ABRUPTO

6.12.08


COISAS DA SÁBADO:

A FORÇA DO PCP

O último Congresso do PCP mostra um partido que nada tem a ver com os outros e é penoso observar como jornalistas e comentadores tentam aplicar ao PCP a mesma receita de lugares comuns que passa por ser análise. Se nos outros partidos já é muitas vezes redutor o estilo, no PCP é quase hilariante.

Olhe-se para aquele Congresso e a importância dos seus rituais de identidade, emotivamente sentidos, para se perceber que estamos perante um partido-comunidade, com a sua carga de “vida” toda (como os seus militantes mais velhos, e a idade pesa no PCP, diziam) , com uma história densa de sentido, muitas vezes para os delegados uma história familiar, familiar de família, familiar de terra, e um sentimento de pertença que supõe abandono de vantagens materiais, muitas vezes perseguições e prejuízos, ausência de carreira, “dedicação” a valores como o “partido”, em primeiro lugar, depois, à “revolução”, seja lá qual for o sentido que cada um atribui à palavra. É um partido que tem para os seus militantes uma carga não apenas política mas também moral, é um partido-moral, o “único” do sistema político português.

Não importa que A ou B, dirigente, funcionário, militante, faça o mesmo que os membros dos partidos “burgueses”, seja ambicioso, invejoso dos seus “camaradas”, se aproveite das suas funções para abusar, meta a mão na caixa, cometa todas as aleivosias, que o “partido” como “colectivo” está acima dessas coisas, permanece intacto no imaginário dos comunistas. O texto de Cunhal sobre a “superioridade moral dos comunistas” é para esta comunidade a fundamental afirmação da diferença.

A FORÇA DE JERÓNIMO DE SOUSA

Jerónimo de Sousa é feito desta massa e nunca ninguém como ele soube perceber tão bem que o “partido” precisava de uma injecção de adrenalina identitária, em tempos de dissolução e dúvida, Nem Cunhal se relacionou assim com os militantes. Cunhal era respeitado, idolatrado, mas permanecia acima de cada militante. Cunhal passou toda a vida a simular que era um deles, mas nunca foi um deles. Na sua juventude usava roupas proletárias, forçou-se sempre a uma modéstia de vida que não era inteiramente natural, mas intencional: ele, o intelectual, o teórico, o dirigente, o resistente, vindo da classe acima, vivia como os operários, sem luxos, nem prebendas. Todos diziam dele que era um homem “simples”, que imediatamente se oferecia para os trabalhos mais humildes, mas todos compreendiam que essa atitude, não sendo uma expiação, porque Cunhal era um homem de fé, era uma proclamação de que, sendo diferente, desejava ser igual.

Jerónimo de Sousa não precisa de nada disso e trouxe ao PCP, a ecologia política que com Carvalhas estava a embaciar-se, ou seja aquilo que se chama cá fora, “ortodoxia”. Não se importa em falar de trabalhadores como os comunistas falam de trabalhadores, não se importa de pela primeira vez ter trazido os comunistas à rua com as bandeiras do PCP, sem o manto diáfano da CDU, fala de revolução, de combate ao capitalismo, de internacionalismo proletário, de comunismo sem o cálculo político (de Cunhal) que levou ao abandono da “expressão” (e só da expressão) de “ditadura do proletariado”. Por ele, não haveria problema nenhum em usa-la, nem para os milhares de militantes que se ergueram em uníssono quando Odete Santos disse uma coisa parecida.

O RETORNO À TEORIA



Outro aspecto interessante deste Congresso foi o discurso de Jerónimo de Sousa em que este teoriza, numa “análise de classe” marxista-leninista, sobre o Bloco de Esquerda e sobre a ala esquerda do PS. Desde Cunhal que tal não se ouvia em Congressos do PCP, acompanhando aliás alguns artigos do Avante! sobre o Bloco de Esquerda que não são só as tradicionais peças de exorcismo. Também aqui o PCP apanha o BE pela esquerda, fornecendo uma interpretação, “ortodoxa”, face a uma organização eclética, sem teorização nem sequer ao nível político mais básico e dependente dos adjectivos moralistas com que Louça enfatiza o discurso.

