ABRUPTO

11.2.06


QUANTAS CORES CABEM NESTE AZUL DO DIA DE HOJE?


(R.)

(url)


COISAS DA SÁBADO:
UMA BOA COLECÇÃO IGNORADA



Esta colecção de pequenos livros entre o ensaístico e o didáctico, da Imprensa Nacional é mais uma vez uma vítima da política absurda de promoção da editora do estado. Os seus livros não se encontram praticamente em sítio nenhum no mercado livreiro, e fora das livrarias da própria Imprensa Nacional e das Feiras do Livro são muito difíceis de encontrar. Não se percebe, os livros, como aliás outras edições da Imprensa Nacional (nem todas, porque há algum desequilíbrio editorial), são bem feitos e muitos deles, como os exemplos recentes sobre Sílvio Lima, Adolfo Casais Monteiro, Tomaz de Figueiredo, D. António Ferreira Gomes, são raros ensaios introdutórios sobre obras que estão ignoradas e que caminham para o esquecimento. Muito da nossa cultura contemporânea anterior ao 25 de Abril, em particular a que não era exclusivamente literária, mas sim crítica e ensaística, está por estudar. Trabalhos como os de Miguel Real e Carlos Leone têm encontrado nesta colecção um repositório “essencial” que faz jus ao nome.

(url)


RETRATOS DO TRABALHO EM ROMA, ITÁLIA


Vendedor de melâncias em Roma.

(Tony Ventoinha)

(url)


QUANTAS CORES CABEM NESTE AZUL DO DIA DE HOJE?



(url)


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(11 de Fevereiro de 2006)


___________________________

No New Yorker sobre Maria Madalena.

*

Há duas razões muito claras que exigem a publicação das caricaturas como elemento informativo indispensável para a formação de opinião numa sociedade livre: uma, é perceber pela sua observação que elas estão absolutamente dentro daquilo que é o mainstream do desenho satírico típico da imprensa dos países em que há liberdade de expressão; outra, é perceber que só com um esforço de manipulação desproporcionado ( e intencional) elas podem ser consideradas ofensivas e blasfemas. Isto só se percebe bem vendo-as e nenhuma descrição as substitui. É aliás vendo-as que melhor se percebe o que está em causa. Talvez seja isso que muitos pretendem evitar.

*

Os perigosos caminhos da autocensura num importante artigo do LA Times criticando a atitude da imprensa americana (e do LA Times) ao não mostrar as caricaturas (salvo honrosas excepções): "those of us who inhabit this real world will continue to believe that the American news media's current exercise in mass self-censorship has nothing to do with either sensitivity or restraint and everything to do with timidity and expediency."

(url)


QUANTAS CORES CABEM NESTE AZUL DO DIA DE HOJE?



(url)


COMO ESTAMOS A FICAR

Como estamos a ficar ou os efeitos da censura, da autocensura, do medo, de não querer parecer mal, de não querer sofrer as consequências, de estar bem com todos, de aceitarmos uma polícia dentro de nós, para as palavras, para as ideias, para a fala, para o pensamento.


(Quino, bem lembrado pelo José Carlos Santos)

(url)


EARLY MORNING BLOGS 717

Poema de los dones


Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dió a la vez los libros y la noche.
De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden
laa albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos
que perecieron en Alejandría.
De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines
de esa alta y honda biblioteca ciega.
Enciclopedias, atlas, el oriente
y el occidente, siglos, dinastías.
Símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.
Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
Yo, que me figuraba el paraíso
bajo la especie de una biblioteca.
Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.
Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos días.
¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?
Groussac o Borges, miro este querido
mundo que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.


(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

(url)

10.2.06


RETRATOS DO TRABALHO EM S.MIGUEL - AÇORES, PORTUGAL


Mulheres empacotando chá da Gorreana.

(Tony Ventoinha)

(url)


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(10 de Fevereiro de 2006)


___________________________

Como é um assunto que interessa aos blogues e para se ir mais longe do que a célebre sopa do José Rodrigues dos Santos, veja-se Ed Park, "Word Salad" sobre Dana Carroll, On Sex and Intercourse in Contemporary Fiction,no Village Voice.

*

As cenas absurdas geradas no parlamento regional da Madeira, com a aprovação de um pedido do PSD local de verificação da sanidade mental de um deputado do PS, deveriam ser criticadas sem tibiezas pelo PSD nacional. Não é uma questão menor, é uma questão institucional que tem a ver com o abuso de poderes de uma maioria parlamentar. Como se pode exigir mais autonomia, quando se arrasta a instituição parlamentar regional para o máximo ridículo, tornando-a alvo da merecida chacota nacional?

*

Um bom sinal sobre o movimento de repulsa pela chantagem contra a liberdade de expressão é que ele é transversal, ultrapassa algumas dualidades simplistas que se pretendem impor como absolutas na mecânica política, como a de "esquerda / direita". E isso dá-lhe força, como se vê na lista dos signatários do abaixo-assinado que, desde ontem, circula na Rede e que é, até agora, o mais significativo movimento de protesto pelo que se está a passar.

(Nota à margem: os estudiosos do futuro podem também encontrar ali uma amostra do contínuo que, dos blogues aos jornais e à academia, explica o novo papel dos blogues e da Rede, e a emergência de mecanismos de "influência" intelectual e política diferentes dos do passado, assentes apenas na imprensa tradicional.)

*

Hoje, se alguma réstia de genuíno amor pela liberdade ainda existisse na bancada parlamentar de um partido que tem sempre a boca cheia dela, o PS, (e eu penso que existe) haveria (haverá) protestos sonoros contra a vergonhosa intervenção de Vitalino Canas, que, não se esqueça, falou em nome do Grupo Parlamentar de que é dirigente.

Já vi que nos blogues a enormidade não passou despercebida, mas ainda estou à espera do que dizem os deputados do PS, e dos editoriais dos jornais. Amanhã se fará o balanço dessas vozes. Veremos.

*

Há qualquer coisa de estranho nesta notícia do Público de hoje, ou então faltam elementos noticiosos relevantes, para se compreender o que se passou na manifestação junto da Embaixada da Dinamarca:
"No final da manifestação, já com poucas pessoas no local, apareceu um homem com uma bandeira com um símbolo de extrema-direita (uma cruz celta), que foi prontamente levado pela polícia."
Que lei é que este homem violou? Estava a provocar distúrbios? A provocar os manifestantes? Punha em causa a "ordem pública"? Gostava de saber.

*

Multiculturalismo do melhor: daqui a cinco dias comemora-se o dia de John Frum no Vanuatu.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 716

Anti-Profanity


I do not swear because I am
A sweet and sober guy;
I cannot vent a single damn
However hard I try.
And in viruperative way,
Though I recall it well,
I never, never, never say
A naughty word like hell.

To rouse my wrath you need not try,
I'm milder than a lamb;
However you may rile me I
Refuse to say: Goddam!
In circumstances fury-fraught
My tongue is always civil,
And though you goad me I will not
Consign you to the divvle.

An no, I never, never swear;
Profanity don't pay;
To cuss won't get you anywhere,
(And neither will to pray.)
And so all blasphemy I stem.
When milk of kindness curds:
But though I never utter them -
Gosh! how I know the words.


(Robert William Service)

*

Bom dia!

(url)

9.2.06


ISTO ESTÁ BONITO



«As agressões simbólicas e materiais a Estados e cidadãos europeus merecem certamente a nossa repulsa, nada legitima esse actos hediondos, estão bem uns para os outros, os caricaturistas irresponsáveis e os fundamentalistas violentos, ambos só podem ser alvo da nossa condenação»

(Vitalino Canas, deputado socialista português.)

(url)


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL




Manutenção/reparação geral do elevador do Lavra; Lisboa em ano de Expo.

(Paulo Gouveia)

(url)


MAIS VALE VERDES DO QUE MORTOS



Eu pensei que as coisas estavam melhores do que o que estão, mas, mais uma vez, se percebe como há apenas uma fina película entre a civilização e a barbárie. Película que estamos a deixar romper com a maior das displicências. Devia desconfiar que é assim porque os sinais estão por todo o lado. Mas a gente acredita, quer acreditar, que algumas dezenas de anos de democracia consolidada (na maioria da Europa) e duas centenas de anos desde a revolução americana e francesa tinham consolidado a liberdade como princípio. Mas não é, não é suficiente, como se vê.

Estamos em guerra e estamos a perder. Estamos a perder, antes de tudo, porque ainda não percebemos que estamos em guerra. A retórica olimpiana, de um mundo "multicultural", de uma "comunidade internacional" eficaz, assente na lei e na Realpolitik moderada, ofusca-nos e impede-nos de ver o que está à nossa frente. Muitos sublimam as fraquezas, transformando-as num arremedo de "diplomacia" que não é senão contemporização e complacência, outros têm medo e estão dispostos à servidão, outros minimizam o que acontece para não quebrar o mundo ideal em que vivem.

Estamos a perder por dentro, o que é pior. A crise das caricaturas dinamarquesas é disso o melhor sinal. Mortos e feridos, atentados, violências, destruição de embaixadas, expulsão de estrangeiros, muitos deles os dadores de solidariedade, intolerância exaltada e absoluta, e nós, os visados, arrastamo-nos pela culpa. A UE gaguejou, no limite do pedido de desculpas, e Portugal, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, foi ainda mais longe do que o pedido de desculpas, condenou os caricaturistas e calou-se face à violência absurda e orquestrada que passa por ser "a rua árabe".

A comunicação social que costuma ser hiper-sensível à questão da liberdade de expressão, muitas vezes de forma puramente gratuita e corporativa, para encobrir os seus abusos, está numa de "respeito", de "contexto", de "bom senso", de "bom gosto". Encontram-se mil e um pretextos e mil e uma desculpas para se não ser claro: é o jornal dinamarquês que é dúplice e se recusou a caricaturar Cristo, é o jornal dinamarquês que é racista e antiárabe e encomendou as caricaturas de forma provocatória, é Sousa Lara, Abecasis, e as cenas à volta do filme sobre a Virgem Maria, é o abaixo-assinado contra a caricatura de António do Papa com o preservativo no nariz, é tudo e mais alguma coisa. Estamos a falar do mesmo? Quero lá saber se o jornal dinamarquês é respeitável, equilibrado, sensato, equidistante do islão e da cristandade, quero lá saber se o New York Times não passou as caricaturas, ou se a SIC e a RTP as mostraram veladas e à distância! O que eu quero saber é que se o valor da liberdade, e da sua forma especial, o da liberdade de expressão, não está em causa nestes eventos, então não sei o que é a liberdade.

Pergunta-se (sinistra pergunta nos dias de hoje, que mal se formula culpabiliza os dinamarqueses): é a liberdade de expressão absoluta? Não, não é. Tem limites na lei na democracia, tem regras mínimas, para proteger outras liberdades e outros direitos. Regras mínimas, aliás habitualmente violadas sem consequência, para proteger a dignidade dos indivíduos, a sua intimidade, a sua personalidade, o seu direito de não ser caluniado. Mas são regras para os indivíduos, não são nem para religiões, nem comunidades, nem crenças, nem para a "blasfémia". Mesmo assim, o abuso destes limites é comum, justificado pelo "interesse público", e é raríssimo ver a comunicação social a discutir tão voluntariamente os seus limites no "bom senso" e no "bom gosto", quanto mais no "respeito" e muito menos no "contexto". Ainda bem, vivemos com esta realidade, não é perfeita, mas é melhor do que o seu contrário. Por isso repito a mesma pergunta: é a liberdade de expressão absoluta neste caso? É. Ou é absoluta ou não é.

De novo, insisto, não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?), de fazer propaganda anti-islão (e depois?), de ser simplista na representação do "martírio" (e depois?), de rebaixar Maomé (e depois?) de associar o islão ao terrorismo (e depois? É proibido?). É acaso proibido representar Deus-pai como um velho lúbrico como faz Vilhena e Crumb, e Cristo como um alegre imbecil como fizeram os Monty Python? É que se não é para defender este direito de se exprimir no limite das nossas crenças, a liberdade não serve para nada. É que também convém não esquecer que a nossa liberdade foi conquistada exactamente aqui, contra a intolerância religiosa. A essência da liberdade, tal como a entendemos, é a liberdade do outro, de escrever, desenhar, pintar, representar, filmar aquilo com que não concordamos, aquilo que consideramos ofensivo, de mau gosto, insensato, mesmo vil e nojento. Esta é a nossa concepção de liberdade, a liberdade de dissídio, do dissent, que, como tudo no mundo, não nasceu da natureza mas de uma história cultural, política e civilizacional que cada um escolhe e deseja como quer. E eu quero esta, porque não tenho nada a aprender sobre a liberdade com a Síria e o Irão, com o Egipto e a Arábia Saudita, com o Hamas e o Hezbollah, com a "rua árabe", nem com aqueles que se "indignam" contra os desmandos do "Ocidente, porque são contra os EUA, ou contra a guerra no Afeganistão e no Iraque, contra Israel, e estão órfãos do mundo a preto e branco do comunismo, nas suas várias versões, mesmo as de Toni Negri e do Le Monde Diplomatique.

