ABRUPTO

5.6.04


POEIRA DE 5 DE JUNHO

Hoje, há mil e dezasseis anos, o que viria a ser a Rússia entrava na nossa história comum. O príncipe Vladimir, convertido ao cristianismo ortodoxo, ordenou o baptismo colectivo da população de Kiev, capital do Rus. A partir daí, a história da Rússia faz-se para o lado de cá e não para o lado de lá.


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QUANDO É QUE OS SENHORES JORNALISTAS AUTORIZAM QUE A CAMPANHA ELEITORAL SEJA SOBRE QUALQUER OUTRA COISA QUE NÃO SEJA OS “INSULTOS”? (2)

Claro que tudo isto tem também muito a ver com o interesse que os meios de comunicação social têm sobre as questões europeias, e com a preparação dos jornalistas para as tratar – que, salvo honrosas excepções, é quase nula, em particular nos que são "atirados" para seguir os candidatos em campanha. Durante cinco anos no Parlamento Europeu, e com a excepção dos correspondentes locais em Bruxelas (do Diário de Notícias, da RTP, da SIC, da Lusa) que acompanhavam as questões europeias e que as conheciam bem – e que eram os primeiros a queixar-se do desinteresse dos seus órgãos de comunicação social, que pouco lhes pediam para além de peças de circunstância e institucionais – pude testemunhar o completo desinteresse sobre a Europa. Quando havia cobertura dos assuntos europeus era puramente oficiosa, atrás de ministros em visita, ou pedindo depoimentos de meia dúzia de segundos a todos os partidos em corridinho, para parecer pluralista. Estava feito por encomenda. E não é jornalismo, é agenda de obrigação, sem qualquer vantagem informativa.

Este desinteresse é (foi) tanto mais grave quando acompanhou um período de profundas mudanças qualitativas na Europa. Só para dar um exemplo concreto: que interesse jornalístico suscitou a participação portuguesa na Convenção que preparou a chamada “Constituição europeia” ? Nenhum. E se retirarmos casos isolados de jornalistas que se interessam pela Europa, como Teresa de Sousa ou Sarsfield Cabral, então é menos que nada.

E não me venham com a treta auto justificativa de que a culpa foi dos políticos que não fizeram nada para lhes chamar o interesse, porque pude assistir aos esforços em vão de gente de todos os partidos, querendo discutir as matérias controversas e, obviamente, divulgar a sua posição. Em vão. Pelo contrário, se havia qualquer vislumbre de escândalo ou polémica incidental, então lá corriam em massa para desaparecerem logo de seguida, mesmo que o destino da Europa se discutisse na sala ao lado. São esses mesmos do “nada” que agora vêm queixar-se com arrogância de que não se fala na Europa.

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A. Ivanov

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QUANDO É QUE OS SENHORES JORNALISTAS AUTORIZAM QUE A CAMPANHA ELEITORAL SEJA SOBRE QUALQUER OUTRA COISA QUE NÃO SEJA OS “INSULTOS”?

Quando é que os senhores jornalistas autorizam que a campanha eleitoral seja sobre qualquer outra coisa que não seja os “insultos”? Os insultos ocorreram de facto nos primeiros dias da campanha, de forma inteiramente lamentável. Chamo insultos aos insultos pessoais porque só esses merecem a classificação de insultos. Classificações políticas podem ser consideradas ofensivas, excessivas, radicais, mas não são insultos. Devem ter respostas políticas e comentários políticos, e não metidas no mesmo saco da orelha e do periquito. Seguiram-se os pedidos de desculpa e os insultos não se repetiram. Podiam ser considerados um epifenómeno da campanha, lamentável mas que dificilmente caracterizava as principais figuras envolvidas. Ana Manso e João Almeida (quem é?) não são propriamente gente grada. Ocorreram, insisto, no início da campanha e, no entanto, para quem ligue uma televisão, ou uma rádio, ou leia um jornal, nada mais tem acontecido uma semana depois. Senhores jornalistas – e dou dois exemplos: Constança Cunha e Sá, na TSF, e Eduardo Dâmaso, na RTP – fazem arrogantes exercícios de superioridade moral sobre essa malta ignara dos políticos que se insultam todos os dias, perante eles, guardiões da moral e dos bons costumes cívicos. É por isso que, até ao último dia, os senhores jornalistas não vão deixar sair a campanha do episódio dos insultos. Convém-lhes, dá-lhes pretexto para esta arrogância moral.

