ABRUPTO

7.2.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
CONCORDÂNCIAS, DISCORDÃNCIAS E OUTRAS DÂNCIAS
(Actualizado)



NOTA: alguma correspondência enviada de fora de Portugal não tem acentos. Corrigi um ou outro caso, mas continua a haver missivas não acentuadas.

Ontem no prós e contras a meu ver foram ditas por verdades tamanhas mentiras.
Vamos aos argumentos.
Quando se afirma que a liberdade de expressão está acima de qualquer (direito de) indignação pelo o que é publicado, estamos a inverter o sentido da liberdade.
Quando se afirma que a liberdade de expressão custou muito sangue, estamos afirmar que a partir desta conquista tudo é viável...
O meu problema e, o nosso problema é limitar a liberdade. Ao dizermos que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é dizer que nas nossas sociedades ocidentais a liberdade conquistou-se à custa da afirmação do ego e do alter e, acima de tudo, pelo respeito do outro.
Porque se afirmamos que podemos usar a liberdade, mesmo que isso provoque sofrimento ao outro (falta de respeito pelas suas convicções) em nome do valor da liberdade então, no limite, a indignação dos árabes para com as embaixadas ocidentais, pode ser uma expressão da sua liberdade.
Isto para dizer que todo valor terreno (liberdade) tem limites. Estes estão quando o projecto que cada um faz ou uma sociedade em direcção ao bem
(liberdade) provoca sofrimento no outro.
Assim, não compreendo como poderei ser livre se o queme possibilita ser livre atenta contra o alter.

(José Carlos Lima)

*

Uma coisa é a defesa do multiculturalismo e a especificidade de cada cultura/religião. Outra é a aceitação de fundamentalismos. E multiculturalismo, neste caso, não é apenas a aceitação de valores culturais muçulmanos por parte dos ocidentais, como muitas vezes se coloca a questão para não ferir susceptibilidades e para dar o ar de que somos tolerantes. E há que meter na cabeça que a religião muçulmana - ou os estados religiosos muçulmanos - não se pode sobrepôr a uma garantia que já existe há algum tempo no mundo ocidental, independentemente do que é dito sobre essa mesma religião. No entanto, o direito a defenderem-se e mostrar o seu desagrado também existe e está consagrado institucionalmente, e se o quiserem fazer, podem-no fazer. Mas não é isso que está a acontecer.

E se há coisa que por vezes muita gente não quer perceber é que existe liberdade de expressão, ponto. E aqui não pode haver cedências, independentemente de que se ache de mau gosto os cartoons. Pessoalmente, acho que alguns desses cartoons são de uma falta de senso e perfeitamente ridículos. E sou da opinião que da primeira vez que foram editados no jornal dinamarquês, houve um propósito político bem claro.
Contudo, independentemente de gostar ou não, de estar de acordo ou não, o que não posso criticar é um aspecto fundamental, que é o direito de publicarem aquilo que quiserem. Lembro-me da famosa frase de Voltaire: "Senhor, sou contra tudo o que vossa senhoria disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dize-la"

Finalmente, pode-se discutir a forma de resolver este problema. Se por um lado temos a resolução através do apelo ao bom senso e a diplomacia como forma de apaziguar a fúria fundamentalista, por outro - e se estivermos dispostos a pagar um possível preço (ocorre-me de momento um aumento do petróleo e um ou outro atentado terrorista) - a solução passa pela publicação maciça dos cartoons em todos os jornais ocidentais durante um certo tempo, como forma de protesto e mostrar que a liberdade de expressão existe. Será uma provocação, sem dúvida. Mas ambas as vias são possíveis e aceitáveis.

(Tiago André Pereira)

*


O tema já é velho mas, numa sociedade globalizada como é a nossa actualmente, o problema desencadeado pelas caricaturas de Maomé (que incendiaram o mundo islâmico - qualquer coisa como 1300 milhões de pessoas!) faz-nos recordar que há certos temas que devem ser objecto de cuidados acrescidos, especialmente quando se pretende usá-los para fazer humor.

Aliás, foi precisamente essa a opinião manifestada há dias por Raúl Solnado na TSF quando, juntamente com António Feio e Ricardo Araújo Pereira respondeu à questão que Carlos Pinto Coelho colocou: «Pode fazer-se humor com tudo?».
Enquanto os dois mais jovens defenderam que sim, Solnado foi prudente e socorreu-se de um exemplo que - mal ele sabia! - pouco depois viria a revelar-se perfeitamente apropriado: «Com a religião é preciso cuidado...» - pois é algo que mexe com o «sagrado», terreno altamente melindroso em que o nosso direito de fazer humor pode facilmente esbarrar com o direito que os crentes têm de não ser agredidos nos seus sentimentos mais profundos.
Tudo dependerá, também, da assistência, pois uma graçola que, contada à mesa do café, faz rir três pessoas, pode, se publicada num órgão de informação de grande audiência, revelar-se explosiva.