A maior das falácias é achar que é a religião que está no centro destes eventos (e se fosse? O que é que mudava?), mas claramente uma recusa política da democracia e uma recusa cultural da tolerância, da liberdade, das diferenças, e uma recusa social e cultural em viver em sociedades em que as mulheres não façam parte do património dos homens. Estes não são problemas que devamos interiorizar como sendo nossa culpa, são problemas do mundo árabe e persa, são problemas do islão. Enquanto as sociedades maioritariamente muçulmanas se recusarem a separar o Estado da religião, a tolerar as outras religiões e em particular o agnosticismo e o ateísmo, a tratar de outro modo as mulheres, estes problemas são problemas de poder e de conflito, uma guerra nas formas novas que tem hoje.


Esta é a chantagem que nos é feita e a que estamos a ceder. E se no fim disto tudo eu pedir ao PÚBLICO que ilustre o meu artigo com uma das caricaturas, uma das que penso ser absolutamente defensável como caricatura, a de Maomé com o turbante-bomba, o que é que acontece? É uma provocação gratuita? Não é, é a ilustração ideal para o que digo, não só pela imagem como sobre tudo o que ela suscita. Mas já se levantam todos os problemas, de autocensura, de risco, de pensar duas vezes. Nunca se sabe se alguém pega no PÚBLICO e o associa aos outros jornais "blasfemos" e me dita uma fatwa. É pouco provável, mas convém pensar duas vezes. E é nesse pensar duas vezes que está a autocensura, e a censura, e a efectiva diminuição das nossas liberdades.

Voltamos aos tempos de "mais vale vermelhos do que mortos", revistos agora para outra cor, para "mais vale verdes do que mortos". Ficam os muçulmanos ofendidos? Não deviam, porque têm sempre uma maneira de responder a esta situação: serem os primeiros a manifestar-se pela liberdade dos dinamarqueses, pelo seu direito de caricaturarem o profeta, como muitos cristãos marchariam, como cidadãos, pelo direito de se caricaturar a Igreja, o Papa e Deus, em nome da liberdade que prezam no "reino de César".

(No Público de hoje.)

(url)


RETRATOS DO TRABALHO EM S.MIGUEL - AÇORES, PORTUGAL


Recolha de chá da Gorreana.

(Tony Ventoinha)

(url)


EARLY MORNING BLOGS 715


The Mole of Hadrian

Tout le parfait dont le ciel nous honore,
Tout l'imparfait qui naît dessous les cieux,
Tout ce qui paît nos esprits et nos yeux,
Et tout cela qui nos plaisirs dévore :

Tout le malheur qui notre âge dédore,
Tout le bonheur des siècles les plus vieux,
Rome du temps de ses premiers aïeux
Le tenait clos, ainsi qu'une Pandore.

Mais le destin, débrouillant ce chaos,
Où tout le bien et le mal fut enclos,
A fait depuis que les vertus divines

Volant au ciel ont laissé les péchés,
Qui jusqu'ici se sont tenus cachés
Sous les monceaux de ces vieilles ruines.

(Joachim du Bellay)


*

Bom dia!

(url)


ABAIXO-ASSINADO: COMO UMA LIBERDADE



Como acontece sempre não se concorda com tudo, mas concorda-se no essencial, logo assina-se. Dou a minha assinatura a este abaixo-assinado que tem o tom certo.

(url)


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
CONCORDÂNCIAS, DISCORDÃNCIAS E OUTRAS DÂNCIAS
(2ª série)




NOTA: Os textos dos leitores estão publicados em ordem inversa à sua recepção.

Escrevo-lhe sobre esta questão porque julgo compartilhar consigo um valor fundamental: um grande amor às liberdades individuais.

Ora, estando estas em causa, quero, desde já, manifestar o meu total apoio à posição por si manifestada no “Abrupto” acerca da questão dos “cartoons” dinamarqueses. Uma disposição que foi reforçada pela inacreditável nota enviada à Comunicação Social pelo MNE, cujo teor (do estilo “o respeitinho é muito bonito”) seria, com toda a certeza, subscrito por qualquer membro de um governo de Salazar. Algo que vem, aliás, na linha da igualmente lamentável entrevista do primeiro-ministro ao “Expresso”. Confesso que, em ambos os casos, tive vergonha de ser português.

Entrando, agora, na questão em apreço, esta merece-me as seguintes reflexões:

1 – O caso dos “cartoons” é, antes de mais, uma questão de liberdade de expressão e de crítica. Para mim, estas constituem os fundamentos de qualquer democracia, pelo que toda a limitação que lhes seja imposta por via administrativa constitui, em minha opinião, um atentado à essência de qualquer regime democrático. Logo, considero extremamente perigoso o discurso que a tenta minimizar, contrapondo-lhe e acentuando a ideia dos “limites”, da “responsabilidade”, do “bom senso” e quejandos. É que sabemos sempre como começam as restrições mas não sabemos como acabam. Assim, se, agora, elegermos o religioso como interdito (deixando de poder fazer críticas explícitas às diferentes religiões), sob o pretexto que isso ofende sentimentos profundos, então, em breve haverá novos “tabus”. Por exemplo, não se poderão caricaturar os presidentes do FC Porto, Benfica e Sporting porque ofende os sentimentos de milhares de adeptos? Ou os dirigentes sindicais de qualquer classe profissional, porque isso é ofensivo para todos os seus membros? Ou, pior ainda, o Presidente da Republica ou o primeiro-ministro, porque são símbolos nacionais?

É certo que há um limite para a nossa liberdade: a liberdade dos outros. Mas a crítica aos comportamentos, hábitos, costumes ou convicções de outrem (por muito violenta ou mordaz que seja) não constitui um atentado à sua liberdade. E, se alguém se sentir difamado ou ofendido, pode sempre recorrer à via judicial para obter uma eventual reparação. Daí que afirmar (como fez o MNE) que os “cartoons” constituem um atentado à liberdade religiosa é, no meu entender, totalmente absurdo.

A liberdade de expressão e de crítica (mesmo para os nossos inimigos) constitui a principal força moral das democracias. Aqueles que defendem a criação de interditos deveriam recordar a exemplar sentença do Supremo Tribunal dos EUA, que absolveu o pornógrafo Larry Flint de uma acusação que lhe foi movida por um grupo de cristãos fundamentalistas.

2 – Apesar de defender o diálogo de civilizações e de entender que todas as culturas têm aspectos positivos e negativos, entendo que o relativismo cultural não é absoluto (sob pena de negação do conceito). Para mim, tem como limite o respeito pela dignidade da pessoa humana em todas as dimensões, ou seja, pelas três gerações dos Direitos Humanos. Estes são valores universais, que respeitam tanto a portugueses ou ingleses como a africanos, árabes ou chineses. Ou seja, não posso admitir, em nome do respeito pelas culturas alheias, que se tolerem práticas como a mutilação genital feminina ou os chamados “crimes de honra”.

3 – Coerentemente com os princípios democráticos que defendo, reconheço aos muçulmanos o direito de se sentirem indignados com as caricaturas de Maomé. Por isso, é perfeitamente legítimo que respondam à letra com “cartoons” anti-ocidentais e que se manifestem na rua contra o que consideram uma ofensa à sua fé. Mas não posso admitir que recorram à violência contra representações diplomáticas e consulares e que ameacem de morte os “cartoonistas” dinamarqueses e os directores de órgãos de informação ocidentais que reproduziram os “cartoons”. E, muito menos, que pretendam impor, às nossas sociedades livres, abertas e laicas, as mesmas restrições que existem na maioria das sociedades islâmicas.

4 – É precisamente por viverem em sociedades não livres (onde a Comunicação Social é rigorosamente controlada pelo Estado e não existe uma verdadeira separação de poderes) que as populações muçulmanas são facilmente manipuladas por aqueles a quem interessa acirrar os ânimos. Na verdade, não entendem que a publicação das caricaturas num jornal dinamarquês não responsabiliza, em nada, o governo da Dinamarca. E que, se pretenderem alguma reparação, terão de interpor uma acção num tribunal dinamarquês, obviamente independente do executivo do país.

5 – Por outro lado, embora eu entenda que a religião e cultura muçulmanas devem ser respeitadas, há que ter em conta que só merece respeito quem respeita os outros. Ora, se há quem não respeite outros povos e culturas são os radicais islâmicos. Nos jornais árabes, são frequentes as ofensas aos judeus, tendo um deles chegado ao ponto de caricaturar Anne Frank na cama com Hitler (!...); os “taliban” destruíram os dois Budas de Bamian (Afeganistão), património da Humanidade; são frequentes, em países muçulmanos (ou onde existem fortes comunidades islâmicas), os ataques a igrejas, sinagogas, templos hindus e budistas. Isto sem falar dos atentados da Al-Qaeda (Nova York, Madrid, Londres, Istambul, Bali) ou dos ataques dos radicais tchechenos a escolas (!...), hospitais (!...) e teatros na Rússia. E que dizer da “fatwa” contra Salman Rushdie, da perseguição à escritora feminista bengali Talisna Nasreen ou do assassinato do realizador holandês Theo Van Gogh? Perante esses lamentáveis acontecimentos, não se viram nas ruas, em sinal de protesto, as turbas ululantes que se vêem hoje!

6 – Na actual crise, há a salientar as hipocrisias, oportunismos, cinismos e cobardias de diferentes actores nas sociedades ocidentais. Assim, a hipocrisia é notória da parte de alguns sectores da direita católica, que tanto se indignaram com a caricatura de António (o preservativo no nariz do Papa João Paulo II), e que se arvoram, agora, em grandes defensores da liberdade de expressão; o mesmo se pode dizer de alguma esquerda “politicamente correcta”, que, então, tanto criticou a intolerância da Igreja Católica e que, hoje, mostra compreensão pelas acções dos islamistas radicais, acusando os “catoonistas” de racismo e xenofobia. Oportunista é a reacção do Vaticano e de outras igrejas que procuram aproveitar a “boleia” para impor restrições à crítica religiosa. Cínica e hipócrita foi a primeira posição da Administração Bush, que mal disfarçou a sua satisfação por ver a UE “queimada” no mundo árabe e islâmico. Cobardia foi o que mostraram os governos europeus, alguns dos quais se apressaram a pedir desculpas por algo de que não tinham qualquer culpa!...Nesse particular, Sócrates e Freitas do Amaral pareceram “um Chamberlain e um Eden da quarta divisão”.

7 – Claro que toda esta crise está refém de um determinado contexto político, onde avultam a vitória do Hamas nas eleições palestinianas, a situação no Líbano e o dossiê nuclear iraniano. Daí o facto de os “cartoons” terem sido publicados em Setembro e só agora rebentar a crise. A primeira colocou sob pressão os regimes árabes ditatoriais e corruptos (sejam monarquias mais ou menos teocráticas, sejam ditaduras laicas e seculares). Este caso deu-lhes, em primeiro lugar, o pretexto para se aproximarem das massas populares e tentar retirar espaço aos seus opositores islamistas. Em segundo lugar, constitui uma advertência ao Ocidente, que, para evitar a subida dos islamistas ao poder em futuras eleições democráticas (algo que apareceria cada vez como mais indesejável), estaria condenado a manter os actuais regimes. Alguém acredita que, na Síria, um dos Estados mais autocráticos da região, a polícia não consiga controlar uma manifestação? Aqui, existiu, claramente, uma tentativa do regime sírio de aproveitar a situação para recuperar a influência perdida no Líbano. No caso do Irão, será uma forma de a ala radical do poder teocrático (liderada pelo presidente Ahmadinedjad) mobilizar a população, ao associar as pressões ocidentais contra o nuclear a uma campanha anti-islâmica do Ocidente.

