COISAS DA SÁBADO:O ARGUMENTO “GERACIONAL” É PARA DUMMIES
O argumento “geracional” politicamente vale zero. Há gente péssima com vinte anos e gente excelente com setenta e vice-versa. Aliás ele só colhe acriticamente porque a sociedade actual vive de um modo esquizofrénico a questão da idade, porque, à medida que mais envelhece, mais cultiva a “juventude”. No passado ser “velho”, o que já se era aos quarenta anos, era tido como vantagem porque isso significava experiência, hoje significa senectude. É uma forma yuppie de pensar, mas insisto, em política, não vale nada. Pelo contrário, o argumento da “renovação” já vale alguma coisa, mas é muito traiçoeiro, principalmente quando se tem longas carreiras partidárias e “geracionalmente” só se tem isso para mostrar.
COISAS DA SÁBADO: COMPARAR O QUE NÃO PODE SER COMPARADO
Uma das pragas do nosso comentário político é a comparação indevida e o seu corolário, a falta da comparação devida. Na verdade, na política em democracia raras vezes as condições são comparáveis, de eleição para eleição, de comportamento para comportamento, de momento para momento. A política em democracia depende muito das circunstâncias e tem um componente experimental, de “experimentação”, soluções que podem e devem ser abandonadas caso se verifique que não resulta delas o Bem Comum.
Há evidentemente casos em que a comparação é mais que devida, em particular quando atinge questões de natureza ideológica, mas já mesmo em questões de natureza política, em particular da política quotidiana, deve imperar aquilo que Popper chamava “piecemeal reformism”, um reformismo fragmentário. Um certo tipo de comentário, muito comum nos blogues, considera que isto é oportunismo. Não, não é. Oportunismo é outra coisa.
Manuela Ferreira Leite, que é hoje politicamente muito incorrecto nomear quanto mais citar, várias vezes insistiu nos trabalhos internos de preparação do programa do PSD, e nalguns dos seus debates, que era da essência da política em democracia mudar as soluções quando mudavam as circunstâncias. Deu esse exemplo com o Pagamento Especial por Conta, medida que propôs e medida que pretendia extinguir em dois momentos diferentes. O PS gritava pela “incoerência”, mas gritava mal. Os tempos são diferentes.
Claro que as grandes opções da vida política tem componentes ideológicas, mas a lógica dos grandes sistemas ideológicos, fruto das revoluções combinadas, francesa e industrial, e em que tinha um lugar central, o Estado, a “ideologia” no sentido de corpo sistémico de doutrina, também se fragmentou. Há quem seja nostálgico desse mundo ordenado e linear, muito a preto e branco, esquerda e direita, liberalismo ou socialismo, conservador ou revolucionário. Isso hoje não há, só para os totalitarismos ou para os radicalismos. O que há é um mundo muito mais complexo, onde não existe nenhum Palácio de Inverno nem para tomar, nem para defender.
A memória é importante, mas não é para nos repetirmos, é para vermos as diferenças. E as semelhanças. Faz bem pensar nas instituições, faz bem pensar nos interesses permanentes do país, mas convêm em política ficar por aí, como sólido pano de fundo. O resto é “fuzzy“, o resto é “messy”. Nesse mundo, ganharíamos alguma coisa se falássemos do Programa de Governo, deste que existe, do Primeiro-ministro, este que existe, Sócrates ele-mesmo, deste PS, deste PSD, deste CDS, deste BE, deste PCP, que existem, como existem e não como desejaríamos que existissem, deste Orçamento que aí vem, deste Presidente da República, deste Portugal que existe em 2009, que não é o mesmo de 1985, de 1987, de 2002 e de 2005.
Coffined thoughts around me, in mummycases, embalmed in spice of words. Thoth, god of libraries, a birdgod, moonycrowned. And I heard the voice of that Egyptian highpriest. In painted chambers loaded with tilebooks. They are still. Once quick in the brains of men. Still: but an itch of death is in them, to tell me in my ear a maudlin tale, urge me to wreak their will.