Há uns anos, e devido ao excesso de alumínio na água, vários diabéticos morreram num centro de hemodiálise em Évora, facto esse que inspirou Carlos Borrego, à altura ministro do Ambiente, a contar em público uma anedota segundo a qual se podia obter alumínio reciclando os mortos.
Foi demitido, mas é bem possível que tenha pensado (como agora oiço dizer em relação ao caso que está a dividir o mundo) que apenas estava a exercer o seu sagrado direito de liberdade de expressão de pensamento. Imagino que tenha sido também o que pensavam os adolescentes que há dias, em Lagos, andavam a fazer graffitis em residências, lojas e monumentos... até serem detidos pela PSP.

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Nota 1- O nosso Código Penal prevê pena de prisão para quem cometa «ultraje por motivo de crença religiosa, quem PUBLICAMENTE ofender pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa por forma adequada a perturbar a paz pública». No entanto, no caso em apreço, o recurso aos tribunias não teria qualquer efeito, visto que o pretenso crime não parece sê-lo no país onde foi "cometido".

Nota 2 - O jornal dinamarquês em causa recusou-se em tempos a publicar caricaturas de Cristo... porque seriam ofensivas.

Nota 3 - Neste caso não é possível o velho argumento «Gostavas que te fizessem o mesmo?» porque a nossa noção de "valores" está de rastos.
Veja-se, em Portugal, o achincalhar do Hino e da Bandeira - neste caso, até Mário Soares se permitiu "martelar" o Escudo, para fazer dele um coração foleiro - perante a total passividade do povo...

C. Medina Ribeiro

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O
El Pais dá conta de que um diário Iraniano vai publicar cartoons sobre o Holocausto. Isto sim é uma provocação, porque não se trata de retratar a actualidade, mas sim enveredar numa lógica pueril de contra ataque. Já para não falar da manobra pouco subtil para meter Israel ao barulho.

De qualquer forma, como seria de esperar, nada que não estivesse já feito em países em que a liberdade de expressão é um direito consagrado, e que uma simples pesquisa no google images pode facilmente desvendar. Entre muitos outros aqui está um exemplo.

(Jorge Gomes)

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Um testemunho da Dinamarca (sem acentos):

Eu resido na Dinamarca (...) Em relação a polémica do Cartoon: esta situação é ainda mais inaceitável para quem conhece essas minorias árabes, nao-integradas, sem desejo nenhum de o fazerem e com a sua arrogância alimentada pela intransigência religiosa e a humilhação que sentem por, lá no fundo, se sentirem inferiores.


Esta questão veio levantar uma série de questões sobre nós próprios e sobre os muçulmanos:


1)Há uma ideia, de génese anti-americana, dos árabes serem vitimas. Não são. São sociedades improdutivas que se sustentam do petróleo, que Alá foi tão generoso em lhes dar a quase exclusividade, não lhes dando no entanto o engenho de inventar o automóvel. Sem Ocidente, a "Arábia" não seria a sociedade desenvolvida que nos vendem, seria sim algo muito primitivo. A Palestina ser pobre e Israel rico nao é prova de exploração mas sim de diferenças entre as duas culturas.


2)As recentes manifestações, tanto em Franca, como as de agora, vêem mostrar que a religião não só não permite o desenvolvimento das sociedades, com impede a integração destas pessoas quando emigrantes, criando tensões ainda maiores. Veja-se que são alguns dos muçulmanos emigrados na Dinamarca que promovem o actual conflito. A Dinamarca é dos, senão o, pais no mundo mais generoso para emigrantes, dando-nos possibilidades, apoio e oportunidades diferenciadas. Um exemplo: como emigrante tenho aulas (de qualidade) de dinamarquês de graça, a sala ao lado está cheia de dinamarqueses aprendendo italiano ou português à sua custa (e é bem caro).


3)A nossa liberdade de expressão, quão fundamental é? Se é tão fundamental assim, porque continuamos a não permitir escritos que mencionem diferenças entre povos, entre sexos, ou generalizadoras? Porque não permitimos a livre expressão ideologias a que chamemos "nazis"? Apesar de entender o ideal humanista que limita a liberdade de expressão, toleramos o comunismo, e não foi por isso que ficámos comunistas e que a revolução aconteceu. Se calhar estará na altura de revogar estas limitações.


4)O que é um cartoon? Bem, a verdade é que um cartoon é uma invenção ocidental para satirizar subjectivamente e assim fugir aos mecanismos de controle objectivos (leis) que nós implementamos na nossa sociedade. Suponho que terá nascido para fugir à censura. Não faz o mesmo sentido para um muçulmano, onde um líder pode decidir subjectivamente o que é mau ou não. Tomemos por exemplo o cartoon do Maomé de turbante explosivo. Por palavras, seria algo que relacionaria concerteza Maomé com atentados, os muçulmanos com terroristas. Na realidade, a descrição do dito cartoon poderia ser contra as nossas próprias leis que limitam a liberdade de expressão. Ja para a sociedade islâmica, um desenho é pior que as palavras.
No entanto, e embora isto tenha que ser levado em conta, este argumento não serve para desculpar os árabes, porque nos pedem que usemos a nossa "bondade" para eles, enquanto as suas sociedades usam de maldade para nós (vejam os cartoons abaixo, publicados em países árabes).