RITUAL E REALIDADE



Claro que esta identidade “revolucionária” é mais ritual do que real. Pode introduzir alguma radicalidade nas lutas sociais, como já se vê nos professores, alguma tensão política, mas estamos longe de considerar que o PCP toma a sua retórica a sério. É o quadro da luta social e eleitoral a que esta “revolucionarização” anti-capitalista vai desembocar, não à “revolução”. É boa para fazer o pleno dos militantes comunistas e recuperar votos perdidos nos últimos anos, e, funcionando como manifestação de força, influencia sectores da esquerda. Mas não estou a ver o PCP a organizar-se clandestinamente, a preparar grupos armados, a fazer agitação revolucionária nas forças armadas, ou seja a cumprir as velhas determinações da Internacional para não se cair no “cretinismo parlamentar”.

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5.12.08


COISAS SIMPLES



(Cézanne)

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COISAS DA SÁBADO: VALE A PENA FAZER ALGUMA COISA DE SÉRIO NA POLÍTICA?

Valer, vale, mas é em grande parte inútil, porque fica desconhecido, tem o décimo do efeito, e não chega sequer aos seus destinatários. Os jornalismo político que se faz hoje precisa de mostrar sempre uma mesma imagem dos políticos, entre o jongleur inábil e o carreirista cínico e dominado pelo interesse próprio. Sempre que alguém faz diferente é ignorado para não estragar o estereotipo. Um excelente artigo de João César das Neves colocava estes problemas do jornalismo dos dias de hoje e o seu papel na produção da irrelevância.

Na semana passada houve um magnífico exemplo. O modo como os jornalistas, trataram uma das iniciativas mais sérias da vida política portuguesa dos dias de hoje, o trabalho do Instituto Francisco Sá Carneiro (podem julgar por vós próprios aqui ), capaz de desmoralizar o mais determinado cidadão que acha que a política se deve fazer de forma séria e com trabalho, Procurem nos jornais do dia seguinte com uma lupa qualquer notícia, apesar da sala estar pejada de jornalistas, curiosos apenas por ver se havia alguma gaffe nos discursos.

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EARLY MORNING BLOGS

1445 - Primeiras chuvas de inverno.

Primeiras chuvas de inverno.
Até o macaco
quer um guarda chuva.

(Matsuo Basho)

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4.12.08


RECONSTITUIÇÃO DAS IMAGENS PERDIDAS DO ABRUPTO


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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão em actualização.

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EARLY MORNING BLOGS

1444

—Anda, hijo —replicó don Quijote—, y no te turbes cuando te vieres ante la luz del sol de hermosura que vas a buscar. ¡Dichoso tú sobre todos los escuderos del mundo! Ten memoria, y no se te pase della cómo te recibe: si muda las colores el tiempo que la estuvieres dando mi embajada; si se desasosiega y turba oyendo mi nombre; si no cabe en la almohada, si acaso la hallas sentada en el estrado rico de su autoridad; y si está en pie, mírala si se pone ahora sobre el uno, ahora sobre el otro pie; si te repite la respuesta que te diere dos o tres veces; si la muda de blanda en áspera, de aceda en amorosa ; si levanta la mano al cabello para componerle, aunque no esté desordenado... Finalmente, hijo, mira todas sus acciones y movimientos, porque si tú me los relatares como ellos fueron, sacaré yo lo que ella tiene escondido en lo secreto de su corazón acerca de lo que al fecho de mis amores toca: que has de saber, Sancho, si no lo sabes, que entre los amantes las acciones y movimientos exteriores que muestran cuando de sus amores se trata son certísimos correos que traen las nuevas de lo que allá en lo interior del alma pasa. Ve, amigo, y guíete otra mejor ventura que la mía, y vuélvate otro mejor suceso del que yo quedo temiendo y esperando en esta amarga soledad en que me dejas.

