ABRUPTO

4.4.09

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA (6)

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Resposta de José Blanc de Portugal.

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GRANDES CAPAS



Crush, LP dos Orchestral Manoeuvres in the Dark.

Etiquetas:


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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA (5)

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Resposta de Luís Forjaz Trigueiros.

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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA (4)

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A resposta de António Quadros.

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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA (3)

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A resposta de Vieira de Almeida.

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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA (2)

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Resposta de Rómulo de Carvalho.

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NO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA

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A resposta de Ferreira de Castro.

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EARLY MORNING BLOGS

1527 - The More Loving One

Looking up at the stars, I know quite well
That, for all they care, I can go to hell,
But on earth indifference is the least
We have to dread from man or beast.

How should we like it were stars to burn
With a passion for us we could not return?
If equal affection cannot be,
Let the more loving one be me.

Admirer as I think I am
Of stars that do not give a damn,
I cannot, now I see them, say
I missed one terribly all day.

Were all stars to disappear or die,
I should learn to look at an empty sky
And feel its total dark sublime,
Though this might take me a little time.

(W. H. Auden)

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3.4.09

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



"Homens do lixo" a regressar de uma manifestação matinal, frente à câmara.



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO:
DEZ RAZÕES PORQUE O CASO FREEPORT É IMPORTANTE



(Versão com alterações.)

A primeira razão é que o processo de licenciamento do Freeport aparece envolvido em suspeitas, indícios, acusações de irregularidades, quer porque há testemunhos públicos de que existiram tentativas de corrupção com ele associado (entrevista do tio de Sócrates), quer porque a sua condução governamental é excepcional (ainda recentemente o Presidente da Câmara de Alcochete que perdeu as eleições referiu a anormalidade do processo).

A segunda razão é que último responsável pela decisão no licenciamento do Freeport foi o então Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates, pelo que existe um processo de responsabilidade objectiva no plano político no modo como tudo ocorreu, mesmo que não haja qualquer responsabilidade subjectiva no plano criminal. O Primeiro-ministro como deputado, dirigente do PS e governante várias vezes nomeou para terceiros esse princípio de responsabilidade objectiva no plano político. Foi esse princípio que levou Jorge Coelho a demitir-se quando da queda da Ponte de Entre-os-Rios e é esse princípio que leva muitos a pedir a demissão de Dias Loureiro do Conselho de Estado.

A terceira razão é que o nome do então Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates, aparece envolvido nessas suspeitas, referido em documentos policiais, citado em declarações gravadas por intervenientes do processo (uma coisa é o valor provatório do DVD, que é nulo à luz da lei portuguesa, outra é a importância do seu conteúdo para a investigação), quer porque seja um caso de corrupção, caso tenha havido, quer porque haja um envolvimento abusivo e calunioso do nome do então Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates.

A quarta razão é que a família do então Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates, apareceu na primeira pessoa a falar de tentativas de corrupção, que foram então comunicadas ao Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates, e que , tanto quanto se saiba, não foram então comunicadas ao Ministério Público.

A quinta razão é que outro membro da família, entretanto saído de Portugal, aparece a usar a relação familiar para obter vantagens no negócio do Freeport, afirmando a família que o fez abusivamente. A presença de familiares do então Ministro do Ambiente, agora Primeiro-ministro José Sócrates, envolvidos em actos pouco esclarecidos do processo Freeport, também não o incrimina de per si, mas acentua os factores de responsabilidade objectiva. Um ministro deve manter a sua família a milhas de distância da área da sua governação. Leonor Beleza pagou caro essas proximidades.

A sexta razão é que Procuradoria Geral da República, e a Polícia Judiciária portuguesa estão há meia década a investigar a possibilidade de corrupção e tal muito dificilmente aconteceria se não houvesse sérias suspeitas ou indícios. Em 2005, numa carta portuguesa enviada à polícia inglesa e cujo conteúdo se conhece porque foi sintetizada por esta na Carta Rogatória de Janeiro 2009, são transmitidas suspeitas de grande gravidade, pedidas diligências, sempre no contexto de uma clara convicção policial de que havia actos de corrupção envolvidos no processo Freeport.

