ABRUPTO

12.9.09


MARIA CLARA

Morreu Maria Clara. No meio destas andanças efémeras não tenho tempo para escrever o texto decente que deveria escrever sobre alguém que me "fez", mais a sua mãe D. Sorge, e mais o seu filho e meu amigo desencontrado, o Júlio. Eu que era portuense de raízes fundas, o que percebo de uma certa Lisboa que já não há, devo-o àquelas duas senhoras, mãe com um bizarro nome socialista e feminista e filha actriz e cantora, vindas dos meios populares dos bairros de Lisboa, que o cinema tão bem retratou, inclusive em filmes em que participou. A "costureirinha". De uma reserva que não era habitual no mundo do espectáculo, defendendo o seu terreno familiar como poucos da exposição pública, tenho da D. Maria Clara muitas memórias, como da vez em que me cantou pela primeira vez o "Zé Aperta o Laço", o laço que eu nunca apertei bem. O Júlio Machado Vaz sabe do que eu falo.

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EARLY MORNING BLOGS

1637

Falando el-rei Antígono com o príncipe seu filho sobre a administração e governo do reino, de que o havia de deixar por herdeiro, admirado o generoso moço de tamanhas obrigações e encargos, refere Eliano que lhe disse o pai: An non-novisti, fili mi, regnum nostrum esse nobilem servitutem? E ainda não sabias, filho meu, que o nosso reinar não é outra coisa que uma servidão honrada? — Honrada disse, e com grande juízo. Porque a servidão dos servos é servidão sem honra, e por isso menor e menos pesada. Mas, sobre o peso da servidão, haver de sustentar também o da honra, é muito maior sujeição e muito mais pesada carga. É servir a fama e às bocas dos homens, cujos gostos são tão vários e tão estragados, que até o maná os enfastia. Se um homem não pode servir a dois, como disse Cristo, como poderá servir a tantos mil? A cada homem deu Deus um anjo da guarda, e não mais que um homem a cada anjo: e se um anjo que move e governa com tanto concerto e ordem todo o céu das estrelas, não basta para guardar a um homem de si mesmo, e governar ordenada e concertadamente a um homem, entre os outros, como bastará um só homem para conter dentro das leis e manter em justiça a tantos homens? Não sabe o que são homens quem isto não considera e penetra.

(
António Vieira)

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11.9.09

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A FESTA DO AVANTE!

30-Jul-09 Fotografia (2) 18

A Festa do Avante é um caso único em Portugal e tem muito a ver com a idiossincrasia social e cultural do PCP. Ela vive de uma micro-cultura criada pela longa participação do PCP na vida política portuguesa, que marcou em várias regiões do país (Alentejo, Margem Sul, etc.) sucessivas gerações de portugueses. Vem de pais para filhos e faz parte das tradições locais. Desse ponto de vista, como dizem os comunistas, a Festa é “única”. E tanto mais “única” quanto numa altura de despolitização permanece um dos raros momentos em que milhares de pessoas se juntam com pretexto na política (outra, muito diferente em muitos aspectos, mas semelhante em alguns, é a festa do PSD da Madeira no Chão da Lagoa).

Toda a gente sabe que a Festa do Avante não nos dá música de forma inocente. A Festa tem um papel essencial na identidade comunista, no financiamento do PCP, na política do partido e mesmo na sua propaganda para fora, na sua “marca”, como agora se diz. Mas, dito tudo isto, quando se pergunta se a Festa “puxa para cima” ou “puxa para baixo”, se o modelo é o Quim Barreiros (que eu presumo os comunistas também apreciam) ou outra coisa, com livros, opera, debates, exibição da diversidade nacional nem que seja na gastronomia popular, que alguns pavilhões exibem com orgulho local, tenho que concluir que “puxa para cima”. Dito de outra maneira, a Festa do Avante! é uma das raras iniciativas partidárias que, concorde-se ou não com o PCP, hoje dignificam a vida política nacional.