—Yo iré y volveré presto —dijo Sancho—; y ensanche vuestra merced, señor mío, ese corazoncillo, que le debe de tener agora no mayor que una avellana, y considere que se suele decir que buen corazón quebranta mala ventura, y que donde no hay tocinos, no hay estacas; y también se dice: «Donde no piensa, salta la liebre». Dígolo porque si esta noche no hallamos los palacios o alcázares de mi señora, agora que es de día los pienso hallar, cuando menos los piense; y hallados, déjenme a mí con ella.

—Por cierto, Sancho —dijo don Quijote—, que siempre traes tus refranes tan a pelo de lo que tratamos cuanto me dé Dios mejor ventura en lo que deseo.

(Cervantes, Don Quijote de la Mancha. Capítulo X - Donde se cuenta la industria que Sancho tuvo para encantar a la señora Dulcinea.)

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3.12.08


NUM BLOGUE PERTO DE SI, NUMA GALÁXIA MUITO LONGE



NESTES DIAS, COISAS RARAS E VARIADAS

LENDO / VENDO / OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 1 de Dezembro de 2008 + novos comentários.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 3 de Dezembro de 2008

As declarações "optimistas" do Primeiro-ministro José Sócrates feitas hoje, de que a diminuição dos juros dos empréstimos devido à descida da Euribor, o abaixamento do preço da gasolina, e outros sinais de deflação significam "um aumento do rendimento das famílias", roçam pela sua demagogia o insulto aos portugueses. Tudo o que referiu são efeitos da crise que se vive e não resultado de qualquer benemérita política do governo e vem no mesmo pacote do desemprego, do recuo dos salários, do aumento da pobreza generalizado, das falências.

*



Clicando fica na boa dimensão. Para se ver

Esta velha anedota de 1929 mostra como nunca faltou quem achasse que "basta dizer que tudo está bem para que tudo esteja bem"...

(C. Medina Ribeiro)

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EXTERIORES: CORES DESTES DIAS

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



(AM)





Marão. (José Carlos Santos)



Serra de S. Macário. (José Manuel de Figueiredo)



(ana)





Parque do Retiro, em Madrid. (Vítor Magalhães)



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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2.12.08


EARLY MORNING BLOGS

1443 - Mis libros

Mis libros (que no saben que yo existo)
son tan parte de mí como este rostro
de sienes grises y de grises ojos
que vanamente busco en los cristales
y que recorro con la mano cóncava.

No sin alguna lógica amargura
pienso que las palabras esenciales
que me expresan están en esas hojas
que no saben quién soy, no en las que he escrito.

Mejor así. Las voces de los muertos
me dirán para siempre.

(Jorge Luis Borges)

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1.12.08


UMA LUA BEM ACOMPANHADA



vale a pena ir lá fora ver, mesmo com frio.

*
Da página do Observatório Astronómico de Lisboa:

"Dia 1/12 conjunção entre a Lua, Vénus e Júpiter

Certamente já reparou que nos últimos tempos, ao anoitecer, surgem no céu, a sudoeste, dois pontos brilhantes. São os planetas Vénus (o mais brilhante) e Júpiter que lentamente se têm vindo a aproximar um do outro.

Como pode constatar na página de efemérides do OAL, os dois planetas vão-se aproximar até cerca de 2º (equivalente a 4 diametros da Lua) na madrugada do dia 1 de Dezembro. Na mesma página também pode verificar que ao longo do dia a Lua se vai juntando ao par, passando, durante a tarde, a menos de 1º de distância de Vénus.

Isto significa que ao anoitecer de dia 1 de Dezembro iremos ter muito próximos no céu os 3 corpos: Lua, Vénus e Júpiter. Se as condições meteorológicas o permitirem, será certamente uma bela visão."

(Fernando Correia de Oliveira)


*



Conjunção Lua-Vénus-Júpiter em 1 de Dezembro, fotografada no frio do Cabo do Mundo, Matosinhos. (Paulo Loureiro)



Nas Maldivas. 1 de Dezembro às 18:11 aproximadamente a Lat 4º N e Lon 73º E. (Fernando Miranda)

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EXTERIORES: CORES DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver





No Ribatejo (RM); no Marão com neve (Helder Barros): no Porto (José Carlos Santos).

