ABRUPTO

5.7.08


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CAÇA E RECOLECÇÃO (11)



Mater Dolorosa.

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O SORRISO DE INGRID

Mulher francesa, patriota colombiana. E ri de alegria, quando vê os filhos, ri em todos os momentos em que percebe que já está livre. Mas só é verdadeiramente bela quando sorri e a face se repousa num menor esforço, e mostra uma calma que não pode ter, por debaixo de uma estranha trança, ainda feita na selva. Alguém lhe deve ter dito: "ficas bonita assim". Mas há uma coisa no sorriso de Ingrid Betancourt que não é só alegria. Aquele sorriso já viu tudo.

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EARLY MORNING BLOGS


1331

Natsugusa ya
Tsuwamonodomo ga
Yume no ato

Erva de Verão
Grandes guerreiros
Restos de sonhos

(Basho)

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4.7.08


LÍNGUA SÁBIA



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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE



(MJ)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 4 de Julho de 2008

Uma excelente notícia, para variar, vinda da Universidade de Aveiro: o Corpus Lexicográfico do Português.



Os primeiros dicionários da Língua Portuguesa, publicados nos séculos XVI, XVII e XVIII, podem ser consultados on-line, permitindo a leitura de testemunhos raros da evolução do Português e do significado das palavrasEste fundo documental, designado Corpus Lexicográfico do Português, resulta de um trabalho de edição iniciado em 2001 na Universidade de Aveiro, com a transcrição e tratamento informático de um conjunto de dicionários antigos, que não tiveram reedições modernas, e que por isso permaneciam inacessíveis para o grande público e até para a generalidade dos especialistas, que apenas os podiam consultar em algumas bibliotecas.
Actualmente é possível consultar 16 textos, efectuar pesquisa de palavras e obter concordâncias. Entre as principais obras destacam-se o primeiro dicionário de língua portuguesa e latina, de Jerónimo Cardoso, a Prosódia de Bento Pereira e o Vocabulário Português e Latino de Rafael Bluteau. Estão também disponíveis recolhas de provérbios e adágios antigos. A informação lexical com acesso a contextos e à identificação das fontes é destinada aos estudos literários, culturais e linguísticos mas apresenta motivos de interesse para o público em geral, que pode encontrar testemunhos da mudança de sentido de palavras como caramelo (gelo), drogas (especiarias), mecânico (artesão), pensar (alimentar), polícia (leis) ...
Pode ser acedido aqui.

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COISAS DA SÁBADO: COMO NOS PESADELOS


Há uns filmes de terror em que alguém está numa sala que vai começando a ser invadida por água. A água vai subindo e a pessoa vai lutando para manter a cabeça à tona. Até que o tecto da sala se aproxima inexoravelmente e fica apenas aquele movimento desesperado de encontrar a última película de ar que sobra. Umas vezes há salvação, aparece o herói, outras, se o filme de terror é a sério, a imagem seguinte é o corpo a boiar sem vida.

Os portugueses começam a perceber que estão num filme deste género. Qualquer noticiário lhes diz aquilo que verificaram no supermercado, na bomba de gasolina, no transporte, na conta do fim do mês, na prestação da casa: os preços estão a subir como a água do filme de terror. Com eles, as dívidas, porque a facilidade traiçoeira do crédito do consumo está presente na sala, como se acrescentássemos ao perigo do afundamento, o de um tubarão qualquer que dá voltas, ao lado. É overkill, mas é mesmo.

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EARLY MORNING BLOGS


1330 - Heráclito


El segundo crepúsculo.
La noche que se ahonda en el sueño.
La purificación y el olvido.
El primer crepúsculo
La mañana que ha sido el alba.
El día que fue la mañana.
El día numeroso que será la tarde gastada.
El segundo crepúsculo.
Ese otro hábito del tiempo la noche.
La purificación y el olvido.
El primer crepúsculo...
El alba sigilosa y en el alba
la zozobra del griego.
¿Qué trama es esta
del será, del es y del fue?
¿Qué río es éste
por el cual corre el Ganges?
¿Qué río es éste cuya fuente es inconcebible?
¿Qué río es éste
que arrastra mitologías y espadas?
Es inútil que duerma.
Corre en el sueño, en el desierto, en un sótano.
El río me arrebata y soy ese río.
De una materia deleznable fuí hecho, de misterioso tiempo.
Acaso el manantial está en mí.
Acaso de mi sombra
surgen, fatales e ilusorios, los días.

