ABRUPTO

7.11.09


COISAS DA SÁBADO: COMPARAR O QUE NÃO PODE SER COMPARADO

Uma das pragas do nosso comentário político é a comparação indevida e o seu corolário, a falta da comparação devida. Na verdade, na política em democracia raras vezes as condições são comparáveis, de eleição para eleição, de comportamento para comportamento, de momento para momento. A política em democracia depende muito das circunstâncias e tem um componente experimental, de “experimentação”, soluções que podem e devem ser abandonadas caso se verifique que não resulta delas o Bem Comum.

Há evidentemente casos em que a comparação é mais que devida, em particular quando atinge questões de natureza ideológica, mas já mesmo em questões de natureza política, em particular da política quotidiana, deve imperar aquilo que Popper chamava “piecemeal reformism”, um reformismo fragmentário. Um certo tipo de comentário, muito comum nos blogues, considera que isto é oportunismo. Não, não é. Oportunismo é outra coisa.

Manuela Ferreira Leite, que é hoje politicamente muito incorrecto nomear quanto mais citar, várias vezes insistiu nos trabalhos internos de preparação do programa do PSD, e nalguns dos seus debates, que era da essência da política em democracia mudar as soluções quando mudavam as circunstâncias. Deu esse exemplo com o Pagamento Especial por Conta, medida que propôs e medida que pretendia extinguir em dois momentos diferentes. O PS gritava pela “incoerência”, mas gritava mal. Os tempos são diferentes.

Claro que as grandes opções da vida política tem componentes ideológicas, mas a lógica dos grandes sistemas ideológicos, fruto das revoluções combinadas, francesa e industrial, e em que tinha um lugar central, o Estado, a “ideologia” no sentido de corpo sistémico de doutrina, também se fragmentou. Há quem seja nostálgico desse mundo ordenado e linear, muito a preto e branco, esquerda e direita, liberalismo ou socialismo, conservador ou revolucionário. Isso hoje não há, só para os totalitarismos ou para os radicalismos. O que há é um mundo muito mais complexo, onde não existe nenhum Palácio de Inverno nem para tomar, nem para defender.

A memória é importante, mas não é para nos repetirmos, é para vermos as diferenças. E as semelhanças. Faz bem pensar nas instituições, faz bem pensar nos interesses permanentes do país, mas convêm em política ficar por aí, como sólido pano de fundo. O resto é “fuzzy“, o resto é “messy”. Nesse mundo, ganharíamos alguma coisa se falássemos do Programa de Governo, deste que existe, do Primeiro-ministro, este que existe, Sócrates ele-mesmo, deste PS, deste PSD, deste CDS, deste BE, deste PCP, que existem, como existem e não como desejaríamos que existissem, deste Orçamento que aí vem, deste Presidente da República, deste Portugal que existe em 2009, que não é o mesmo de 1985, de 1987, de 2002 e de 2005.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]