A sétima razão é que dessa convicção, assente em indícios e suspeitas, resultaram buscas, apreensões, interrogatórios e se constituíram arguidos, pelo que é de admitir que crimes e ilegalidades foram cometidos no processo Freeport na convicção da polícia e dos magistrados. Seria absurdo que não existindo quaisquer razão para tais procedimentos, estes fossem realizados.

A oitava razão é que uma polícia estrangeira inclui o Primeiro-ministro português numa lista de suspeitos e pede acesso à sua conta bancária, envolvendo-o numa investigação activa e em curso. A mesma polícia estrangeira propôs actuação conjunta com a polícia portuguesa que lhe negada.

A nona razão é que o Primeiro-ministro José Sócrates (e outros membros do seu governo e responsáveis do PS) utiliza publicamente o caso Freeport para uma estratégia política de vitimização, em várias intervenções quer na Assembleia da República, quer no Congresso do PS, quer em declarações e entrevistas avulsas, pelo que ele tem uma dimensão política clara, podendo e devendo ser discutido politicamente.

A décima razão é que suspeitas envolvendo o Primeiro-ministro têm que ser obrigatoriamente esclarecidas sem margem para dúvida, dadas as suas altas funções (foi o que disse o PR quando falou de “assunto de estado”), sem quaisquer pressões sobre a justiça, nem sobre os órgãos de comunicação social.

*

Seria possível acrescentar mais dez razões. O caso Freeport é um caso de justiça, mas quer como caso em si, envolvendo a possibilidade de ilegalidades ou crimes, quer como caso em que a justiça e os seus procedimentos podem estar em causa, quer como caso ético-político, quer como caso de liberdade de imprensa, deve ser discutido sem ambiguidades, pelo seu papel central na vida pública portuguesa. Ele existe, move-se e é decisivo para a nossa sanidade pública. Colocá-lo debaixo do tapete, enche-lo de medos, de sussurros, de silêncios, de incomodidades, deixará Portugal envenenado por muitos e bons anos.

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EARLY MORNING BLOGS

1526 - Home-thoughts, from the Sea

Nobly, nobly Cape Saint Vincent to the North-west died away;
Sunset ran, one glorious blood-red, reeking into Cadiz Bay;
Bluish 'mid the burning water, full in face Trafalgar lay;
In the dimmest North-east distance dawn'd Gibraltar grand and gray;
'Here and here did England help me: how can I help England?'--say,
Whoso turns as I, this evening, turn to God to praise and pray,
While Jove's planet rises yonder, silent over Africa.

(Robert Browning)

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2.4.09

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EARLY MORNING BLOGS

1525 - A Momentary Longing To Hear Sad Advice from One Long Dead

Who was my teacher at Harvard. Did not wear overcoat
Saying to me as we walked across the Yard
Cold brittle autumn is you should be wearing overcoat. I said
You are not wearing overcoat. He said,
You should do as I say not do as I do.
Just how American it was and how late Forties it was
Delmore, but not I, was probably aware. He quoted Finnegans Wake to me
In his New York apartment sitting on chair
Table directly in front of him. There did he write? I am wondering.
Look at this photograph said of his mother and father.
Coney Island. Do they look happy? He couldn't figure it out.
Believed Pogo to be at the limits of our culture.
Pogo. Walt Kelly must have read Joyce Delmore said.
Why don't you ask him?
Why don't you ask Walt Kelly if he read Finnegans Wake or not.
Your parents don't look happy but it is just a photograph.
Maybe they felt awkward posing for photographs.
Maybe it is just a bad photograph. Delmore is not listening
I want to hear him tell me something sad but however true.
Delmore in his tomb is sitting. People say yes everyone is dying
But here read this happy book on the subject. Not Delmore. Not that rueful man.

