COISAS DA SÁBADO:O CRESCIMENTO DO BLOCO - UM PRODUTO DE JOSÉ SÓCRATES
O crescimento do Bloco de Esquerda é um produto signé Sócrates, que ele alimentou distribuindo fúrias, introduzindo um tom agressivo na política portuguesa, tentando copiar as “causas fracturantes” porque não custavam dinheiro e eram “bem“. Como é óbvio estas só favoreceram o original, o Bloco, e não a cópia, o PS. Ao mesmo tempo, no que custava dinheiro, virava o PS para a direita quando lhe convinha, mas mantinha uma retórica de Robin dos Bosques também quando lhe dava jeito. A esquizofrenia enfraqueceu o PS e a gasolina derramada encontrou as chamas verbais de Louça para a incendiar. Agora o populismo de esquerda tomou uma dimensão que bate à porta da casa do PS como o Lobo Mau na casa dos porquinhos imprevidentes.
Primeiramente não quis S. Roque servir a homens, porque não quis deixar de ser homem. Ao homem fê-lo Deus para mandar: aos brutos para servir. E se os brutos se rebelaram contra Adão, e não quiseram servir ao homem, sendo tão inferiores, triste e miserável condição é haver um homem de servir a outro, sendo todos iguais. A primeira vez que se profetizou neste mundo haver um homem de servir a outros, foi com o nome de maldição. Assim fadou Noé a seu neto Canaã, em castigo do pai e mais do filho. Ainda então se não sabia no mundo que coisa era servir; então se começou a entender a maldição pelo delito, e a miséria pelo castigo. Meios homens chamou depois o poeta lírico aos que servem, e disse bem. Toda a nobreza e excelência do homem consiste no livre alvedrio, e o servir, se não é perder o alvedrio, é cativá-lo. Razão teve logo S. Roque de não querer servir a homens, por não deixar de ser homem.
COISAS DA SÁBADO:COMO SE FAZ CAMPANHA QUANDO NÃO HÁ ESPERANÇA NAS PESSOAS?
Eu que sou candidato, como se sabe, faço-me muitas vezes esta questão e como não me satisfaz o discurso direitinho que é suposto ter-se (que começa por considerar que não se deve fazer esta pergunta), ela permanece em aberto. Não vale pena virem convencer-me ou ir convencer alguém que há alguma luz no fundo do túnel e que devem votar por quem coloca lá o holofote. Bem ao meio do túnel, sem saber quando ele acaba. Fartos de promessas está Portugal inteiro, não é pois por aí.
É preciso “esperança” dizem. Claro que é preciso esperança, mas como é que da parte da política se pode dar esperança quando as pessoas não a têm e nenhuma varinha de condão lhas pode dar. Mais: não penso que se dê “esperança” falando da esperança ou espirrando optimismo por todos os poros. Bem pelo contrário. Só haverá esperança de novo depois de uma etapa intermédia, a da travagem do descalabro. Quando as pessoas deixarem de temer tudo, talvez possam de novo começar a votar pelas expectativas e pela esperança. Até lá o que há de mais sério é o realismo, realismo, realismo. E soluções realistas, em vez das fantasias “mobilizadoras” que são a habitual receita para o despesismo. Deixem-se lá de fogo de artifício, coloquem na mesa as coisas simples e seguras.
Jonathan Swift se pudesse voltar do reino das sombras para este nosso Portugal escreveria certamente coisas sinistras sobre nós. Não sei se nos trataria como liliputianos ou brobdingnaguianos, mas não seria brilhante a descrição. Encontraria um país cansado, uma democracia cansada, um povo sem esperança, uma nação sem expectativas nem sentido do destino. Encontraria uma espessa teia de interesses individuais e de grupo, tão entretecidos e tão acomodados que deslaçar um só, dá uma pequena guerra civil. Encontraria um grupo de políticos na defensiva, sem respeito por si próprios, acossados por jornalistas malcriados e por uma irritação colectiva atiçada por boas e más razões. E no entanto, convém lembrar porque o esquecimento é muito, que, há cinco anos, a sensação era muito diferente. José Sócrates foi recebido com muita expectativa e o eleitorado deu-lhe condições excepcionais de governação. Deu-lhe uma maioria absoluta sólida, enfraqueceu até ao limite a oposição, e, mais tarde, um presidente “cooperador” facilitou a governação.
