ABRUPTO

9.2.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
CONCORDÂNCIAS, DISCORDÃNCIAS E OUTRAS DÂNCIAS
(2ª série)




NOTA: Os textos dos leitores estão publicados em ordem inversa à sua recepção.

Escrevo-lhe sobre esta questão porque julgo compartilhar consigo um valor fundamental: um grande amor às liberdades individuais.

Ora, estando estas em causa, quero, desde já, manifestar o meu total apoio à posição por si manifestada no “Abrupto” acerca da questão dos “cartoons” dinamarqueses. Uma disposição que foi reforçada pela inacreditável nota enviada à Comunicação Social pelo MNE, cujo teor (do estilo “o respeitinho é muito bonito”) seria, com toda a certeza, subscrito por qualquer membro de um governo de Salazar. Algo que vem, aliás, na linha da igualmente lamentável entrevista do primeiro-ministro ao “Expresso”. Confesso que, em ambos os casos, tive vergonha de ser português.

Entrando, agora, na questão em apreço, esta merece-me as seguintes reflexões:

1 – O caso dos “cartoons” é, antes de mais, uma questão de liberdade de expressão e de crítica. Para mim, estas constituem os fundamentos de qualquer democracia, pelo que toda a limitação que lhes seja imposta por via administrativa constitui, em minha opinião, um atentado à essência de qualquer regime democrático. Logo, considero extremamente perigoso o discurso que a tenta minimizar, contrapondo-lhe e acentuando a ideia dos “limites”, da “responsabilidade”, do “bom senso” e quejandos. É que sabemos sempre como começam as restrições mas não sabemos como acabam. Assim, se, agora, elegermos o religioso como interdito (deixando de poder fazer críticas explícitas às diferentes religiões), sob o pretexto que isso ofende sentimentos profundos, então, em breve haverá novos “tabus”. Por exemplo, não se poderão caricaturar os presidentes do FC Porto, Benfica e Sporting porque ofende os sentimentos de milhares de adeptos? Ou os dirigentes sindicais de qualquer classe profissional, porque isso é ofensivo para todos os seus membros? Ou, pior ainda, o Presidente da Republica ou o primeiro-ministro, porque são símbolos nacionais?

É certo que há um limite para a nossa liberdade: a liberdade dos outros. Mas a crítica aos comportamentos, hábitos, costumes ou convicções de outrem (por muito violenta ou mordaz que seja) não constitui um atentado à sua liberdade. E, se alguém se sentir difamado ou ofendido, pode sempre recorrer à via judicial para obter uma eventual reparação. Daí que afirmar (como fez o MNE) que os “cartoons” constituem um atentado à liberdade religiosa é, no meu entender, totalmente absurdo.

A liberdade de expressão e de crítica (mesmo para os nossos inimigos) constitui a principal força moral das democracias. Aqueles que defendem a criação de interditos deveriam recordar a exemplar sentença do Supremo Tribunal dos EUA, que absolveu o pornógrafo Larry Flint de uma acusação que lhe foi movida por um grupo de cristãos fundamentalistas.

2 – Apesar de defender o diálogo de civilizações e de entender que todas as culturas têm aspectos positivos e negativos, entendo que o relativismo cultural não é absoluto (sob pena de negação do conceito). Para mim, tem como limite o respeito pela dignidade da pessoa humana em todas as dimensões, ou seja, pelas três gerações dos Direitos Humanos. Estes são valores universais, que respeitam tanto a portugueses ou ingleses como a africanos, árabes ou chineses. Ou seja, não posso admitir, em nome do respeito pelas culturas alheias, que se tolerem práticas como a mutilação genital feminina ou os chamados “crimes de honra”.

3 – Coerentemente com os princípios democráticos que defendo, reconheço aos muçulmanos o direito de se sentirem indignados com as caricaturas de Maomé. Por isso, é perfeitamente legítimo que respondam à letra com “cartoons” anti-ocidentais e que se manifestem na rua contra o que consideram uma ofensa à sua fé. Mas não posso admitir que recorram à violência contra representações diplomáticas e consulares e que ameacem de morte os “cartoonistas” dinamarqueses e os directores de órgãos de informação ocidentais que reproduziram os “cartoons”. E, muito menos, que pretendam impor, às nossas sociedades livres, abertas e laicas, as mesmas restrições que existem na maioria das sociedades islâmicas.

4 – É precisamente por viverem em sociedades não livres (onde a Comunicação Social é rigorosamente controlada pelo Estado e não existe uma verdadeira separação de poderes) que as populações muçulmanas são facilmente manipuladas por aqueles a quem interessa acirrar os ânimos. Na verdade, não entendem que a publicação das caricaturas num jornal dinamarquês não responsabiliza, em nada, o governo da Dinamarca. E que, se pretenderem alguma reparação, terão de interpor uma acção num tribunal dinamarquês, obviamente independente do executivo do país.