8 – Independentemente dos contextos, há algo que reputo de essencial: a liberdade de expressão é um valor essencial da democracia. Como tal, não é negociável, muito menos sob pressão dos seus piores inimigos. É chegada a altura de dizer “Basta!”. Temos de abandonar o “politicamente correcto” e deixarmos de fingir que não existe um problema entre nós e o mundo islâmico. Ele existe e vamos ter de encará-lo de frente. Com espírito de diálogo e sempre com intuitos pacifistas, mas sem medos e sem cedências em pontos essenciais. Face às tibiezas dos governantes, parece ser altura de as suas sociedades civis dos países europeus mostrarem, por todos os meios democráticos e pacíficos ao seu alcance, que as ameaças não nos intimidam e que estamos dispostos a defender as nossas liberdades.

(Jorge Martins)

*

O seu argumento foi o de que eram os países mais contrários à guerra no Iraque que mais “mas” punham a propósito das caricaturas de Maomé. Não me parece que seja verdade. Foi Straw e a administração americana quem mais disseram que eram contra a publicação das caricaturas. De onde poderei retirar que eles foram contra a guerra do Iraque? Permita-me esta correcção, porque não me parece completamente tonto lembrá-lo.

A verdade é que Straw também disse que a Turquia é um grande país europeu. Donde posso concluir que neste jogo de espelhos é natural que num mundo governado por palhinhas e arbustos sejam naturais estes tipos de confusões.

Como vejo que no seu blog tem uma visita a esse maravilhoso país asiático que ministros analfabetos se lembraram de qualificar de europeu percebo que um ou outro sofisma escapa insindicado na comunicação social.

Perdoe-me mais uma vez este incómodo, mas parece-me o que falta no espaço público não é saber de cálculo tensorial nem do Theravada, mas uma elementar instrução primária. Um jornalista mais avisado de lógica ter-lhe-ia chamado a atenção para o paralogismo.

(Alexandre de Castro Brandão de Melo e Veiga)

*

A avaliação, à luz dos acontecimentos recentes, de uma eventual compatibilidade entre islão e liberdade de expressão, que conduz, aliás, à análise daquilo que o liga às raízes do terrorismo, desenrola-se, normalmente, com grande desconhecimento das fontes canónicas, das fontes fundamentais estruturantes do islão. Deve-se isto, frequentemente, quer a omissões deliberadas por parte dos clérigos muçulmanos perante os não crentes quer a pura e simples ignorância dos não muçulmanos. Ora, para se abordar um assunto como este com um mínimo de critério, é necessário algum conhecimento dessas fontes: corão, sira (biografias de Maomé), hadith ou sunna (relatos pormenorizados, coligidos por muçulmanos pios, com base em, pelo menos, três testemunhos da vida e ditos do respectivo profeta).

Para quem se der a esse trabalho, nomeadamente através da consulta de bases de dados islâmicas (por exemplo), é rápida a conclusão de que Maomé foi muito pródigo em ordens de assassinato de todos aqueles que se lhe opuseram.

O primeiro assassinato por ordem de Maomé, de que encontramos descrição nas fontes islâmicas, foi o de uma mulher, viúva, de nome Asma, que compôs versos satirizando o autoproclamado profeta. Uma situação em muito semelhante àquela com que actualmente nos deparamos. Maomé desafiou os seus seguidores a assassinarem a mulher que o afrontou no terreno da ironia. Quem respondeu ao desafio foi um discípulo cego chamado Umair. O devoto apunhalou-a enquanto esta dormia amamentando o seu bebé. Segundo os relatos, ao ouvir isto, Maomé exclamou: «Vede um homem que assistiu o Senhor e o seu profeta. Chamai-lhe não cego, mas antes Umair “o vidente”.

De muitos mais assassinatos às ordens de Maomé se encontra descrição nos hadith.

Alguns exemplos, em tradução directa a partir da colectânea de Al Bukhari, tal como constam da referida base de dados islâmica:

Volume 4, Livro 52, Número 259:

Narrado por Abu Huraira:

O Apóstolo de Alá enviou-nos numa missão (i.e. missão armada) e disse: “se encontrardes fulano e sicrano, queimai-os a ambos com fogo”. Quando estávamos prestes a partir, o Apóstolo de Alá disse: “ordenei-vos que queimásseis fulano e sicrano, e ninguém senão Alá pune com o fogo, portanto, se os encontrardes, matai-os”.


Volume 4, Livro 52, Número 265:

Narrado por Al-Bara bin Azib:

O Apóstolo de Alá enviou um grupo dos de Ansar a Abu Rafi. Abdullah bin Atik penetrou na sua casa durante a noite e matou-o enquanto ele dormia”

Volume 4, Livro 52, Número 270:

Narrado por Jabir bin 'Abdullah:

O Profeta disse: “Quem está disposto a matar Ka'b bin Al-Ashraf, que ofendeu deveras Alá e o seu Profeta?” Muhammad bin Maslama disse: “Ó Apóstolo de Alá! Queres que eu o mate?” Ele respondeu afirmativamente. Assim, Muhammad bin Maslama dirigiu-se a ele (i.e. Ka'b) e disse: “Esta pessoa (i.e. o Profeta) encarregou-nos de pedir por caridade”. Ka'b replicou: “Por Alá, cansar-vos-eis dele”. Muhammad disse-lhe: “Temo-lo seguido, portanto desagrada-nos abandoná-lo antes de assistirmos ao fim da sua missão”. Muhammad bin Maslama continuou a conversar com ele desta forma até que encontrou oportunidade para o matar.

Volume 8, Livro 82, Número 795:

Narrado por Anas:

O Profeta cortou as mãos e os pés dos homens da tribo dos ‘Uraina e não cauterizou (os seus membros a esvair-se em sangue) até que por fim eles morreram.

Estes hadith de Al Bukhari são fontes incontornáveis e incontestáveis do islão. Nenhum muçulmano pio pode ou deve ignorá-las. Não nos esqueçamos que, no islão, Maomé é considerado como o máximo exemplo de vida, o homem mais perfeito que jamais caminhou ou caminhará sobre a terra.

Atente-se também no que diz o corão. Por exemplo:

Sura 9, versículo :5 :"Mas quando passarem os meses de interdição, então combatei e matai pela espada todos aqueles que associam outros deuses a Alá onde quer que os encontreis; cercai-os, assaltai-os pela força, esperai-os com toda a espécie de emboscadas...”.

De igual modo, a sura 47, versículo 4: “Quando encontrardes os infiéis, cortai-lhes a cabeça, até fazerdes grande matança entre eles”.

A sura 9, versículo 29, afirma: “fazei a guerra contra aqueles que tomaram conhecimento das escrituras e não acreditaram em Alá, ou no dia do juízo, e que não proíbem o que Alá e o seu apóstolo proibiram... até que paguem tributo”.

A sura 5, versículo 33, ordena: “a recompensa daqueles que combatem Alá e o seu Mensageiro, e espalham a desordem sobre a terra, é apenas a de que devem ser mortos, ou crucificados, ou terem as suas mãos e pés amputados em lados opostos...


Na sura 48, versículos 16-17, lê-se que todos os que morrem “a combater na guerra do Senhor (Jihad)” são ricamente recompensados, mas aqueles que batem em retirada são dolorosamente castigados.

A matança, por decapitação, dos cerca de 600-700 homens da tribo judia dos Banu Kuraiza de Medina, que se haviam rendido às tropas de Maomé, oferece um dos primeiros testemunhos da prática destas suras e preceitos corânicos. Repare-se que, segundo os relatos, a matança durou todo o dia, do raiar ao pôr do sol, e Maomé assistiu e orientou, imperturbável, as operações que se desenrolaram na praça principal da cidade. Até ficar com sangue pelos artelhos, segundo o ufano cronista. Deu, depois, ordens que as mulheres e crianças dessa tribo fossem reduzidas ao concubinato e à escravatura.

Quanto ao tratamento a dar às mulheres não muçulmanas cativas, atente-se neste hadith, também de Al Bukhari:

Capítulo 22, Livro 8, Número 3371:

Abu Sirma disse a Abu Sa'id al Khadri (que Alá se agrade dele): “Ó Abu Sa'id, ouviste o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) referir-se ao al-'azl [coito interrompido]? Disse ele: “Sim” e acrescentou: “Fomos em expedição com o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) contra os de Bi'l-Mustaliq e capturámos algumas mulheres árabes esplêndidas, e desejávamo-las, pois sofríamos da ausência das nossas mulheres (mas ao mesmo tempo) também desejávamos obter resgate por elas. Por isso, decidimos ter relações sexuais com elas observando o 'azl (retirando o órgão sexual masculino antes da emissão de sémen para evitar a concepção). Mas dissemos uns aos outros: “estamos a praticar um acto enquanto o Mensageiro de Alá se encontra entre nós, porque não perguntar-lhe?” Interrogámos, portanto, o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele), que disse: “não tem importância alguma que o façais dessa forma ou da outra, pois todas as almas que tiverem de nascer daqui até ao Dia da Ressurreição hão de nascer”.

Ou no Capítulo 22, Livro 8, Número 3373:

Abu Sa'id al-Khudri (que Alá se agrade dele) relatou: “Fizemos cativas algumas mulheres e queríamos praticar o 'azl com elas. Perguntámos então ao Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) o que fazer, e ele disse-nos: “Na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, mas a alma que tiver de nascer daqui até ao Dia do Julgamento há de nascer.

Como se vê, para Maomé, a violação de cativas pelos muçulmanos é livre e nada importa que seja feita com coitus interruptus ou de outra forma.

Tudo isto demonstra a fortíssima ligação, desde a origem, entre islão e terrorismo.

A questão, para os muçulmanos, não é a da opção entre fundamentalistas e moderados, que é em larga medida uma ficção ocidental, mas saber se o islão é capaz de pensar criticamente estas suas fontes e de as rejeitar. Só isto permitirá que o islão aceda a uma civilização de respeito pelos direitos humanos, de respeito pela dignidade do homem, caso contrário será sempre uma poderosa força para degradação humana.

Eis aquilo a que os muçulmanos devem dar resposta: «Aceita ou não aceita estas passagens, partes indesmentivelmente integrantes do Islão mas merecedoras de severo exame e crítica? Rejeita-as no seu conteúdo? Não rejeita? Condena ou não condena os referidos actos de Maomé?»

Só a resposta a estas questões permitirá aferir do grau de moderação de um muçulmano e do seu respeito pela restante humanidade.

Talvez que o primeiro assunto a tratar por um muçulmano, a propósito do islão, que traduzido literalmente significa “submissão” e não “paz”, como nos querem fazer crer, seja o de dar resposta à questão do quantum de submissão compatível com a humanidade do homem.

Sinto-me com todo o direito a criticar, violentamente se necessário, com ironia e sarcasmo se me apetecer, todos estes e quaisquer outros aspectos do islão e da vida do seu profeta, Mafamede. Um cartoon é apenas uma forma condensada de crítica. Assistem-lhe os mesmos direitos que ao discurso verbalizado. Como tal, não vejo como se possa cercear legalmente, seja de que forma for, o exercício do direito a caricaturar, quando este exercício não contém em si nenhuma violência que não seja o furor da indignação da consciência. Não tem validade alguma o argumento de que isso pode ferir susceptibilidades. Essa é a própria essência da liberdade de expressão.

É extremamente infeliz, vergonhoso, que pessoas com responsabilidades representativas do Estado português, um Estado que se quer democrático, civilizado e respeitador dos direitos humanos, como é o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, não o consigam entender.

Por este andar, quais os livros a lançar ao fogo? Quais as páginas da literatura a apagar? As do humor virulento dos dadaístas? As da ironia surrealista? Cesariny? O’Neill?... Ou talvez Camões?... Gil Vicente?...

Pode-se compreender que quem viveu e conviveu, tranquila e refasteladamente, com o regime de Oliveira Baltazar tenha pouco apreço pelas liberdades próprias de um Estado democrático respeitador da dignidade humana, que junte, até, a sua voz ao coro ululante de protestos dos filo-fascistas contra a liberdade de expressão. Não custa perceber que aos nostálgicos de totalitarismos para-estalinistas, caso de alguns representantes de partidos comunistas e de mais alguns, cause engulho a livre expressão de ideias e de ideais.

Mas tais fenómenos são de molde a repugnar profundamente toda e qualquer pessoa que preze a liberdade, alicerce da dignidade do homem.

Porque é muito triste assistir à capitulação da civilização perante a barbárie.

(Manuel Barros)

*

A sua, como a de todas as que têm aparecido na televisão, concepção de liberdade parece-me pouco profunda. não é por acaso que se tem utilizado «liberdade de expressão» em vez de «liberdade». Aqui ocorre o mesmo que entre a «justiça social» e a justiça»: inconscientemente altera-se-lhes o termo por motivos que agora não importa aprofundar...

