes de carreira, quando se
começou a dar a mudança política.
A mudança política de 2011 foi
mortífera para os blogues, começando a notar-se os seus efeitos
perversos cerca de dois anos antes do fim do "socratismo", quando, muito
à portuguesa, começou a debandada para a "zona de conforto" que a nova
situação anunciava e mais tarde concretizou. Infelizmente para os
blogues, bastou um ciclo de mudança política para mostrar como todos os
defeitos da vida política portuguesa - o espírito de obediência, a falta
de independência crítica, a absurda redução de tudo à dicotomia
situação/oposição, e o puro oportunismo pessoal de um país em que a fome
é muita e os empregos escassos -, para tornar os blogues meros
acrescentos dos partidos políticos e das suas facções. O clubismo
político instalou-se e com ele a desertificação ideológica, os silêncios
e as falas de conveniência, a submissão ao novo unanimismo, o espírito
de claque em guerra com os adversários, e de um modo geral a completa
mediocridade daquilo que passa por ser o debate político em Portugal. Os
blogues políticos parecem-se cada vez mais com secções das "jotas"
partidárias.
Por último, os blogues perderam transparência, à
medida que se tornavam cada vez mais "lucrativos". As agências de
comunicação e marketing começaram a investir nos blogues, sempre
sensíveis ao que "estava a dar", a promiscuidade e o trade offcom
os jornalistas acentuou-se, os partidos políticos e as redes de poder,
como certas lojas maçónicas, começaram a recrutar nos blogues. O Governo
Sócrates criou um falso blogue anónimo para intervir na blogosfera,
usando informações e meios governamentais, o Governo Passos Coelho foi
aos blogues buscar pessoal político, assessores, gente do marketing,
jornalistas cuja opinião política era exposta nos blogues, em particular
para criar novas equipas de propagandistas.
Todos os tiques do
confronto político subjugado à carreira e ao interesse, se passaram com
armas e bagagens para os blogues, e desertificaram o meio. Com o tempo, o
instrumento perderá toda a eficácia, que já é pequena, e um processo
natural de depuração se irá realizar. À medida que a blogosfera perder o
seu impacto na política deixará de ser interessante para muita gente, e
isso poderá de novo suscitar uma outra blogosfera diferente. Ou não.
Eu
também tenho um blogue e deixo aos meus leitores o julgamento sobre em
que medida se me aplicam as críticas que faço ao meio. E também convém
enunciar que há excepções, quer pela qualidade de escrita e análise,
quer pela independência e autonomia. Mas são excepções, não servem para
caracterizar a coisa.
AS PERGUNTAS QUE SE SEGUEM:
Por que razão o "modelo" das Forças Armadas, criado, por esta ordem, pela JSD, JS PSD e PS, não é "sustentável"?
Por que razão a República Popular da China vai condicionar a nossa política externa?
Por que razão é que Obama, mesmo quando faz mal, faz bem?
Por que razão a comunicação social dá importância a coisas sem importância nenhuma?