(Kenneth Koch)

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1.4.09


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 1 de Abril de 2009.

Verdades no dia dos Enganos (por falar nisso, não se deverá atribuir um Patrono, um Santo Padroeiro, às instituições que vivem do Engano, um Santo dos Enganos?).

Verdades no dia dos Enganos: isto é bom
Os portugueses não acreditam que as coisas possam piorar dramaticamente. Isto deve-se à naturalização que fazemos do pessimismo. O nosso pessimismo é sobretudo conformista e por isso é tão pouco adaptável às novas circunstâncias. O governo funciona como uma Empresa de Eventos S.A, com muitos protocolos, lágrimas ao canto do olho e miragens ferroviárias. Não nos muda e isso é o que queremos. Claro que não se esquece de distribuir dinheiro pelas autarquias socialistas ( esta semana foi pelas escolas) e isso ajuda. Faz parte do jogo, mas não é o essencial.

MFL aposta na memória do bom senso: dizer a verdade e receitar prudência. Os portugueses ouvem-na, ao contrário do que fez crer a Empresa de Eventos S.A. ( MFL referia-se ao conjunto PS-governo). O problema é que o nosso conformismo, a nossa indolência, faz com que a ouçamos como um estroina ouve um pai : ainda não é tempo de seguir os conselhos. As águas estão cada vez mais claras porque MFL conseguiu contrapor ao brilho e à superfície o que está debaixo: o fundo. Resta saber se o nosso conformismo, atópico e permanente, suporta a visão. Não me parece.
e isto é bom:

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EARLY MORNING BLOGS

1524 - Escrito em Verona

As coisas não se vêem por metade.
Ou passas e as fitas de repente
pousando um longo olhar de eternidade
que logo vai aos fumos da memória,
ou viverás com elas, nelas vendo-
te como em espelho que te sobrevive.

Mas o passar como quem visse tudo
e ali ficasse não ficando a vida
faz que as coisas se cubram de um cristal
opaco e as diluindo em corpo falso,
aquele que é quanto então mereces.

(Jorge de Sena)

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31.3.09


ÍNDICE DO SITUACIONISMO (84): DOIS MUNDOS


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Não posso deixar de chamar a sua atenção sobre a forma como os noticiários da noite abriram hoje. Veja : RTP / SIC . Nem parece que se estão a referir ao mesmo assunto, não é?

(Miguel)

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EARLY MORNING BLOGS

1523 - The Coming Of Wisdom With Time

Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.

(William Butler Yeats)

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30.3.09

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DIÁRIO DO BAIRRO SOCIAL SÃO JOÃO DE DEUS







(Sandra Bernardo)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)



S. Lázaro em Amarante e arte no infantário "O Miúdo! (Helder Barros)



Nascentes do rio Anços, perto da Redinha, Pombal. (Vítor Xavier)

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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (83):
EM MOMENTOS DE CRISE NEM SEQUER SE DISFARÇA, O QUE CONTA SÃO OS RESULTADOS DA PROPAGANDA


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

A RTP continua como sempre, mas é ainda mais "como sempre" quando as coisas apertam para o governo. O caso Freeport só entra nos noticiários quando não se pode de todo evitar, ou quando há alguma coisa favorável ao Primeiro-ministro. Então aí, todos os meios, grafismos, reportagens, entrevistas, tudo é mobilizado. Fora dessas alturas, mutismo completo. Os noticiários de ontem e hoje são puros exercícios de distracção. Toneladas de histórias de "interesse humano", doenças, trivialidades, tudo menos aquilo que está no centro da vida pública. Não é por desinteresse da política, bem pelo contrário, porque o julgamento de Isaltino de Morais mobiliza todos os meios, inclusive directos, e as "boas" medidas do Governo abrem os noticiários (hoje, por exemplo), mas sim porque o que há são "campanhas negras" que não convém ao "serviço público". Repito a pergunta de ontem: haverá na redacção da RTP um único jornalista a fazer o que os jornalistas devem fazer sobre o caso Freeport? A investigar? Se há, ou está no exílio ou é censurado.