O que tenho para lhe dizer é o seguinte: a liberdade é essencialmente uma conquista do sujeito e adquire-se pelo saber. Se eu souber, por exemplo, o que é uma alimentação saudável, melhoro as possibilidades de evitar a servidão da doença. A ignorância é, portanto, o maior inimigo da liberdade e o saber o seu maior amigo.

Pôr a «liberdade de expressão» como algo de fundamental e sagrado parece-me algo de pessoas que não são livres...

Se lhe interessar, pode aprofundar o assunto no prefácio da tradução portuguesa do "Ensaio sobre a Liberdade" de Stuart Mill.

(Luis Barata)

*

"Os sentimentos religiosos devem ser respeitados e a liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de provocação, contudo há que respeitar os outros se queremos ser respeitados. Foram muito poucos os dirigentes ou religiosos muçulmanos que condenaram a destruição das estátuas centenárias de Buda, no Afeganistão, em 2001 (pelos fanáticos Talibã) e em termos de provocação religiosa a história das caricaturas é incomparavelmente menos grave do que a destruição de monumentos seculares. Também não me recordo de nenhum comunicado do MNE Português condenando essa destruição, mas deve ser falha minha."

(P.Bandeira)

*

Tal como a generalidade dos os ocidentais, também a mim me parecem exageradas e absurdas as imagens dos protestos muçulmanos por causa daquilo que é para nós um simples cartoon.

Mas pensando melhor, nós nunca nos conseguimos posicionar completamente dentro do ponto de vista dum muçulmano para saber o quanto a sua sensibilidade pode ficar ferida por causa duma brincadeira deste género.

Quando oiço falar da tradição de liberdade de expressão no mundo Ocidental, penso que neste momento ninguém se está a lembrar do que pode provocar a muitas consciências ocidentais, por exemplo, uma brincadeira deste tipo mas alusiva ao tema do nazismo. Sabemos que na Alemanha, e noutros países europeus, são proibidas certas manifestações neo-nazis. E também me lembro do escândalo provocado por um símbolo nazi que o príncipe Harry da Inglaterra exibiu inconscientemente, há uns meses atrás, numa festa de estudantes. Ora, o mesmo tipo de ofensa podem sentir os muçulmanos por esta provocação a um "simples" símbolo religioso e isso nunca será completamente compreendido por uma mente ocidental.

Mas acredito que o que está em causa no exagero destas manifestações, só se pode explicar por duas coisas: pela manipulação que alguns grupos radicais estão a levar a cabo, aproveitando-se da situação, mas também seria interessante fazer uma análise que as relacionasse com o mesmo tipo de fenómeno de revolta que aconteceu recentemente por toda a França, desta vez está à escala mundial. Os motivos de fundo podem ser o choque, cada vez maior, entre interesses ocidentais e as comunidades islâmicas, mas que pouco têm que ver com motivos religiosos.

(Sergio Pinto)

*

Neste outro continente onde me encontro, o debate é de outra natureza. Já em Guerra, o presidente (encontro-me nos Estados Unidos) apela ao diálogo e ao respeito. Não se publicam os cartoons na imprensa escrita porque se assume que há acesso automatico a internet. No país da primazia da liberdade de expressão, a imprensa escrita teme por demais as represálias. Assume-se que a liberdade de expressão é para opiniões extremas e para ocasiões de ódio.
A moderacao e a auto censura imperam nos media, mais por medo de represalias economicas do que por outro qualquer motivo. Os americanos acham europeus um povo estranho, que geralmente “do not put their money where their mouths are”. Parece ser verdade se esquecermos as licões de historia. Mas eu sou dum tempo que leu sobre as batalhas de Dom Afonso Henriques, das campanhas das Cruzadas , do Império Ottomano, das conquistas de Alexandre o Grande. Na continuidade da história se encontra o ponto fulcral para o qual nos dirigimos. Nao esqueçamos o passado para prever o futuro. Os dias límpidos, de optimismo e de crescente euforia passaram. A encruzilhada da Guerra estará no horizonte?

PS mais uma vez, obrigada pelas diversas visoes que apresenta...conto cada vez mais com a riqueza que e uma visao, secular intelectual , europeia e tao diferente do que neste momento reina na net e media...medo ou arrogancia...

(Manuela Silva)

*

O debate sobre os cartoons dinamarqueses está um verdadeiro turbilhão, cada vez mais impenetrável. No Abrupto e outros locais, falta alguma sistematização das inúmeras intervenções.
Posso estar enganado, mas parece-me que ninguém analisou o contexto em que os desenhos foram publicados lá no jornal da Dinamarca. Segundo entendi do que disse Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, a publicação foi um acto deliberado e ostensivo de provocação aos muçulmanos locais, foi uma expressão de um movimento dinamarquês racista e xenófobo a que o jornal dará habitualmente cobertura.
Ora, a lei da Dinamarca dá aos muçulmanos locais o direito de accionarem um processo judicial contra o jornal que os ofendeu. Então, porque é que eles não usaram esse direito?
Será que na Europa estamos a fazer, junto das comunidades não europeias que vivem connosco, a necessária pedagogia acerca dos direitos que lhes assistem?
E será que as organizações que representam essas comunidades estão verdadeiramente motivadas para accionar esses direitos dos seus representados? Ou será que,na verdade, representam outros interesses mais obscuros? Ou que têm objectivos menos confessáveis?

Por outras palavras: o aumento do racismo e da xenofobia organizados, o crescendo do ódio de parte a parte, em plena Europa da liberdade e da tolerância, no seio da civilização mais evoluída do Mundo - estas questões é que, digo eu, deviam ser o primeiro motivo da nossa preocupação e o centro do debate.
Mas parece que não é isso que se está a debater – parece que se está a fugir a essas questões. Discute-se o que se passa nos países islâmicos, não se discute o que se passa debaixo dos nossos narizes.

(Joaquim Jordão)

*

Há alguns anos, enquanto fazia um interrail com mais dois amigos, visitei o Museu de Arte Moderna em Helsínquia. A minha capacidade de avaliar a arte contemporânea é muito limitada, pelo que apenas posso seguir o meu instinto. Uma das obras que figurava era um quadro onde figurava Jesus Cristo a ser sodomizado pelo Rato Mickey. Isso mesmo. Eu não conseguia deixar de achar piada àquilo, embora deva confessar que me deixava também desconfortável e que era de um certo mau gosto. Mas a provocação tinha piada.
Os meus dois amigos que estavam comigo (e que tinham andado comigo durante vários anos num colégio católico) achavam o quadro uma vergonha, uma coisa sem nenhum sentido artístico, uma simples provocação reles e gratuita que não nos elevava em nada.
Na altura ri-me. Mas ao comparar a sua reacção com os dias de hoje não posso deixar de sentir uma certa nostalgia por um tempo em que a vida espiritual era entendida, quase unanimemente como algo de individual e pessoal, e as discussões que envolvessem a sua exteriorização se podiam resumir a uma questão de gosto artístico. Era quanto muito a vida espiritual que estava em causa, nunca a política, como é hoje.

O episódio dos “cartoons” é a melhor demonstração do carácter profundamente político desta guerra, tal como a guerra fria não se resumiu apenas a uma simples questão geopolítica de interesses divergentes, como uma certa esquerda pretende apresentar agora a segunda metade do século XX.
Nesse tempo também foi difícil saber onde estava a “verdade”. Mas para aqueles que hoje não se sentem seguros para assumir o que é a “verdade”, resta-nos a consolação de que embora não possamos saber o que é verdade com toda a certeza, podemos saber o que é mentira.
Determinar e provar constantemente o que é uma e outra é o desafio político do início deste século, e um estímulo para quem gosta de Política. Mas não deixa de ser “difícil viver em tempos interessantes”.

(João Lopes)

*

Também cá dentro da nossa Europa existem bolsas de obscurantismo. A Grécia continua a ser um estado não laico, regime que o governo de direita ( ND) tende a perpetuar. Refiro-me às acusações de blasfémia que poderiam ter dado pena de prisão a um cartoonista austríaco por ter feito humor com a figura de Jesus Cristo.

O autor foi ilibado mas a acusação existiu num estado da UE.

(João Lencart e Silva)

*

Começo por dizer que estou profundamente chocado pela forma como alguns dos leitores do Abrupto aconselham a que a liberdade de expressão tenha limites impostos "por alguém"...
Mais me espanto quando as "forças de esquerda" defendem de uma maneira assustadora de que os cartoons da polémica não deviam ser publicados.
Como Pacheco Pereira disse, liberdade de expressão, ou se tem ou não se tem, não podem existir zonas cinzentas, nem qualquer expressão "sim, mas...".
Uma questão continua a martelar na minha cabeça, durante meses ouvimos PS e PCP defenderem que era preciso lutar contra o "bicho-papão" da direita, e depois quando todos esperávamos uma reacção condizente ao caso das caricaturas de Maomé, o MNE de um governo socialista, vem dizer que os cartoons não deviam ser publicados, no que foi secundado por dirigentes do PCP...

(César Silva)

*

Concordo com este seu texto, mas não posso deixar de o corrigir, pois o JP vende 150.00 cópias num país de 5.000.000 de pessoas.

Tem havido muita desinformação em relação ao jornal. Trata-se de um jornal com um a orientação de centro-direita, mas nunca extremista ou xenófobo como alguns comentadores têm dito.

(Bruno Ricardo Pais)

*

Sobre o comentário do leitor C. Medina Ribeiro:

O caso do Ministro Carlos Borrego e da triste piada sobre os diabéticos mortos por ingestão de alumínio é um belo exemplo daquilo que se discute. O Ministro não podia ter agido pior, ao contar essa anedota. Não por achar que a liberdade de expressão tenha determinados limites, mas sim porque, no humor, há sempre que ter em conta o contexto em que se produz qualquer tipo de material pretensamente engraçado. Da mesma forma que é de extremo mau gosto contar uma anedota sobre a morte num funeral, ou sobre nazis e judeus a familiares de vítimas do Holocausto, também o Ministro deveria ter estado calado. A isto chama-se bom senso. Isso nada tem a ver com liberdade de expressão. O Ministro foi demitido por motivos políticos (era insustentável a sua manutenção no cargo depois desse caso), e não por ter violado qualquer lei.

Ou seja: o humor tem que ser, necessariamente, enquadrado, por uma questão de sensibilidade e respeito para com aqueles que, verdadeiramente, se possam sentir magoados pelo seu teor. No entanto, não é nada disso aquilo que se passa neste caso das caricaturas de Maomé. A não ser que seja o próprio profeta a interpôr um processo contra os jornais que publicaram o cartoon e contra o cartoonista, mais ninguém se pode sentir ofendido.

É por isso também que discordo da nota nº 1, do leitor Medina Ribeiro. O artigo do Código Penal que referiu nunca se poderia aplicar ao caso em questão. As caricaturas não ofendem qualquer pessoa nem dela escarnecem em função da sua crença. Aquilo que acontece, infelizmente, é que temos um sem número de pessoas, largamente manipuladas (quantos daqueles que atacam as embaixadas viram, verdadeiramente, o cartoon?), e que se identificam com as práticas terroristas. Ora, esses, são exactamente aqueles que menos ofendidos podem estar com o cartoon. A insinuação pode, quando muito, indignar aqueles muçulmanos que repudiem o terrorismo e que não aceitem as inúmeras insinuações de ligação do islamismo ao terror, mas nunca aqueles que se mandam embombados contra as paredes de edifícios públicos. Esses devem, isso sim, sentir-se justamente representados pelo cartoon, e na figura de um inexistente Maomé bombista.

Aquilo que envergonha o islamismo e os maometanos, como referia recentemente uma edição jordana, são as notícias de palestinianos a explodir com autocarros, em Israel e na Palestina.

Todos temos o direito à indignação, por tudo aquilo que, na imprensa ou na rua, nos ofenda, e que consideremos despropositadamente agressivo. É essa a contrapartida válida da liberdade de imprensa, de expressão e de opinião. Se alguém tem o direito de defender ideias que nos ofendam, também nós temos o direito de, nos mesmos moldes, as repudiar. O único limite à liberdade de expressão é a difamação, e aí existem os tribunais para a julgar.

É triste vermos que o continente onde estas conquistas custaram tanto sofrimento - e o país onde estas conquistas são tão recentes - a vergar-se rapidamente ao medo do fundamentalismo, e a pôr descaradamente na gaveta tudo aquilo que torna a vida na Europa em algo minimamente vivível.