5 – Por outro lado, embora eu entenda que a religião e cultura muçulmanas devem ser respeitadas, há que ter em conta que só merece respeito quem respeita os outros. Ora, se há quem não respeite outros povos e culturas são os radicais islâmicos. Nos jornais árabes, são frequentes as ofensas aos judeus, tendo um deles chegado ao ponto de caricaturar Anne Frank na cama com Hitler (!...); os “taliban” destruíram os dois Budas de Bamian (Afeganistão), património da Humanidade; são frequentes, em países muçulmanos (ou onde existem fortes comunidades islâmicas), os ataques a igrejas, sinagogas, templos hindus e budistas. Isto sem falar dos atentados da Al-Qaeda (Nova York, Madrid, Londres, Istambul, Bali) ou dos ataques dos radicais tchechenos a escolas (!...), hospitais (!...) e teatros na Rússia. E que dizer da “fatwa” contra Salman Rushdie, da perseguição à escritora feminista bengali Talisna Nasreen ou do assassinato do realizador holandês Theo Van Gogh? Perante esses lamentáveis acontecimentos, não se viram nas ruas, em sinal de protesto, as turbas ululantes que se vêem hoje!

6 – Na actual crise, há a salientar as hipocrisias, oportunismos, cinismos e cobardias de diferentes actores nas sociedades ocidentais. Assim, a hipocrisia é notória da parte de alguns sectores da direita católica, que tanto se indignaram com a caricatura de António (o preservativo no nariz do Papa João Paulo II), e que se arvoram, agora, em grandes defensores da liberdade de expressão; o mesmo se pode dizer de alguma esquerda “politicamente correcta”, que, então, tanto criticou a intolerância da Igreja Católica e que, hoje, mostra compreensão pelas acções dos islamistas radicais, acusando os “catoonistas” de racismo e xenofobia. Oportunista é a reacção do Vaticano e de outras igrejas que procuram aproveitar a “boleia” para impor restrições à crítica religiosa. Cínica e hipócrita foi a primeira posição da Administração Bush, que mal disfarçou a sua satisfação por ver a UE “queimada” no mundo árabe e islâmico. Cobardia foi o que mostraram os governos europeus, alguns dos quais se apressaram a pedir desculpas por algo de que não tinham qualquer culpa!...Nesse particular, Sócrates e Freitas do Amaral pareceram “um Chamberlain e um Eden da quarta divisão”.

7 – Claro que toda esta crise está refém de um determinado contexto político, onde avultam a vitória do Hamas nas eleições palestinianas, a situação no Líbano e o dossiê nuclear iraniano. Daí o facto de os “cartoons” terem sido publicados em Setembro e só agora rebentar a crise. A primeira colocou sob pressão os regimes árabes ditatoriais e corruptos (sejam monarquias mais ou menos teocráticas, sejam ditaduras laicas e seculares). Este caso deu-lhes, em primeiro lugar, o pretexto para se aproximarem das massas populares e tentar retirar espaço aos seus opositores islamistas. Em segundo lugar, constitui uma advertência ao Ocidente, que, para evitar a subida dos islamistas ao poder em futuras eleições democráticas (algo que apareceria cada vez como mais indesejável), estaria condenado a manter os actuais regimes. Alguém acredita que, na Síria, um dos Estados mais autocráticos da região, a polícia não consiga controlar uma manifestação? Aqui, existiu, claramente, uma tentativa do regime sírio de aproveitar a situação para recuperar a influência perdida no Líbano. No caso do Irão, será uma forma de a ala radical do poder teocrático (liderada pelo presidente Ahmadinedjad) mobilizar a população, ao associar as pressões ocidentais contra o nuclear a uma campanha anti-islâmica do Ocidente.

8 – Independentemente dos contextos, há algo que reputo de essencial: a liberdade de expressão é um valor essencial da democracia. Como tal, não é negociável, muito menos sob pressão dos seus piores inimigos. É chegada a altura de dizer “Basta!”. Temos de abandonar o “politicamente correcto” e deixarmos de fingir que não existe um problema entre nós e o mundo islâmico. Ele existe e vamos ter de encará-lo de frente. Com espírito de diálogo e sempre com intuitos pacifistas, mas sem medos e sem cedências em pontos essenciais. Face às tibiezas dos governantes, parece ser altura de as suas sociedades civis dos países europeus mostrarem, por todos os meios democráticos e pacíficos ao seu alcance, que as ameaças não nos intimidam e que estamos dispostos a defender as nossas liberdades.

(Jorge Martins)

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O seu argumento foi o de que eram os países mais contrários à guerra no Iraque que mais “mas” punham a propósito das caricaturas de Maomé. Não me parece que seja verdade. Foi Straw e a administração americana quem mais disseram que eram contra a publicação das caricaturas. De onde poderei retirar que eles foram contra a guerra do Iraque? Permita-me esta correcção, porque não me parece completamente tonto lembrá-lo.

A verdade é que Straw também disse que a Turquia é um grande país europeu. Donde posso concluir que neste jogo de espelhos é natural que num mundo governado por palhinhas e arbustos sejam naturais estes tipos de confusões.

Como vejo que no seu blog tem uma visita a esse maravilhoso país asiático que ministros analfabetos se lembraram de qualificar de europeu percebo que um ou outro sofisma escapa insindicado na comunicação social.

