ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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29.7.07
O PSD E A CRISE DOS PARTIDOS NA DEMOCRACIA PORTUGUESA (2) (Primeiro artigo desta série aqui.)A história recente intrapartidária no PSD começou com o conflito entre os "loureiristas" e os "nogueiristas" nos anos de Cavaco Silva. Na verdade, esta fractura não apareceu do nada, tinha profundas raízes na história do partido, algumas das quais genéticas, mas só então ganhou a expressão que ainda hoje podemos identificar como actual na crise do partido. Em ambos os casos, os termos estão muito para além dos homens que lhe deram o nome. O PSD fora feito, em 1974, por um grupo de políticos que tinham tido um papel na primavera marcelista, que tinham acreditado na liberalização prometida por Marcelo Caetano. O facto de a sua ruptura ter sido efectiva e pública, com o afastamento da maioria da chamada "ala liberal" dos lugares políticos na Assembleia Nacional, e de se ter realizado com base em fracturas associadas à democracia, liberdade, direitos e garantias dos cidadãos, com preocupações sociais muito fundadas na doutrina da Igreja, tudo isso permitiu que a legitimidade política de homens como Sá Carneiro permanecesse incontestável no pós-25 de Abril. Estes políticos da "ala liberal" vinham das profissões tradicionais da política antes do 25 de Abril e dos meios sociais certos, mas a eles juntaram-se depois do 25 de Abril algumas estruturas locais quer da oposição moderada anticomunista, quer oriundas do regime ditatorial. Enquanto o PS e o CDS recebiam alguns dos altos quadros do regime de Salazar e Caetano, reciclados em particular pela Maçonaria, o PSD viu facilitada a sua implantação regional pela adesão de algumas "forças vivas" locais que tinham estado, mais por necessidade do que por ideologia, ligadas à Acção Nacional Popular. Esta situação, consolidada pela luta anticomunista (juntamente com o PS) e com a luta pela democratização política e económica (aqui já mais o PSD do que o PS), manteve a lógica intrapartidária em termos próximos dos iniciais. O facto de o partido não ter estado no poder a não ser no breve período da Aliança Democrática, até à experiência ambígua do Bloco Central, impediu que os fenómenos de clientelismo e da consolidação oligárquica do aparelho, que já existiam, ganhassem expressão dominante e destruíssem tudo o que vive dentro do partido como acontece hoje. A classificação de "loureiristas" e "nogueiristas" teve origem na comunicação social e retratava uma realidade desigual nos seus termos. Na verdade, enquanto o "nogueirismo" existia de facto, o "loureirismo" era mais uma corrente do que um grupo, alicerçava-se mais numa linha política tendencial do que num controlo partidário de pessoas e bens. Grosso modo, o "loureirismo" era a expressão de uma elite partidária mais voltada para uma liberalização da economia e da sociedade, mais voltada para o mundo dos negócios, para o Portugal que emergia depois da revisão constitucional que permitia as privatizações. Esta elite detinha mais influência social do que partidária e tendia a agregar de forma solta personalidades cuja militância partidária era pequena, mas cujas relações sociais e profissionais a colocavam numa situação de "prestígio" e poder. Contrastava com o "nogueirismo", que tinha uma expressão política mais anónima, mais cinzenta, mas que coincidia em consolidar no partido as tradições clientelares das "forças vivas", os mecanismos assistenciais do Estado-providência, uma política paternalista dum Estado forte, detentor de meios de comunicação, da hegemonia do espaço público e dador de emprego. Era mais social-democrata do que liberal, menos reformista e mais conservadora, remetia mais para um Portugal antigo, provinciano, universitário-coimbrão, e menos empresarial, menos yuppie, menos universitário-Nova, menos desenvolto comunicacionalmente. Foi este PSD "nogueirista" que o Independente de Portas atacou violentamente, usando as fugas de informação para moldar as "condições do exercício da política", protegendo por outro lado aquilo que achava ser o "velho dinheiro" dos Mellos, Espírito Santos, etc. O "nogueirismo" era naturalmente forte entre os autarcas do partido e nas estruturas partidárias locais, cujos interesses clientelares levava ao topo do Estado. Era um eficaz distribuidor de poder e benesses, que a rigidez de outros mecanismos sociais impedia e por isso, num certo sentido, serviu para democratizar a acção política, levando-a onde não havia força nem votos para