ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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6.10.11
O "ENRIQUECIMENTO ILÍCITO":
LEGISLAR DE FORMA PERIGOSA E SEM QUALIDADE
A
aprovação de mais um pacote legislativo, supostamente feito para
combater a corrupção, agora em nome do combate ao enriquecimento
ilícito, é mais um passo para atrasar, complicar, evitar o combate
contra a corrupção. A percepção pública é pelo rótulo: como está lá o
título de "enriquecimento ilícito", pensa-se que se avançou no ataque ao
fenómeno, quando o que se fez foi legislar sob pressão da demagogia,
provavelmente de forma inconstitucional, e pondo em causa princípios do
Estado de direito, em particular o do ónus da prova, um adquirido
civilizacional que, de forma ligeira, foi deitado pela borda fora.
A partir de agora não é o Estado que tem que provar a culpa, é um cidadão que tem que provar que é inocente. Mas, como é contra os "políticos", está tudo bem, até o linchamento em praça pública se pode admitir. O que o cidadão comum não compreende são duas coisas: esta legislação é tonitruante nos rótulos, mas ineficaz na prática; hoje são os "políticos" o alvo, amanhã será o homem comum. Esta legislação é sempre fácil de aprovar, porque os políticos demagogos sabem que assim se sacia a voracidade demagógica e que não existe qualquer consequência prática de leis deste tipo. De há duas décadas para cá soma-se legislação contra a corrupção respondendo ao clamor público com leis sobre leis, mas não se conhecem resultados efectivos da sua aplicação. Uma vez aprovada é esquecida de imediato e a vox populi passa para outra reivindicação, muitas vezes agitada pelos próprios políticos uns contra os outros, sem que haja um efectivo adquirido na luta contra a corrupção. Quando inquiridos directamente, os principais responsáveis do combate contra a corrupção, magistrados e polícias com provas dadas e resultados sustentados em tribunal por condenações, sobre o que é preciso fazer - pergunta que tive oportunidade de fazer na comissão sobre a corrupção na Assembleia -, quase ninguém respondeu que precisava de novas leis, mas sim de mais meios, mais peritos em análise de contabilidade, mais peritos financeiros, existência de informação unificada sobre contas bancárias, que evite andar a perguntar se o senhor X que está a ser investigado tem conta em Freixo de Espada à Cinta, ou em Vila Real de St. António, com o risco de pôr em causa o sigilo da investigação, melhor coordenação dos sistemas informáticos disponíveis, tudo, tudo, tudo, menos mais leis, mais novas leis. Muitos foram até ao ponto de dizer: nunca uma lei sobre o enriquecimento ilícito como tem vindo a ser discutida, inaplicável, e de impossíveis resultados probatórios, para além da óbvia inconstitucionalidade. Apesar de terem ouvido isto, o show mediático num congresso, ou numa campanha eleitoral, e a vontade de ficar bem com o Correio da Manhã, que conduziu uma campanha neste sentido, passa à frente de tudo. E o aplauso é fácil com medidas deste tipo, mesmo que os únicos políticos que foram para a prisão tenham ido por efeito de investigações bem feitas, sólidas e que suportam a prova do tribunal. Como também há muita negligência no Ministério Público, investigações mal feitas e descuidadas, campanhas e leis deste tipo são sempre bem-vindas, porque introduzem um facilitismo na acusação, que muitas vezes se basta pela sua publicidade, feita por magistrados que querem fazer política com os seus poderes, sem serem capazes de garantir provas sólidas e condenações. Quem conhece de perto a vida política sabe que o problema da corrupção, incluindo a variante conhecida como enriquecimento ilícito, é muito grave. De uma ponta à outra, da base ao topo, o sistema político e em particular os partidos políticos estão ligados a actividades de tráfico de influências e de corrupção e este é um grande cancro da nossa vida pública. Não minimizo a gravidade do fenómeno, e por isso mesmo desejo que haja justiça e que os políticos desonestos vão parar à cadeia. Mas tenho poucas ilusões, porque existe uma tríade que os protege de forma quase absoluta: a incompetência e politização da justiça, que nada tem a ver com a inexistência de leis que permitam o combate à corrupção, um jogo de cumplicidades políticas ao mais alto nível partidário, e a promiscuidade entre políticos desonestos e a comunicação social. E sobre esta tríade um manto ainda mais detestável, mas tão sólido como uma muralha de aço, a complacência pública face à corrupção. Quem, olhando os títulos dos jornais mais inflamados contra os corruptos e a virulência