E, de resto, o habitual: mais um "momento-Chávez" a propósito da "requalificação das escolas", o soundbite que o Primeiro-ministro escolheu para a sessão de propaganda do dia, e que, obediente, a RTP cobre com todo o respeito. Veja-se toda a peça porque vale a pena, com o jornalista a repetir, como se fossem seus, os slogans governamentais do dia, sem um átomo de distanciação, sem vergonha. Não vão por mim, verifiquem quando a RTP colocar em linha a peça, dia 30 de Março, aos 26 minutos do noticiário das 13 horas, a peça de propaganda.

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A SEIS ANOS DE FALIR, LÁ VAMOS CANTANDO E RINDO



Eu suspeito que os portuenses entendem melhor Lisboa do que os lisboetas o Porto. Mas devo estar errado. Eu, pelo menos, não entendo, entendo pouco. Lisboa parece-me demasiado distraída, demasiado normal, a pouco mais de cinco ou seis anos de o país entrar em bancarrota, se tudo continuar como está. Os economistas explicam - saber de economista, ou seja, matéria de muita prudência - que, por volta de 2014/2015, deixamos de ter dinheiro para pagar as nossas dívidas, e ninguém parece especialmente preocupado.
Só para que não se diga que tudo se explica pela "crise" de fora, como quer a propaganda do governo, cito o que escrevi debaixo deste mesmo Titanic e desta mesma evocação do hino da Mocidade, em Maio (despedimentos) e Julho de 2006:
(...) Lá por Outubro, com as primeiras chuvas, com os meninos a ir para a escola, os engarrafamentos, a insuportável banalidade do dia a dia, a bolsa a apertar, as dívidas para pagar, como acontece sempre estas euforias vão azedar-se em múltiplas irritações. E como é que podia deixar de ser assim? O que é que construímos para ser diferente? Onde é que trabalhámos para ter mais? Onde é que poupámos para os dias maus? O que é que aprendemos para nos melhorarmos? Para onde foi o tempo? A culpa será certamente dos "políticos", como é costume.

Volto à minha velha imagem: parece o Titanic, com a orquestra a tocar e a maioria dos viajantes convencida de que é mais um concerto, mais um jogo, mais um Rock in Rio, tudo está bem, curte-se esta cena boa, amanhã se verá. Mais uma cerveja, mais um cachecol, mais uma bandeira, mais um "às armas" que "nós até os comemos!". E a água gelada a subir no porão, atingindo primeiro os da "terceira classe", mas subindo sempre. Sempre.
Todos os dias parecem normais, no centro da cidade que só é branca vista de longe. O sol cumpre o seu dever português em vésperas do Avril au Portugal. Os dias estão já mais quentes do que tépidos. O trânsito parece ter crescido. Violando mesmo as regras que qualquer taxista explica sobre o "princípio" e o "fim do mês" enquanto explicação da relação entre o número de carros e o dinheiro no bolso. Pensando bem, por este indicador, deve haver muito dinheiro nos bolsos, só que não aparece nas estatísticas. As obras por todo o lado entopem a cidade, embora não se veja muita gente trabalhar nelas. Há tapumes, ruas meio cortadas, desvios. Mas as pessoas que passam, os carros que passam, tudo parece o mesmo. Devia haver algum traço invisível que mostrasse a crise, mas não aparece em lado nenhum. Ou então, o mais provável, eu não o vejo.

De onde vem esta agitação? As fábricas estão do lado de lá, ou na corda do Tejo. Aqui só há fábricas de papel, escritórios, repartições, Lisboa é uma cidade terciária, há muito funcionário público, e esses ainda escapam à crise. Não há fábricas, por isso não há desemprego visível. Não é Mangualde, ou o Vale do Ave. Não é o Porto, ou Braga. Não é Setúbal. Tem crise, mas vê-se menos. Escrevo, enquanto atravesso a Baixa, à procura, como David Attenborough, do animal da crise, um ilusivo animal na fauna urbana de Lisboa. Mas se a selva dele não é esta, deve estar mais longe. Em Telheiras, em Alcântara, em Xabregas, nos Olivais? Pode ser, mas deve descer à Baixa de vez em quando.