(Jorge Luis Borges)

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COISAS DA SÁBADO: COMEÇOU COM OS CÃES



A partir de hoje os novos cães portugueses passam a ter obrigatoriamente implantado um micro processador que os identifica. Os cães passam a ter bilhete de identidade escrito no corpo, e um número único, como se fosse um código de barras. Nada impede que o que se está a fazer aos cães se faça aos humanos e estou convencido que será apenas uma questão de tempo. No século XX muitos humanos estiveram já marcados, como o gado, nos campos de concentração.

Começará como é costume, por um princípio de necessidade, depois de facilidade. Começará por exemplo, para marcar os bebés numa maternidade para que não haja trocas, depois o estado convencer-nos-á que só há vantagens em andar de código de barras electrónico para se houver um acidente se saber qual é o código sanguíneo, ou que se pode assim seguir os pedófilos por GPS, etc., etc.. Depois será mais fácil atravessar as filas da segurança dos aeroportos, ser atendido numa repartição, etc., etc. É só uma questão de tempo.

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3.7.08


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 3 de Julho de 2008


Por que razão a afirmação de Joana Amaral Dias (na SICN) de que querem fazer a "chinesização" da Europa não é uma afirmação racista?

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1.7.08


INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão em actualização com um pedido de ajuda.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 1 de Julho de 2008


Insistir na ratificação do Tratado de Lisboa pelos países que ainda não o fizeram é inútil do ponto de vista jurídico, porque o Tratado foi morto no referendo irlandês. A insistência em prosseguir as ratificações só pode por isso ter um significado político: isolar os irlandeses e puni-los por terem dito que não. Foi este caminho que recusaram os Presidentes polaco e checo, que sempre desconfiaram da política de diktat que está por trás da deriva europeia dos últimos anos e que conduz a União Europeia de desastre em desastre.

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POEIRA DE 1 DE JULHO


Hoje, há noventa e três anos, Viriginia Woolf tinha deixado de escrever o diário que começara nesse ano e encontrava-se deprimida, violenta, agressiva. No meio da sua depressão deixou de dormir e perguntava aos seus amigos como é que faziam à noite. Um deles, talvez o seu cunhado Clive Bell, disse-lhe que todas as noites lia meia dúzia de páginas de Tucídides, descrevendo batalhas ou escaramuças da guerra do Peleponeso. Depois fechava a luz e imaginava-as com todos os precisos detalhes, o cheiro da urze, o barulho das espadas, a pedra onde se sentou um guerreiro de Esparta olhando para o por-do-sol enquanto morria, as azeitonas comidas à sombra depois de uma batalha, o pó levantado pelos caminhos, o silêncio. Muitas destas coisas não vinham em Tucídides, inventava-as e permanecia centrado naquilo em que queria pensar e não naquilo em que pensava e não o deixava dormir. Quando não conseguia, voltava a Tucídides.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (10)



Cartazes chineses sobre livros.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (9)



Esta semana num calendário alemão de 1944, distribuído em Portugal. Parecia que estavam a ganhar...

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EARLY MORNING BLOGS


1329 - On the Beach at Night Alone

On the beach at night alone,
As the old mother sways her to and fro singing her husky song,
As I watch the bright stars shining, I think a thought of the clef of the universes and of the future.

A vast similitude interlocks all,
All spheres, grown, ungrown, small, large, suns, moons, planets,
All distances of place however wide,
All distances of time, all inanimate forms,
All souls, all living bodies though they be ever so different, or in different worlds,
All gaseous, watery, vegetable, mineral processes, the fishes, the brutes,
All nations, colors, barbarisms, civilizations, languages,
All identities that have existed or may exist on this globe, or any globe,
All lives and deaths, all of the past, present, future,
This vast similitude spans them, and always has spann’d,
And shall forever span them and compactly hold and enclose them.

(Walt Whitman)

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30.6.08


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CAÇA E RECOLECÇÃO (8)







Tempo de inocência: livro de autógrafos de uma rapariga, anos cinquenta.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (7)



Grupo de rapazes no Parque da Ponte, Braga, em 4 de Agosto de 1946.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (6)



Publicidade antiga.