dos fora nas rádios ou das conversas de café sob o tema "São todos uns ladrões", pensa que existe uma verdadeira recusa social da corrupção está enganado. A regra é a complacência prática, quase em razão directa da virulência do discurso, como se sabe quando se vê políticos que praticaram fraude fiscal ou tráficos de influência conhecidos e mesmo admitidos em público serem de novo eleitos com confortáveis maiorias. Quase todos os homens que conheço como tendo enriquecimentos inexplicáveis enquanto políticos no activo, uma impossibilidade prática sem crime, têm várias características em comum. Uma é a sua capacidade e habilidade de criarem redes de "amizade" transversais aos partidos políticos. Têm grande amigos sempre no partido adversário e vice-versa, uma excelente garantia de que funcionam mecanismos de protecção mútua. A isso acrescentam-se outro tipo de redes sociais, umas mais "discretas" do que outras, mas todas alimentadas de forma intensa. Almoços, jantares, casamentos, caçadas, clubes, campanhas de solidariedade, viagens em comum, representam não só uma rede de contactos eficaz, muito útil para o tráfico de influências, mas também para criar cumplicidades que legitimam carreiras e imagens públicas. Outra é a permanente atenção para os aparelhos partidários, cujos caciques são cultivados e que encontram na primeira liga da corrupção uma miríade de favores que reforçam a segunda liga. Como os partidos políticos em Portugal detêm a hegemonia da representação política, para se chegar a um autarca, um secretário de Estado ou um ministro, o aparelho partidário usado quer como rede de influência, quer como força de pressão é fundamental. Por fim, todos têm em comum o facto de manterem uma ligação muito próxima com a comunicação social, quase obsessiva. São fontes privilegiadas dos jornais, cultivam a amizade com os jornalistas, dão-lhes presentes, convidam-nos para viagens e, ou directa ou indirectamente, indicam muitos deles para lugares no Estado, em autarquias ou em empresas. Informações privilegiadas e favores circulam por esta rede nos dois sentidos. E, mesmo quando caem com escândalos públicos, o esquecimento vem quase de imediato. Todos conhecemos casos de pessoas que enriqueceram de uma forma que suscitou inquéritos judiciais, incluindo o conhecimento público detalhado de práticas inaceitáveis e que nem pelo facto de tal ser do domínio público nas primeiras páginas dos jornais deixaram de continuar ou até reforçar alegremente as suas carreiras partidárias e continuarem no jet set do dinheiro e do poder, sem qualquer consequência pública. De vez em quando, há azares e enormes tombos, mas isso não ilude o facto de pessoas, com biografias manchadas por fraudes públicas, não terem por isso qualquer penalização dentro dos partidos e na vida pública. É por isso que eu passo por ter mau feitio e não me esqueço. Não me esqueço de quem andou a fugir ao Ministério Público pelas portas traseiras de uma autarquia, até à prescrição de um processo, e nada lhe aconteceu; de quem fugiu para o estrangeiro e voltou em glória; de quem tinha um batalhão de familiares a depositar cheques em cadeia de pequenas quantias que depois iam subindo de conta em conta; de quem começou a sua carreira com avenças de empresários do seu distrito que iam desembocar em perdões fiscais; de quem "ganhou" na bolsa de um dia para o outro para explicar riquezas milionárias; de quem trabalhou para bancos estrangeiros que são na realidade offshores, etc., etc. Nada disto é informação privilegiada, veio e está tudo na imprensa e, no entanto, nada aconteceu, nem acontece. É exactamente pela repulsa que estes actos me causam e pela repulsa que a indiferença face a eles ainda mais me causa que considero que a legislação sobre o enriquecimento ilícito é uma fuga em frente destinada a calar a demagogia, ocultando tudo o que já se pode fazer e não se faz. Por outro lado, a ideia de que a violação de direitos, como aquela a que leva a inversão do ónus da prova, torna a investigação e as condenações mais fáceis irá a seu tempo recair sobre os cidadãos comuns e poupar os políticos. Porque, em todos os casos que conheço de enriquecimento suspeito, conheço eu e conhece toda a gente, a punição só não veio ou por incompetência, cumplicidade ou falta de vontade, ou, numa hipótese mais benigna, pela falta de meios. Nunca por falta de lei. Só é eficaz uma mudança de atitude, um maior rigor e melhor trabalho dos profissionais, um maior apoio das autoridades, e, acima de tudo, uma opinião pública que substitua os guinchos demagógicos por uma completa intolerância para com a corrupção.
