POR QUE RAZÃO OS BLOGUES TÊM CADA VEZ MENOS IMPORTÂNCIA?
Os
blogues são colunas de opinião pessoal, diários, listas de notas,
colecções de documentos, fotografias, vídeos, auto-editados, ou seja,
sem terem qualquer intermediação como é suposto existir nos órgãos de
comunicação social. Essa intermediação faz-se pelo trabalho de edição e
pelos saberes e regras do exercício profissional do jornalismo. Os
blogues podem aproximar-se muito dos órgãos de comunicação social, podem
inclusive ser feitos com as regras do jornalismo, podem inclusive em
muitos casos produzir jornalismo, mas sendo auto-editados são mais
parecidos com as edições de autores ou com revistas em que o seu criador
define todas as condições da sua publicação. A facilidade e
gratuitidade da sua plataforma de publicação, a dimensão do seu público
potencial e a sua inserção nos mecanismos da Rede, como é o caso do
hipertexto, da interactividade, da conjugação com as redes sociais,
tornam-nos uma nova realidade comunicacional.
Os blogues, com
este ou outro nome, vieram para ficar. Os blogues são a "voz própria"
individual, potencialmente de todos para todos no espaço público, mesmo
que o sejam apenas para meia dúzia de amigos e não haja nenhuma
garantia, bem pelo contrário, de qualidade e interesse dessa voz. Isso é
novo, e ainda nada o substituiu e não desaparecerá pelo facto de haver
Facebook ou o Twitter, que exercem funções diferentes de forma
diferente. Aumentou imenso a logomaquia no espaço público, com todos os
defeitos de irrelevância, presunção, arrogância, ignorância e pura
tontice, do que se diz, mas o instrumento está lá e tem um papel social
ineludível.
Há uma parte da chamada blogosfera nacional em que os
blogues políticos tiveram e tem um papel central. Não é nada que não
fosse previsível, dada a grande politização do espaço público, em que
apenas o futebol, com outras características, ocupa um papel de relevo
semelhante. Essa parte da blogosfera política está em profunda crise e
explica por que os blogues políticos têm cada vez menos importância. Há
várias razões para tal acontecer, e vou referir apenas três: a agenda
dos blogues tornou-se a agenda comunicacional; os blogues tornaram-se
espelhos miméticos dos partidos e fracções políticas, e os blogues são
hoje uma "área de negócio", quer em termos da gestão de carreiras
individuais, principalmente no plano político, quer para agências de
comunicação, marketing, etc., que actuam nesse meio para servirem os
seus clientes. Tudo isso significa que os blogues políticos perderam
independência, autonomia e transparência. São por isso menos
interessantes, menos importantes e tem menos leitores.
A agenda dos blogues é hoje a da comunicação social, interagindo mais a favor dos mediado
que dos blogues. Ou seja, os temas não só são cada vez mais os mesmos,
como a relação de "novidade" vem dos jornais para os blogues e não o
contrário. Nos primeiros tempos da blogosfera, os blogues discutiam e
cobriam muito do que não vinha na comunicação social e essa diferença
introduzia novidade e interesse. Os blogues tinham que ser lidos para se
saber o que tinha ocorrido num colóquio, num espectáculo, num evento,
que a comunicação social não cobria, e ao mesmo tempo aproximavam-se dos
acontecimentos com pontos de vista muito diferentes e fora do ciclo
excitação - esquecimento dos mediatradicionais. Foi nos blogues que se "ressuscitou" uma questão que os mediajá
tinham enterrado, a do aeroporto da Ota, e foi nos blogues que se
suscitaram as dúvidas sobre a carreira profissional do primeiro-ministro
de então. Quer uma, quer outra questão tiveram imensas consequências
que ainda estão "vivas" hoje.
Ao mesmo tempo a "cor" política dominante nos blogues era muito diferente da que dominava o discurso dos media, e isso dava-lhes um sistema novo de referências, temas, questões, fora do mainstream. Os blogues estavam ou mais à direita ou mais à esquerda do que o mainstream,
e muitas vezes pareciam verdadeiros ET ideológicos e políticos, que
fascinavam, para o bem e para o mal, um novo tipo de leitores jovens que
faziam a sua aprendizagem política mais na Rede do que nos mediaclássicos. Com o tempo, isto foi mudando e o que parecia então radical e novo tornou-se cada vez mais o novo mainstream, à medida que os mediacomeçavam
a recrutar colunistas nos blogues, com raras excepções sem grande
sucesso, e os partidos políticos da oposição ao PS começavam a
deslocar-se para o interior dos blogues, encontrando aí novas formas de
recrutamento e criando expectativas crescentes de carreira, quando se
começou a dar a mudança política.