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ÉTICA POLÍTICA EM TEMPOS DE CRISE



Em tempos de crise económica, as malfeitorias económicas dos ricos e poderosos, sejam apenas expedientes para enriquecer nas franjas da legalidade, sejam fraudes e crimes, são particularmente explosivas em termos sociais. Então, se se tratar de políticos, a tolerância fica abaixo de zero e o clamor pela justiça assume tons de vingança social. Não foi a ambição e ganância desmedida dos ricos e poderosos que gerou a crise económica que explica por que razão a minha pensão está a baixar, as minhas poupanças estão em risco e os meus filhos estão desempregados? Num certo sentido, a resposta é sim e compreende-se o apertar ainda mais da malha persecutória e justicialista sobre qualquer desmando real ou imaginário. Não é um ambiente saudável, que transborda em palavras violentas em qualquer fórum da rádio ou da televisão aberto aos ouvintes ou telespectadores. É um ambiente propício a muitas injustiças, com julgamentos em praça pública sem defesa, com culpa formada mais pela condição económica e social do réu do que pela sua culpa real ou imaginária.

Dito isto, nem por isso deixa de haver um outro lado para a mesma questão: é natural que, em momentos de dificuldades e empobrecimento colectivo, se seja mais severo com abusos de poder, actos de ganância em proveito próprio e, no limite, fraudes e crimes. As questões de ética política tornam de novo a colocar-se no centro do debate e as dificuldades de encontrar critérios seguros no terreno movediço da percepção pública do que se pode ou não pode fazer, e da lei, são evidentes. O debate actual sobre se Dias Loureiro devia ou não deixar o Conselho de Estado, dada a sua situação controversa no caso do BPN, é um exemplo disso.

A tese dominante no PS, implícita no PSD, aplicada pela Comissão de Ética da Assembleia da República, foi expressa por Pina Moura, quando questionado sobre se a sua manutenção como deputado não era inaceitável, dado o facto de ser responsável pela Iberdrola, empresa espanhola que negociava com o governo português em áreas em que o deputado Pina Moura exercia o seu poder de vigilância e controlo parlamentar. Nessa altura, Pina Moura disse que, para ele, a "ética republicana era a lei" e, como nada havia de ilegal na sua conduta que implicasse uma incompatibilidade formal, não tinha que deixar o seu lugar na Assembleia. Podia-se argumentar que, não sendo ilegal, era politicamente imoral, que Pina Moura se defendia com a identidade absoluta da "lei" com a "ética". A atitude do PS e do PSD nestas circunstâncias tem sido, com muita dificuldade e muita relutância, acrescentar novos itens à "lei", sempre que o escândalo público obrigava os partidos a tornarem "ilegal" mais um procedimento que "na véspera" a "ética republicana" de Pina Moura permitia. É uma atitude semelhante àquela que António Costa defendeu na Quadratura do Círculo, ao insistir na necessidade de se definirem regras claras, em particular quando há dúvidas sobre o que fazer quando alguém é constituído arguido ou acusado. A posição de Costa é alargar o âmbito da "lei", de modo a cobrir actos ou situações que entretanto se considerem eticamente reprováveis.

Discordei de António Costa e discordo de uma aproximação normativa do problema da ética política, que penso ser impossível de verter em código de conduta por muito complexo e detalhado que seja. Sigo aqui a posição de Marques Mendes e vou até mais longe naquilo que ela tinha de meritório. Na verdade, a posição original de Marques Mendes foi grosseiramente deturpada pela imprensa e pelos seus adversários no PS e no PSD, que repetiam vezes sem conta, como aliás é habitual, na especial perseverança no erro para não perder a face em que a comunicação social é exímia, aquilo que ele nunca dissera. A posição de Marques Mendes foi reduzida ao simplismo de "Estás arguido, logo não podes ser candidato do PSD", quando Marques Mendes tinha tido especial cuidado em dizer que o último elemento decisório não era a situação judicial de alguém, mas sim um julgamento político sobre o que motivava essa situação e o escândalo público que ela suscitava. Na verdade, a posição de Marques Mendes continha dois elementos fundamentais: um, não entregava ao sistema judicial a decisão política de candidatar ou não alguém, retirar a confiança política ou não uma pessoa; segundo, exigia um julgamento político que implicava responsabilidade do julgador.