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EARLY MORNING BLOGS

1636

A terra é abastada de pastos, e assim como cria o bom, cria o mau. E já ouvi dizer um grande homem que era dado às cousas do outro mundo, falando na povoação desta terra (que ainda que a vedes assim por partes metida a mato, é de pastores em muita maneira povoada) que esta era uma das maravilhas da natureza, de uma terra mesma nasceram duas tão contrárias uma à outra. E que isto não era só nas alimárias, mas nos homens: que não há maus senão onde há os bons, e não há ladrões senão onde há que furtar.

(Bernardim Ribeiro)

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10.9.09


NÃO RESISTO, NÃO RESISTO, É DEMAIS



É difícil ver maior materialização da sinistra palavra "possidonice", do que a que aparece em dois dos filmes "pessoais" que a SIC fez com os nossos dirigentes políticos, neste caso Paulo Portas e José Sócrates (não vi os outros, não me pronuncio). É tão patético o mau gosto, tudo tão kitsch, tão absurda a exibição, tanta choraminguice, que nestas alturas eu fico completamente nob.

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HOJE NO


NOVO:

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2009 – ÍNDICE

A colaboração dos leitores é fundamental para manter este registo actualizado e cobrindo a maior quantidade de materiais de todos os partidos concorrentes a nível nacional e local.

PSD – ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2009 – OURÉM


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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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9.9.09

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"Tratados como idiotas ficamos cada vez mais idiotas" na Sábado em linha.

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8.9.09

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EARLY MORNING BLOGS

1635

Fez Deus ao sol príncipe do mundo: Luminare majus,ut praeesset diei — e desde o dia em que lhe deu este ofício até hoje não descansou um momento. Tão grande trabalho é ser sol, e tão grande a sua sujeição, posto que em lugar tão alto. Uma inquietação perpétua, um movimento contínuo, um correr e rodear sempre, e dar mil voltas ao mundo, sem descansar nem parar jamais. Quando dizemos que o sol se põe, é engano, porque então se parte a governar os antípodas. Não vamos buscar a prova da semelhança mais longe, pois a temos de casa, e nos nossos reis, mais própria que em nenhum outro do mundo. Quando os vassalos dormem e descansam, parece que um rei de Portugal faz o mesmo, depois do governo e trabalho de todo o dia, e não é senão que passou aos antípodas. Lá nada com o pensamento e com o cuidado pela China, pelo Japão, pelos reinos do Idalcão, do Samori, do Mogor, pelo Cabo da Boa Esperança, pelo do Comori, pelos Javas, pelos mares e costas da África, da Ásia e da América, visitando armadas e fortalezas, compondo pazes, abrindo comércios, e meditando sempre aumentos do reino de Deus e do seu, sem outra quietação ou descanso mais que aparente aos olhos, porque o sol não tem verdadeiro acaso. O relógio, que é o substituto do sol na terra, não soa, nem se ouve por fora, senão a certos tempos; mas nem por isso está ocioso ou quieto, sempre os pesos estão a carregar, sempre as rodas estão a moer: e tais são os cuidados do príncipe de dia e de noite. Para os súbditos, que obedecem e servem, há diferença de dias e noites; para o príncipe, que governa e manda, sempre é dia. Assim dizia Job dos seus cuidados: Noctem verterunt in diem.

(António Vieira)

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7.9.09

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EARLY MORNING BLOGS

1634

Os filósofos antigos chamaram ao homem mundo pequeno; porém, S. Gregório Nazianzeno, melhor filósofo que todos eles, e por excelência o Teólogo, disse que o mundo comparado com o homem é o pequeno, e o homem, em comparação do mundo, o mundo grande: Mundum in parvo, magnum. — Não é o homem um mundo pequeno que está dentro do mundo grande, mas é um mundo, e são muitos mundos grandes, que estão dentro do pequeno. Baste por prova o coração humano, que, sendo uma pequena parte do homem, excede na capacidade a toda a grandeza e redondeza do mundo. Pois, se nenhum homem pode ser capaz de governar toda esta maquina do mundo, que dificuldade será haver de governar tantos homens, cada um maior que o mesmo mundo, e mais dificultoso de temperar que todo ele? A demonstração é manifesta.

(António Vieira)

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6.9.09


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



A Lua vista de Sul, agora. (José Manuel Figueiredo)





Em breve no novos documentos e fotografias sobre a Festa do Avante de 2009.