É o velho argumento de mulher ocidental que ande de calcoes e cabelo descoberto num pais arabe está a violar os costumes dos locais e deverá por isso ser violada vs a àrabe que tem o direito de nao mostrar a cara num país ocidental. Temos de ter cuidado e não dar tiros no pé.

5) Este último ponto é mais distante da polémica, mas parece-me extremamente importante. É acerca do que define a boa integração de emigrantes, que não é um tema lateral, mas sim central nesta polémica.
Postulo sem provas mas da observação que o que define a boa integração de um novo povo é a quantidade de elementos negativos no povo hospedeiro. Visualizando o que digo, imaginemos que desenhamos uma curva, de forma gaussiana, que representa a "boa cidadania", crescendo esta da esquerda para a direita. Um grupo de emigrantes árabes tem bons e maus, e se o desenharmos neste gráfico vai também gerar uma curva gaussiana ou parecida. Imaginemos agora dois povos hospedeiros, podendo estes ser o Inglês e o Dinamarquês. No povo inglês, há muitos alcoólicos, homens que não trabalham, vivem da segurança social, batem na mulher, berram com outros, e se envolvem em cenas de pancadaria com regularidade. Esta é a cauda da curva do povo inglês, do lado esquerdo da curva. Entram agora os imigrantes. A curva destes estará compreendida na do povo inglês. Os piores dos imigrantes talvez sejam tão maus cidadãos como os locais que referi, os melhores também não ultrapassarão o povo hospedeiro. Assim, não há razoes para grande discriminação, nem diferenciação económica, e não há tanta tensão entre locais e imigrantes.

Olhando agora para a Dinamarca, temos uma situação diferente. Comparada com a curva do povo inglês, a da Dinamarca está deslocada para a direita. Pelo menos na cauda da má cidadania. Na realidade, nao ha maus cidadãos neste pais. Não há violência. Não há crime. Assim, quando os imigrantes chegam, embora muitos se comportem como os locais, todos os novos maus cidadãos serão imigrantes. Isto gera ressentimentos justificados.
É verdade que nem todos os árabes são maus cidadãos, mas também é verdade que se não houvesse árabes, não haveria maus cidadãos (tal ja não é verdade em Inglaterra. Assim, sou de opinião que não são nem as politicas de esquerda, nem a generosidade do povo hospedeiro que dita a boa ou má integração. Muito pelo contrário, é a quantidade de maus elementos no povo hospedeiro).
Da mesma forma, vai haver um fosso económico entre os referidos "maus cidadãos" e o resto da população. Junte-se a isto os dinamarqueses serem dos povos mais evoluídos no mundo, e as suas qualidades não serem fáceis de perceber, para gerar entre os árabes uma grande humilhação e ressentimento, que vai alimentar a conversa da "discriminação" e os sentimentos religiosos.
A única forma de um árabe tem de se sentir "importante/superior" num destes países é, ou abandonar os ensinamentos dos seus pais e tentar imitar a civilização superior onde está, ou acreditar na religião que lhe garante ser superior por não beber álcool, bater na esposa, e afins...

(Rodrigo Gouveia de Oliveira)

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Se por um lado é compreensível a reacção do lado de lá quanto às caricaturas publicadas num jornal dinamarquês, do lado de cá só é compreensível esta reacção se usarmos na nossa análise a palavra MEDO. E se me pedissem para escrever um título que representasse os últimos acontecimentos, parafraseava José Gil e imediatamente escrevia Ocidente, hoje: O medo de existir, o medo de falar, o medo de ser livre.

Há duas análises possíveis em espaços diferentes. Do lado de lá, este foi um pretexto para encetar uma espécie de guerra religiosa entre dois lados profundamente antagónicos quanto ao modo de ver o mundo. Porém, o motivo não é puramente religioso mas sobretudo (ou talvez unicamente) político. Mas o modo de acção é que é religioso, primeiro porque lhes dá, na sua perspectiva, uma causa. Segundo, porque nessa causa tem de haver um inimigo e nós cumprimos quase na perfeição esse papel. Do lado de cá, as reacções dividiram-se entre aqueles que teorizam e filosofam sobre o conceito abstracto de liberdade de expressão e, dessa forma condenam a publicação dos cartoons, e aqueles que mantém a sua convicção de um mundo livre de censura, livre de fantasmas, simplesmente livre. Se por um lado devemos preocupar-nos com as reacções do lado de lá, é do lado de cá que precisamos de fazer um esforço muito grande de forma a compreendermos o que se passa nesta Velha Europa. E eu, muito honestamente, talvez pela minha tenra idade, não o consigo fazer sozinho.