E, no entanto, e sem distinguir entre os principais candidatos do PS e PSD, eu já li entrevistas suas e debates em que falam de questões importantes para a Europa. Sobre impostos europeus, sobre a defesa europeia, sobre os riscos de directório, sobre o enquadramento institucional, defendendo, nalguns casos, posições controversas e mais do que dignas de debate. Algum senhor jornalista, na colecta diária de soundbites, lhes fez alguma pergunta sobre a Europa? Algum deu seguimento a qualquer posição sobre a Europa que merecesse atenção? Não, perguntavam-lhes sobre os insultos, “picavam-nos” na esperança de obter novos insultos.

(Contnua)

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EARLY MORNING BLOGS 218

Madame, ce matin je vous offre une fleur


Madame, ce matin je vous offre une fleur
Qui du sang de Narcis a pris son origine :
Pour vous y comparer Amour vous la destine,
Et vous vient consacrer son tige et sa couleur.

Vous semblez un Narcis de grâce et de rigueur,
Il avait comme vous l'apparence divine,
De sa vive beauté l'onde fut la ruine,
Et je crains qu'un miroir cause votre malheur !

De moi je suis Écho dolente forestière,
Qui va cherchant partout votre grâce meurtrière
Pour trouver du relâche à ma captivité,

Mais vous voyant toujours plus fière et inhumaine,
Je désire sans plus que je sois la fontaine
Où les dieux puniront votre sévérité.


(Siméon-Guillaume de la Roque)

*

Bom dia!

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4.6.04


ASPECTOS DA CAMPANHA ELEITORAL NO MEU BAIRRO BELGA 2






Alguns candidatos. Não, não foram escolhidos pelos seus nomes estrangeiros, não foram escolhidos por serem árabes, ou turcos, ou libaneses, ou gregos. São mesmo aqueles cujos cartazes enchem os muros, as lojas, as ruas. Há muitos mais exemplos. Não aparece nenhum português.

Não trocaria o meu bairro belga por qualquer outro.

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COMO DE COSTUME

a manipulação continua. Noticiário da RTP das 20 horas abre com a audiência do Papa a Bush. Referência à afirmação do Papa da necessidade de devolução da soberania ao Iraque. Muito bem. Depois, acrescenta-se esta pequena palavra: "irritado". "O Papa irritado com Bush..." , invenção do jornalista de um estado de alma numa audiência cordata. É assim que se fazem as coisas.

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ASPECTOS DA CAMPANHA ELEITORAL NO MEU BAIRRO BELGA



Panfleto da Front National belga



Cartaz de propaganda do Parti Citoyenneté et Prosperité

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MAIS UMA CORRIDA, MAIS UMA VIAGEM



terminou. De volta.

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3.6.04


EARLY MORNING BLOGS 217

J'ay voulu voyager, à la fin le voyage


J'ay voulu voyager, à la fin le voyage
M'a fait en ma maison mal content retirer.
En mon estude seul j'ay voulu demeurer,
En fin la solitude a causé mon dommage.

J'ay volu naviguer, en fin le navigage
Entre vie et trespas m'a fait desesperer.
J'ay voulu pour plaisir la terre labourer,
En fin j'ay mesprisé l'estat du labourage.

J'ay voulu pratiquer la science et les ars,
En fin je n'ay rien sceu ; j'ay couru le hasars
Des combas carnaciers, la guerre ore m'offence :

Ô imbecillité de l'esprit curieus
Qui mescontent de tout de tout est desireus,
Et douteus n'a de rien parfaite connoissance.


(Jean-Baptiste Chassignet)

*

Bom dia!

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2.6.04


EARLY MORNING BLOGS 216

Dusty Doors


Child of the Aztec gods,
how long must we listen here,
how long before we go?

The dust is deep on the lintels.
The dust is dark on the doors.
If the dreams shake our bones,
what can we say or do?

Since early morning we waited.
Since early, early morning, child.
There must be dreams on the way now.
There must be a song for our bones.

The dust gets deeper and darker.
Do the doors and lintels shudder?
How long must we listen here?
How long before we go?


(Carl Sandburg)

*

Bom dia!

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1.6.04


DIANTE DESTAS ÁGUAS

que já viram tudo, em breve , encontrarei, não o silêncio que conforta, mas o que permite ouvir melhor.