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EXTERIORES: CORES DESTES DIAS



Ria de Aveiro. (José Carlos Santos)



Entre o Porto e Matosinhos.



Figueira da Foz, reconstituição da tomada do Forte de Sta. Catarina pelos ingleses nos 200 anos das Invasões francesas. Como é sabido, o desembarque dos ingleses fez-se na margem sul da Figueira, na costa de Lavos. (Gabriel Falcão e Guida Cândido)



Mulher em pijama na ponte romana de Tavira. (VG Cardeira)

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EARLY MORNING BLOGS


1328 - Seth Compton

When I died, the circulating library
Which I built up for Spoon River,
And managed for the good of inquiring minds,
Was sold at auction on the public square,
As if to destroy the last vestige
Of my memory and influence.
For those of you who could not see the virtue
Of knowing Volney's "Ruins" as well as Butler's "Analogy"
And "Faust" as well as "Evangeline,"
Were really the power in the village,
And often you asked me,
"What is the use of knowing the evil in the world?"
I am out of your way now, Spoon River,
Choose your own good and call it good.
For I could never make you see
That no one knows what is good
Who knows not what is evil;
And no one knows what is true
Who knows not what is false.

(Edgar Lee Masters, The Spoon River Anthology)

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29.6.08


COISAS DA SÁBADO: SEM GOVERNO JÁ HÁ ALGUM TEMPO



Já o ouvi, já o disse e agora repito-o: se repararem bem, verão que Portugal nesta altura não tem governo. Não é sequer aquela pergunta cíclica dos jornais, onde é que está o governo, como se o governo fosse o Wally. O corpo físico do governo sei bem onde está, só que não exerce, não governa. Desde que os powerpoint e as sessões de casting começaram a ter efeitos contraproducentes; desde que o calendário de pau e cenoura, tão bem urdido pelo Primeiro-ministro para esta legislatura, encravou na crise internacional e nos erros nacionais; desde que a certeza de nova maioria absoluta se evaporou; desde que o PS percebeu que podia ter um PCP e BE com 20%, comendo-lhe a sua própria esquerda mais Manuel Alegre; desde que acabou a mistura de narcisismo e de turbulência psicótica que passava por ser oposição e apareceu oposição, o governo não sabe o que fazer e está em estado de estupor. Não há governo, está ali parado diante de uma parede, como no Blair Witch Project.

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POEIRA DE 29 DE JUNHO


Hoje, há setenta e um anos, o coronel John de Multon, que servira de forma distinta na Índia, apareceu na consulta de Fritz Wittels, no Bellevue Hospital em New York. Wittels, um discipulo de Freud, que foi também o analista de E. E. Cummings, deixou uma série de notas para as suas memórias sobre este caso. O coronel sofria de alethia, a incapacidade de esquecer. Era incapaz de fazer a mais pequena e trivial das coisas sem se lembrar das mesmas coisas que já tinha feito. Não eram as memórias longínquas que o atormentavam, mas as próximas. Hoje, lembrava-se de ontem, ontem lembrava-se de anteontem.

As memórias cobriam todo o quotidiano e todos os sentidos, tacto, olfacto, audição, visão. As memórias tinham-se tornado obsessivas e levado o coronel, um homem muito reservado, àquilo que ele considerava uma vergonha: contá-las. Via uma estrebaria, lembrava-se onde costumava deixar o cavalo. Via a rua, lembrava-se do lado do ouvido. Via o relógio, lembrava-se das horas. Via as horas, lembrava-se do relógio. Via pornografia, lembrava-se das cenas. Via o gin, lembrava-se do limão. Via um jornal inglês, lembrava-se de Londres. Via uma casa, lembrava-se da casa. Via Brighton. lembrava-se do casino. Via uma gravura, lembrava-se das gravuras que recebia, numa assinatura que tinha expirado. Via um melro, lembrava-se das gralhas. Ouvia "é hoje" e não era hoje. Via tudo com toda a nitidez como se as memórias fossem dele e não eram. Não estava bem do lado de cá e sabia que o lado de lá estava estragado irremediavelmente. Desejava esquecer, mas tinha ao mesmo tempo receio que as suas memórias já se estivessem a dispersar, que deixassem de lhe pertencer, que estivessem a ser contadas, a perderem-se numa voz nocturna que o assaltava hoje e de que também se lembrava ontem. Sabia que essa voz estava a falar algures. Imaginava um narração detalhada, comparações, distâncias, fugas, novas alegrias, repetições. Queria e não queria as suas memórias de volta.