Depois foi o desastre e o plano inclinado para a situação em que estamos hoje. E não foi a crise que a gerou, porque o ambiente de hoje já existia antes da crise, exactamente nos mesmos termos, numa dimensão da mesma irritação, embora talvez menos depressiva. Não foi o destino nem as Parcas, foi mesmo obra humana.
Todos os homens, e mais os cortesãos, andam buscando a felicidade desta vida. E que fazem para a alcançar? Todos ocupados em servir, e todos morrendo por mandar, e por isso nenhum .acaba de achar a felicidade que busca. Quereis conseguir a verdadeira felicidade, não só da outra, senão também desta vida? Tomai as três resoluções de S. Roque. Servir? Só a Deus. A homens? Nem servir, nem mandar. Nisto consiste toda a prudência e felicidade humana, nisto consiste toda a prudência e felicidade cristã. Se somos cristãos, havemos de tratar a Deus; se somos homens, havemos de tratar com os homens. Pois, que remédio para ter felicidade com os homens e para ter felicidade com Deus? Imitar a S. Roque. Para ter felicidade com Deus, servir a Deus, para ter felicidade com os homens, nem servir a homens, nem mandar homens. Três pontos de prudência, três pontos de felicidade e três pontos de sermão. A homens, nem servir, nem mandar: a Deus, e só a Deus servir. Beati sunt servi illi.
Já citei mais de uma vez uma das cartas ficcionais de Fradique Mendes a Madame de Jouarre, em que este descreve a sua chegada de comboio a Lisboa. A carta é uma cruel metáfora sobre Portugal, das mais cruéis e desapiedadas que conheço, e mortiferamente verdadeira. Nela cabe da pior maneira a indústria do "sonho", da "esperança" do "optimismo", com que uns se pretendem distinguir dos outros como sendo melhores. Eles "sonham", os outros não.
Essa espécie de oração sobre a "esperança" e o "sonho" tem outras variantes, como seja: "temos que acreditar em nós próprios", "somos capazes", "os portugueses só sabem dizer mal de si próprios diferentemente dos outros povos que nunca o fazem" (quem diz isto não sabe nada dos "outros povos"), "não se pode só dizer mal", etc., etc. Este mambo-jambo piedoso apenas pretende manter os portugueses numa espécie de estado de estupor cívico, ignorando a sua realidade e os seus problemas, envolvendo-os naquilo que o mesmo Eça chamava o "manto diáfano" da mentira. Este "manto diáfano", muitas vezes mais para o nevoeiro espesso do que para o "diáfano", é assegurado pela propaganda dos poderosos, mas também pela credulidade emocional dos destinatários.
O que está de mais cruel na carta de Fradique é a a afirmação de que o êxito desse marketing da "esperança" é que ele tem sucesso, não porque os portugueses tenham qualquer esperança, mas sim porque lhes agrada ouvir esse discurso, na exacta medida em que também lhes agrada o seu oposto, o catastrofismo absoluto. Não tendo que ser bipolares, algum dos lados está errado, ou então somos incapazes de nos colocarmos ao centro, no domínio da Razão. Estão sempre a acenar-nos com o Pathos, e o Pathos "passa" bem quer na televisão quer na retórica política produzida por cínicos para as massas. Sensatez - escassa; expectativas irrealistas - muitas. É o "sonho".
Eça, na pele de Fradique, culpava a "bonacheirice" dos portugueses:
"Humilhação incomparável! Senti logo não sei que torpe enternecimento, que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem."
As palavras de Eça "Disciplina" e "Ordem" são de natureza cívica, não são emanações da autoridade. A "ordem" aqui não tem o sentido salazarista que 40 anos depois vai ter: Eça não está a pedir que nos imponham qualquer "ordem" para corrigir os nossos defeitos, está a enunciar o que espontaneamente nos falta, o que marca o nosso atraso, aquilo de que não somos capazes, pela nossa "relassa fraqueza". E todos os dias precisamos desta crueldade queiroziana em vez da louvação das nossas virtudes "bonacheironas".