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AO LONGE

Ouço o fio de voz da pátria: confusões, erros perigosos, insultos, agitação pequenina.

De passagem por um livro, para escrever uma nota sobre Richard Holmes, encontro as primeiras impressões de Wellington à chegada a Lisboa. Sinistro. “O mais Horrível Lugar que jamais se viu”, assim mesmo, com maiúsculas. O lixo em que Lisboa estava mergulhada tornava a mais “suja pocilga num palácio”, escrevia um soldado inglês para a família. Portugal positivo? Só de facto no combate ao Portugal negativo.

Erros perigosos. Erros muito perigosos na justiça, área que no seu primeiro embate a sério com o escrutínio público, revelou uma situação de “anormalidade” preocupante. Se um inocente esteve preso por uma sanha persecutória contra os “políticos” ou as “figuras públicas”, esta situação equivale àquilo que nas forças armadas seria um golpe de estado.

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SCRITTI VENETI



Pela fresca manhã, leitura apropriada da Toccata Of Galuppi's de Robert Browning, muito extensa para colocar aqui. Fica um sabor, um flavour:

I

Oh Galuppi, Baldassaro, this is very sad to find!
I can hardly misconceive you; it would prove me deaf and blind;
But although I give you credit, 'tis with such a heavy mind!

II

Here you come with your old music, and here's all the good it brings.
What, they lived once thus at Venice, where the merchants were the kings,
Where Saint Mark's is, where the Doges used to wed the sea with rings?

III

Ay, because the sea's the street there; and 'tis arched by... what you call
... Shylock's bridge with houses on it, where they kept the carnival;
I was never out of England—it's as if I saw it all!

…..

Como continua? Com uma pergunta retórica: “Did young people take their pleasure when the sea was warm in May?”. Depois há uma paráfrase de Catulo sobre a quantidade dos beijos necessários e termina no tom de Villon:


XIV

"As for Venice and its people, merely born to bloom and drop,
Here on earth they bore their fruitage, mirth and folly were the crop:
What of soul was left, I wonder, when the kissing had to stop?

XV

"Dust and ashes!" So you creak it, and I want the heart to scold.
Dear dead women, with such hair, too—what's become of all the gold
Used to hang and brush their bosoms? I feel chilly and grown old.


Um pouco gloomy na ironia. "Co l'arte e co l'ingano se vive mezo ano; co l'ingano e co l'arte se vive staltra parte.", diz um provérbio veneto. Muitas línguas pela manhã. Tudo misturado, inglês, italiano, português.

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SCRITTI VENETI

Outro provérbio veneziano: "Com'era, dov'era."

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EARLY MORNING BLOGS 215

Margaret


Many birds and the beating of wings
Make a flinging reckless hum
In the early morning at the rocks
Above the blue pool
Where the gray shadows swim lazy.

In your blue eyes, O reckless child,
I saw today many little wild wishes,
Eager as the great morning.


(Carl Sandburg)

*

Bom dia!

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31.5.04


MAIS BIBLIOFILIA

Jean Moorcroft Wilson / Cecil Woolf (Ed.) , Authors take sides on Iraq and the Gulf War, Cecil Woolf Publishers, 2004

Um vasto conjunto de intelectuais responde à simples pergunta se estão ou não de acordo com a guerra no Iraque. A resposta é a que se esperava – na sua esmagadora maioria, são contra. Meia dúzia é a favor, quase sempre em breves palavras, contrastando com a prolixidade e o tom afirmativo dos que são contra. O tom é interessante, para além dos argumentos.

Das raras respostas a favor, saliento duas. A de D. M. Thomas, que começa assim:

"I would much rather trust the views of taxi-drivers on any matter of great political importance than those of writers and intellectuals. History shows that the latter almost always get it wrong."

e a de Alan Sillitoe, que cita (parece que erradamente quanto à referência de origem…) um poema, "The End of Violent Men" de John Milton

Oh, how comely it is and how reviving
To the Spirits of just men long opprest!
When God into the hands of their deliverer
Puts invincible might
To quell the might of the Earth, th' oppressour,
The brute and boist'rous force of violent men...
He all their Ammunition
And feats of War defeats
With plain Heroic magnitude of mind...
Their Armories and Magazins contemns,
Renders them useless, while
With winged expedition
Swift as the lightning glance he executes
His errand on the wicked, who surpris'd
Lose their defence distracted and amaz'd.