(Artur Vieira)

*

Toda esta questão relativa aos cartoons dinamarqueses deu-me uma enorme vontade de reler "O Nome da Rosa". Se bem se lembra, nessa obra notável de Umberto Eco disserta-se, entre outros temas, sobre os nefastos efeitos da comédia e do riso, supostamente contrários aos desejos e ensinamentos de Deus. A personagem do "venerável Jorge" recorre mesmo a vários assassinatos para evitar a disseminação de textos e iluminuras de cariz satírico e cómico que não seriam do agrado da sua ortodoxa doutrina cristã.

Estava-se, então, na Idade Média e no tempo dos hereges quando muitos corpos humanos alimentavam fogueiras em nome da fé cristã. Felizmente, nestas terras europeias, tais tempos desapareceram e existe, hoje, uma cultura de tolerância e liberdade que em muito veio beneficiar a vida e a consciência dos homens. Infelizmente, passados oito séculos, ainda existem pessoas de outras terras e culturas que ainda pensam que a censura, a ignorância e o medo são o melhor para as pessoas que para elas olham com veneração e respeito.

(Uma pequena interrogação: Não será precisamente para manterem esse poder e estatuto, baseado apenas na fé, que certos líderes religiosos guardam para si toda a informação, verdade e interpretação teológica e condenam quaisquer manifestações de dúvida ou de evolução doutrinária?)

Os líderes católicos também foram responsáveis pelo atraso intelectual dos fiéis, mas isto passou-se há mais de sete séculos. Por alguns senhores fundamentalistas ainda quererem viver e manter os seus povos na Idade Média, teremos também nós, ocidentais, que retroceder no tempo e abandonar princípios que se tornaram, para nós, invioláveis e que tanto custaram a conquistar?

Se esses fundamentalistas preferem viver sem liberdade de pensamento e expressão, sem margem para críticas e sob o jugo de uma lei religiosa arcaica e draconiana que tudo vê e controla com os olhos da fé islâmica, muito bem. Agora, não nos venham obrigar a partilhar essa mesma visão do Mundo. Meus caros amigos: Já passamos por lá! Não gostámos e felizmente evoluímos! A Liberdade é um bem do qual não estamos dispostos a abdicar ou a fazer concessões, por muito que vos incomode!

P. S.: Acabei de ler o comunicado do ministro dos Negócios Estrangeiros e como deve de adivinhar discordo frontalmente. Se alguma posição oficial deveria de ter sido tomada seria exacatamente a contrária. Qualquer coisa como: "Lamentamos muito que ficassem ofendidos mas, devido a uma coisa chamada liberdade de expressão, nenhum Estado é responsável ou controla as opiniões emitidas pelos seus cidadão. Por esta razão, lamentamos, ainda, as coléricas manifestações e os violentos ataques despropositados e gratuitos a embaixadas de países europeus cujo único crime é o de não possuírem censura. Se desejarem, enviaremos os necessários diplomas legais para que possam protestar e contestar no local e modo adequados: um processo judicial no tribunal!"

(Tiago Rodrigues Alves)

*

As caricaturas publicadas de Maomé levantam, além das diversas questões já vistas no seu blog, pelo menos uma outra que julgo merecer alguma reflexão. Antes de a referir devo esclarecer que simpatizo com muito do que tem sido dito acerca da intolerância dos muçulmanos e até de alguns aspectos da religião islâmica.

Mas quero falar da liberdade de imprensa. Contrariamente ao que muitos afirmam, não tem um valor absoluto. E aí estão as leis que regulam essa liberdade em todos os países democráticos. Em geral, e isto decorre do exercício mais geral da liberdade cívica, não é possível, e os prevaricadores susceptíveis de serem penalisados, insultar outrem. Os exemplos de indivíduos que se sentem insultados pela imprensa portuguesa são inúmeros, e com frequência os tribunais aplicam multas aos jornalistas e directores de jornais por esses factos.

Se um indivíduo não pode ser insultado, é um facto, eu pelo menos não conheço, que se pode insultar um grupo de pessoas sem qualquer perigo de o jornalista ser penalisado. Foi exactamente isto que aconteceu agora. Com ou sem razão, é indiferente para o argumento, os muçulmanos sentiram-se ofendidos e reagiram em consequência. Não sou ingénuo quanto a essas formas de indignação. O que quer apenas afirmar, ou melhor questionar, é saber porque razão não se pode insultar um indivíduo, mas se pode insultar um grupo de pessoas?

De resto veja-se que a imprensa em geral é muito cuidadosa com certos grupos, que procura não ofender, p.e. os homossexuais, o que aliás me parece bem. Haverá alguém que afirme existir alguma espécie de autocensura? Penso que não. Mas é um facto que este grupo em especial não é vilipendiado, como não são outros grupos ( professores, juízes, estudantes, funcionários públicos, militares, empresários, etc). E no entanto as notícias dos últimos dias poderiam ser uma fonte inesgotável de caricaturas. Se não existem é porque provavelmente há um certo consenso social em relação a estes grupos que restringe efectivamente o uso da tal liberdade de imprensa.

Neste contexto os muçulmanos parecem não beneficiar deste privilégio. Eu penso que seria preferível que o fossem.

(Calado Lopes)

*

As respostas publicadas nos seu blog têm sido interessantes a vários níveis. Noto contudo que mesmo os comentários mais sóbrios insistem demasiado nos aspectos do confronto do nós contra o eles. Os desenhos estão a ser atacados pelo mundo fora não por serem racistas mas sim por serem blasfemos. Não há nós nem eles, apenas liberdade ou falta dela.

O impacto na cultura desta submissão dos governos é um dos pontos que me toca mais, quem se atreveria hoje em dia a representar "Le fanatisme, ou Mahomet le prophète" de Voltaire?

Eu não quero ter que ler o Inferno de Dante, ou o Paraíso perdido de Milton, ou ver os quadros de Bacon, às escondidas, só porque são blasfemos. Basta ver os problemas que a ciência enfrenta no outro lado do oceano com o fundamentalismo religioso (o mais recente é a celeuma do Big-Bang na própria NASA).

(Jorge Filipe)


(Continua)

(url)

8.2.06


RETRATOS DO TRABALHO EM ISTAMBUL, TURQUIA


Limpeza de cabines telefónicas / Venda de bandeiras.

(Paula Alexandra Almeida)

(url)

7.2.06


DEZ ANOS DE COMMAND & CONQUER












Saiu hoje. É pena não ser um jogo novo, mas a compilação de dez anos de Command & Conquer, o meu jogo favorito, será bem-vinda.

(url)


NOTÍCIA TRISTE

O encerramento da Sampaio Ferreira & Cª de Riba de Ave, uma fábrica que conheci bem dos meus tempos de antigamente.

(url)


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
CONCORDÂNCIAS, DISCORDÃNCIAS E OUTRAS DÂNCIAS
(Actualizado)



NOTA: alguma correspondência enviada de fora de Portugal não tem acentos. Corrigi um ou outro caso, mas continua a haver missivas não acentuadas.

Ontem no prós e contras a meu ver foram ditas por verdades tamanhas mentiras.
Vamos aos argumentos.
Quando se afirma que a liberdade de expressão está acima de qualquer (direito de) indignação pelo o que é publicado, estamos a inverter o sentido da liberdade.
Quando se afirma que a liberdade de expressão custou muito sangue, estamos afirmar que a partir desta conquista tudo é viável...
O meu problema e, o nosso problema é limitar a liberdade. Ao dizermos que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é dizer que nas nossas sociedades ocidentais a liberdade conquistou-se à custa da afirmação do ego e do alter e, acima de tudo, pelo respeito do outro.
Porque se afirmamos que podemos usar a liberdade, mesmo que isso provoque sofrimento ao outro (falta de respeito pelas suas convicções) em nome do valor da liberdade então, no limite, a indignação dos árabes para com as embaixadas ocidentais, pode ser uma expressão da sua liberdade.
Isto para dizer que todo valor terreno (liberdade) tem limites. Estes estão quando o projecto que cada um faz ou uma sociedade em direcção ao bem
(liberdade) provoca sofrimento no outro.
Assim, não compreendo como poderei ser livre se o queme possibilita ser livre atenta contra o alter.

(José Carlos Lima)

*

Uma coisa é a defesa do multiculturalismo e a especificidade de cada cultura/religião. Outra é a aceitação de fundamentalismos. E multiculturalismo, neste caso, não é apenas a aceitação de valores culturais muçulmanos por parte dos ocidentais, como muitas vezes se coloca a questão para não ferir susceptibilidades e para dar o ar de que somos tolerantes. E há que meter na cabeça que a religião muçulmana - ou os estados religiosos muçulmanos - não se pode sobrepôr a uma garantia que já existe há algum tempo no mundo ocidental, independentemente do que é dito sobre essa mesma religião. No entanto, o direito a defenderem-se e mostrar o seu desagrado também existe e está consagrado institucionalmente, e se o quiserem fazer, podem-no fazer. Mas não é isso que está a acontecer.

E se há coisa que por vezes muita gente não quer perceber é que existe liberdade de expressão, ponto. E aqui não pode haver cedências, independentemente de que se ache de mau gosto os cartoons. Pessoalmente, acho que alguns desses cartoons são de uma falta de senso e perfeitamente ridículos. E sou da opinião que da primeira vez que foram editados no jornal dinamarquês, houve um propósito político bem claro.
Contudo, independentemente de gostar ou não, de estar de acordo ou não, o que não posso criticar é um aspecto fundamental, que é o direito de publicarem aquilo que quiserem. Lembro-me da famosa frase de Voltaire: "Senhor, sou contra tudo o que vossa senhoria disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dize-la"

Finalmente, pode-se discutir a forma de resolver este problema. Se por um lado temos a resolução através do apelo ao bom senso e a diplomacia como forma de apaziguar a fúria fundamentalista, por outro - e se estivermos dispostos a pagar um possível preço (ocorre-me de momento um aumento do petróleo e um ou outro atentado terrorista) - a solução passa pela publicação maciça dos cartoons em todos os jornais ocidentais durante um certo tempo, como forma de protesto e mostrar que a liberdade de expressão existe. Será uma provocação, sem dúvida. Mas ambas as vias são possíveis e aceitáveis.

(Tiago André Pereira)

*


O tema já é velho mas, numa sociedade globalizada como é a nossa actualmente, o problema desencadeado pelas caricaturas de Maomé (que incendiaram o mundo islâmico - qualquer coisa como 1300 milhões de pessoas!) faz-nos recordar que há certos temas que devem ser objecto de cuidados acrescidos, especialmente quando se pretende usá-los para fazer humor.

Aliás, foi precisamente essa a opinião manifestada há dias por Raúl Solnado na TSF quando, juntamente com António Feio e Ricardo Araújo Pereira respondeu à questão que Carlos Pinto Coelho colocou: «Pode fazer-se humor com tudo?».
Enquanto os dois mais jovens defenderam que sim, Solnado foi prudente e socorreu-se de um exemplo que - mal ele sabia! - pouco depois viria a revelar-se perfeitamente apropriado: «Com a religião é preciso cuidado...» - pois é algo que mexe com o «sagrado», terreno altamente melindroso em que o nosso direito de fazer humor pode facilmente esbarrar com o direito que os crentes têm de não ser agredidos nos seus sentimentos mais profundos.
Tudo dependerá, também, da assistência, pois uma graçola que, contada à mesa do café, faz rir três pessoas, pode, se publicada num órgão de informação de grande audiência, revelar-se explosiva.

Há uns anos, e devido ao excesso de alumínio na água, vários diabéticos morreram num centro de hemodiálise em Évora, facto esse que inspirou Carlos Borrego, à altura ministro do Ambiente, a contar em público uma anedota segundo a qual se podia obter alumínio reciclando os mortos.
Foi demitido, mas é bem possível que tenha pensado (como agora oiço dizer em relação ao caso que está a dividir o mundo) que apenas estava a exercer o seu sagrado direito de liberdade de expressão de pensamento. Imagino que tenha sido também o que pensavam os adolescentes que há dias, em Lagos, andavam a fazer graffitis em residências, lojas e monumentos... até serem detidos pela PSP.

--
Nota 1- O nosso Código Penal prevê pena de prisão para quem cometa «ultraje por motivo de crença religiosa, quem PUBLICAMENTE ofender pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa por forma adequada a perturbar a paz pública». No entanto, no caso em apreço, o recurso aos tribunias não teria qualquer efeito, visto que o pretenso crime não parece sê-lo no país onde foi "cometido".

