ABRUPTO

31.10.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Estes dias. Usando o Abrupto como janela.



Praça Jamaa El Fna, em Marrakech. (Eliana Cruz)





Hoje. Por-do-sol com avião a ir e avião a vir. (RM)



A Terra Grande na Tapada da Ajuda (Lisboa), à espera da chuva que não cai. (Luís Reino)



Citânia de Briteiros.

MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Usando o Abrupto como janela.



Café em Essaouira, Marrocos. (Eliana Cruz)

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO

Foi a primeira "série" do Abrupto e penso que a primeira "série" nos blogues portugueses. Como aqui é semper idem, nunca nada está esquecido. Acrescento a essa série o CD, na altura em que no meu iPod estão quase 100 gigabites de música, 325 dias de música sem parar, e sobram mais 60, ou seja mais umas centenas de CDs. Verifico que depois de os passar para o iPod e os arrumar não preciso mais deles. Levo o iPod para onde quero, ligo-o a uma aparelhagem qualquer, ou só a uns altifalantes e está lá a música toda. Para comprar nova, uso a Rede. Suspeito que é só uma questão de tempo (curto) até o mesmo acontecer com os DVDs. Os livros, pelo contrário, podendo eu tê-los todos em teoria no computador ou num "leitor" que cada ano é mais portátil, ainda vivem por todo o lado, mesmo as enciclopédias. O tamanho, a dimensão da página, a física da coisa conta, e o nosso corpo tem limitações para a leitura (e para a visão) muito diferentes do que para a audição em que basta colocar auscultadores nos ouvidos. Eu sei que isto mudará com outro tipo de ligações, mas para já, os livros em papel resistem bem à extinção.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 31 de Outubro de 2007


A continuar assim este "pensamento único" sobre a Europa, ainda vai acabar por ser crime pronunciar-se contra este curso recente da política europeia traduzido no Tratado chamado "reformador" ou "de Lisboa". Ainda nos vai acontecer o que aconteceu àqueles pobres sindicalistas que não tiravam o barrete proletário à passagem da novel bandeira republicana: paulada em cima. Já é um verdadeiro delito de opinião, um sinal de marginalização, de leviandade, de velhice do Restelo, de anti-modernidade, uma atitude populista, demagógica, irresponsável, mesquinha, anti-nacional, anti-fundos, anti-desenvolvimento, anti-paz perpétua, anti-humanista, anti-gloriosas tradições de "diálogo civilizacional", pró-americana ou seja pró-Bush, neo-liberal, reaccionária, nacionalista, quiçá racista, anti-multiculturalista, pró-skin, saudosista, antiquada, e muito mais de mau e vil e provocador. Quarenta anos depois de ser subversivo, estou outra vez subversivo.

*

Tretas. Tenho cada vez menos paciência para os que pensam que, servindo-nos tretas, temos que almoçar, jantar, comer tretas. Esta história da entrada de Menezes no Conselho de Estado, na versão do comunicado do PSD divulgado ontem, é uma colecção de tretas. Primeiro, mente-se dizendo que nunca se pretendeu que Menezes estivesse no Conselho de Estado, e que tal nunca foi pensado na actual direcção do PSD. Ribau diz que isto foi uma manobra de outros, da comunicação social, não se sabe bem de quem. Eu sugiro um culpado: as fontes do Diário de Notícias que garantiam a pés juntos que Menezes iria para o dito Conselho e toda uma coreografia associada, incluindo ataques a Capucho. Depois, foi todo um processo conduzido com os pés, atabalhoadamente, sem rigor, nem seriedade, que acabou por receber a bofetada de luva branca de Capucho e de luva preta do Presidente. Por fim, como as coisas correram mal, faz-se como o menino que queria o bolo e como não o teve, embirra e diz que afinal o bolo é péssimo e está estragado e nunca lhe passou pela cabeça comê-lo.

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MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Posição de António Sardinha, de Luís de Almeida Braga. (Simão Agostinho)

MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Estes dias. Usando o Abrupto como janela.