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BIBLIOFILIA

O amador de livros gosta também de revistas. Muito. As revistas saem todas as semanas, todos os meses, todos os trimestres. Mais do que três meses, é como se fossem um livro. A expectativa tem assim trela mais curta, um sabor mais repetido, um alimento mais regular para o relógio dominatrix do coleccionador-leitor. Muitas revistas, muitos pequenos gostos.

Aqui fica a minha favorita nas noites de cozinha solitária, em que o viajante tem o privilégio de ter uma cozinha e uma mercearia italiana ou grega perto: a “boa comida” da BBC. Não tem a exuberância e a civilização das “two fat ladies”, nem o entusiasmo tropical de Ainsley, ( um bocado excessivo para meu gosto, que das Caraíbas prefiro o ritmo do Malibu – “you are late” / “I’m not late” - nesses anúncios de antologia), mas mantém-se fiel ao puro refrigério do palato com coisas simples e essenciais.

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EARLY MORNING BLOGS 214

IMITAZIONE.


Lungi dal propio ramo,
Povera foglia frale,
Dove vai tu? Dal faggio
Là dov’io nacqui, mi divise il vento.
Esso, tornando, a volo
Dal bosco alla campagna,
Dalla valle mi porta alla montagna.
Seco perpetuamente
Vo pellegrina, e tutto l’altro ignoro.
Vo dove ogni altra cosa,
Dove naturalmente
Va la foglia di rosa,
E la foglia d’alloro.


(Leopardi)

*

Bom dia!

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30.5.04


VIAGENS E JORNAIS

Ele há dias em que os jornais são boa companhia para as viagens. Os estrangeiros. Como hoje. Grandes pequenas histórias de blogue, quando os blogues forem melhores. A do padre carmelita Reginald Foster e da sua luta no Vaticano pela sobrevivência do latim – força Reginaldus! - no International Herald Tribune de 29-30 de Maio; a daqueles para quem “blogging never stops “, no mesmo IHT; no Le Monde de 30-31, a notícia de que os “bobos” compram casas na “banlieue rouge” de Paris, e já não há vergonhas que cheguem para o PCF; Saramago é invocado no Finantial Times de 29 para a sua “revolução do voto em branco” ilustrar a abstenção para que se caminha nas europeias; e, no mesmo FT, a fabulosa história de engano e guerra sobre a Sala de Âmbar do palácio do czar, roubada pelos alemães e supostamente desaparecida de vez. Parece que agora, com ajuda de documentos da STASI, se sabe que foi destruída por incúria pelo próprio Exército Vermelho, no local onde os alemães a tinham escondido.

(Visitei, há uns anos, a sala, quando esta estava a ser reconstruída de raiz - foi inaugurada em Maio de 2003; à sua volta, acontecia um intenso negócio clandestino de venda de peças de âmbar, envolvendo os trabalhadores do palácio. Se quisesse, tinha trazido um bocado da sala para Portugal…)

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BIBLIOFILIA












Comprados, por ler, com excepção de grande parte do Anthony Sampson, Who Runs This Place? The Anatomy of Britain in the 21st Century, Londres, John Murray, 2004. O livro de Sampson, na sequência de outros anteriores, tentando retratar os mecanismos do poder real, entre o estudo académico e o trabalho jornalístico, mostra bem a diferença entre os detentores formais do poder e os reais. Se existisse alguma coisa de semelhante em Portugal, a visão do poder mudaria , ver-se-ia por exemplo a completa irrelevância de orgãos como as Comissões Políticas dos partidos, e de quase todo o Parlamento, a favor de assessores e grupos informais "de aconselhamento" que nunca são escrutinados pelos eleitores.

O livro de Richard Holmes, Acts of War. The Behaviour of Men in Battle, Londres, Weidenfield and Nicholson, 2003 é certamente bom, escrito por um notável historiador militar, de que li recentemente Redcoat, um retrato muito vivo do quotidiano do soldado inglês do século XVIII e XIX.

Quanto ao livro de Julian Barnes, The Lemon Table, Londres, Jonathan Cape, 2004, é um conjunto de contos que, como toda a ficção, é impossível de comentar sem abrir, ler.A capa é bonita, mas o mérito é de quem fez os limões.


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© José Pacheco Pereira
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