Nota 2 - O jornal dinamarquês em causa recusou-se em tempos a publicar caricaturas de Cristo... porque seriam ofensivas.

Nota 3 - Neste caso não é possível o velho argumento «Gostavas que te fizessem o mesmo?» porque a nossa noção de "valores" está de rastos.
Veja-se, em Portugal, o achincalhar do Hino e da Bandeira - neste caso, até Mário Soares se permitiu "martelar" o Escudo, para fazer dele um coração foleiro - perante a total passividade do povo...

C. Medina Ribeiro

*

O
El Pais dá conta de que um diário Iraniano vai publicar cartoons sobre o Holocausto. Isto sim é uma provocação, porque não se trata de retratar a actualidade, mas sim enveredar numa lógica pueril de contra ataque. Já para não falar da manobra pouco subtil para meter Israel ao barulho.

De qualquer forma, como seria de esperar, nada que não estivesse já feito em países em que a liberdade de expressão é um direito consagrado, e que uma simples pesquisa no google images pode facilmente desvendar. Entre muitos outros aqui está um exemplo.

(Jorge Gomes)

*

Um testemunho da Dinamarca (sem acentos):

Eu resido na Dinamarca (...) Em relação a polémica do Cartoon: esta situação é ainda mais inaceitável para quem conhece essas minorias árabes, nao-integradas, sem desejo nenhum de o fazerem e com a sua arrogância alimentada pela intransigência religiosa e a humilhação que sentem por, lá no fundo, se sentirem inferiores.


Esta questão veio levantar uma série de questões sobre nós próprios e sobre os muçulmanos:


1)Há uma ideia, de génese anti-americana, dos árabes serem vitimas. Não são. São sociedades improdutivas que se sustentam do petróleo, que Alá foi tão generoso em lhes dar a quase exclusividade, não lhes dando no entanto o engenho de inventar o automóvel. Sem Ocidente, a "Arábia" não seria a sociedade desenvolvida que nos vendem, seria sim algo muito primitivo. A Palestina ser pobre e Israel rico nao é prova de exploração mas sim de diferenças entre as duas culturas.


2)As recentes manifestações, tanto em Franca, como as de agora, vêem mostrar que a religião não só não permite o desenvolvimento das sociedades, com impede a integração destas pessoas quando emigrantes, criando tensões ainda maiores. Veja-se que são alguns dos muçulmanos emigrados na Dinamarca que promovem o actual conflito. A Dinamarca é dos, senão o, pais no mundo mais generoso para emigrantes, dando-nos possibilidades, apoio e oportunidades diferenciadas. Um exemplo: como emigrante tenho aulas (de qualidade) de dinamarquês de graça, a sala ao lado está cheia de dinamarqueses aprendendo italiano ou português à sua custa (e é bem caro).


3)A nossa liberdade de expressão, quão fundamental é? Se é tão fundamental assim, porque continuamos a não permitir escritos que mencionem diferenças entre povos, entre sexos, ou generalizadoras? Porque não permitimos a livre expressão ideologias a que chamemos "nazis"? Apesar de entender o ideal humanista que limita a liberdade de expressão, toleramos o comunismo, e não foi por isso que ficámos comunistas e que a revolução aconteceu. Se calhar estará na altura de revogar estas limitações.


4)O que é um cartoon? Bem, a verdade é que um cartoon é uma invenção ocidental para satirizar subjectivamente e assim fugir aos mecanismos de controle objectivos (leis) que nós implementamos na nossa sociedade. Suponho que terá nascido para fugir à censura. Não faz o mesmo sentido para um muçulmano, onde um líder pode decidir subjectivamente o que é mau ou não. Tomemos por exemplo o cartoon do Maomé de turbante explosivo. Por palavras, seria algo que relacionaria concerteza Maomé com atentados, os muçulmanos com terroristas. Na realidade, a descrição do dito cartoon poderia ser contra as nossas próprias leis que limitam a liberdade de expressão. Ja para a sociedade islâmica, um desenho é pior que as palavras.
No entanto, e embora isto tenha que ser levado em conta, este argumento não serve para desculpar os árabes, porque nos pedem que usemos a nossa "bondade" para eles, enquanto as suas sociedades usam de maldade para nós (vejam os cartoons abaixo, publicados em países árabes).

É o velho argumento de mulher ocidental que ande de calcoes e cabelo descoberto num pais arabe está a violar os costumes dos locais e deverá por isso ser violada vs a àrabe que tem o direito de nao mostrar a cara num país ocidental. Temos de ter cuidado e não dar tiros no pé.

5) Este último ponto é mais distante da polémica, mas parece-me extremamente importante. É acerca do que define a boa integração de emigrantes, que não é um tema lateral, mas sim central nesta polémica.
Postulo sem provas mas da observação que o que define a boa integração de um novo povo é a quantidade de elementos negativos no povo hospedeiro. Visualizando o que digo, imaginemos que desenhamos uma curva, de forma gaussiana, que representa a "boa cidadania", crescendo esta da esquerda para a direita. Um grupo de emigrantes árabes tem bons e maus, e se o desenharmos neste gráfico vai também gerar uma curva gaussiana ou parecida. Imaginemos agora dois povos hospedeiros, podendo estes ser o Inglês e o Dinamarquês. No povo inglês, há muitos alcoólicos, homens que não trabalham, vivem da segurança social, batem na mulher, berram com outros, e se envolvem em cenas de pancadaria com regularidade. Esta é a cauda da curva do povo inglês, do lado esquerdo da curva. Entram agora os imigrantes. A curva destes estará compreendida na do povo inglês. Os piores dos imigrantes talvez sejam tão maus cidadãos como os locais que referi, os melhores também não ultrapassarão o povo hospedeiro. Assim, não há razoes para grande discriminação, nem diferenciação económica, e não há tanta tensão entre locais e imigrantes.

Olhando agora para a Dinamarca, temos uma situação diferente. Comparada com a curva do povo inglês, a da Dinamarca está deslocada para a direita. Pelo menos na cauda da má cidadania. Na realidade, nao ha maus cidadãos neste pais. Não há violência. Não há crime. Assim, quando os imigrantes chegam, embora muitos se comportem como os locais, todos os novos maus cidadãos serão imigrantes. Isto gera ressentimentos justificados.
É verdade que nem todos os árabes são maus cidadãos, mas também é verdade que se não houvesse árabes, não haveria maus cidadãos (tal ja não é verdade em Inglaterra. Assim, sou de opinião que não são nem as politicas de esquerda, nem a generosidade do povo hospedeiro que dita a boa ou má integração. Muito pelo contrário, é a quantidade de maus elementos no povo hospedeiro).
Da mesma forma, vai haver um fosso económico entre os referidos "maus cidadãos" e o resto da população. Junte-se a isto os dinamarqueses serem dos povos mais evoluídos no mundo, e as suas qualidades não serem fáceis de perceber, para gerar entre os árabes uma grande humilhação e ressentimento, que vai alimentar a conversa da "discriminação" e os sentimentos religiosos.
A única forma de um árabe tem de se sentir "importante/superior" num destes países é, ou abandonar os ensinamentos dos seus pais e tentar imitar a civilização superior onde está, ou acreditar na religião que lhe garante ser superior por não beber álcool, bater na esposa, e afins...

(Rodrigo Gouveia de Oliveira)

*

Se por um lado é compreensível a reacção do lado de lá quanto às caricaturas publicadas num jornal dinamarquês, do lado de cá só é compreensível esta reacção se usarmos na nossa análise a palavra MEDO. E se me pedissem para escrever um título que representasse os últimos acontecimentos, parafraseava José Gil e imediatamente escrevia Ocidente, hoje: O medo de existir, o medo de falar, o medo de ser livre.

Há duas análises possíveis em espaços diferentes. Do lado de lá, este foi um pretexto para encetar uma espécie de guerra religiosa entre dois lados profundamente antagónicos quanto ao modo de ver o mundo. Porém, o motivo não é puramente religioso mas sobretudo (ou talvez unicamente) político. Mas o modo de acção é que é religioso, primeiro porque lhes dá, na sua perspectiva, uma causa. Segundo, porque nessa causa tem de haver um inimigo e nós cumprimos quase na perfeição esse papel. Do lado de cá, as reacções dividiram-se entre aqueles que teorizam e filosofam sobre o conceito abstracto de liberdade de expressão e, dessa forma condenam a publicação dos cartoons, e aqueles que mantém a sua convicção de um mundo livre de censura, livre de fantasmas, simplesmente livre. Se por um lado devemos preocupar-nos com as reacções do lado de lá, é do lado de cá que precisamos de fazer um esforço muito grande de forma a compreendermos o que se passa nesta Velha Europa. E eu, muito honestamente, talvez pela minha tenra idade, não o consigo fazer sozinho.

Por outro lado, não deixa de ser curioso que, talvez culpabilizada pelo seu passado igualmente fanático e sanguinário, a Igreja Católica não tenha tido qualquer pudor em condenar a publicação dos cartoons. E talvez tenha sido a opção mais responsável, como gostam agora de dizer. Mas isso não implica que tenhamos de nos vergar perante o dogma. E já que falei em dogma, permita-me que diga que o conceito de liberdade religiosa é, per si, discriminatório. Senão vejamos. Eu sou ateu. Não acredito nem milito qualquer religião. Logo, para mim, a minha liberdade é desprovida de qualquer conspurcação dogmática. Partir do princípio que a liberdade religiosa se sobrepõe à liberdade de expressão, é discriminar-me, é discriminar todos aqueles que são ateus ou agnósticos, como preferirem.

O dogmatismo leva os homens a matarem-se mutuamente. François Jacob dizia que nada é tão perigoso como a certeza de se ter razão, que nada causa tanta destruição como obsessão duma verdade considerada absoluta. F. Jacob tem razão quando diz que, historicamente, todos os massacres foram cometidos por virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a verdade do outro. Tudo estaria bem se nos confortássemos com as nossas verdades e não fizéssemos questão de impô-las uns aos outros a qualquer preço. Tudo estaria bem se, do lado de lá, rezassem a Alá e do lado de cá rezassem ao Deus cristão. Tudo estaria bem se vivêssemos num mundo perfeito.

Mas não vivemos num mundo perfeito. E esta retracção do ocidente serviu apenas para mostrar o medo que revolve as nossas entranhas desde o 11 de Setembro e serviu também para mostrar que nos tornámos submissos e incapazes de lutar pela nossa liberdade. Perdemos esta batalha e devemos envergonhar-nos disso. Desta vez, o terrorismo não precisou de sair de casa. E o efeito foi precisamente o mesmo. O MEDO.

Vale a pena citar Agustina Bessa-Luís, in Antes do Degelo:

«O medo é o que impede que tudo o que chega às mãos dos homens não se torne em sua propriedade. Basta produzir uma impressão que não se pode explicar, inserindo no medo o desconforto da culpa. É assim que milhões de pessoas podem ser pastoreadas nas ribeiras da paz por muito poucas. E nas trincheiras da guerra por outras tantas, senão as mesmas.»

(Ricardo S. Reis dos Santos)

*

(sem acentos)

Tive acesso ao seu blog e li algumas considerações sobre o assunto das caricaturas do jornal dinamarques. Sou filha de portugueses emigrados e vivo em Paris onde nasci. Em Franca sou sem duvida francesa, em Portugal sou uma portuguesa diferente. Gracas ao imenso esforco de meus pais consegui licenciar-me à ENST e tenho um emprego ainda provisorio como muitos estudantes aqui em Franca. O primeiro emprego esta dificil por todo o lado.
O que lhe queria exprimir da minha visao do que representa o Islao para quem, como eu, viveu durante muitos anos lado a lado com musulmanos e beurs. O que eu vivi nunca esquecerei, sei da forma de vida das minhas amigas musulmanas sempre reprimidas, das mães delas, pessoas de segunda categoria porque tiveram a infelicidade de nascerem mulheres e ainda sei dos apoios do estado frances as familias musulmanas. Meus pais nunca tiveram um apoio que fosse e minha educacao foi paga com o trabalho dos dois.
Ha um todo pequeno detalhe que todo o mundo parece nao ver ou nao querer ver, mesmo os que agora acham mal que alguem caricature o Islao sem perceber como se faz o Islam dos nossos dias. A leitura estreita do Islao a situacao das mulheres musulmanas est, para dar um exemplo, medieval.