Perdoe-me mais uma vez este incómodo, mas parece-me o que falta no espaço público não é saber de cálculo tensorial nem do Theravada, mas uma elementar instrução primária. Um jornalista mais avisado de lógica ter-lhe-ia chamado a atenção para o paralogismo.

(Alexandre de Castro Brandão de Melo e Veiga)

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A avaliação, à luz dos acontecimentos recentes, de uma eventual compatibilidade entre islão e liberdade de expressão, que conduz, aliás, à análise daquilo que o liga às raízes do terrorismo, desenrola-se, normalmente, com grande desconhecimento das fontes canónicas, das fontes fundamentais estruturantes do islão. Deve-se isto, frequentemente, quer a omissões deliberadas por parte dos clérigos muçulmanos perante os não crentes quer a pura e simples ignorância dos não muçulmanos. Ora, para se abordar um assunto como este com um mínimo de critério, é necessário algum conhecimento dessas fontes: corão, sira (biografias de Maomé), hadith ou sunna (relatos pormenorizados, coligidos por muçulmanos pios, com base em, pelo menos, três testemunhos da vida e ditos do respectivo profeta).

Para quem se der a esse trabalho, nomeadamente através da consulta de bases de dados islâmicas (por exemplo), é rápida a conclusão de que Maomé foi muito pródigo em ordens de assassinato de todos aqueles que se lhe opuseram.

O primeiro assassinato por ordem de Maomé, de que encontramos descrição nas fontes islâmicas, foi o de uma mulher, viúva, de nome Asma, que compôs versos satirizando o autoproclamado profeta. Uma situação em muito semelhante àquela com que actualmente nos deparamos. Maomé desafiou os seus seguidores a assassinarem a mulher que o afrontou no terreno da ironia. Quem respondeu ao desafio foi um discípulo cego chamado Umair. O devoto apunhalou-a enquanto esta dormia amamentando o seu bebé. Segundo os relatos, ao ouvir isto, Maomé exclamou: «Vede um homem que assistiu o Senhor e o seu profeta. Chamai-lhe não cego, mas antes Umair “o vidente”.

De muitos mais assassinatos às ordens de Maomé se encontra descrição nos hadith.

Alguns exemplos, em tradução directa a partir da colectânea de Al Bukhari, tal como constam da referida base de dados islâmica:

Volume 4, Livro 52, Número 259:

Narrado por Abu Huraira:

O Apóstolo de Alá enviou-nos numa missão (i.e. missão armada) e disse: “se encontrardes fulano e sicrano, queimai-os a ambos com fogo”. Quando estávamos prestes a partir, o Apóstolo de Alá disse: “ordenei-vos que queimásseis fulano e sicrano, e ninguém senão Alá pune com o fogo, portanto, se os encontrardes, matai-os”.


Volume 4, Livro 52, Número 265:

Narrado por Al-Bara bin Azib:

O Apóstolo de Alá enviou um grupo dos de Ansar a Abu Rafi. Abdullah bin Atik penetrou na sua casa durante a noite e matou-o enquanto ele dormia”

Volume 4, Livro 52, Número 270:

Narrado por Jabir bin 'Abdullah:

O Profeta disse: “Quem está disposto a matar Ka'b bin Al-Ashraf, que ofendeu deveras Alá e o seu Profeta?” Muhammad bin Maslama disse: “Ó Apóstolo de Alá! Queres que eu o mate?” Ele respondeu afirmativamente. Assim, Muhammad bin Maslama dirigiu-se a ele (i.e. Ka'b) e disse: “Esta pessoa (i.e. o Profeta) encarregou-nos de pedir por caridade”. Ka'b replicou: “Por Alá, cansar-vos-eis dele”. Muhammad disse-lhe: “Temo-lo seguido, portanto desagrada-nos abandoná-lo antes de assistirmos ao fim da sua missão”. Muhammad bin Maslama continuou a conversar com ele desta forma até que encontrou oportunidade para o matar.

Volume 8, Livro 82, Número 795:

Narrado por Anas:

O Profeta cortou as mãos e os pés dos homens da tribo dos ‘Uraina e não cauterizou (os seus membros a esvair-se em sangue) até que por fim eles morreram.

Estes hadith de Al Bukhari são fontes incontornáveis e incontestáveis do islão. Nenhum muçulmano pio pode ou deve ignorá-las. Não nos esqueçamos que, no islão, Maomé é considerado como o máximo exemplo de vida, o homem mais perfeito que jamais caminhou ou caminhará sobre a terra.

Atente-se também no que diz o corão. Por exemplo:

Sura 9, versículo :5 :"Mas quando passarem os meses de interdição, então combatei e matai pela espada todos aqueles que associam outros deuses a Alá onde quer que os encontreis; cercai-os, assaltai-os pela força, esperai-os com toda a espécie de emboscadas...”.

De igual modo, a sura 47, versículo 4: “Quando encontrardes os infiéis, cortai-lhes a cabeça, até fazerdes grande matança entre eles”.