(Versão do Público de 1 de Outubro de 2011.)
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COISAS DA SÁBADO: A GERAÇÃO DOS POLÍTICOS PROFISSIONAIS
Uma interessante entrevista no Expresso a “uma figura em ascensão no PS”, João Ribeiro, um “jovem” com 35 anos, representa uma defesa da “profissionalização” da política que exprime muito bem o que pensa a actual geração de dirigentes políticos oriundos das “jotas”: Passos Coelho, Relvas, Seguro. A ideia é antiga e já foi defendida por vários “jotas”, como sendo mais “transparente” e mais vantajosa para sa vida pública do que a existência de políticos que tem actividades profissionais e acumulam essas actividades com a participação em governos, na assembleia ou em cargos electivos.
Há porém um pequeno problema que, quem conheça os “jotas” que não tem actividade profissional que não seja a política (ou que tiveram uma breve profissão com um estatuto muito inferior ao que tem na política), é que sendo aquela a sua profissão precisam desesperadamente de não ser despedidos. Para não serem despedidos precisam que o patrão, o aparelho partidário, ou uma personalidade que os apadrinha, nunca os deixe cair. Não tem por isso a liberdade fundamental em política: dizer que não.
Tornam-se especialistas em manobrar o sistema de apoios e alianças necessários para, de legislatura em legislatura, irem a deputados, ou, de eleição em eleição, irem a vereadores ou serem assessores de qualquer coisa. Têm que estar sempre de bem com os que lhes dão os lugares, serem mais papistas do que o papa nos rituais de obediência partidária ou de intriga que explicam os sucessos da vida partidária. Como são profissionais, ou seja não tem outro emprego, não podem dar-se ao luxo de terem opiniões próprias, de serem “indivíduos”, mas apenas funcionários que, como não podem perder o emprego porque não tem outro, encarnam quase sempre os piores defeitos da vida política.
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EARLY MORNING BLOGS
2113 - Abraham Lincoln Walks at Midnight
(In Springfield, Illinois)
It is portentous, and a thing of state
That here at midnight, in our little town
A mourning figure walks, and will not rest,
Near the old court-house pacing up and down,
Or by his homestead, or in shadowed yards
He lingers where his children used to play,
Or through the market, on the well-worn stones
He stalks until the dawn-stars burn away.
A bronzed, lank man! His suit of ancient black,
A famous high top-hat and plain worn shawl
Make him the quaint great figure that men love,
The prairie-lawyer, master of us all.
He cannot sleep upon his hillside now.
He is among us:—as in times before!
And we who toss and lie awake for long,
Breathe deep, and start, to see him pass the door.
His head is bowed. He thinks of men and kings.
Yea, when the sick world cries, how can he sleep?
Too many peasants fight, they know not why;
Too many homesteads in black terror weep.
The sins of all the war-lords burn his heart.
He sees the dreadnaughts scouring every main.
He carries on his shawl-wrapped shoulders now
The bitterness, the folly and the pain.