Vou tentar traduzir bem algumas passagens do livro da musulmana Irshad Manji "Musulmane mais Libre": " Em Franca, os Musulmanos perseguiram na justica um escritor que declarou que 'O Islam era a religiao mais estupida do mundo'. Aparentemente tratava-se de uma incitation ao odio racial. Estamos aqui capazes de fazer valer os nossos direitos - coisa que na maioria dos países islamicos nunca poderiamos fazer. Mas este frances fez mal em escrever que o Islam precisava de crescer? Que pensar do incitamento ao odio aos judeus no Corao? Os Musulmanos que invocam o Coran para justificar o antisemitismo não deveriam, também, serem perseguidos pela justice? Ou seria ainda 'repression violenta'? O que faz que nos estamos no nosso bom direito de o que o resto do mundo seja racista? Com a nossa piedade sobre nos mesmos e os nossos silencios ostentatorios, nos, Musulmanos, conspiramos contra nos mesmos. Estamos em crise e queremos arrastar o mundo inteiro com a nossa crise." mais adiante: "Mesmo no Ocidente ensina-se correntemente aos Musulmanos que o Corao est a ultima manifestacao da vontade de Deus, que suplanta a da Torah e a do Novo Testamento. Como manifestacao ultima, o Corao est o texto 'perfeito' - que nao pode ser questionado, analisado ou interpretado. Ele nao pode ser senao acreditado." agora repare nesta parte: "O Corao lembra aos Musulmanos que eles nao sao Deus. E por consequencia os homens e as mulheres fariam bem de serem justos nos direitos que exigem uns a outros: (...) 'Honrem as vossas maes que vos carregaram. Deus observa-vos sempre.' O que parece estranho est que no mesmo capitulo - algumas linhas na frente - o Corao inverte completamente a corrente: 'Os homens tem autoridade sobre as mulheres porque Deus fez os homens superiores as mulheres e porque os homens gastam as suas riquezas para as sustentar. Deus fez as mulheres obedientes... Quanto as mulheres de quem duvidem da obediencia, castiguem-nas, ponham-nas a dormir em camas separadas e espanquem-nas.'"

Por mais incredulos que fiquemos, estas passagens do Coran nao sao inventadas. E isto que as mulheres e os homens Musulmanos aprendem nas suas vidas religiosas. Muito mais poderia eu aqui deixar sobre o Islao tal como ele e vivido no dia a dia. Seja no Ocidente, seja no Oriente.

Nao me ficara bem dizer o que lhe vou dizer: mas esta religiao não me merece respeito nenhum.

Desculpe ter-lhe tomado tanto tempo e ainda desculpe mais o meu mau portugues mas os portugueses de Portugal nao sabem do que falam, a maioria, quando fala do Islao. Essa realidade nao a vivem no dia a dia. Os que vivemos na Europa, sobretudo em Franca ou Belgique ou Alemanha sabemos bem do que falamos.

Recomendo a todos o site desta Musulmana escritora Irshad Manji.

(Guiomar Almeida)

*

A ver se percebo...
Certa esquerda quer discutir e investigar o holocausto?!
Certa esquerda até tenta compreender as atitudes dos radicais extremistas muçulmanos que, entre outras coisas, proibem as mulheres de ter acesso a carta de condução e andar de cara destapada?!
Certa esquerda coloca em causa a liberdade de publicação livre de cartoons sejam eles sobre que tema for?!
Certa esquerda tenta explicar, à luz de anacronismos sociais, o que é fanatismo puro e simples?!
Certa esquerda ao tentar explicar que até pode haver razões e tal para o fanatismo tresloucado, coloca-se inevitavelmente numa discussão que, logo à partida, é desculpabilizante de comportamentos fascisantes?!

Mas isto é esquerda?!!

Pensei que era extrema direita...

(Paulo Duarte)

*

Na maioria dos casos, as pessoas teem-se limitado a debater aquilo em que o Ocidente tem razao e uma evidente superioridade: a liberdade de imprensa e de expressao; e as liberdades democraticas, em geral.

Aquilo de que se fala menos e' o seguinte: que a actuacao (politica, economica e militar) dos paises ocidentais no Medio Oriente e na Asia Central e' tudo menos consentanea com esses valores que inventamos e que sao, na minha opiniao convicta, universais.

Agora, se o que esta' de facto em causa nesta cacofonia mediatica e' a liberdade de expressao e de imprensa, entao parte da solucao comecaria pela realizacao de um debate livre. Nesse debate, os muculmanos ou os emigrantes oriundos daquela regiao do Mundo, teriam a oportunidade de expor livremente os seus pontos de vista, explicar as suas razoes de revolta (se for esse o caso) em relacao ao Ocidente, e poderiam ver as suas opinioes testadas e confrontadas de modo critico e veemente por outros (ocidentais ou nao); e' evidente que as nossas razoes, ambiguidades e inconsistencias tambem seriam criticadas. Assim, sim, estariamos a considerar de forma seria o problema da liberdade de expressao e de imprensa, as dificuldades e as oportunidades relativas 'a coexistencia pacifica entre as civilizacoes.

Caso contrario, podera' ficar a suspeita que se esta' a assistir a uma mera encenacao... mesmo nas vesperas do seguimento da questao nuclear do Irao ao Conselho de Seguranca.

(Miguel Preto)

*

Mas a publicação dos desenhos não foi um acto oficial de algum país. Os desenhos foram publicados por jornais independentes de distribuição nacional. É uma extrapolação imensa querer analisar esse acto fora do contexto próprio. Os protestos surgem na alegação de que esses desenhos violam o que está nos textos sagrados muçulmanos. Mas podemos imaginar o direito recíproco de um dinamarquês, à luz dos textos dos direitos do Homem, de se revoltar com os maus tratos infligidos ‘legalmente’ às mulheres muçulmanas.

A revolta incide sobre a particularidade de se ter representado o profeta (acto proibido pelo alcorão) mais do que qualquer outra inferência politica. Se em vez da imagem se tivesse publicado, no mesmo jornal, um artigo de opinião em que a certa altura o autor dissesse «o profeta Mahomet instiga o terrorismo» (em dinamarquês) ninguém daria por nada. O absurdo é alguém querer que o resto do mundo funcione pelas suas regras.
Imaginando que na minha religião eu tinha a forte convicção de que me era permitido amar e servir um só Deus. Estariam por isso todos os muçulmanos, por respeito à minha crença, proibidos de ter a sua vida normal e amarem o Deus deles? A vida normal de um dinamarquês passa pela sua liberdade de expressão. Faz sentido que alguém de um país longínquo venha ditar-lhe novos costumes?

O que faz sentido é se algum dinamarquês muçulmano (ou não) se sentir ofendido instruir um processo por abuso da liberdade de expressão ao outro dinamarquês. O que faz sentido é qualquer dinamarquês muçulmano (ou não) compreender que vive num país onde é possível ridicularizar qualquer religião, incluindo a sua. Se não gosta só tem duas hipóteses: ou muda de país ou espera mais um pouco que os muçulmanos invadam a Dinamarca.

(Nuno Galvão)

*

Estou fascinado pela quantidade de pessoas eminentes que têm escrito nos últimos dias, no âmbito do caso dos cartoons dinamarqueses, que não se deve caricaturar o sagrado. Não me tinha apercebido de que tal ideia está tão espalhada na nossa sociedade e, em particular, nas nosas elites. Só me resta saber onde estavam essas pessoas quando o cartoonista Sam publicou o livro «Ai Jesus», inteiramente constituído por caricaturas de Jesus crucificado. Ou quando esteve em exibição a comédia «Dogma», onde Deus era caricaturado (e representado por Alanis Morissette!). Ou quando esteve em exibição o filme «Bruce, o todo poderoso», onde Jim Carey caricaturava a abertura do Mar Vermelho por Moisés... «abrindo» uma tigela de sopa de tomate! Ou, é claro, quando José Saramago publicou «O evangelho segundo Jesus Cristo».

Ou será que só podemos caricaturar os valores sagrados da nossa cultura mas não os das outras?

(José Carlos Santos)

*

Exmo. Sr. Engº. Ângelo Correia,

Acabei neste preciso momento de ver o programa "Prós e Contras" em que o Sr. participou e não posso deixar de lhe manifestar a mais profunda indignação pela sua atitude, que não podendo acreditar que se deva a superficialidade ou ignorância, só posso considerar profundamente manipuladora, tentando evitar uma discussão, assaz pertinente e urgente, sobre a natureza do Islão, o que quer que isso seja e quaisquer que sejam as suas multiplicidades, que existe na prática e é invocado como legitimação dos maiores actos de desumanidade, a par com a famigerada solução final nazi, alguma vez vistos.

Neste sentido há alguns comentários que tenho de lhe fazer chegar:

- Já pondo de parte o ridículo de tentar fazer crer que os muçulmanos chegaram à península com Averróis e outros homens sábios de igual e inquestionável valor, a recitarem os clássicos da antiguidade e não pela força das armas, acho lamentável que o Sr. que o invocou e muito bem, como uma figura património da cultura universal do Homem, não tenha referido as perseguições que ele sofreu na Andaluzia, feitas não por cristãos muito pouco instruídos, mas precisamente por islâmicos fundamentalistas religiosos que o perseguiram e o impediram de continuar, de desenvolver e de difundir a sua obra.

Mais, esta obra, aquando das perseguições que ele e a sua família sofreram e que os obrigaram a fugir, sobreviveu às fogueiras em que os seus livros foram queimados, apenas pelas cópias feitas e contrabandeadas, a tempo, pelos seus discípulos.

Ou seja, Averróis é um exemplo de um muçulmano, homem de paz, de saber e de cultura, que foi perseguido (por muçulmanos), apenas por ter essas ideias de tolerância, de desenvolvimento e de busca do saber, pelo mesmo tipo de fanático religioso que está na origem do que hoje faz os apelos ao assassinato por delito de opinião, aos atentados e as manipulações de massas que estivaram na origem do programa em que o Sr. participou.

Se ainda hoje encontramos os fanáticos é muito pertinente perguntarmo-nos, ao não encontrarmos “os Averróis”, se foram ou não os fanáticos, que ganharam a guerra, que existe desde o início, dentro do Islão, pelo seu controlo. Se um conjunto de povos ou de culturas, que em dada época foram fonte de desenvolvimento cultural e científico da Humanidade, ao preservarem e desenvolverem (!) o conjunto de saberes em que se alicerçaram as revoluções intelectuais que estão na origem do que de melhor e de mais desenvolvido hoje existe no mundo, da democracia à ciência, se estes povos e estas culturas se tornaram e são hoje em dia tão próximas do cultural e cientificamente estéreis, tão violentas e tão contrárias ao desenvolvimento individual e colectivo, onde o que se faz é feito quase sempre com o risco da própria vida de quem o faz, onde mesmo sobre esses seus grandes homens do passado se podem encontrar “comentários oficiais” sobre o valor da sua obra mas muito mais dificilmente a obra em si, é extraordinariamente pertinente perguntarmo-nos se “os Averróis”, de há muito a esta parte, não serão, internamente, impedidos de existir no Islão.

O cineasta egípcio Youssef Chahine, em 1997, em “O Destino” (uma obra de arte e não um documento histórico, concedo-lho), ao usar precisamente estes factos da vida de Averróis como uma metáfora para o que se passa hoje em dia nos mais moderados países do Islão, levanta precisamente esta questão (e durante quanto tempo mais e onde poderá levantá-la?).

Devo acrescentar que desculpabilização grosseira que fez destes povos e destas culturas, ao fazê-los objectos inocentes de perfídias externas que os ultrapassam sempre e impedem de agir como a todos os outros se exige, por ser simultaneamente um atestado de menoridade intelectual e civilizacional, deveria ser, como a Dra. Fátima Campos Ferreira lhe tentou fazer ver, a maior das ofensas. Muito maior do que quaisquer caricaturas. Concedo-lhe também que assim o não sentirão os visados, mas então também isso deve ser motivo de preocupação e reflexão. Haverá um qualquer conjunto de povos disposto a, auto-desculpabilizando-se permanentemente, agir como um qualquer adolescente borbulhoso, achando que tudo lhe pertence, a tudo tem direito, tudo lhe tiram e de nada é responsável?

