ABRUPTO

29.10.07


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ÁTOMOS E BITS

de 29 de Outubro de 2007


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Pathos e espectáculo dão sempre dividendos e, em períodos de vacas magras, ainda mais. Não há nada como um estado de alma ou uma emoçãozinha à flor da pele, de preferência genuína, ou construída como genuína. Somos nisso muito latino-americanos. Já antecipo o habitual jogo contraditório que me vai explicar que também na fria Albion a coisa funciona da mesma maneira (em parte sim, em parte não), mas, mesmo assim, fico-me, porque a América latina é mesmo a boa comparação por muito que custe aos neo-admiradores destas posturas.

Um "consultor de comunicação" explica-nos hoje no Jornal de Notícias :
"Além destas questões, parece-me que existe um factor muito forte no diálogo, mediado pela comunicação social, entre o novo líder do PSD e os militantes - refiro-me à comunicação emocional. Luís Filipe Menezes será um dos melhores políticos portugueses a comunicar emocionalmente, isto é, a partilhar as emoções (alegria, medo, raiva, angústia, desgosto, tristeza, surpresa…) com os seus interlocutores. As lágrimas em público, a que recorreu mais do que uma vez, são apenas exemplo óbvio dessa forma de comunicar."
Menezes e a sua agência estão a jogar nesta "comunicação emocional" e com sucesso para já. A colocação estratégica em vários meios de comunicação das mesmas histórias sobre a vida privada de Menezes (quem diz que as agências de comunicação não obtêm resultados?), incluindo, num caso, uma fabulosa comparação com o casal Sá Carneiro - Snu Abecassis, é mais um passo nesse jogo de construção afectiva, claramente construído com a complacência e a preguiça de um jornalismo em que parece nunca haver memória e o mundo nascer sempre no início do mês anterior.

No mesmo artigo do Jornal de Notícias, acrescenta-se a seguinte frase: "também se fundamentam aqui as opiniões de que estamos na presença de um líder populista." Parece que sim, "que se fundamentam". Agora que é maldito falar de populismo, como se ele não existisse, convém lembrar que estas construções mediáticas vão sempre dar ao "pão e circo", com predomínio do "circo".

Até porque estamos mais uma vez perante um remake do mesmo filme. Este tipo de afirmações não é novo, ouvimo-las sobre Santana Lopes durante os dias do seu breve estado de graça e exactamente com o mesmo esquema: o que é "bom" neles é a afectividade, o "karma", o carisma, é com isso que vão ganhar as eleições; o que é "mau", já está esquecido a não ser nas mentes dos perversos do costume, porque agora estamos perante homens novos, bastando para isso terem ganho poder e ficarem calados uns dias. Depois, foi o que se viu.

*

A pergunta que coloco é esta: se olharmos os últimos dez anos da nossa democracia (o "post cavaquismo") não é verdade que encontramos quase todos os candidatos a primeiro-ministro a serem apoiados e aconselhados por "Agências de Comunicação"? Não foi afinal isso que aconteceu com Edson Athayde - que aliou as suas qualidades de publicitário a um verdadeiro "vendedor de mensagens políticas" e conselheiro de imagem - e António Guterres? E Durão Barroso com os seus cartazes durante as Eleições Legislativas de 2002 - com consultoria de uma empresa de conteúdos brasileira. A publicidade eleitoral foi curiosa: apresentava questões directas ao eleitorado do tipo "acha que este é o rumo certo?", "acha que o país deve ser governado assim ...?", com recurso a imagens choque e gráficos, que de facto chamavam a atenção do "povo". Não é isto mesmo a semente do "populismo"? (recorde-se o tipo de mensagens e propaganda eleitoral aqui )?

Mas os exemplos repetem-se nas eleições autárquicas, legislativas e mesmo nas aparentemente insuspeitas presidenciais ... As mesmas "agências de comunicação" de Guterres, Barroso, Santana Lopes e Ferro Rodrigues (ou outras) apoiaram Sócrates na sua marcha até São Bento. Aliás, este consulado socrático tem como alicerce uma forma de governar "powerpoint" - verdadeiramente virtual - que finalmente começa a ser desmontada. O artifício, a "mise en scène" é cultivada ao detalhe, tresandando a artificialismo bacoco mascarado de "sentido de estado" e de "urgência nacional" ... O meu amigo já teve, aliás, oportunidade de desmontar estas situações em tempo útil quando falou nas relações com a RTP e no palanque permanente do PM no "prime time" televisivo (o fenómeno "Chavez" à portuguesa, como acertadamente lhe chamou).

Quanto a Menezes (que ainda está a começar o seu percurso), prova que é um bom leitor dos tempos e que está actualizado na forma de combater politicamente um adversário que já se viu onde tem os seus apoios, os seus "marketeers", a sua clientela e uma "entourage" que o vai mantendo no poder ... Luís Filipe Menezes, como um treinador de futebol meticuloso, estudou bem o adversário e, ainda que sem aplicar um sistema de "marcações individuais", percebeu que para derrotar Sócrates é preciso usar algumas das suas armas (com o intuito de o desmascarar). Creio que ainda é cedo para falar de um regresso ao Santanismo ou a outro qualquer "ismo" (se é que se pode falar nesses termos). Vamos dar tempo ao tempo e não esquecer as lições de um passado recente: nem tanto de tecnocracia "política", nem tanto de "show off" mediático, nem tanto de "espuma populista" e nem tanto de intelectualismo frio e seráfico ... enfim, contentemo-nos com um homem normal.

(Gonçalo Maia Marques)

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