O "portinho" da Gala, na Figueira da Foz, às 21horas de ontem. (Daniel Domingues)



Junto ao rio. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS
1144 - The Cow

The Cow is too well known, I fear,
To need an introduction here.
If She should vanish from earth's face
It would be hard to fill her place;
For with the Cow would disappear
So much that everyone holds Dear.
Oh, think of all the Boots and Shoes,
Milk Punches, Gladstone Bags and Stews,
And Things too numerous to count,
Of which, my child, she is the Fount.
Let's hope, at least, the Fount may last
Until our Generation's past.

(Oliver Herford)

*

Bom dia!

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30.10.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



(MJ)

MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje . Usando o Abrupto como janela.



Amanhecer em Setúbal. (Ochoa)

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EARLY MORNING BLOGS
1143 - Beggar To Beggar Cried

'Time to put off the world and go somewhere
And find my health again in the sea air,'
Beggar to beggar cried, being frenzy-struck,
'And make my soul before my pate is bare.-

'And get a comfortable wife and house
To rid me of the devil in my shoes,'
Beggar to beggar cried, being frenzy-struck,
'And the worse devil that is between my thighs.'

And though I'd marry with a comely lass,
She need not be too comely - let it pass,'
Beggar to beggar cried, being frenzy-struck,
'But there's a devil in a looking-glass.'

'Nor should she be too rich, because the rich
Are driven by wealth as beggars by the itch,'
Beggar to beggar cried, being frenzy-struck,
'And cannot have a humorous happy speech.'

'And there I'll grow respected at my ease,
And hear amid the garden's nightly peace.'
Beggar to beggar cried, being frenzy-struck,
'The wind-blown clamour of the barnacle-geese.'

(William Butler Yeats)

*

Bom dia!

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29.10.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Estes dias em Portugal, Espanha, Itália, Marrocos, e Colombia . Usando o Abrupto como janela.


A areia de essaouira, no sábado ao fim da tarde.

"And sometimes it happens that" you have lived in Morocco and then
You have to leave
And months have passed
Your fountain has been filling
And you dare to hope that it will be enough.

(Eliana Cruz)


Sítios sem tempo: estação de comboios de Alvega-Ortiga, na linha na Beira-Baixa, hoje em dia apenas apeadeiro. (João Mourato)




Fim de tarde junto ao rio.

Trabalhos no Ministério do Trabalho (Orlando Nascimento)



Hoje em Monsaraz. ( Fernando Noronha Leal)



Algures entre Bogotá e Villavicencio, na Colômbia. (Fernando Machado)



Concorrente ao Ferrari Historic Challenge, este fim de semana, no circuito de Mugello, Toscânia, a maior concentração anual de Ferraris e onde os "ferraristi" comemoraram os títulos mundiais 2007 de fórmula 1 de marca e piloto. (Fernando Correia de Oliveira)



Mustang na Feira Industrial Agrícola e Comercial de Oliveira do Bairro FIACOBA. (Paulo Cardoso)





Outono no Douro. (Gil Regueiro)



Vinhas de Outono em Fregim, Amarante. (Helder Barros)



Girona à noite. (Luis Azevedo Rodrigues)



Igreja do Mosteiro da Junqueira, Vila do Conde, cujo padroeiro da freguesia - S. Simão - assinala-se hoje.

(Nelson Silva e Mónica Fernandes)

MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



De noite. (susana reis)



(Carlos Oliveira)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 29 de Outubro de 2007


(Clicar no recorte para aumentar)
Pathos e espectáculo dão sempre dividendos e, em períodos de vacas magras, ainda mais. Não há nada como um estado de alma ou uma emoçãozinha à flor da pele, de preferência genuína, ou construída como genuína. Somos nisso muito latino-americanos. Já antecipo o habitual jogo contraditório que me vai explicar que também na fria Albion a coisa funciona da mesma maneira (em parte sim, em parte não), mas, mesmo assim, fico-me, porque a América latina é mesmo a boa comparação por muito que custe aos neo-admiradores destas posturas.