A mudança política de 2011 foi
mortífera para os blogues, começando a notar-se os seus efeitos
perversos cerca de dois anos antes do fim do "socratismo", quando, muito
à portuguesa, começou a debandada para a "zona de conforto" que a nova
situação anunciava e mais tarde concretizou. Infelizmente para os
blogues, bastou um ciclo de mudança política para mostrar como todos os
defeitos da vida política portuguesa - o espírito de obediência, a falta
de independência crítica, a absurda redução de tudo à dicotomia
situação/oposição, e o puro oportunismo pessoal de um país em que a fome
é muita e os empregos escassos -, para tornar os blogues meros
acrescentos dos partidos políticos e das suas facções. O clubismo
político instalou-se e com ele a desertificação ideológica, os silêncios
e as falas de conveniência, a submissão ao novo unanimismo, o espírito
de claque em guerra com os adversários, e de um modo geral a completa
mediocridade daquilo que passa por ser o debate político em Portugal. Os
blogues políticos parecem-se cada vez mais com secções das "jotas"
partidárias.
Por último, os blogues perderam transparência, à
medida que se tornavam cada vez mais "lucrativos". As agências de
comunicação e marketing começaram a investir nos blogues, sempre
sensíveis ao que "estava a dar", a promiscuidade e o trade offcom
os jornalistas acentuou-se, os partidos políticos e as redes de poder,
como certas lojas maçónicas, começaram a recrutar nos blogues. O Governo
Sócrates criou um falso blogue anónimo para intervir na blogosfera,
usando informações e meios governamentais, o Governo Passos Coelho foi
aos blogues buscar pessoal político, assessores, gente do marketing,
jornalistas cuja opinião política era exposta nos blogues, em particular
para criar novas equipas de propagandistas.
Todos os tiques do
confronto político subjugado à carreira e ao interesse, se passaram com
armas e bagagens para os blogues, e desertificaram o meio. Com o tempo, o
instrumento perderá toda a eficácia, que já é pequena, e um processo
natural de depuração se irá realizar. À medida que a blogosfera perder o
seu impacto na política deixará de ser interessante para muita gente, e
isso poderá de novo suscitar uma outra blogosfera diferente. Ou não.
Eu
também tenho um blogue e deixo aos meus leitores o julgamento sobre em
que medida se me aplicam as críticas que faço ao meio. E também convém
enunciar que há excepções, quer pela qualidade de escrita e análise,
quer pela independência e autonomia. Mas são excepções, não servem para
caracterizar a coisa.
AS PERGUNTAS QUE SE SEGUEM:
Por que razão o "modelo" das Forças Armadas, criado, por esta ordem, pela JSD, JS PSD e PS, não é "sustentável"?
Por que razão a República Popular da China vai condicionar a nossa política externa?
Por que razão é que Obama, mesmo quando faz mal, faz bem?
Por que razão a comunicação social dá importância a coisas sem importância nenhuma?
Estou a ler, estou a ler... Com muita dificuldade porque é confuso, contraditório, sem uma linha nem direcção, e muito menos um "gene". Aliás, esta modernice do GenePSD é apenas e só isto, porque é suposto não haver transmissão genética dos caracteres adquiridos e no PSD havia a tradição de se considerarem duas realidades programáticas: o programa escrito e o "programa não- escrito", a história e a memória do partido. Num partido sui generis como o PSD, o "programa não escrito" é muito relevante, mas compreendo que a memória possa ser incómoda. Para além disso, convenhamos, que alguns caracteres adquiridos não são brilhantes...
Este livro, tanto quanto se pode concluir numa primeira leitura rápida, é uma síntese, usando a palavra síntese com benevolência, entre citações de Sá Carneiro, aquilo que os seus autores pensam ser o pensamento de Mounier, e umas frases de Aguiar Branco, mais as de alguns colunistas mais ou menos na moda à direita. Isso não significa que o documento não seja interessante, porque dá um retrato das enormes dificuldades em compatibilizar a orientação ideológica da actual governação e o "gene" fundacional do partido, o que leva por reacção alguns textos a serem ultra-"sociais democratas", mas apenas no carácter retórico e e com efeito proclamativo, sem substância. Na sua apresentação, tanto quanto pude ver pela comunicação social, Passos Coelho ainda contribuiu mais para a confusão misturando aquilo que na tradição social-democrata é a separação entre o "programa máximo" (na verdade, o programa do partido) e o "programa mínimo" (o programa eleitoral e certos aspectos dos programas de governo). Chegou ao ponto de incorporar o programa da troika como tendo a mesma identidade do "programa mínimo" (não lhe chamou assim, mas é o que é) do PSD, algo que significa que, pelos vistos, este livro não leu.