O coronel estava cansado, abúlico, perdera o interesse. Andava com pouco destino. Perdera a reserva, sentia-se ridículo. Imaginava os vizinhos, que sabiam da sua doença, a rirem-se dele que fora sempre um homem digno. Ele ria-se dele, o que era pior, contava ao grave doutor freudiano. Wittels anotou: "obsessive detail, cristal memory, pain, confusion."

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EM TEMPOS DE SÍNDROMA DE ABSTINÊNCIA DO FRENESIM



A função dos agulheiros era mudar as linhas nos eléctricos e nos comboios. Tinham um ferro com uma cunha e viravam a agulha, a linha, de uma direcção para outra. Neste caso, o agulheiro é uma senhora que virou várias agulhas nos últimos meses. A primeira foi ao dizer que havia uma "questão social grave" e mais tarde, uma "emergência social" no Portugal de hoje. O comboio na altura ia na direcção do deslumbramento tecnológico, do tout va très bien Madame la Marquise. Virou a agulha. Depois, foi ao falar do empobrecimento num múltiplo sentido: pauperização da classe média, agravamento da pobreza tradicional e aparição de novas bolsas de pobreza. Falou em classe média, lugar maldito da esquerda. Falou nas pequenas e médias empresas e não nos grandes grupos económicos ou nos projectos PIN negociados nos gabinetes governamentais. O comboio ia para a glória do nosso crescimento, para a troca de interesses entre o PS e aquilo que o PCP chama o "grande capital", misturado com o "quão de esquerda que nós somos" e outros locais de vaidade ideológica. Virou a agulha. Depois disse que muitos dos investimentos públicos previstos ou não eram necessários ou o país não os podia pagar. O comboio seguia para a alta velocidade, para mais de vinte concessões de auto-estradas, para mil e uma obras públicas, para a hegemonia tradicional do betão para dar emprego e injectar dinheiro na nossa economia. Virou a agulha.

Virou muitas outras agulhas, umas mais outras menos, outras ainda não virou e outras não vai virar como eu o desejaria, virou a do PSD, onde fez uma revolução nos quadros dirigentes, virou a do estilo, etc., etc., mas nem que virasse tudo ao contrário, nunca bastaria. A resposta a essas viragens foi um clamor pedindo que dissesse já qual a cor do comboio, qual a decoração dos lugares, o que é que o bar servia, e se o apito da locomotiva tocava música ou não. Excelente distracção, essencialmente para que não se discutisse a viragem da agulha, ou seja, o caminho diferente do comboio e qual o seu objectivo. Alguns disseram que o problema era que o comboio continuava a ir para norte, embora fosse para oeste quando antes ia para este, em vez de virar radicalmente a sul. É um ponto de discussão, a seu tempo, mas a dominância foi o clamor pela cor do comboio. Ou seja, diga lá que obras públicas, diga lá que medidas para os pobres, faça lá o catálogo como o Don Giovanni.

Percebe-se bem porquê: quanto mais rápido a discussão passar para a casuística, mais ela perde a dimensão geral que precisa de ter antes, que ela deve ter antes, que ela deve ter como alternativa política. A senhora tinha dito que não ia fazer oposição "por casos", mas sim por "políticas" e pelos vistos toda a gente quer é "casos". E disse, a seu tempo, que as coisas têm de ser estudadas e não se podem mandar "bocas". Isto não disse assim porque é elegante, mas digo eu que sou mais bruto. Insistem: escreva no joelho, porque é isso a que estamos habituados, no fundo, quem é que quer saber da espuma de hoje na espuma de amanhã? Escreva no joelho senão vamos dizer que não tem nem uma ideia dentro da cabeça, que não sabe o que quer. Olhem que sabe... Na verdade quando José Sócrates, na campanha interna do PS, disse umas coisas sobre as novas tecnologias, ninguém lhe apareceu no dia seguinte a dizer: como é, vai colocar quadros interactivos nas escolas? Vai aliar-se com a Microsoft ou pôr o Governo a trabalhar com software "livre"? Diga lá já qual a cor do seu comboio, qual a cor dos estofos, qual o apito da buzina. Mas os tempos mudaram e o lado mudou. Logo, duplicidade de critérios.