Também por isso, não há dia em que leia mais uma peripécia portuguesa da culpa, e elas são quase diárias, sem que não me lembre do Fradique "humilhado" por si próprio, por ser tão "bonacheirão" como todos os portugueses e acabar por ser tão complacente como qualquer um. E observar a triste exibição da nossa incapacidade para qualquer "Disciplina" e "Ordem" por causa da nossa "culpada indulgência".
Veja-se o que aconteceu com as falésias do Algarve, um remake da ponte de Entre-os-Rios, só que menos espectacular. A falésia da praia Maria Luísa caiu matando várias pessoas. Seguiu-se a visita das Personalidades e a explicação das Entidades, no meio de um cenário de basbaques "populares", a olharem para o local onde pouco antes passeara a morte. Televisões estavam todas e metade dos telejornais ficava garantido pela espectacularidade do cenário, pela confluência de polícias, militares, bombeiros, botes, ambulâncias, gruas e fitas de demarcação. Boa televisão, boas audiências, até que apareça outra tragédia e melhores imagens.
Uma pletora de entidades, ministérios, institutos, polícias, autarquias, militares, instituições científicas veio explicar que a culpa era do mar, do vento, da areia e das pedras que não se comportaram como devia ser. E mais, a culpa é da física, da química, da matemática, da estatística, do aquecimento global, das alterações climáticas, da geologia por via dos sismos, do magma profundo. Não é nunca dos homens, nem dos que deviam cuidar, nem dos que não tiveram cuidado. O resultado é sempre o mesmo, nem os que deviam cuidar vão cuidar melhor, nem os que deviam ter cuidado vão passar a tê-lo. Se houvesse "Disciplina" e "Ordem", seria isso a lição que as mortes nos dariam, tarde e a más horas, mas infeliz lição. Assim não se tira lição nenhuma. Uma semana depois de uma azáfama de verificação de falésias, a célebre encarnação do ditado "casa roubada, trancas à porta", chegou-se à conclusão que várias arribas estão exactamente na mesma situação das da praia Maria Luísa, e são consideradas "perigosas". Se não houvesse a regra da "relassa fraqueza", teria que se tirar a conclusão óbvia de que tinha que ter havido incúria, porque a verificação que se fez agora era suposto estar a ser feita de forma regular antes. Foi como as pontes depois do acidente de Entre-os-Rios. Foi-se verificar como estavam várias pontes e estavam mal. Será que tudo foi corrigido depois dos holofotes se terem virado para outra calamidade? Duvido, "a relassa fraqueza (...) estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem".
O problema é que nada muda enquanto "em cima" se continuar assim e cá "em baixo", sem exemplos que moldem a consciência cívica, sem responsabilidade assumida, sem culpa identificada, no fundo, sem consequências, pode-se continuar a achar que o "sonho" e a "esperança" impedem as pedras de virem por aí abaixo, como se as palavras bastassem. Triste ilusão que alguém paga sempre. Nas falésias foi uma infeliz família, na comunidade a que chamamos Portugal, somos quase todos, a começar pelos que menos defesas têm, os que são mais pobres, os que pagam a dobrar. É que o optimismo de encomenda não se come. Nem a "bonacheirice".
COISAS DA SÁBADO: MÁRIO SOARES E AS MULHERES QUE O AFRONTAM
Quem ler o que Mário Soares escreveu sobre a entrevista de Manuela Ferreira Leite e tenha memória, toca-lhe no cérebro um sininho: onde é que eu já ouvi isto? Ouvi, ouvi. Quando Mário Soares diz que Manuela Ferreira Leite é de “uma banalidade que, algumas vezes, roçou o patético”, eu lembrei-me de Nicole Fontaine, opositora de Mário Soares na eleição para a Presidência do Parlamento Europeu, que ele tratou de “dona de casa” com enorme arrogância. Agora com Manuela Ferreira Leite, acrescenta a sugestão da bruxa, um estereótipo feminino que também encaixa na “dona de casa”. Disse Soares que tinha “um olhar de mazinha ao canto do olho, que me surpreendeu…” Está visto que vai continuar a surpreender-se. Madame Fontaine ganhou-lhe a eleição com enorme distância, e Manuela Ferreira Leite ganhou as europeias contra o “invencível” Sócrates.