NOTA: Uma nota sobre Mounier (em complemento ao que escreveu hoje Vasco Pulido Valente no Público):
Não se percebe que Mounier seja citado sozinho como o ideólogo fundacional do PSD, quando, por si só, a contribuição do seu personalismo caracteriza mais o CDS do que o PSD. Aliás, tem a dúbia honra de ser o único autor citado nessa categoria, o que tem o efeito perverso de reduzir o "pacote" ideológico de que ele faz parte, por exemplo, em Sá Carneiro. O contributo de Sá Carneiro é mais correctamente identificável como tendo a ver com a doutrina social da Igreja, muito presente na génese do PSD como contraponto á visão marxista da exploração e da luta de classes. Sá Carneiro e os fundadores do PSD deram ao "trabalho" e ao seu valor e dignidade um papel muito mais importante no partido do que se imagina, hoje substituído pelos empresários e pelas empresas como sendo o centro da "economia".
... também não se aplica a neo-ortografia que abastarda de forma completa a língua portuguesa, em nome da ingerência do estado onde não deve, para fins ignorantes, inúteis e absurdos.
*
Também sou contra o
Acordo Ortográfico e lastimo nada ter feito contra ele antes de entrar
em vigor. Imagino que o seu texto tenha origem na decisão do Vasco Graça
Moura relativa ao (não) uso do Acordo no Centro Cultural de Belém.
Acontece que não acho bem esta atitude. O cidadão Vasco Graça Moura está
no seu direito de não usar o Acordo Ortográfico nos seus textos, para
além de se ter batido, e bem, para que este não fosse levado à prática.
Mas não devemos confundir as pessoas com as instituições e o CCB não
pode unilateralmente ficar de fora do uso do Acordo.
There is no frigate like a book To take us lands away, Nor any coursers like a page Of prancing poetry. This traverse may the poorest take Without oppress of toll; How frugal is the chariot That bears a human soul!
Portugal prepara-se para assinar um acordo internacional, o chamado “Pacto orçamental” que não pode em nenhuma circunstância cumprir: obriga-se a não ultrapassar um défice estrutural de 0,5 por cento e a ter uma dívida pública abaixo dos 60 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). O resto são sanções pesadas para os incumpridores, para as quais, no meio da nossa miséria, mais vale já prepararmo-nos. Porque o que assinamos, repito, é impossível de cumprir, a não ser deixando o país completamente exangue, muito mais do que já está.
Tendo em conta aquilo que são os números do défice actual, já ameaçados pela má execução orçamental e dependentes de medidas extraordinárias como a incorporação dos fundos de pensões da banca, irrepetível por natureza, assim como pela dimensão da dívida que é impossível podermos reduzir para pouco menos de metade. Todos sabem disso, Primeiro-ministro, Ministro das Finanças, governo, Presidente, etc. Para que é que assinamos um acordo que não podemos cumprir, como Alberto João Jardim ao menos teve a clareza de o dizer? Para ganhar tempo? Para quê se esse tempo não pode ser usado para nos proteger do pior que aí vem, bem pelo contrário. Por que não podemos dizer que não a Merkel e a Sarkozy? Talvez.
Seja como for, um pouco de lucidez deveria levar a perceber que este acordo que vamos assinar, sem debate público e como condenados no pelourinho, é o mecanismo ideal para afastar Portugal e Grécia do euro e da Europa, com o resto da Europa a lavar as mãos. Então eles não assinaram? O que é que esperam se não cumprirem? Daqui a algum tempo falamos de novo, quando toda a gente estiver a por as mãos na cabeça porque o défice e divida estão longe dos valores que “pactuamos”.
Por aí abaixo foram colocados vários comentários dos leitores do Abrupto a notas do blogue. Agradeço a atenção, e peço desculpa pelo tempo que muitas vezes demora a sua publicação.
Sobre o correio vou, infelizmente, repetir pela enésima vez que o seu atraso é irremediável...
O chamado "pacto orçamental", que tão diligentemente assinamos de cruz, é impossível de cumprir e como tal não tem como objectivo ser cumprido por países como Portugal. O seu objectivo é o de dar um enquadramento legal europeu ao afastamento da zona euro e da UE de países como a Grécia e Portugal. Por isso, o que assinamos foi a nossa própria sentença de morte europeia. Registem, para depois se lembrarem.
This is my first memory:
A big room with heavy wooden tables that sat on a creaky
wood floor
A line of green shades—bankers’ lights—down the center
Heavy oak chairs that were too low or maybe I was simply
too short
For me to sit in and read
So my first book was always big
In the foyer up four steps a semi-circle desk presided
To the left side the card catalogue
On the right newspapers draped over what looked like
a quilt rack
Magazines face out from the wall
The welcoming smile of my librarian
The anticipation in my heart
All those books—another world—just waiting
At my fingertips.
(Nikki Giovanni)