O domínio do "caso" desgasta o poder mas não serve para construir uma alternativa séria. Veja-se o ciclo habitual do "caso", dos "casos" actuais como o do Tribunal de Vila da Feira, ou o das fardas das polícias, dois dos "casos" correntes na altura em que escrevo, ou de quaisquer outros. Aparece o "caso", numa rádio logo de manhã - o mais provável. À noite, o "caso" chega à televisão e no dia seguinte aos jornais. Amplia-se o "caso", todos falam do "caso", somam-se declarações sobre o "caso", falam os actores habituais, falam os sindicatos, falam os juízes, indignam-se os "populares", falam os comentadores (o "caso" chega à Quadratura, falo eu também), e fala o Governo. O "caso" chega ao Parlamento pela mão da oposição, chama-se o ministro. Quando chega a esta fase já o "caso" está a morrer. Aparece o novo "caso" que desvia todas as atenções do anterior. Repete-se o ciclo. Tudo fica na mesma.

Tudo isto tem a ver com a entrada na vida política portuguesa de um tempo antifrenesim, e da síndroma de abstinência que existe com o dito frenesim que acabou. O teórico do frenesim foi Luís Filipe Menezes. Ele explicou que, minuto a minuto, como diz o RCP, ia haver oposição, nas entradas das fábricas, nas saídas da Assembleia, nos passeios do "líder" pelo interior, com propostas todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Na verdade, o frenesim já era regra da vida política portuguesa muitos anos antes, quando o tempo comunicacional se acelerou e os jornais e televisões precisam de novidade diária. O frenesim é bom para a comunicação social, que precisa de um tempo rapidíssimo e de soundbites em cada noticiário, mas não é bom para a política, pelo menos para a que se pretende ainda política e não apenas marketing. A comunicação social gosta de "casos", que são rápidos e perecíveis e lida mal com as políticas que não cabem nos soundbites no intervalo da logomaquia do futebol. Aliás, pensando bem, alguma comunicação social gostaria que a política fosse como o futebol, proclamações ribombantes, contratações e traições, queixas e processos de intenção, injúrias e bater no peito, milhões de palavras à volta de excitações. Muito pathos e nenhum logos. Alguns políticos também gostariam que fosse assim, porque é a atmosfera onde vivem por aí. A senhora em causa não é deste mundo, logo transporta consigo o "ar do frigorífico", não é? Pois é, mas lá vai virando as agulhas, pouco a pouco mas de forma segura, e segurança em tempos de crise é como pão para a boca.

Eles sabem, eu sei que eles sabem, por isso este clamor. Que passará quando houver outro clamor, e outro e outro. Se no meio do clamor, se ouvir uma voz, tudo está bem. Mas não é garantido, isso também eu sei, porque o ruído é já a regra.

(Publicado no Público em 28 de Junho de 2008.)

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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão em actualização.

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EARLY MORNING BLOGS


1327 - Inventario

Hay que arrimar una escalera para subir. Un tramo le falta.
¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Hay olor a humedad.
El atardecer entra por la pieza de plancha.
Las vigas del cielo raso están cerca y el piso está vencido.
Nadie se atreve a poner el pie.
Hay un catre de tijera desvencijado.
Hay unas herramientas inútiles.
Está el sillón de ruedas del muerto.
Hay un pie de lámpara.
Hay una hamaca paraguaya con borlas, deshilachada.
Hay aparejos y papeles.
Hay una lámina del estado mayor de Aparicio Saravia.
Hay una vieja plancha a carbón.
Hay un reloj de tiempo detenido, con el péndulo roto.
Hay un marco desdorado, sin tela.
Hay un tablero de cartón y unas piezas descabaladas.
Hay un brasero de dos patas.
Hay una petaca de cuero.
Hay un ejemplar enmohecido del Libro de los Mártires de Foxe, en intrincada letra gótica.
Hay una fotografía que ya puede ser de cualquiera.
Hay una piel gastada que fue de tigre.
Hay una llave que ha perdido su puerta.
¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Al olvido, a las cosas del olvido, acabo de erigir este monumento,
Sin duda menos perdurable que el bronce y que se confunde con ellas.

(Jorge Luis Borges)

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© José Pacheco Pereira
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