A sura 9, versículo 29, afirma: “fazei a guerra contra aqueles que tomaram conhecimento das escrituras e não acreditaram em Alá, ou no dia do juízo, e que não proíbem o que Alá e o seu apóstolo proibiram... até que paguem tributo”.

A sura 5, versículo 33, ordena: “a recompensa daqueles que combatem Alá e o seu Mensageiro, e espalham a desordem sobre a terra, é apenas a de que devem ser mortos, ou crucificados, ou terem as suas mãos e pés amputados em lados opostos...


Na sura 48, versículos 16-17, lê-se que todos os que morrem “a combater na guerra do Senhor (Jihad)” são ricamente recompensados, mas aqueles que batem em retirada são dolorosamente castigados.

A matança, por decapitação, dos cerca de 600-700 homens da tribo judia dos Banu Kuraiza de Medina, que se haviam rendido às tropas de Maomé, oferece um dos primeiros testemunhos da prática destas suras e preceitos corânicos. Repare-se que, segundo os relatos, a matança durou todo o dia, do raiar ao pôr do sol, e Maomé assistiu e orientou, imperturbável, as operações que se desenrolaram na praça principal da cidade. Até ficar com sangue pelos artelhos, segundo o ufano cronista. Deu, depois, ordens que as mulheres e crianças dessa tribo fossem reduzidas ao concubinato e à escravatura.

Quanto ao tratamento a dar às mulheres não muçulmanas cativas, atente-se neste hadith, também de Al Bukhari:

Capítulo 22, Livro 8, Número 3371:

Abu Sirma disse a Abu Sa'id al Khadri (que Alá se agrade dele): “Ó Abu Sa'id, ouviste o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) referir-se ao al-'azl [coito interrompido]? Disse ele: “Sim” e acrescentou: “Fomos em expedição com o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) contra os de Bi'l-Mustaliq e capturámos algumas mulheres árabes esplêndidas, e desejávamo-las, pois sofríamos da ausência das nossas mulheres (mas ao mesmo tempo) também desejávamos obter resgate por elas. Por isso, decidimos ter relações sexuais com elas observando o 'azl (retirando o órgão sexual masculino antes da emissão de sémen para evitar a concepção). Mas dissemos uns aos outros: “estamos a praticar um acto enquanto o Mensageiro de Alá se encontra entre nós, porque não perguntar-lhe?” Interrogámos, portanto, o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele), que disse: “não tem importância alguma que o façais dessa forma ou da outra, pois todas as almas que tiverem de nascer daqui até ao Dia da Ressurreição hão de nascer”.

Ou no Capítulo 22, Livro 8, Número 3373:

Abu Sa'id al-Khudri (que Alá se agrade dele) relatou: “Fizemos cativas algumas mulheres e queríamos praticar o 'azl com elas. Perguntámos então ao Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) o que fazer, e ele disse-nos: “Na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, mas a alma que tiver de nascer daqui até ao Dia do Julgamento há de nascer.

Como se vê, para Maomé, a violação de cativas pelos muçulmanos é livre e nada importa que seja feita com coitus interruptus ou de outra forma.

Tudo isto demonstra a fortíssima ligação, desde a origem, entre islão e terrorismo.

A questão, para os muçulmanos, não é a da opção entre fundamentalistas e moderados, que é em larga medida uma ficção ocidental, mas saber se o islão é capaz de pensar criticamente estas suas fontes e de as rejeitar. Só isto permitirá que o islão aceda a uma civilização de respeito pelos direitos humanos, de respeito pela dignidade do homem, caso contrário será sempre uma poderosa força para degradação humana.

Eis aquilo a que os muçulmanos devem dar resposta: «Aceita ou não aceita estas passagens, partes indesmentivelmente integrantes do Islão mas merecedoras de severo exame e crítica? Rejeita-as no seu conteúdo? Não rejeita? Condena ou não condena os referidos actos de Maomé?»

Só a resposta a estas questões permitirá aferir do grau de moderação de um muçulmano e do seu respeito pela restante humanidade.

Talvez que o primeiro assunto a tratar por um muçulmano, a propósito do islão, que traduzido literalmente significa “submissão” e não “paz”, como nos querem fazer crer, seja o de dar resposta à questão do quantum de submissão compatível com a humanidade do homem.

Sinto-me com todo o direito a criticar, violentamente se necessário, com ironia e sarcasmo se me apetecer, todos estes e quaisquer outros aspectos do islão e da vida do seu profeta, Mafamede. Um cartoon é apenas uma forma condensada de crítica. Assistem-lhe os mesmos direitos que ao discurso verbalizado. Como tal, não vejo como se possa cercear legalmente, seja de que forma for, o exercício do direito a caricaturar, quando este exercício não contém em si nenhuma violência que não seja o furor da indignação da consciência. Não tem validade alguma o argumento de que isso pode ferir susceptibilidades. Essa é a própria essência da liberdade de expressão.

É extremamente infeliz, vergonhoso, que pessoas com responsabilidades representativas do Estado português, um Estado que se quer democrático, civilizado e respeitador dos direitos humanos, como é o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, não o consigam entender.