Por outro lado, não deixa de ser curioso que, talvez culpabilizada pelo seu passado igualmente fanático e sanguinário, a Igreja Católica não tenha tido qualquer pudor em condenar a publicação dos cartoons. E talvez tenha sido a opção mais responsável, como gostam agora de dizer. Mas isso não implica que tenhamos de nos vergar perante o dogma. E já que falei em dogma, permita-me que diga que o conceito de liberdade religiosa é, per si, discriminatório. Senão vejamos. Eu sou ateu. Não acredito nem milito qualquer religião. Logo, para mim, a minha liberdade é desprovida de qualquer conspurcação dogmática. Partir do princípio que a liberdade religiosa se sobrepõe à liberdade de expressão, é discriminar-me, é discriminar todos aqueles que são ateus ou agnósticos, como preferirem.

O dogmatismo leva os homens a matarem-se mutuamente. François Jacob dizia que nada é tão perigoso como a certeza de se ter razão, que nada causa tanta destruição como obsessão duma verdade considerada absoluta. F. Jacob tem razão quando diz que, historicamente, todos os massacres foram cometidos por virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a verdade do outro. Tudo estaria bem se nos confortássemos com as nossas verdades e não fizéssemos questão de impô-las uns aos outros a qualquer preço. Tudo estaria bem se, do lado de lá, rezassem a Alá e do lado de cá rezassem ao Deus cristão. Tudo estaria bem se vivêssemos num mundo perfeito.

Mas não vivemos num mundo perfeito. E esta retracção do ocidente serviu apenas para mostrar o medo que revolve as nossas entranhas desde o 11 de Setembro e serviu também para mostrar que nos tornámos submissos e incapazes de lutar pela nossa liberdade. Perdemos esta batalha e devemos envergonhar-nos disso. Desta vez, o terrorismo não precisou de sair de casa. E o efeito foi precisamente o mesmo. O MEDO.

Vale a pena citar Agustina Bessa-Luís, in Antes do Degelo:

«O medo é o que impede que tudo o que chega às mãos dos homens não se torne em sua propriedade. Basta produzir uma impressão que não se pode explicar, inserindo no medo o desconforto da culpa. É assim que milhões de pessoas podem ser pastoreadas nas ribeiras da paz por muito poucas. E nas trincheiras da guerra por outras tantas, senão as mesmas.»

(Ricardo S. Reis dos Santos)

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(sem acentos)

Tive acesso ao seu blog e li algumas considerações sobre o assunto das caricaturas do jornal dinamarques. Sou filha de portugueses emigrados e vivo em Paris onde nasci. Em Franca sou sem duvida francesa, em Portugal sou uma portuguesa diferente. Gracas ao imenso esforco de meus pais consegui licenciar-me à ENST e tenho um emprego ainda provisorio como muitos estudantes aqui em Franca. O primeiro emprego esta dificil por todo o lado.
O que lhe queria exprimir da minha visao do que representa o Islao para quem, como eu, viveu durante muitos anos lado a lado com musulmanos e beurs. O que eu vivi nunca esquecerei, sei da forma de vida das minhas amigas musulmanas sempre reprimidas, das mães delas, pessoas de segunda categoria porque tiveram a infelicidade de nascerem mulheres e ainda sei dos apoios do estado frances as familias musulmanas. Meus pais nunca tiveram um apoio que fosse e minha educacao foi paga com o trabalho dos dois.
Ha um todo pequeno detalhe que todo o mundo parece nao ver ou nao querer ver, mesmo os que agora acham mal que alguem caricature o Islao sem perceber como se faz o Islam dos nossos dias. A leitura estreita do Islao a situacao das mulheres musulmanas est, para dar um exemplo, medieval.

Vou tentar traduzir bem algumas passagens do livro da musulmana Irshad Manji "Musulmane mais Libre": " Em Franca, os Musulmanos perseguiram na justica um escritor que declarou que 'O Islam era a religiao mais estupida do mundo'. Aparentemente tratava-se de uma incitation ao odio racial. Estamos aqui capazes de fazer valer os nossos direitos - coisa que na maioria dos países islamicos nunca poderiamos fazer. Mas este frances fez mal em escrever que o Islam precisava de crescer? Que pensar do incitamento ao odio aos judeus no Corao? Os Musulmanos que invocam o Coran para justificar o antisemitismo não deveriam, também, serem perseguidos pela justice? Ou seria ainda 'repression violenta'? O que faz que nos estamos no nosso bom direito de o que o resto do mundo seja racista? Com a nossa piedade sobre nos mesmos e os nossos silencios ostentatorios, nos, Musulmanos, conspiramos contra nos mesmos. Estamos em crise e queremos arrastar o mundo inteiro com a nossa crise." mais adiante: "Mesmo no Ocidente ensina-se correntemente aos Musulmanos que o Corao est a ultima manifestacao da vontade de Deus, que suplanta a da Torah e a do Novo Testamento. Como manifestacao ultima, o Corao est o texto 'perfeito' - que nao pode ser questionado, analisado ou interpretado. Ele nao pode ser senao acreditado." agora repare nesta parte: "O Corao lembra aos Musulmanos que eles nao sao Deus. E por consequencia os homens e as mulheres fariam bem de serem justos nos direitos que exigem uns a outros: (...) 'Honrem as vossas maes que vos carregaram. Deus observa-vos sempre.' O que parece estranho est que no mesmo capitulo - algumas linhas na frente - o Corao inverte completamente a corrente: 'Os homens tem autoridade sobre as mulheres porque Deus fez os homens superiores as mulheres e porque os homens gastam as suas riquezas para as sustentar. Deus fez as mulheres obedientes... Quanto as mulheres de quem duvidem da obediencia, castiguem-nas, ponham-nas a dormir em camas separadas e espanquem-nas.'"