Para além de os líderes religiosos muçulmanos dinamarqueses terem levado não as doze caricaturas publicadas mas quinze, de ter sido uma das não publicadas que, apresentada como tendo sido publicada, levantou mais do que todas polémica (a de Maomé com cabeça de porco a que eu nunca consegui ter acesso, precisamente por não ter sido publicada), para além de ser passados meses e quando se passa o que se passa no Irão e na Palestina, que os líderes locais fazem aparecer esta questão, para além da conivência de estados islâmicos com os distúrbios, as caricaturas em si, podem e devem ser discutidas.

Em particular gostaria de discutir duas:

-a das virgens que se acabaram no céu, alusão à crença completamente abstrusa de que por se matarem assassinando outros, seriam, aqueles rapazinhos a quem as regras da sua sociedade em geral e a prática da poligamia em particular, impede uma saudável vivência da sexualidade, recompensados com 70 virgens, cada um, no céu. Recuso-me a discutir muito a ideia de fazer os outros crerem que terão no céu aquilo que lhes negamos na Terra, se se matarem por nós, assassinando outros e dando-nos com isso poder. Sinto como demasiado abstruso sequer equacioná-lo seriamente (e no entanto nunca vi que essa ideia invocada em nome do Islão gerasse manifestações de indignação, mais do que circunstanciais comentários, no mundo islâmico).

A razão por que a quero discutir é porque eu próprio já fiz esse comentário inúmeras vezes, perante a risada geral dos conversados. Diga-me uma coisa: Também eu devia ter pensado melhor? Também eu não tinha o direito de o dizer? Também eu tinha de me calar? E os conversantes? Poder-se-iam rir ou não?

- mais significativamente gostaria de discutir a caricatura de Maomé com turbante em forma de bomba. Não diz que todos os muçulmanos são terroristas, mas acho muito difícil interpretá-la sem admitir que os há que o são e que o são em nome do Islão. Mas isso é inquestionável porque de facto, actos terroristas inqualificáveis foram cometidos por muçulmanos reivindicando fazê-lo em nome da sua fé.

Se o islamismo se advoga ser uma religião de paz, porque não suscitaram estes actos imensa indignação entre os muçulmanos? E porque não há-de haver moderados que interpretem esta caricatura não como uma ofensa gratuita a todos os muçulmanos mas como havendo outros muçulmanos que apresentam o Islão, mesmo que contradizendo-o com a sua prática, como terrorista?

Por honestidade digo-lhe já que esta caricatura não suscitou um mim interpretação tão benévola para com o islamismo, mas por que carga de água isto não é uma possibilidade admissível? Será que o islamismo é tão moralmente superior que nada do que seja feito em seu nome, pelos seus crentes, o poderá alguma vez manchar?

Mais porque é que as caricaturas provocam muito mais manifestações de indignação aos moderados do que os assassinatos em massa feitos em nome da sua fé? Será o assassinato dos outros menos relevante do que as ofensas a mim? Para os muçulmanos o mundo divide-se entre muçulmanos e não muçulmanos e a uns e a outros aplicam-se leis diferentes? Um moderado, como o imã da mesquita de Lisboa sente-se mais próximo do caricaturista ou do que apela à morte deste? Não estou a dizer que não condene o apelo à morte, estou a perguntar se, por absurdo, se visse obrigado a ter de escolher entre cometer uma daquelas que certamente considera serem duas indignidades, qual delas seria, para ele, menos grave?

Dá sempre a ideia de que o que quer que se entenda que se tenha feito a um muçulmano é sempre mais grave do que o que quer que se faça a um não muçulmano. E isso por a diferença na manifestação de indignação por parte dos moderados, aparecer como desculpabilizante para com os actos dos radicais, que matam em nome da fé que se diz comum a ambos.

Assim faz todo o sentido perguntar-se, uma vez que o Islão faz a hierarquização das pessoas face à sua crença religiosa (1º os muçulmanos, depois os crentes no Livro, dos quais primeiro vêm os cristãos e depois os judeus, depois os animistas e penso que depois os que não professam qualquer religião), se isto é ou não assim? Se é ou não “mais grave incomodar um crente do que matar um infiel”? Se mesmo repudiando os fanáticos, os moderados se sentem ou não mais próximos deles do que das suas vítimas, sejam elas quem forem, precisamente por partilharem religião muçulmana com os agressores?

É meu desejo e esperança que não, mas desejos são desejos, esperanças são esperanças e as realidades constroem-se e se se discutirem talvez se construam realidades melhores.

Estas questões podem pôr-se, devem-se pôr-se face a tudo o que tem acontecido e a caricatura faz todo o sentido ao suscitá-las. Ela é pelo menos uma interrogação e se será ou não uma afirmação, depende da resposta a questões como as acima e duma discussão que se pode fazer, precisamente com os moderados como o Sr. imã da mesquita de Lisboa e que o Sr. quis impedir. Sentir-me-ia muito mais tranquilo hoje se tivesse ouvido finalmente sem rodeios a discussão destas questões e não evitá-las, transferindo responsabilidades, desculpabilizando, como o Sr. hoje fez e como ontem fez o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, no seu exercício semanal de tirar médias para tentar agradar sempre a todos (mostrando mesmo ignorância ao afirmar que Maomé é deus para os muçulmanos!).

Como se não bastasse ainda teve de ir buscar Israel e de fazer afirmações que intelectualmente o deveriam envergonhar (que fique já esclarecido que tenho tanto sangue judeu - e muçulmano - como qualquer outro, anónimo, português).

Comparar Israel com o Irão, com um Irão que tem uma ditadura fanatizante como aquela, que tem um presidente que afirma para todo o mundo o ouvir, que quer riscar o estado de Israel do mapa, é indesculpável.

Israel é, desde logo, uma democracia, na terra milenar de um povo, um país com todo o direito a existir, onde uma parte significativa dos cidadãos é muçulmana (cidadãos, têm os mesmos direitos!), criado em 1948 por resoluções da ONU, reconhecido internacionalmente com excepção dos países vizinhos muçulmanos que o tentaram aniquilar, que sofreu já nestes 57 anos, três tentativas de destruição e de invasão.

Tem armas nucleares (originalmente fornecidas pelos franceses contra a vontade dos americanos) como parte fundamental da defesa dum povo, cercado por outros, apostados e, na prática comprometidos, em destruírem-no e que nunca as usou para iniciar qualquer agressão. Nada comparável com um estado fanático, fanatizante, suporte moral e logístico de vários movimentos terroristas, cujo presidente entende como auto-promoção a negação do holocausto e o anúncio da intenção da utilização de armas nucleares para a destruição de Israel. A comparação é completamente abstrusa.

Mas se quiser envolver a questão entre Israel e os países muçulmanos pelo menos aprofunde o assunto e não o faça duma forma que sugere o acto de quem sacrifica outro, pensando assim ficar de bem com o agressor.

Ou seja, falemos da Palestina. Simultaneamente com a criação do estado de Israel, foi pela ONU criado um estado palestiniano. Estranhamente (será?) esta solução foi recusada pelos países árabes tentando negar a existência a Israel. Quanto mais não fosse por Arafat ter, na prática, rejeitado o último acordo de paz, em que todas as suas reivindicações eram atendidas, com excepção do controlo total sobre Jerusalém (também era o que mais faltava!), mas em que ainda assim esta cidade ficava com um controlo dividido pelos dois estados, se vê que é precisamente aqui que reside o cerne da questão (Arafat ambicionava ficar conhecido na História como o conquistador de Jerusalém).

Jerusalém é a terceira cidade mais sagrada para os muçulmanos. Porquê? Meca, Medina é fácil ver que fazem todo o sentido. Mas Jerusalém? Porquê? A mais de 2000 kms de Meca…Porque a tradição muçulmana pretende que Maomé, depois de morrer e antes de ascender aos céus terá ido a Jerusalém, encontrar-se com Moisés e Cristo, para que estes lhe dissessem que a religião dele era a religião verdadeira e que eles teriam apenas preparado a sua vinda.

É com base nisto que Jerusalém é sagrada para os muçulmanos, o que é uma crença legítima como qualquer outra, desde que permaneça no domínio da fé. A partir do momento em que pretenda ser razão de legitimação de apropriação territorial do coração de outras religiões é, completamente, indefensável. Imagine-se o que seria se uma qualquer nova religião invocasse o mesmo relativamente a Meca e a Maomé.

Em face disto é ou não legítimo pensar-se que o Islão, que mais uma vez trata esta questão em bloco, vê na posse de Jerusalém, uma questão de supremacia da sua religião? E que os judeus são um alvo a eliminar por se recusarem a ceder a terra onde já há milhares de anos estavam as suas raízes?

É isto inevitável? Países mais moderados como o Egipto (onde um presidente foi por isso assassinado), ou a Jordânia, depois de lhe terem feito a guerra, assinaram a paz e estabeleceram relações com Israel, mas a questão palestiniana, em que os palestinianos já várias vezes preferiram continuar a guerra a poder construir o seu estado em paz e lado a lado com Israel, continua a ser tratada em bloco pelo mundo islâmico e apresentada como algo que os une e tantas vezes como justificação do terrorismo.

E agora? Um muçulmano, um moderado, sente-se mais próximo do presidente do Irão, que ambiciona riscar Israel do mapa, ou dos israelitas ameaçados por tarados como esse? (será aceitável que qualquer um de nós se sinta mais próximo dos nazis do que dos judeus, por ser o povo alemão maioritariamente cristão? Ou chama-se a isso xenofobia?).

E qual a posição dos moderados face a tudo isto, quando os radicais que cometeram actos terroristas como os 11 de Setembro e de Março (e muitos outros, mesmo em países muçulmanos e contra muçulmanos) apregoam nos textos que publicam que pretendem que o Islão domine o mundo? (certamente na forma de Islão que lhes convém).

Não será altura de tudo isto indignar muito mais os moderados do que as caricaturas? Gerarem muito mais protestos os actos assassinos dos que professam a mesma religião do que as opiniões dos que professam outras ou nenhumas?

O Sr., ao ir demagogicamente invocar e embrulhar Israel no triste episódio das caricaturas, ao aceitar que a suposta retaliação caricatural da liga árabe seja como foi e tendo como alvo os judeus (querem ver que a Dinamarca e os seus caricaturistas são judeus israelitas?) prestou um péssimo serviço à verdade e à seriedade e tentou mais uma vez culpabilizar Israel e os judeus pelos problemas que existem com o fundamentalismo muçulmano. Atitude tão frequente (e que nos devia envergonhar a todos) na Europa.

Considero que todo o seu discurso e atitude foi esta noite uma manipulação, uma tentativa de não discutir a realidade, uma tentativa de ocultar divergências e problemas. Divergências e problemas que se não forem assumidos, mais tarde ou mais cedo, se nos imporão e nesse caso isso significará a mais cruel, desumana, brutal e extensa guerra jamais vista.

São precisos dois para dançar o tango e para fazer amor, mas basta um para começar a guerra. Os radicais muçulmanos há muito que a fazem, primeiro aos outros muçulmanos que consideram traidores ao Islão e depois a todos os não muçulmanos. Ultimamente declararam guerra total a todos os infiéis. Nesse sentido pode passar-se muito bem sem as caricaturas, mas não sem a discussão e a reflexão que a reacção à sua publicação está a gerar.

(Vítor Paulo Vajão)

*

"A história das caricaturas dinamarquesas é extremamente simples e começa e acaba numa linha: é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há.

O que é novo e precupante são as toalhas de palavras e justificações que começam a ocultar o que devia ser absolutamente simples e onde qualquer palavra a mais é demais."

Antes de mais, a liberdade deveria ser também bom senso.

(José Von Barata)

*

Juro que adorava saber qual foi a sua reacção quando surgirem problemas parecidos com estes em Portugal.

Gostava de saber se o seu raciocínio na altura foi tão esquemático quando os católicos se insurgiram, por exemplo, contra O Evangelho segundo Jesus Cristo ou a rábula que o Herman José fez da última ceia de Jesus Cristo. Há muita gente agora indignada contra os muçulmanos que na altura tomaram partido da Igreja.

(Mário Azevedo)


*

Ainda a propósito das caricaturas de Maomé e da generalidade dos comentários que li no "Abrupto", o que me parece é que não está em causa o querermos manter e até lutar pela liberdade de expressão - conquista não definitiva, como se sabe. Ninguém de senso defenderá que ela ceda perante interesses menores. Mas não devemos ser tão arrogantes na preservação desse direito que o queiramos "impor" às massas do islão. E é isso que julgo que transparece nalgumas das observações a esse propósito. A nossa civilização (ainda tão novinha...!) não é transponível por nosso desejo para todo o mundo por muito vantajosa que se possa apresentar.


(Fernando Barros)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]