Este último factor é para mim fundamental. Face a situações ambíguas, face a suspeitas de comportamento impróprios, face a situações legais mas eticamente inadmissíveis, a decisão política contém certamente elementos de subjectividade e discricionariedade, mas, em última instância, essa decisão incorpora uma avaliação no foro próprio da política, irredutível a tudo o resto, cuja responsabilidade podia ser medida e pedida a posteriori e julgada pela opinião pública e pelos eleitores. Um dirigente político pode e deve defender alguém, mesmo que julgado e condenado, desde que tenha a convicção de estar a ser perseguido injustamente, seja por um governo, seja por falsas acusações, seja por qualquer justicialista de qualquer ramo do aparelho judicial. Esta possibilidade é um factor de liberdade política em democracia, e é a tradição do Acuso de Zola. Não é líquido que na sociedade portuguesa não haja ou possa haver situações como esta.

Mas esta possibilidade está nos limites da responsabilidade política; o que é mais comum, e infelizmente cada vez mais comum, é saber o que se deve fazer, face ao mais subjectivo e movediço terreno dos comportamentos que, não sendo ilegais, não sendo inclusive do domínio da justiça, são susceptíveis de serem condenados no plano da ética política e causam escândalo público. Sou sensível aos perigos da subjectividade e à possibilidade de vinganças e ajustes de contas políticos, mas também aí prefiro uma responsabilidade dos líderes partidários por aplicarem decisões discricionárias do que qualquer código de conduta normativo.
Nesse julgamento têm de ser ponderados muitos factores que não podem ser vertidos em qualquer sistema de normas, o primeiro dos quais é a matéria que causa escândalo público, a sua relação com a actividade política, e com os crimes de colarinho branco que estão sempre próximos do poder político, o modo como afronta não o participante zangado dos fóruns, mas a opinião pública moderada e conhecedora.

Era o caso, para mim paradigmático, de Pina Moura e de alguns deputados do PSD que eram advogados em causas que tratavam como parlamentares e que, não estando a cometer nenhuma ilegalidade, estavam sem dúvida a violar um princípio de incompatibilidade pela confusão entre os interesses próprios profissionais e a causa pública que deviam servir como deputados.

Um dos défices mais graves da vida política portuguesa é exactamente esta omissão das lideranças partidárias de assumirem as suas responsabilidades na apreciação dos comportamentos eticamente reprováveis dos membros dos seus partidos. Não precisam de o fazer na praça pública, não precisam de o fazer a reboque de decisões judiciais, ou pelo clamor vingativo do escândalo público, mas tem que haver uma "linha vermelha" própria que não seja indiferente a um julgamento ético sobre o que acontece infelizmente quase todos os dias. É uma grande e difícil responsabilidade, mas deve vir com a liderança e ónus do poder. E, se fosse aplicada com mais rigor e sensibilidade, traria mais credibilidade para a vida política que tanta falta tem de merecer respeito pelo cidadão comum. Em tempos de crise, então ainda é mais crucial essa respiração ética.

(Versão do Público de 29 de Novembro de 2008.)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 1 de Dezembro de 2008

Hoje João César das Neves publica um artigo completamente certeiro sobre o jornalismo português.