Por mais incredulos que fiquemos, estas passagens do Coran nao sao inventadas. E isto que as mulheres e os homens Musulmanos aprendem nas suas vidas religiosas. Muito mais poderia eu aqui deixar sobre o Islao tal como ele e vivido no dia a dia. Seja no Ocidente, seja no Oriente.

Nao me ficara bem dizer o que lhe vou dizer: mas esta religiao não me merece respeito nenhum.

Desculpe ter-lhe tomado tanto tempo e ainda desculpe mais o meu mau portugues mas os portugueses de Portugal nao sabem do que falam, a maioria, quando fala do Islao. Essa realidade nao a vivem no dia a dia. Os que vivemos na Europa, sobretudo em Franca ou Belgique ou Alemanha sabemos bem do que falamos.

Recomendo a todos o site desta Musulmana escritora Irshad Manji.

(Guiomar Almeida)

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A ver se percebo...
Certa esquerda quer discutir e investigar o holocausto?!
Certa esquerda até tenta compreender as atitudes dos radicais extremistas muçulmanos que, entre outras coisas, proibem as mulheres de ter acesso a carta de condução e andar de cara destapada?!
Certa esquerda coloca em causa a liberdade de publicação livre de cartoons sejam eles sobre que tema for?!
Certa esquerda tenta explicar, à luz de anacronismos sociais, o que é fanatismo puro e simples?!
Certa esquerda ao tentar explicar que até pode haver razões e tal para o fanatismo tresloucado, coloca-se inevitavelmente numa discussão que, logo à partida, é desculpabilizante de comportamentos fascisantes?!

Mas isto é esquerda?!!

Pensei que era extrema direita...

(Paulo Duarte)

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Na maioria dos casos, as pessoas teem-se limitado a debater aquilo em que o Ocidente tem razao e uma evidente superioridade: a liberdade de imprensa e de expressao; e as liberdades democraticas, em geral.

Aquilo de que se fala menos e' o seguinte: que a actuacao (politica, economica e militar) dos paises ocidentais no Medio Oriente e na Asia Central e' tudo menos consentanea com esses valores que inventamos e que sao, na minha opiniao convicta, universais.

Agora, se o que esta' de facto em causa nesta cacofonia mediatica e' a liberdade de expressao e de imprensa, entao parte da solucao comecaria pela realizacao de um debate livre. Nesse debate, os muculmanos ou os emigrantes oriundos daquela regiao do Mundo, teriam a oportunidade de expor livremente os seus pontos de vista, explicar as suas razoes de revolta (se for esse o caso) em relacao ao Ocidente, e poderiam ver as suas opinioes testadas e confrontadas de modo critico e veemente por outros (ocidentais ou nao); e' evidente que as nossas razoes, ambiguidades e inconsistencias tambem seriam criticadas. Assim, sim, estariamos a considerar de forma seria o problema da liberdade de expressao e de imprensa, as dificuldades e as oportunidades relativas 'a coexistencia pacifica entre as civilizacoes.

Caso contrario, podera' ficar a suspeita que se esta' a assistir a uma mera encenacao... mesmo nas vesperas do seguimento da questao nuclear do Irao ao Conselho de Seguranca.

(Miguel Preto)

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Mas a publicação dos desenhos não foi um acto oficial de algum país. Os desenhos foram publicados por jornais independentes de distribuição nacional. É uma extrapolação imensa querer analisar esse acto fora do contexto próprio. Os protestos surgem na alegação de que esses desenhos violam o que está nos textos sagrados muçulmanos. Mas podemos imaginar o direito recíproco de um dinamarquês, à luz dos textos dos direitos do Homem, de se revoltar com os maus tratos infligidos ‘legalmente’ às mulheres muçulmanas.