Nem sei bem se se pode falar de uma Baixa de Lisboa, o caminho que faço entre os Restauradores e o Chiado ou vice-versa. Não tem verdadeiras ruas sem carros, para peões, mas tem uma coisa mista que parece ter sido inventada para prejudicar a todos. Não serve nem os carros, nem os peões. Os parques de estacionamento não devem cumprir qualquer regra, porque os malabarismos que são necessários para entrar em alguns significam que, em caso de necessidade, quem entra não sai. Em particular, para os lados do Chiado e do Largo da Misericórdia, há parques que parecem uma demonstração concreta de que não há lei nem ordem na cidade há muito tempo. Como em muitos sítios do país, como é que se pode entender que haja locais destes a funcionar, violando todas as regras, sem que não se pense em grossa incompetência ou em corrupção? Bom, mas estamos na cidade, há aqui mais dinheiro, logo mais ganância, mais corrupção, marcada a traços de inúmeras tintas nas curvas apertadas dos parques.

Há agitação, agora que a Primavera soltou os seus cães de guerra. Os restaurantes parecem todos cheios ao almoço, a crise deve ser mais para a noite. Por razões que me fazem descrer da qualidade do nosso turismo, as personagens que falam línguas e estão nas esplanadas da Baixa, nem brasseries, nem cervejarias, nem cafés, mas uma espécie de restaurantes de quinta categoria, não se importam de coabitar com o lixo e com o fumo dos carros e autocarros que passam a um metro de distância. Tudo muito mau, mesmo muito mau, com as excepções para confirmar a regra. Estamos no Rossio, e eu suspeito de que mesmo no Martim Moniz deve ser melhor, só que sem turistas.

Claro que as razões porque "desço" à Baixa justificam a volta. O que eu procuro, há. Atrasadas, mas ainda chegando, vêm as revistas estrangeiras distribuídas nos quiosques. Há a Foreign Affairs, a Vanity Fair, a Esquire, a Atlantic, o Spectator, o PC Magazine, a Art in America. Mas será impressão minha ou a maioria das revistas de arte, arquitectura, moda, barcos e aviões, continuam lá no mesmo sítio, com os mesmos exemplares, à espera da devolução? Parecem ficar mais revistas na secção dos computadores, uma secção mais popular do que body building, há mais sobras nas revistas de alta fidelidade, há mais gente a ler sem comprar. Talvez seja a crise diante da bancada das Evasões, embora duvide que tenha chegado à Nova Gente. Pelo menos, o dr. Mário Soares deve continuar a comprar o Nouvel Observateur, pelo que ao menos um exemplar em Portugal deve vender-se. Mas ainda há quem compre o L'Express? Duvido. Ou o Le Point? Meia dúzia de velhos altermondialistas e os deputados "alegristas" devem ler o Le Monde Diplomatique. Mas essa é outra crise.

Livros? O alimento do meu monstro interior? Sim, continua a haver. A FNAC cumpre o seu dever de mostrar quilómetros de nulidades, mas a culpa é dos milhares de títulos nulos que se publicam. Nem paro nesta secção do papel pintado, os romances lusos e estrangeiros traduzidos, com capas cada vez mais iguais e conteúdos que não conto nunca ler. Pelo meio, a FNAC, tem umas idiossincrasias esquisitas. Muito Zizek, que está na moda entre os leitores do Le Monde Diplomatique, e uma tendência bizarra para fazer escaparates dedicados a uma personagem muito secundária da história do século XX, Che Guevara.