Por este andar, quais os livros a lançar ao fogo? Quais as páginas da literatura a apagar? As do humor virulento dos dadaístas? As da ironia surrealista? Cesariny? O’Neill?... Ou talvez Camões?... Gil Vicente?...

Pode-se compreender que quem viveu e conviveu, tranquila e refasteladamente, com o regime de Oliveira Baltazar tenha pouco apreço pelas liberdades próprias de um Estado democrático respeitador da dignidade humana, que junte, até, a sua voz ao coro ululante de protestos dos filo-fascistas contra a liberdade de expressão. Não custa perceber que aos nostálgicos de totalitarismos para-estalinistas, caso de alguns representantes de partidos comunistas e de mais alguns, cause engulho a livre expressão de ideias e de ideais.

Mas tais fenómenos são de molde a repugnar profundamente toda e qualquer pessoa que preze a liberdade, alicerce da dignidade do homem.

Porque é muito triste assistir à capitulação da civilização perante a barbárie.

(Manuel Barros)

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A sua, como a de todas as que têm aparecido na televisão, concepção de liberdade parece-me pouco profunda. não é por acaso que se tem utilizado «liberdade de expressão» em vez de «liberdade». Aqui ocorre o mesmo que entre a «justiça social» e a justiça»: inconscientemente altera-se-lhes o termo por motivos que agora não importa aprofundar...

O que tenho para lhe dizer é o seguinte: a liberdade é essencialmente uma conquista do sujeito e adquire-se pelo saber. Se eu souber, por exemplo, o que é uma alimentação saudável, melhoro as possibilidades de evitar a servidão da doença. A ignorância é, portanto, o maior inimigo da liberdade e o saber o seu maior amigo.

Pôr a «liberdade de expressão» como algo de fundamental e sagrado parece-me algo de pessoas que não são livres...

Se lhe interessar, pode aprofundar o assunto no prefácio da tradução portuguesa do "Ensaio sobre a Liberdade" de Stuart Mill.

(Luis Barata)

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"Os sentimentos religiosos devem ser respeitados e a liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de provocação, contudo há que respeitar os outros se queremos ser respeitados. Foram muito poucos os dirigentes ou religiosos muçulmanos que condenaram a destruição das estátuas centenárias de Buda, no Afeganistão, em 2001 (pelos fanáticos Talibã) e em termos de provocação religiosa a história das caricaturas é incomparavelmente menos grave do que a destruição de monumentos seculares. Também não me recordo de nenhum comunicado do MNE Português condenando essa destruição, mas deve ser falha minha."

(P.Bandeira)

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Tal como a generalidade dos os ocidentais, também a mim me parecem exageradas e absurdas as imagens dos protestos muçulmanos por causa daquilo que é para nós um simples cartoon.

Mas pensando melhor, nós nunca nos conseguimos posicionar completamente dentro do ponto de vista dum muçulmano para saber o quanto a sua sensibilidade pode ficar ferida por causa duma brincadeira deste género.

Quando oiço falar da tradição de liberdade de expressão no mundo Ocidental, penso que neste momento ninguém se está a lembrar do que pode provocar a muitas consciências ocidentais, por exemplo, uma brincadeira deste tipo mas alusiva ao tema do nazismo. Sabemos que na Alemanha, e noutros países europeus, são proibidas certas manifestações neo-nazis. E também me lembro do escândalo provocado por um símbolo nazi que o príncipe Harry da Inglaterra exibiu inconscientemente, há uns meses atrás, numa festa de estudantes. Ora, o mesmo tipo de ofensa podem sentir os muçulmanos por esta provocação a um "simples" símbolo religioso e isso nunca será completamente compreendido por uma mente ocidental.

Mas acredito que o que está em causa no exagero destas manifestações, só se pode explicar por duas coisas: pela manipulação que alguns grupos radicais estão a levar a cabo, aproveitando-se da situação, mas também seria interessante fazer uma análise que as relacionasse com o mesmo tipo de fenómeno de revolta que aconteceu recentemente por toda a França, desta vez está à escala mundial. Os motivos de fundo podem ser o choque, cada vez maior, entre interesses ocidentais e as comunidades islâmicas, mas que pouco têm que ver com motivos religiosos.

(Sergio Pinto)

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Neste outro continente onde me encontro, o debate é de outra natureza. Já em Guerra, o presidente (encontro-me nos Estados Unidos) apela ao diálogo e ao respeito. Não se publicam os cartoons na imprensa escrita porque se assume que há acesso automatico a internet. No país da primazia da liberdade de expressão, a imprensa escrita teme por demais as represálias. Assume-se que a liberdade de expressão é para opiniões extremas e para ocasiões de ódio.
A moderacao e a auto censura imperam nos media, mais por medo de represalias economicas do que por outro qualquer motivo. Os americanos acham europeus um povo estranho, que geralmente “do not put their money where their mouths are”. Parece ser verdade se esquecermos as licões de historia. Mas eu sou dum tempo que leu sobre as batalhas de Dom Afonso Henriques, das campanhas das Cruzadas , do Império Ottomano, das conquistas de Alexandre o Grande. Na continuidade da história se encontra o ponto fulcral para o qual nos dirigimos. Nao esqueçamos o passado para prever o futuro. Os dias límpidos, de optimismo e de crescente euforia passaram. A encruzilhada da Guerra estará no horizonte?