A revolta incide sobre a particularidade de se ter representado o profeta (acto proibido pelo alcorão) mais do que qualquer outra inferência politica. Se em vez da imagem se tivesse publicado, no mesmo jornal, um artigo de opinião em que a certa altura o autor dissesse «o profeta Mahomet instiga o terrorismo» (em dinamarquês) ninguém daria por nada. O absurdo é alguém querer que o resto do mundo funcione pelas suas regras.
Imaginando que na minha religião eu tinha a forte convicção de que me era permitido amar e servir um só Deus. Estariam por isso todos os muçulmanos, por respeito à minha crença, proibidos de ter a sua vida normal e amarem o Deus deles? A vida normal de um dinamarquês passa pela sua liberdade de expressão. Faz sentido que alguém de um país longínquo venha ditar-lhe novos costumes?

O que faz sentido é se algum dinamarquês muçulmano (ou não) se sentir ofendido instruir um processo por abuso da liberdade de expressão ao outro dinamarquês. O que faz sentido é qualquer dinamarquês muçulmano (ou não) compreender que vive num país onde é possível ridicularizar qualquer religião, incluindo a sua. Se não gosta só tem duas hipóteses: ou muda de país ou espera mais um pouco que os muçulmanos invadam a Dinamarca.

(Nuno Galvão)

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Estou fascinado pela quantidade de pessoas eminentes que têm escrito nos últimos dias, no âmbito do caso dos cartoons dinamarqueses, que não se deve caricaturar o sagrado. Não me tinha apercebido de que tal ideia está tão espalhada na nossa sociedade e, em particular, nas nosas elites. Só me resta saber onde estavam essas pessoas quando o cartoonista Sam publicou o livro «Ai Jesus», inteiramente constituído por caricaturas de Jesus crucificado. Ou quando esteve em exibição a comédia «Dogma», onde Deus era caricaturado (e representado por Alanis Morissette!). Ou quando esteve em exibição o filme «Bruce, o todo poderoso», onde Jim Carey caricaturava a abertura do Mar Vermelho por Moisés... «abrindo» uma tigela de sopa de tomate! Ou, é claro, quando José Saramago publicou «O evangelho segundo Jesus Cristo».

Ou será que só podemos caricaturar os valores sagrados da nossa cultura mas não os das outras?

(José Carlos Santos)

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Exmo. Sr. Engº. Ângelo Correia,

Acabei neste preciso momento de ver o programa "Prós e Contras" em que o Sr. participou e não posso deixar de lhe manifestar a mais profunda indignação pela sua atitude, que não podendo acreditar que se deva a superficialidade ou ignorância, só posso considerar profundamente manipuladora, tentando evitar uma discussão, assaz pertinente e urgente, sobre a natureza do Islão, o que quer que isso seja e quaisquer que sejam as suas multiplicidades, que existe na prática e é invocado como legitimação dos maiores actos de desumanidade, a par com a famigerada solução final nazi, alguma vez vistos.

Neste sentido há alguns comentários que tenho de lhe fazer chegar:

- Já pondo de parte o ridículo de tentar fazer crer que os muçulmanos chegaram à península com Averróis e outros homens sábios de igual e inquestionável valor, a recitarem os clássicos da antiguidade e não pela força das armas, acho lamentável que o Sr. que o invocou e muito bem, como uma figura património da cultura universal do Homem, não tenha referido as perseguições que ele sofreu na Andaluzia, feitas não por cristãos muito pouco instruídos, mas precisamente por islâmicos fundamentalistas religiosos que o perseguiram e o impediram de continuar, de desenvolver e de difundir a sua obra.

Mais, esta obra, aquando das perseguições que ele e a sua família sofreram e que os obrigaram a fugir, sobreviveu às fogueiras em que os seus livros foram queimados, apenas pelas cópias feitas e contrabandeadas, a tempo, pelos seus discípulos.

Ou seja, Averróis é um exemplo de um muçulmano, homem de paz, de saber e de cultura, que foi perseguido (por muçulmanos), apenas por ter essas ideias de tolerância, de desenvolvimento e de busca do saber, pelo mesmo tipo de fanático religioso que está na origem do que hoje faz os apelos ao assassinato por delito de opinião, aos atentados e as manipulações de massas que estivaram na origem do programa em que o Sr. participou.

Se ainda hoje encontramos os fanáticos é muito pertinente perguntarmo-nos, ao não encontrarmos “os Averróis”, se foram ou não os fanáticos, que ganharam a guerra, que existe desde o início, dentro do Islão, pelo seu controlo. Se um conjunto de povos ou de culturas, que em dada época foram fonte de desenvolvimento cultural e científico da Humanidade, ao preservarem e desenvolverem (!) o conjunto de saberes em que se alicerçaram as revoluções intelectuais que estão na origem do que de melhor e de mais desenvolvido hoje existe no mundo, da democracia à ciência, se estes povos e estas culturas se tornaram e são hoje em dia tão próximas do cultural e cientificamente estéreis, tão violentas e tão contrárias ao desenvolvimento individual e colectivo, onde o que se faz é feito quase sempre com o risco da própria vida de quem o faz, onde mesmo sobre esses seus grandes homens do passado se podem encontrar “comentários oficiais” sobre o valor da sua obra mas muito mais dificilmente a obra em si, é extraordinariamente pertinente perguntarmo-nos se “os Averróis”, de há muito a esta parte, não serão, internamente, impedidos de existir no Islão.