chegar, mas havia apenas o PSD. Só que, com o tempo, os interesses particulares da clientela e das carreiras profissionais dentro do partido sobrepuseram-se ao papel de justiça social que a acção partidária levava a um Portugal profundo e de outro modo marginalizado. Aliás, um mecanismo semelhante ao "nogueirismo", mas mais rudimentar, existe também no PS. O "loureirismo", não sendo um grupo, foi tomando diferentes incarnações, no "marcelismo", no "barrosismo", e numa parte do "cavaquismo" pós-Cavaco (outra parte permanece mais próxima do "nogueirismo"), e nesse híbrido fugaz que foi o "santana-barrosismo". O "santanismo" tem neste processo um papel menor como corrente partidária de per se, mas o movimento que gera o populismo nos partidos políticos, e que "fez" Santana Lopes e a saga do "menino-guerreiro", permanece vivo e perigoso. O "santanismo" foi uma realidade gerada pelo cinzentismo do "nogueirismo" e pela nonchalance partidária do "loureirismo" e que se alimentou dos dois, antes e durante o seu breve exercício do poder. Fora disso, Santana Lopes é o odd man out, que nunca conseguiu ter mais do que um escasso número de fiéis assente num culto de personalidade, nunca ganhou um congresso do partido em circunstâncias de normalidade. Luís Filipe Menezes é um seu herdeiro e continuador, associando uma prática "nogueirista" de controlo do aparelho com uma expressão pública populista. Os termos em ismo são facilitantes da comunicação social e tanto identificam ismos verdadeiros (o "nogueirismo"ou o "santanismo", que remetem para classificações políticas como o populismo e o aparelhismo clientelar), como pseudo-ismos que pouco mais são do que grupos de amizade, afinidade e "destino", que se esgotam num círculo de confiança. O "barrosismo", por exemplo, é uma inexistência partidária.Mas a verdade, convém sempre lembrá-lo, é que o "barrosismo", o "loureirismo" e mesmo uma parte do "cavaquismo", conviveram melhor com Santana Lopes do que o "nogueirismo", que lhe percebeu o curso suicidário e, num certo sentido, ajudou imperfeitamente a ultrapassar. Este é um factor relevante para o entendimento da crise actual, em que a capacidade de se ir mais fundo na análise e na compreensão depende muito de se perceber que a crise que se vive no PSD não se deve a Marques Mendes em primeiro lugar, mas a Barroso e Santana Lopes. Daí que, por exemplo, Aguiar Branco pode ter mais prestígio social nas elites, e Marques Mendes menos, mas a realidade é que Aguiar Branco nunca viu mal nenhum no "menino-guerreiro" e Marques Mendes demarcou-se dele. Com tempo, e num processo que vem dos governos de Cavaco Silva, evoluiu-se dos "nogueiristas" e "loureiristas" para dois partidos que comunicam pouco e quase sempre por mal-entendidos, o "de cima", constituído por um conjunto de personalidades que se comportam como donos do partido, muitas vezes como os latifundiários absentistas eram donos das herdades lá no fundo do Alentejo e vinham gastar o dinheiro no Casino Estoril, e o "povo trabalhador", cada vez mais dependente das posições que detinha e detém na estrutura partidária, vivendo um sonho de uma burocracia assistida e assistencial. Esta fractura é uma fractura sociológica, de modus vivendi e de modus operandi e de "necessidade" do partido. Os dois grupos necessitam do partido de modo distinto e exercem o seu poder de forma muito diferente. Quando "os de cima" governam, deixam o aparelho partidário entregue a si próprio, quando os "de baixo" ficam sozinhos, digladiam-se ferozmente pelos pequenos poderes que sobram. Vivemos um típico ciclo dos "de baixo", muito dominado pelos poderes de dentro, logo muito mais tumultuoso e "plebeu". Veja-se o artigo de de Pedro de Abreu Peixoto, membro da secção concelhia de Vila Real do PSD, "Carta aberta aos barões do PSD", no Público.Mas convém não ter nojos aristocratas (que a história mostra serem mais burgueses do que aristocratas...) face a esses tumultos. A razão por que não aparecem candidaturas nas actuais eleições vindas "de cima" tem a ver com o facto de não se prever uma chegada do PSD ao poder a curto prazo e porque o jogo dos interesses instalados favorece uma complacência com Sócrates. É esta a grande fragilidade dos "de cima", em particular para um partido que está na oposição. É inclusive por isto, mas não só, e por estranho que possa parecer (fica para outro artigo), que é mais fácil mudar o PSD a partir de baixo do que "de cima". Etiquetas: cultura, PSD, União Europeia (url)
© José Pacheco Pereira
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