PS mais uma vez, obrigada pelas diversas visoes que apresenta...conto cada vez mais com a riqueza que e uma visao, secular intelectual , europeia e tao diferente do que neste momento reina na net e media...medo ou arrogancia...

(Manuela Silva)

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O debate sobre os cartoons dinamarqueses está um verdadeiro turbilhão, cada vez mais impenetrável. No Abrupto e outros locais, falta alguma sistematização das inúmeras intervenções.
Posso estar enganado, mas parece-me que ninguém analisou o contexto em que os desenhos foram publicados lá no jornal da Dinamarca. Segundo entendi do que disse Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, a publicação foi um acto deliberado e ostensivo de provocação aos muçulmanos locais, foi uma expressão de um movimento dinamarquês racista e xenófobo a que o jornal dará habitualmente cobertura.
Ora, a lei da Dinamarca dá aos muçulmanos locais o direito de accionarem um processo judicial contra o jornal que os ofendeu. Então, porque é que eles não usaram esse direito?
Será que na Europa estamos a fazer, junto das comunidades não europeias que vivem connosco, a necessária pedagogia acerca dos direitos que lhes assistem?
E será que as organizações que representam essas comunidades estão verdadeiramente motivadas para accionar esses direitos dos seus representados? Ou será que,na verdade, representam outros interesses mais obscuros? Ou que têm objectivos menos confessáveis?

Por outras palavras: o aumento do racismo e da xenofobia organizados, o crescendo do ódio de parte a parte, em plena Europa da liberdade e da tolerância, no seio da civilização mais evoluída do Mundo - estas questões é que, digo eu, deviam ser o primeiro motivo da nossa preocupação e o centro do debate.
Mas parece que não é isso que se está a debater – parece que se está a fugir a essas questões. Discute-se o que se passa nos países islâmicos, não se discute o que se passa debaixo dos nossos narizes.

(Joaquim Jordão)

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Há alguns anos, enquanto fazia um interrail com mais dois amigos, visitei o Museu de Arte Moderna em Helsínquia. A minha capacidade de avaliar a arte contemporânea é muito limitada, pelo que apenas posso seguir o meu instinto. Uma das obras que figurava era um quadro onde figurava Jesus Cristo a ser sodomizado pelo Rato Mickey. Isso mesmo. Eu não conseguia deixar de achar piada àquilo, embora deva confessar que me deixava também desconfortável e que era de um certo mau gosto. Mas a provocação tinha piada.
Os meus dois amigos que estavam comigo (e que tinham andado comigo durante vários anos num colégio católico) achavam o quadro uma vergonha, uma coisa sem nenhum sentido artístico, uma simples provocação reles e gratuita que não nos elevava em nada.
Na altura ri-me. Mas ao comparar a sua reacção com os dias de hoje não posso deixar de sentir uma certa nostalgia por um tempo em que a vida espiritual era entendida, quase unanimemente como algo de individual e pessoal, e as discussões que envolvessem a sua exteriorização se podiam resumir a uma questão de gosto artístico. Era quanto muito a vida espiritual que estava em causa, nunca a política, como é hoje.

O episódio dos “cartoons” é a melhor demonstração do carácter profundamente político desta guerra, tal como a guerra fria não se resumiu apenas a uma simples questão geopolítica de interesses divergentes, como uma certa esquerda pretende apresentar agora a segunda metade do século XX.
Nesse tempo também foi difícil saber onde estava a “verdade”. Mas para aqueles que hoje não se sentem seguros para assumir o que é a “verdade”, resta-nos a consolação de que embora não possamos saber o que é verdade com toda a certeza, podemos saber o que é mentira.
Determinar e provar constantemente o que é uma e outra é o desafio político do início deste século, e um estímulo para quem gosta de Política. Mas não deixa de ser “difícil viver em tempos interessantes”.

(João Lopes)

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Também cá dentro da nossa Europa existem bolsas de obscurantismo. A Grécia continua a ser um estado não laico, regime que o governo de direita ( ND) tende a perpetuar. Refiro-me às acusações de blasfémia que poderiam ter dado pena de prisão a um cartoonista austríaco por ter feito humor com a figura de Jesus Cristo.

O autor foi ilibado mas a acusação existiu num estado da UE.

(João Lencart e Silva)

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Começo por dizer que estou profundamente chocado pela forma como alguns dos leitores do Abrupto aconselham a que a liberdade de expressão tenha limites impostos "por alguém"...
Mais me espanto quando as "forças de esquerda" defendem de uma maneira assustadora de que os cartoons da polémica não deviam ser publicados.
Como Pacheco Pereira disse, liberdade de expressão, ou se tem ou não se tem, não podem existir zonas cinzentas, nem qualquer expressão "sim, mas...".
Uma questão continua a martelar na minha cabeça, durante meses ouvimos PS e PCP defenderem que era preciso lutar contra o "bicho-papão" da direita, e depois quando todos esperávamos uma reacção condizente ao caso das caricaturas de Maomé, o MNE de um governo socialista, vem dizer que os cartoons não deviam ser publicados, no que foi secundado por dirigentes do PCP...