O cineasta egípcio Youssef Chahine, em 1997, em “O Destino” (uma obra de arte e não um documento histórico, concedo-lho), ao usar precisamente estes factos da vida de Averróis como uma metáfora para o que se passa hoje em dia nos mais moderados países do Islão, levanta precisamente esta questão (e durante quanto tempo mais e onde poderá levantá-la?).

Devo acrescentar que desculpabilização grosseira que fez destes povos e destas culturas, ao fazê-los objectos inocentes de perfídias externas que os ultrapassam sempre e impedem de agir como a todos os outros se exige, por ser simultaneamente um atestado de menoridade intelectual e civilizacional, deveria ser, como a Dra. Fátima Campos Ferreira lhe tentou fazer ver, a maior das ofensas. Muito maior do que quaisquer caricaturas. Concedo-lhe também que assim o não sentirão os visados, mas então também isso deve ser motivo de preocupação e reflexão. Haverá um qualquer conjunto de povos disposto a, auto-desculpabilizando-se permanentemente, agir como um qualquer adolescente borbulhoso, achando que tudo lhe pertence, a tudo tem direito, tudo lhe tiram e de nada é responsável?

Para além de os líderes religiosos muçulmanos dinamarqueses terem levado não as doze caricaturas publicadas mas quinze, de ter sido uma das não publicadas que, apresentada como tendo sido publicada, levantou mais do que todas polémica (a de Maomé com cabeça de porco a que eu nunca consegui ter acesso, precisamente por não ter sido publicada), para além de ser passados meses e quando se passa o que se passa no Irão e na Palestina, que os líderes locais fazem aparecer esta questão, para além da conivência de estados islâmicos com os distúrbios, as caricaturas em si, podem e devem ser discutidas.

Em particular gostaria de discutir duas:

-a das virgens que se acabaram no céu, alusão à crença completamente abstrusa de que por se matarem assassinando outros, seriam, aqueles rapazinhos a quem as regras da sua sociedade em geral e a prática da poligamia em particular, impede uma saudável vivência da sexualidade, recompensados com 70 virgens, cada um, no céu. Recuso-me a discutir muito a ideia de fazer os outros crerem que terão no céu aquilo que lhes negamos na Terra, se se matarem por nós, assassinando outros e dando-nos com isso poder. Sinto como demasiado abstruso sequer equacioná-lo seriamente (e no entanto nunca vi que essa ideia invocada em nome do Islão gerasse manifestações de indignação, mais do que circunstanciais comentários, no mundo islâmico).

A razão por que a quero discutir é porque eu próprio já fiz esse comentário inúmeras vezes, perante a risada geral dos conversados. Diga-me uma coisa: Também eu devia ter pensado melhor? Também eu não tinha o direito de o dizer? Também eu tinha de me calar? E os conversantes? Poder-se-iam rir ou não?

- mais significativamente gostaria de discutir a caricatura de Maomé com turbante em forma de bomba. Não diz que todos os muçulmanos são terroristas, mas acho muito difícil interpretá-la sem admitir que os há que o são e que o são em nome do Islão. Mas isso é inquestionável porque de facto, actos terroristas inqualificáveis foram cometidos por muçulmanos reivindicando fazê-lo em nome da sua fé.

Se o islamismo se advoga ser uma religião de paz, porque não suscitaram estes actos imensa indignação entre os muçulmanos? E porque não há-de haver moderados que interpretem esta caricatura não como uma ofensa gratuita a todos os muçulmanos mas como havendo outros muçulmanos que apresentam o Islão, mesmo que contradizendo-o com a sua prática, como terrorista?

Por honestidade digo-lhe já que esta caricatura não suscitou um mim interpretação tão benévola para com o islamismo, mas por que carga de água isto não é uma possibilidade admissível? Será que o islamismo é tão moralmente superior que nada do que seja feito em seu nome, pelos seus crentes, o poderá alguma vez manchar?

Mais porque é que as caricaturas provocam muito mais manifestações de indignação aos moderados do que os assassinatos em massa feitos em nome da sua fé? Será o assassinato dos outros menos relevante do que as ofensas a mim? Para os muçulmanos o mundo divide-se entre muçulmanos e não muçulmanos e a uns e a outros aplicam-se leis diferentes? Um moderado, como o imã da mesquita de Lisboa sente-se mais próximo do caricaturista ou do que apela à morte deste? Não estou a dizer que não condene o apelo à morte, estou a perguntar se, por absurdo, se visse obrigado a ter de escolher entre cometer uma daquelas que certamente considera serem duas indignidades, qual delas seria, para ele, menos grave?