He cannot rest until a spirit-dawn
Shall come;—the shining hope of Europe free:
A league of sober folk, the Workers' Earth,
Bringing long peace to Cornland, Alp and Sea.
It breaks his heart that things must murder still,
That all his hours of travail here for men
Seem yet in vain. And who will bring white peace
That he may sleep upon his hill again?
(Vachel Lindsay) (url) 2.10.11
UM ASPECTO POSITIVO: ACABAR COM A PROMISCUIDADE ENTRE GOVERNO E OPOSIÇÃO NAS AUTARQUIAS
Uma das lutas que travei quando fui Presidente da Distrital de Lisboa, o lugar onde mais aprendi sobre o que são os partidos políticos por dentro e o lugar dos meus maiores insucessos, foi o de impedir que os vereadores da oposição aceitassem pelouros, ou fizessem parte das administrações das empresas municipalizadas, então a começar a mostrar a sua perversidade clientelar. O que acontecia nas câmaras onde os vereadores eram literalmente aliciados para aceitarem pelouros no executivo, era a imediata desaparição do escrutínio sobre a maioria e o fim de qualquer confronto político durante os anos do mandato, ressuscitando apenas debilmente em vésperas de nova eleição. Os vereadores que aceitavam pelouros, que eram em muitos casos dirigentes das estruturas partidárias locais, encarregavam-se de imediato de abafar as críticas ao executivo para manter as prebendas dos lugares que tinham.
O papel que esta prática tinha, e tem, em incentivar a promiscuidade de interesses locais era e é, quanto a mim, uma das maiores fontes da corrupção nos municípios, quase sempre bi ou tri-partidária, em que todos “comem”, mesmo a oposição, para “não levantar ondas”. Por isso é positiva a criação de executivos municipais homogéneos, caminho para que o Livro Verde aponta. Porém, tal caminho tem que passar igualmente pelo reforço dos poderes das Assembleias Municipais, que tem que ter condições para fiscalizar e escrutinar os executivos, receber toda a informação (um dos argumentos a favor da participação da oposição nos executivos é ter “acesso à informação”) e poderes acrescidos em matérias orçamentais. Se for este o caminho é positivo.
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COISAS DA SÁBADO:
O “IR MAIS LONGE QUE A TROIKA” NÃO SE APLICA À REORGANIZAÇÃO ADMNISTRATIVA DO PAÍS
O Livro Verde sobre as autarquias, que conheço à data em que escrevo apenas pelas sínteses feitas pelos jornais, tem, como todas as coisas, aspectos positivos e negativos. Resultante de uma imposição da troika, o nosso governo de protectorado, ele escapa à máxima que tem orientado os executores nacionais desse programa: “ir mais longe do que a troika”. Neste caso, num aspecto central, não se vai nem mais longe, nem mais perto, pura e simplesmente não se vai: não há extinção de autarquias a nível concelhio. Como de costume o elo mais fraco, as freguesias, e dentro destas as freguesias urbanas, é que levam com o ónus de parecer que se aplica o programa da troika. E ainda bem porque o número de freguesias é excessivo, mas não mais excessivo do que o número de concelhos.
O texto do livro diz em politiquês que , "neste momento", o objectivo é "incentivar a fusão de municípios tendo como base a identidade e continuidade territoriais, sem prejuízo de uma fase posterior da definição de um novo quadro orientador da alteração do mosaico municipal". Ou seja, ou há fusões voluntárias de municípios, algo de nunca visto num país que tem activos vários movimentos para criar novos municípios, ou tudo continua na mesma. Continuamos pois no Portugal de Mouzinho da Silveira, sem ter em conta a profunda mudança demográfica, social, económica e de “lugares centrais” que se deu durante quase duzentos anos. É o preço a pagar pelo poder autárquico dentro dos partidos políticos.
(Continua.)
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RETRATOS DA CRISE
Na manifestação de 1 de Outubro.
(Sandra Bernardo)
Nota: no EPHEMERA toda a série de Sandra Bernardo e outras séries sobre a manifestação.
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© José Pacheco Pereira
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