Um "consultor de comunicação" explica-nos hoje no Jornal de Notícias :
"Além destas questões, parece-me que existe um factor muito forte no diálogo, mediado pela comunicação social, entre o novo líder do PSD e os militantes - refiro-me à comunicação emocional. Luís Filipe Menezes será um dos melhores políticos portugueses a comunicar emocionalmente, isto é, a partilhar as emoções (alegria, medo, raiva, angústia, desgosto, tristeza, surpresa…) com os seus interlocutores. As lágrimas em público, a que recorreu mais do que uma vez, são apenas exemplo óbvio dessa forma de comunicar."
Menezes e a sua agência estão a jogar nesta "comunicação emocional" e com sucesso para já. A colocação estratégica em vários meios de comunicação das mesmas histórias sobre a vida privada de Menezes (quem diz que as agências de comunicação não obtêm resultados?), incluindo, num caso, uma fabulosa comparação com o casal Sá Carneiro - Snu Abecassis, é mais um passo nesse jogo de construção afectiva, claramente construído com a complacência e a preguiça de um jornalismo em que parece nunca haver memória e o mundo nascer sempre no início do mês anterior.

No mesmo artigo do Jornal de Notícias, acrescenta-se a seguinte frase: "também se fundamentam aqui as opiniões de que estamos na presença de um líder populista." Parece que sim, "que se fundamentam". Agora que é maldito falar de populismo, como se ele não existisse, convém lembrar que estas construções mediáticas vão sempre dar ao "pão e circo", com predomínio do "circo".

Até porque estamos mais uma vez perante um remake do mesmo filme. Este tipo de afirmações não é novo, ouvimo-las sobre Santana Lopes durante os dias do seu breve estado de graça e exactamente com o mesmo esquema: o que é "bom" neles é a afectividade, o "karma", o carisma, é com isso que vão ganhar as eleições; o que é "mau", já está esquecido a não ser nas mentes dos perversos do costume, porque agora estamos perante homens novos, bastando para isso terem ganho poder e ficarem calados uns dias. Depois, foi o que se viu.

*

A pergunta que coloco é esta: se olharmos os últimos dez anos da nossa democracia (o "post cavaquismo") não é verdade que encontramos quase todos os candidatos a primeiro-ministro a serem apoiados e aconselhados por "Agências de Comunicação"? Não foi afinal isso que aconteceu com Edson Athayde - que aliou as suas qualidades de publicitário a um verdadeiro "vendedor de mensagens políticas" e conselheiro de imagem - e António Guterres? E Durão Barroso com os seus cartazes durante as Eleições Legislativas de 2002 - com consultoria de uma empresa de conteúdos brasileira. A publicidade eleitoral foi curiosa: apresentava questões directas ao eleitorado do tipo "acha que este é o rumo certo?", "acha que o país deve ser governado assim ...?", com recurso a imagens choque e gráficos, que de facto chamavam a atenção do "povo". Não é isto mesmo a semente do "populismo"? (recorde-se o tipo de mensagens e propaganda eleitoral aqui )?

Mas os exemplos repetem-se nas eleições autárquicas, legislativas e mesmo nas aparentemente insuspeitas presidenciais ... As mesmas "agências de comunicação" de Guterres, Barroso, Santana Lopes e Ferro Rodrigues (ou outras) apoiaram Sócrates na sua marcha até São Bento. Aliás, este consulado socrático tem como alicerce uma forma de governar "powerpoint" - verdadeiramente virtual - que finalmente começa a ser desmontada. O artifício, a "mise en scène" é cultivada ao detalhe, tresandando a artificialismo bacoco mascarado de "sentido de estado" e de "urgência nacional" ... O meu amigo já teve, aliás, oportunidade de desmontar estas situações em tempo útil quando falou nas relações com a RTP e no palanque permanente do PM no "prime time" televisivo (o fenómeno "Chavez" à portuguesa, como acertadamente lhe chamou).

Quanto a Menezes (que ainda está a começar o seu percurso), prova que é um bom leitor dos tempos e que está actualizado na forma de combater politicamente um adversário que já se viu onde tem os seus apoios, os seus "marketeers", a sua clientela e uma "entourage" que o vai mantendo no poder ... Luís Filipe Menezes, como um treinador de futebol meticuloso, estudou bem o adversário e, ainda que sem aplicar um sistema de "marcações individuais", percebeu que para derrotar Sócrates é preciso usar algumas das suas armas (com o intuito de o desmascarar). Creio que ainda é cedo para falar de um regresso ao Santanismo ou a outro qualquer "ismo" (se é que se pode falar nesses termos). Vamos dar tempo ao tempo e não esquecer as lições de um passado recente: nem tanto de tecnocracia "política", nem tanto de "show off" mediático, nem tanto de "espuma populista" e nem tanto de intelectualismo frio e seráfico ... enfim, contentemo-nos com um homem normal.