No sítio dos computadores o declínio dos desktops (os meus favoritos) atira-os para um canto, meia dúzia de modelos, sem renovação e inovação. Cada vez menos jogos decentes para computador em detrimento das consolas, efeito da pirataria. E cada vez menos software, resultado do mesmo efeito. O que há de menos nos computadores cresce nos vídeos de filmes, e, em particular, de séries televisivas.

Eu sei que os meus interesses são muito especializados e não ouso falar de lojas de tecidos, sapatarias, ourivesarias, cerâmica, ou mesmo a ocasional florista. Mas o café que George Clooney propagandeia, que não é para os pobres e que só se encontra em lojas exclusivas, está sempre cheio e tem que se tirar senhas como na Loja do Cidadão. Já o resto do pequeno comércio deve arrastar-se com todas as dificuldades, por detrás daquelas vitrinas intemporais. Só que a maioria das lojas da Baixa já parecem estar fora do mundo há muito tempo. Se há crise ela já chegou há muito tempo, com as grandes superfícies comerciais. Aquilo já é póstumo há muito tempo.

Na Baixa há mendigos sofisticados, punks nacionais, e literatos loucos que vendem poemas à peça ou tocam pandeiretas. Os mendigos habituais parecem os mendigos habituais, uma mistura dos velhos pedintes que sempre tivemos, à porta da igreja, num canto que ocupam há muitos anos. Depois há os romenos, ciganos romenos, profissionais da mendicidade que povoam todas as cidades europeias. Mas mesmo esses devem ser menos, cortesia do SEF. Não, não há mais mendicidade, nem, pensando bem, seria ali que ela se revelaria. Talvez para os lados do Intendente, ou pelos lados de Santa Apolónia, onde tudo continua na mesma.

É provável que o último sítio onde chegará a crise seja a Baixa de Lisboa, partindo do princípio de que aquilo que chega à Quinta da Marinha ou aos novos condomínios de luxo dificilmente se pode chamar crise. Mais ano menos ano, a continuar assim, um dia acordamos ainda mais pobres do que já somos, sem o saber. Nesse dia ficamos a saber como somos pobres e como, pelo facto de o sabermos, ainda mais pobres ficamos. Nesse dia chegará a crise à Baixa de Lisboa, e, na pior das hipóteses, sob forma ateniense. Não da Atenas de Péricles, mas da de 2008-9, a que arde.

(Versão do Público de 28 de Março de 2009.)

*
Fez, na versão mais completa que colocou hoje no Abrupto do seu último artigo do jornal Público, uma referência à orquestra do Titanic, que continuava a tocar enquanto o navio se afundava. É bastante corrente usar-se esta imagem como um paradigma de comportamento fútil e superficial no meio de uma catástrofe. Mas é um erro, pois é uma caricatura extremamente injusta de um dos maiores exemplos de coragem e de altruísmo de que tenho conhecimento.

Começo por corrigir um erro: não havia qualquer orquestra a bordo do Titanic. Havia, isso sim, dois agrupamentos musicais: o quinteto de Wallace Hartley e um trio de cordas. Nunca tocaram juntos a não ser na noite do desastre. E o que os levou a tocarem nessa ocasião, por sua própria iniciativa, foi o desejo de tentarem acalmar os passageiros enquanto estes tentavam arranjar lugar nos salva-vidas. Ao fazê-lo, perderam a possibilidade de eles próprios se salvarem. Com efeito, nenhum sobreviveu ao desastre. Um jornalista da época, ao descrever o naufrágio, escreveu que «o papel desempenhado pela orquestra a bordo do Titanic nos seus últimos e tenebrosos momentos ficará registado entre os maiores actos de heroísmo no mar».

O corpo de Wallace Hartley viria a ser encontrado mais tarde. Mais de trinta mil pessoas prestaram-lhe as últimas homenagens pelo seu acto heróico e, mais tarde, este monumento foi erigido em memória do que fizeram aqueles músicos.

(José Carlos Santos)

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© José Pacheco Pereira
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