(César Silva)

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Concordo com este seu texto, mas não posso deixar de o corrigir, pois o JP vende 150.00 cópias num país de 5.000.000 de pessoas.

Tem havido muita desinformação em relação ao jornal. Trata-se de um jornal com um a orientação de centro-direita, mas nunca extremista ou xenófobo como alguns comentadores têm dito.

(Bruno Ricardo Pais)

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Sobre o comentário do leitor C. Medina Ribeiro:

O caso do Ministro Carlos Borrego e da triste piada sobre os diabéticos mortos por ingestão de alumínio é um belo exemplo daquilo que se discute. O Ministro não podia ter agido pior, ao contar essa anedota. Não por achar que a liberdade de expressão tenha determinados limites, mas sim porque, no humor, há sempre que ter em conta o contexto em que se produz qualquer tipo de material pretensamente engraçado. Da mesma forma que é de extremo mau gosto contar uma anedota sobre a morte num funeral, ou sobre nazis e judeus a familiares de vítimas do Holocausto, também o Ministro deveria ter estado calado. A isto chama-se bom senso. Isso nada tem a ver com liberdade de expressão. O Ministro foi demitido por motivos políticos (era insustentável a sua manutenção no cargo depois desse caso), e não por ter violado qualquer lei.

Ou seja: o humor tem que ser, necessariamente, enquadrado, por uma questão de sensibilidade e respeito para com aqueles que, verdadeiramente, se possam sentir magoados pelo seu teor. No entanto, não é nada disso aquilo que se passa neste caso das caricaturas de Maomé. A não ser que seja o próprio profeta a interpôr um processo contra os jornais que publicaram o cartoon e contra o cartoonista, mais ninguém se pode sentir ofendido.

É por isso também que discordo da nota nº 1, do leitor Medina Ribeiro. O artigo do Código Penal que referiu nunca se poderia aplicar ao caso em questão. As caricaturas não ofendem qualquer pessoa nem dela escarnecem em função da sua crença. Aquilo que acontece, infelizmente, é que temos um sem número de pessoas, largamente manipuladas (quantos daqueles que atacam as embaixadas viram, verdadeiramente, o cartoon?), e que se identificam com as práticas terroristas. Ora, esses, são exactamente aqueles que menos ofendidos podem estar com o cartoon. A insinuação pode, quando muito, indignar aqueles muçulmanos que repudiem o terrorismo e que não aceitem as inúmeras insinuações de ligação do islamismo ao terror, mas nunca aqueles que se mandam embombados contra as paredes de edifícios públicos. Esses devem, isso sim, sentir-se justamente representados pelo cartoon, e na figura de um inexistente Maomé bombista.

Aquilo que envergonha o islamismo e os maometanos, como referia recentemente uma edição jordana, são as notícias de palestinianos a explodir com autocarros, em Israel e na Palestina.

Todos temos o direito à indignação, por tudo aquilo que, na imprensa ou na rua, nos ofenda, e que consideremos despropositadamente agressivo. É essa a contrapartida válida da liberdade de imprensa, de expressão e de opinião. Se alguém tem o direito de defender ideias que nos ofendam, também nós temos o direito de, nos mesmos moldes, as repudiar. O único limite à liberdade de expressão é a difamação, e aí existem os tribunais para a julgar.

É triste vermos que o continente onde estas conquistas custaram tanto sofrimento - e o país onde estas conquistas são tão recentes - a vergar-se rapidamente ao medo do fundamentalismo, e a pôr descaradamente na gaveta tudo aquilo que torna a vida na Europa em algo minimamente vivível.

(Artur Vieira)

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Toda esta questão relativa aos cartoons dinamarqueses deu-me uma enorme vontade de reler "O Nome da Rosa". Se bem se lembra, nessa obra notável de Umberto Eco disserta-se, entre outros temas, sobre os nefastos efeitos da comédia e do riso, supostamente contrários aos desejos e ensinamentos de Deus. A personagem do "venerável Jorge" recorre mesmo a vários assassinatos para evitar a disseminação de textos e iluminuras de cariz satírico e cómico que não seriam do agrado da sua ortodoxa doutrina cristã.

Estava-se, então, na Idade Média e no tempo dos hereges quando muitos corpos humanos alimentavam fogueiras em nome da fé cristã. Felizmente, nestas terras europeias, tais tempos desapareceram e existe, hoje, uma cultura de tolerância e liberdade que em muito veio beneficiar a vida e a consciência dos homens. Infelizmente, passados oito séculos, ainda existem pessoas de outras terras e culturas que ainda pensam que a censura, a ignorância e o medo são o melhor para as pessoas que para elas olham com veneração e respeito.