(Gonçalo Maia Marques)

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EARLY MORNING BLOGS
1142

meigetsu ya ittemo ittemo yoso no sora

Lua cheia!
Por mais que caminhe,
O céu é de outro lugar.

(Chiyo-jo tradução de Edson Kenji Iura)

*

Bom dia!

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28.10.07


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 28 de Outubro de 2007


Como Louçã já não pode usar às claras a linguagem anti-capitalista que é a sua e a do trotsquismo, substituiu-a por uma linguagem "moral", insuportável na sua jactância e nas permanentes lições que distribui a torto e a direito, num estilo de Torquemada, o "martelo dos hereges".

*
Sobre a proibição do uso da palavra "capitalismo" como fonte de todos os males, na linguagem da esquerda, repare que ela foi universalmente substituída pela palavra "neo-liberalismo". Se trocar as palavras, muitos discursos do BE e do PCP ficam exactamente iguais aos de há 30 anos...

(Zé Luís Sá)

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MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Fim do dia em Setúbal. (Ochoa)



Luz da manhã. (RM)

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BIBLIOFILIA: CONTOS INFANTIS EM NOME DA "PROPAGANDA ISLÂMICA"



De vez em quando encontram-se livros incomuns, inesperados, como estas edições da Embaixada do Irão em Lisboa de 1985 para a "Organização de Propaganda Islâmica".

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UM REFERENDO CONTRA A INEVITABILIDADE


Ninguém melhor do que os historiadores conhece a inevitabilidade. Quando eles olham para trás, para a matéria do seu estudo, tudo já aconteceu, tudo habita num país estranho e estrangeiro, tudo é um fait acompli, tudo está, como o papagaio dos Monty Python, efectivamente morto, alimenta as margaridas e deu a alma ao criador. Os historiadores conhecem melhor do que ninguém a Realpolitik, as ilusões várias cujos túmulos semeiam a História, embora também saibam que elas são muitas vezes uma força imparável. Dão um papel à complexa e controversa interacção entre as personalidades e a lenta marcha das coisas, valorizam o tempo lento, e, mesmo nas excepções, nas catástrofes, nas revoluções, tendem a vê-las a posteriori, como se fossem, o resultado de um caminho inexorável. Sabem também que da História nunca ninguém aprende nada, que somos suficientemente adâmicos para fazer sempre as mesmas asneiras, inevitavelmente. Mas este ofício de historiador é propenso a um especial cinismo sobre as coisas, muitas vezes útil contra o optimismo beato corrente, mas também levando a uma impotência cívica. Em bom rigor, é sempre possível usar a História para não se fazer nada. Tudo parece inevitavelmente, inexoravelmente, imparavelmente escrito nas estrelas.

Não tenho por hábito comentar as opiniões dos que comigo partilham o espaço deste jornal, mas os argumentos de Rui Ramos e de Vasco Pulido Valente, expostos em artigos do Público, contra o referendo são posicionamentos políticos de per se numa polémica em curso. O que dizem faz parte de uma lucidez pessimista que me parece sempre muito necessária face a uma vida pública comezinha e vendida às oportunidades do presente, cega às consequências e feliz com a mediocridade que, para já, lhe é garantida. Em democracia, quando não se acredita na "felicidade terrestre", já não é mau viver na relativa facilidade do presente. Mas não chega e está muito menos adquirido do que se pensa. Por isso, partilhando com os seus textos quase todos os fundamentos, prevenções e suspeitas, considero que as suas conclusões conduzem a uma atitude de impotência cívica. Se se tomar à letra o que dizem, nunca ninguém fará nada, o cinismo tolherá todos os nossos passos e, em democracia, deixamos tudo aos outros.

Claro que ninguém é obrigado a sentir-se obrigado a agir no presente, nem a ser educador de nenhuma causa, nem a pretender mudar nada. Mas, quer Rui Ramos, quer Vasco Pulido Valente já assumiram compromissos com movimentos políticos (no PSD, no Compromisso Portugal) e, quando o fizeram (e fazem), sabiam certamente que não seria difícil encontrar toda uma lista de argumentos cínicos e de "lições" da História para apresentar esses compromissos como sendo tão frágeis como os de querer um referendo nos dias de hoje.