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Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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DEBATE LOUÇÃ - JERÓNIMO: O IMPASSE DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA



E a cidade näo necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro é a sua lâmpada.
E as nações dos salvos andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra.
E as suas portas não se fecharão de dia, porque ali não haverá noite.
E a ela trarão a glória e honra das nações.
E não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro.
(Apocalipse, 21. 23-27.)

O debate entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa não suscitou nenhuma atenção especial, foi considerado mortiço e pouco interessante. Nenhum se atirou à jugular do outro e como já ninguém presta atenção às posições do PCP e do BE que não seja para responder pela enésima vez àquilo que é a agenda simplista do jornalismo político - vai-se coligar com o PS ou não?, vai ficar à frente do BE ou não? - o evento passou para a fila do esquecimento rápido. Anos de deterioração do debate político, culpa dos políticos e dos jornalistas, acabaram por desembocar naquele modelo burocrático e rígido de confronto, em que, se cada um resolver falar para a câmara sem sequer se aperceber que o outro está à frente, sai de lá tão bem como entrou.

E, no entanto, o debate mostra algumas coisas que a voragem da desatenção aos conteúdos faz passar despercebidas. O debate mostra a profunda vacuidade e a pura retórica das posições dos dois partidos da esquerda mais extrema, ambos no ofício de parecer que são hoje o que não foram no passado próximo. Na verdade, embora o PCP e o BE sejam muito diferentes entre si, pela história, pela composição social, ambos estão como que presos num corpo sem cabeça. O corpo move-se bem, mas a direcção que é suposto ser a cabeça a dar está ausente, porque ambos perderam os "objectivos finais", perderam a grande estratégia, ou não a podem enunciar porque isso pareceria inaceitável em democracia.

Ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais; ambos são antiparlamentares e suspeitam do "cretinismo parlamentar" e acabam por se centrar no Parlamento; ambos são anti-reformistas e não podem senão falar em reformas; ambos apontam para uma sociedade sem classes, e não o podem dizer a não ser pelo epíteto moral da "justiça"; ambos são a favor da destruição da economia de mercado e não podem senão bramar contra as "grandes empresas", o "capital financeiro", os "ricos"; ambos são hostis à propriedade privada, mas não podem dizer-se anticapitalistas (mais o BE do que o PCP); ambos são marxistas e mais ou menos leninistas (mais o PCP do que o BE); mas têm que esconder os retratos dos pais e dos avós; ambos se pretendem "revolucionários" e nenhum pode falar da revolução.

Fazem tudo isto por dolo, para nos enganar, para nos esconder a verdadeira agenda? No essencial, penso que não. Fazem-no porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar. Ficam por isso a meio de tudo se excluirmos as suas funções de protesto (importantes no PCP e no BE), tribunícias (o populismo demagógico de Louçã é um bom exemplo) e de representação social (mais importante no PCP, cuja "clientela" sindical, operária, rural é mais homogénea na sociedade do que os "jovens" do BE). É esta condição de ficarem a meio de tudo, enterrados num "movimento" que não podem definir como um "fim", que os condena à pura retórica e à condição de grupos de protesto e pressão, cujos programas não podem ser avaliados (se exceptuarmos as "causas fracturantes" do BE) ao mesmo nível dos do PS, do PSD e do CDS.

Eles estão condenados a serem, na prática, "sociais-democratas" de má consciência, sem admitirem, como faziam os verdadeiros reformistas, que aceitavam o abandono da revolução e do mito da sociedade sem classes. Por isso, não apresentam às eleições nenhum programa viável, mas apenas uma retórica "social", no caso do PCP, e proto-religiosa, utópica e milenar no caso do BE. Em tempos de crise isso faz do BE uma organização que, por onde passa, deixa as sementes de um populismo, que começa na recolha de um voto de protesto radical mas que introduz agressividade e violência na vida política portuguesa. Brinquem e achem graça ao BE e depois queixem-se.


Vale a pena ampliar: a "Terra da Felicidade"... no teatro.