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Li o artigo do Professor César das Neves. Julgo que está excelente, com excepção da última linha, em que refere o "poder dos media".
Os media não são de facto um poder: são uma força. A diferença é abissal. A força é a capacidade de obter um efeito. O poder, é a capacidade de utilizar a força ao serviço de uma ideia. Um guarda-costas não tem poder. Poder tem quem o utiliza para a consecução dos seus objectivos. Esta troca de conceitos, no texto de César das Neves, tem a triste consequência e o tornar benéfico para quem utiliza a força dos media, não só porque falar do poder de uma organização cria temor em quem ouve, aumentando por isso a componente subjectiva do poder, e por outro escamoteia o essencial, que é a utilização real dos media.
Aos verdadeiros poderes interessa fazer passar a ieia de que os media têm um ethos próprio, virtuoso, ao serviço do qual utilizam a sua força. Nem sequer é vender jornais. Se fosse só isso, o prejuizo que davam à democracia era igual ao produzido por uma indústria qualquer.

(Luiz Miguel Alcide d´Oliveira)
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Um documento fundamental sobre o Tratado de Lisboa, silenciado como de costume. Fala Václav Klaus, Presidente checo, numa mensagem ao Tribunal Constitucional:
If this treaty comes into force, the international position as well as internal conditions within our state will change. Also the influence of our country on the decisions of the European Union will be weakened. All this would change the terms of our membership, which were approved by our citizens in the referendum on the EU Accession Treaty. The democratically established authorities of our state will be deprived of the right to decide on many areas of public life and this administration will be turned over to the EU authorities, which are not subjected to sufficient democratic control. In addition, the European Union authorities will be allowed to expand their own competencies over life in our country and its citizens at their will, even without our consent.

Our decision on such crucial issues such as the Lisbon Treaty therefore must not be guided by foreign pressure or the momentary short-term interests of some of our politicians. It must not be guided by naive illusions about international politics, which have failed us repeatedly in the past. The decision on the Lisbon Treaty will not be binding just for now or only for a few years. It will bind future generations. Therefore I consider these proceedings of the Constitutional Court a key event in its history. This decision of yours will probably be the most important decision you will ever have to make.
Tudo o resto vale a pena.

José António Veloso, que me enviou o texto, escreve com toda a razão:
"Procure neste discurso um cliché, um chavão de língua de pau; ou uma frase que não seja límpida e que o cidadão comum não possa compreender perfeitamente e sem resíduos de equivocação: não encontrará. "
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Vale efectivamente a pena ler o discurso de Vaclav Klaus sobre o tratado de Lisboa. Há nele muito de meritório e diversos assuntos que teria sido útil discutir em Portugal. Mas erra José António Veloso (e erra você, que com ele concorda) quando diz que o discurso não contém "um cliché, um chavão de língua de pau; ou uma frase que não seja límpida e que o cidadão comum não possa compreender perfeitamente e sem resíduos de equivocação". Pois aqui vão três desses equívocos.
UM: num texto que se discute a incompatibilidade da soberania nacional com o tratado de Lisboa é incompreensível que se não faça uma referência à possibilidade de abandonar a UE, possibilidade que não existe explicitamente nos tratados agora em vigor.
DOIS: Vaclav Klaus critica o artigo 48 to tratado da UE (revisto) sobre o procedimento simplificado de revisão. E diz Klaus que o dito artigo "allows the establishing treaties of the EU to be changed and thus – immediately – also our legal system just by a decision of the Council of the European Union." É falso. Leia o dito o parárgrafo 6 do dito artigo para se saber que, o processo simplificado de revisão carece de ratificação de todos os Estados membros.
TRÊS: Vaclav Klaus critica o artigo 352 (antigamente 308) do tratado do funcionamento da UE que permite que se adoptem medidas fora das competências da UE se necessário para alcançar os objetivos dos tratados. Talvez valesse a pena ter escrito que essas medidas só podem ser tomadas por unanimidade. E mais, esquece Klaus que o dito artigo não foi fundamentalmente modificado com o tratado de Lisboa (o seu alcance foi até restringido). O alcance do texto é portanto o mesmo que vigorava quando os Checos aderiram à UE. Deixa-me ver que assinou o tratado de adesão em nome da Repùublica Checa: Vaclav Klaus.

(Pedro Costa Ferreira)

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© José Pacheco Pereira
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