(Uma pequena interrogação: Não será precisamente para manterem esse poder e estatuto, baseado apenas na fé, que certos líderes religiosos guardam para si toda a informação, verdade e interpretação teológica e condenam quaisquer manifestações de dúvida ou de evolução doutrinária?)

Os líderes católicos também foram responsáveis pelo atraso intelectual dos fiéis, mas isto passou-se há mais de sete séculos. Por alguns senhores fundamentalistas ainda quererem viver e manter os seus povos na Idade Média, teremos também nós, ocidentais, que retroceder no tempo e abandonar princípios que se tornaram, para nós, invioláveis e que tanto custaram a conquistar?

Se esses fundamentalistas preferem viver sem liberdade de pensamento e expressão, sem margem para críticas e sob o jugo de uma lei religiosa arcaica e draconiana que tudo vê e controla com os olhos da fé islâmica, muito bem. Agora, não nos venham obrigar a partilhar essa mesma visão do Mundo. Meus caros amigos: Já passamos por lá! Não gostámos e felizmente evoluímos! A Liberdade é um bem do qual não estamos dispostos a abdicar ou a fazer concessões, por muito que vos incomode!

P. S.: Acabei de ler o comunicado do ministro dos Negócios Estrangeiros e como deve de adivinhar discordo frontalmente. Se alguma posição oficial deveria de ter sido tomada seria exacatamente a contrária. Qualquer coisa como: "Lamentamos muito que ficassem ofendidos mas, devido a uma coisa chamada liberdade de expressão, nenhum Estado é responsável ou controla as opiniões emitidas pelos seus cidadão. Por esta razão, lamentamos, ainda, as coléricas manifestações e os violentos ataques despropositados e gratuitos a embaixadas de países europeus cujo único crime é o de não possuírem censura. Se desejarem, enviaremos os necessários diplomas legais para que possam protestar e contestar no local e modo adequados: um processo judicial no tribunal!"

(Tiago Rodrigues Alves)

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As caricaturas publicadas de Maomé levantam, além das diversas questões já vistas no seu blog, pelo menos uma outra que julgo merecer alguma reflexão. Antes de a referir devo esclarecer que simpatizo com muito do que tem sido dito acerca da intolerância dos muçulmanos e até de alguns aspectos da religião islâmica.

Mas quero falar da liberdade de imprensa. Contrariamente ao que muitos afirmam, não tem um valor absoluto. E aí estão as leis que regulam essa liberdade em todos os países democráticos. Em geral, e isto decorre do exercício mais geral da liberdade cívica, não é possível, e os prevaricadores susceptíveis de serem penalisados, insultar outrem. Os exemplos de indivíduos que se sentem insultados pela imprensa portuguesa são inúmeros, e com frequência os tribunais aplicam multas aos jornalistas e directores de jornais por esses factos.

Se um indivíduo não pode ser insultado, é um facto, eu pelo menos não conheço, que se pode insultar um grupo de pessoas sem qualquer perigo de o jornalista ser penalisado. Foi exactamente isto que aconteceu agora. Com ou sem razão, é indiferente para o argumento, os muçulmanos sentiram-se ofendidos e reagiram em consequência. Não sou ingénuo quanto a essas formas de indignação. O que quer apenas afirmar, ou melhor questionar, é saber porque razão não se pode insultar um indivíduo, mas se pode insultar um grupo de pessoas?

De resto veja-se que a imprensa em geral é muito cuidadosa com certos grupos, que procura não ofender, p.e. os homossexuais, o que aliás me parece bem. Haverá alguém que afirme existir alguma espécie de autocensura? Penso que não. Mas é um facto que este grupo em especial não é vilipendiado, como não são outros grupos ( professores, juízes, estudantes, funcionários públicos, militares, empresários, etc). E no entanto as notícias dos últimos dias poderiam ser uma fonte inesgotável de caricaturas. Se não existem é porque provavelmente há um certo consenso social em relação a estes grupos que restringe efectivamente o uso da tal liberdade de imprensa.

Neste contexto os muçulmanos parecem não beneficiar deste privilégio. Eu penso que seria preferível que o fossem.

(Calado Lopes)

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As respostas publicadas nos seu blog têm sido interessantes a vários níveis. Noto contudo que mesmo os comentários mais sóbrios insistem demasiado nos aspectos do confronto do nós contra o eles. Os desenhos estão a ser atacados pelo mundo fora não por serem racistas mas sim por serem blasfemos. Não há nós nem eles, apenas liberdade ou falta dela.

O impacto na cultura desta submissão dos governos é um dos pontos que me toca mais, quem se atreveria hoje em dia a representar "Le fanatisme, ou Mahomet le prophète" de Voltaire?

Eu não quero ter que ler o Inferno de Dante, ou o Paraíso perdido de Milton, ou ver os quadros de Bacon, às escondidas, só porque são blasfemos. Basta ver os problemas que a ciência enfrenta no outro lado do oceano com o fundamentalismo religioso (o mais recente é a celeuma do Big-Bang na própria NASA).

(Jorge Filipe)


(Continua)

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