Ouvindo Louçã, sem nos embalarmos com o tom bíblico das suas palavras (ele usa a palavra "justiça" como o profeta Jeremias), não se pode discutir uma única das suas "propostas" sem irmos ter à cabeça que falta e não está lá no corpo do BE. No caso de Louçã, eu acho que a cabeça está lá na cabeça dele, porque com Louçã há dolo deliberado - ele sabe muito bem o que quer e não o diz -, mas não me parece que o mesmo aconteça com os eleitores do BE.

Tudo o que ele diz é vago, mas produz vacuidades com uma intensidade verbal que parece que aquilo significa alguma coisa: nós somos a "esquerda fiel à esquerda", a "esquerda que não tem vergonha de ser esquerda", a "esquerda que quer mudar", "a esquerda que não se vende", a "esquerda que vai à luta", slogans que já vêm do PSR. Depois os outros slogans são enunciações de truísmos, do género "pão, paz, habitação", etc.: o "direito a ter direitos", "trabalho para quem precisa", "justiça para quem trabalhou", etc. Em que é que isto é "esquerda"? Qualquer boletim paroquiano da Santa Igreja Católica Apostólica Romana diz o mesmo, com a diferença que a digna instituição faz alguma coisa pelo "pão", pela "habitação", e pela "paz", só que no contexto daquilo que Louçã acharia ser "caridadezinha", ou seja, sem encontrar inimigos, nem contestar o sistema capitalista que é o que ele pensa ser a dimensão da "esquerda socialista". É por isso que os outros slogans são mais explícitos de um discurso sobre o Estado e a política entre o estatismo anticapitalista ("quem tem lucros não pode despedir") e o comunismo, a que ele chama de "democracia económica" ("a todos o que é de todos"; "entregar aos privados, tirar a todos aquilo que é de todos e entregar só a alguns"). Este último aspecto, que não pode ser enunciado com clareza, leva a piruetas verbais como a de propor "desprivatizações" para evitar a palavra "nacionalizações".

(O profeta Jeremias por Repin.)
Na verdade, quando Louçã usa a palavra "privado" a sua fúria vem ao de cima como se estivesse a falar do Diabo e começa a cheirar a enxofre. A palavra é imediatamente associada aos "banqueiros" ("o Governo protege os banqueiros e quem protege as pessoas?"; "para os banqueiros o Natal é todos os dias", etc.), aos "ricos" ao "polvo dos negócios", ao "roubo", e outros epítetos igualmente demonizadores. Depois, traduzidas em bom português, todas as "propostas" do BE se reduzem ao aumento dos impostos para os "ricos", a "banca", as "seguradoras", os "grandes interesses financeiros", à expropriação e "desprivatização" de bens, a ir "buscar o dinheiro que vai para os off-shores", aos "lucros astronómicos", aos especuladores bolsistas, e distribuí-lo, dando de graça quase tudo a toda a gente em nome da "justiça". Ou seja, o BE não tem outro programa que não seja pura e simplesmente confiscar o que está na mão dos "ricos" (que se veria depois que é quase toda a classe média) e distribuí-lo. Claro que com um programa destes não adianta falar da realidade, do que isto significaria em termos de destruição de empresas, de fuga de capitais, de desemprego imediato (ficaria o Estado a pagar os salários ou vende-se a casa dos patrões?), de pobreza socializada. E depois, numa sociedade destas, a repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.

Por tudo isto, foi uma pena que o cartaz do BE que para aí está afixado se tivesse ficado pelos 18 anos para trás, um número sem qualquer nexo que não seja acrescentar a cara de Manuela Ferreira Leite mais uns anos no último Governo de Cavaco Silva e disfarçar o papel do PS. Mas por que é que não colocaram 34 ou 35 anos, de modo a incluir o chamado PREC, em que algumas destas propostas foram levadas à prática conduzindo à mais completa destruição da riqueza nacional dos tempos mais recentes e aos milhões e milhões e milhões que nos custaram as "desprivatizações" da altura? E não teriam aí que colocar Louçã também no cartaz, mesmo que fugazmente, em 1975?

É este debate que Louçã nunca faz, e também não se esperava que Jerónimo de Sousa o fizesse. Talvez os jornalistas, na terra de Oz.

(Versão do Público de 5 de Setembro de 2009.)

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1633 - Provérbio

A donde el corazon se inclina, el pie camina.

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© José Pacheco Pereira
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