Voltemos ao referendo, às minhas razões para o continuar a defender. O que acontece é que, se se abandonar a exigência do referendo, dá-se uma completa caução ao caminho suicidário da UE, às crescentes tendências para, fugindo em frente, num aparente upgrade político que ninguém verdadeiramente deseja, estragar o que ainda sobrava de atitudes e medidas racionais na construção europeia, que também as houve. Não é um ajuste com a História é um ajuste contra as más políticas do presente.

É verdade que um referendo tem todos os riscos, em particular quando não se faz parte dos entusiastas da democracia "directa", o que é o meu caso. Não valorizo nem mitifico o referendo de per se, em detrimento da ratificação parlamentar, mas considero que, nas circunstâncias do presente, o referendo tem virtualidades que nada mais garante e é a única forma de criar obstáculos a um caminho que me parece ser uma corrida para um desastre. Ninguém pode negar que o "não" francês e holandês deram uma lição ao iluminismo europeu que nada mais poderia dar. É verdade que obrigou a levar a engenharia política para dentro dos salões, a escondê-la e a torná-la ainda mais dolosa. Mas fragilizou-a muito significativamente e isso foi positivo.


Há o risco do "sim" quase inevitável, apresentado como caução definitiva e eterna, a aparente legitimação do "pensamento único" que ad secula seculorum justificará tudo o que se fez e faz em nome da Europa. Um referendo com um "sim" esmagador acabará por garantir que os governantes nunca mais estarão dispostos a aceitar qualquer limitação ao seu direito de decidirem de forma iluminista sobre a Europa. E é plausível, quase inevitável, que seja esse o resultado em Portugal, dado o modo como a Europa representa uma forma de nos acomodarmos com um crescimento assistido com o dinheiro dos contribuintes alemães, uma facilidade de vida medíocre mas real, uma moderação exógena para os nossos maus costumes endógenos, tudo isso que brilha nas estrelinhas dos cartazes dos fundos. No referendo tudo se arregimentará à volta do "sim", Presidente da República, primeiro-ministro, Menezes e Portas, PSD, PP, PS, empresários, autarcas, Igreja, maçonaria, jornais e jornalistas, jornais, rádios e televisões, todo o mundo "sensato", e acima de tudo a enorme máquina de propaganda que já está instalada pela burocracia europeia.

A reivindicação do referendo é a única maneira de pegar nas poucas pontas de fio que sobram para um debate sobre a Europa, pobre, inquinado, desigual, ambíguo que seja, mas mesmo assim o único possível. O referendo dá um empowerment às pessoas comuns que nada mais dará, e esse "poder" é o único que as pode interessar pelas questões europeias, que as pode levar a prestar-lhes alguma atenção. Pedem-lhe o voto no meio da indiferença geral, mas mesmo assim são interpeladas. Muitos não farão nada, continuarão indiferentes, outros farão. Haverá mil razões impuras para o fazer, até porque o referendo está por excelência cheio de razões impuras, mas será que essas razões não têm a ver com a Europa? O argumento dos que dizem que os referendos europeus tendem a concentrar razões de insatisfação contra os governos que não têm nada a ver com a Europa, para mim não colhe. Os 200.000 manifestantes levados pela CGTP e pelo PCP estão a pronunciar-se sobre a Europa à sua maneira. Os que votariam contra Sócrates por causa do centro de saúde estão a pronunciar-se sobre a Europa, porque o aperto para o controlo do défice é uma política "europeia". Hoje quase tudo na governação tem a ver com a Europa, por isso, se se votar por razões impuras de política interna, também estamos a votar no modelo de uma política que é moldada por decisões europeias. Ninguém tem ilusões, a não ser os europeístas extremos, de que existe ou é possível existir uma "consciência europeia". Mas acredito, com a fé dos agnósticos, que talvez seja possível melhorar a "consciência" dos portugueses face à Europa e que isso é melhor que nada. Sem referendo é que é mesmo nada, estamos condenados à impotência cívica.

(No Público de 27 de Outubro de 2007)

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