Nothing is more common than to find men, whose works are now totally neglected, mentioned with praises by their contemporaries as the oracles of their age, and the legislators of science. Curiosity is naturally excited, their volumes after long inquiry are found, but seldom reward the labour of the search. Every period of time has produced these bubbles of artificial fame, which are kept up a while by the breath of fashion, and then break at once, and are annihilated.
A list of some observation. In a corner, it's warm. A glance leaves an imprint on anything it's dwelt on. Water is glass's most public form. Man is more frightening than its skeleton. A nowhere winter evening with wine. A black porch resists an osier's stiff assaults. Fixed on an elbow, the body bulks like a glacier's debris, a moraine of sorts. A millennium hence, they'll no doubt expose a fossil bivalve propped behind this gauze cloth, with the print of lips under the print of fringe, mumbling "Good night" to a window hinge.
(Joseph Brodsky)
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O seu poema de Brodsky trouxe-me à memória a seguinte transcrição (que pode ver aqui) de parte do julgamento dele por parasitismo, em 1964:
juiz: E qual é a sua profissão em geral?
Brodsky: Poeta e tradutor.
juiz: Quem o reconheceu como poeta? Quem o inscreveu na lista dos poetas?
Brodsky: Ninguém. Quem me inscreveu como ser humano?
juiz: Estudou isto?
Brodsky: Isto?
juiz: Como tornar-se poeta. Não tentou terminar o liceu, onde se ensina, onde se prepara?
Brodsky: Não acho que se possa aprender isto na escola.
Domina ou cala. Não te percas, dando Aquilo que não tens. Que vale o César que serias? Goza bastar-te o pouco que és. Melhor te acolhe a vil choupana dada Que o palácio devido.
Hoje, há quatrocentos e cinco anos, apareceu um "mouro de Veneza" muito especial. O "mouro" era valente em combate, mas estava cego por Desdemona e era uma marioneta nas mãos do "honest" Iago. Iago era um homem moderno, que hoje reconheceríamos sem hesitação: tecia mentiras, redes de mentiras, "redes sociais de mentiras". As mentiras caminham sempre pelo seu próprio pé dentro de cada humano defeito. E Otelo tinha um forte golpe de espada, mas sabia que trabalhava para uma Veneza que o via como um mercenário, um estrangeiro, de cor alheia e de religião alheia, permitido mas não igual. Como podia merecer Desdemona, alva, branca, filha de um Senador? Diziam os seus inimigos que fora feitiçaria. Otelo explicava que lhe contava histórias e a encantava com histórias. Era pouco.
Como podiam ser as coisas como eram? Tinham que ser diferentes, desconfiava. E aqui entra Iago, "honest Iago". Iago alimentou o monstro que existe dentro de cada cabeça. Não esqueçamos as suas técnicas, o seu marketing, o lenço roubado. Ele concitou o "monstro dos olhos verdes", ao mesmo tempo que prevenia Otelo contra ele. Hábil. Hábil.
O, beware, my lord, of jealousy; It is the green-ey'd monster, which doth mock The meat it feeds on.
e lembrou a Otelo que "that cuckold lives in bliss". Otelo sombrio disse apenas "O misery!" matou Desdemona e matou-se.
Veneza permaneceu indiferente. A República Sereníssima estava habituada a este tipo de intrigas. A sua fama era a de ser o mais corrupto lugar do mundo. Também era moderna, como se vê.
A palidez do dia é levemente dourada. O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas Dos troncos de ramos Secos. O frio leve treme. Desterrado da pátria antiquíssima da minha Crença, consolado só por pensar nos deuses, Aqueço-me trémulo A outro sol do que este. O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole O que alumiava os passos lentos e graves De Aristóteles falando. Mas Epicuro melhor Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre Tendo para os deuses uma atitude também de deus, Sereno e vendo a vida À distância a que está.