Dá sempre a ideia de que o que quer que se entenda que se tenha feito a um muçulmano é sempre mais grave do que o que quer que se faça a um não muçulmano. E isso por a diferença na manifestação de indignação por parte dos moderados, aparecer como desculpabilizante para com os actos dos radicais, que matam em nome da fé que se diz comum a ambos.

Assim faz todo o sentido perguntar-se, uma vez que o Islão faz a hierarquização das pessoas face à sua crença religiosa (1º os muçulmanos, depois os crentes no Livro, dos quais primeiro vêm os cristãos e depois os judeus, depois os animistas e penso que depois os que não professam qualquer religião), se isto é ou não assim? Se é ou não “mais grave incomodar um crente do que matar um infiel”? Se mesmo repudiando os fanáticos, os moderados se sentem ou não mais próximos deles do que das suas vítimas, sejam elas quem forem, precisamente por partilharem religião muçulmana com os agressores?

É meu desejo e esperança que não, mas desejos são desejos, esperanças são esperanças e as realidades constroem-se e se se discutirem talvez se construam realidades melhores.

Estas questões podem pôr-se, devem-se pôr-se face a tudo o que tem acontecido e a caricatura faz todo o sentido ao suscitá-las. Ela é pelo menos uma interrogação e se será ou não uma afirmação, depende da resposta a questões como as acima e duma discussão que se pode fazer, precisamente com os moderados como o Sr. imã da mesquita de Lisboa e que o Sr. quis impedir. Sentir-me-ia muito mais tranquilo hoje se tivesse ouvido finalmente sem rodeios a discussão destas questões e não evitá-las, transferindo responsabilidades, desculpabilizando, como o Sr. hoje fez e como ontem fez o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, no seu exercício semanal de tirar médias para tentar agradar sempre a todos (mostrando mesmo ignorância ao afirmar que Maomé é deus para os muçulmanos!).

Como se não bastasse ainda teve de ir buscar Israel e de fazer afirmações que intelectualmente o deveriam envergonhar (que fique já esclarecido que tenho tanto sangue judeu - e muçulmano - como qualquer outro, anónimo, português).

Comparar Israel com o Irão, com um Irão que tem uma ditadura fanatizante como aquela, que tem um presidente que afirma para todo o mundo o ouvir, que quer riscar o estado de Israel do mapa, é indesculpável.

Israel é, desde logo, uma democracia, na terra milenar de um povo, um país com todo o direito a existir, onde uma parte significativa dos cidadãos é muçulmana (cidadãos, têm os mesmos direitos!), criado em 1948 por resoluções da ONU, reconhecido internacionalmente com excepção dos países vizinhos muçulmanos que o tentaram aniquilar, que sofreu já nestes 57 anos, três tentativas de destruição e de invasão.

Tem armas nucleares (originalmente fornecidas pelos franceses contra a vontade dos americanos) como parte fundamental da defesa dum povo, cercado por outros, apostados e, na prática comprometidos, em destruírem-no e que nunca as usou para iniciar qualquer agressão. Nada comparável com um estado fanático, fanatizante, suporte moral e logístico de vários movimentos terroristas, cujo presidente entende como auto-promoção a negação do holocausto e o anúncio da intenção da utilização de armas nucleares para a destruição de Israel. A comparação é completamente abstrusa.

Mas se quiser envolver a questão entre Israel e os países muçulmanos pelo menos aprofunde o assunto e não o faça duma forma que sugere o acto de quem sacrifica outro, pensando assim ficar de bem com o agressor.

Ou seja, falemos da Palestina. Simultaneamente com a criação do estado de Israel, foi pela ONU criado um estado palestiniano. Estranhamente (será?) esta solução foi recusada pelos países árabes tentando negar a existência a Israel. Quanto mais não fosse por Arafat ter, na prática, rejeitado o último acordo de paz, em que todas as suas reivindicações eram atendidas, com excepção do controlo total sobre Jerusalém (também era o que mais faltava!), mas em que ainda assim esta cidade ficava com um controlo dividido pelos dois estados, se vê que é precisamente aqui que reside o cerne da questão (Arafat ambicionava ficar conhecido na História como o conquistador de Jerusalém).

Jerusalém é a terceira cidade mais sagrada para os muçulmanos. Porquê? Meca, Medina é fácil ver que fazem todo o sentido. Mas Jerusalém? Porquê? A mais de 2000 kms de Meca…Porque a tradição muçulmana pretende que Maomé, depois de morrer e antes de ascender aos céus terá ido a Jerusalém, encontrar-se com Moisés e Cristo, para que estes lhe dissessem que a religião dele era a religião verdadeira e que eles teriam apenas preparado a sua vinda.

É com base nisto que Jerusalém é sagrada para os muçulmanos, o que é uma crença legítima como qualquer outra, desde que permaneça no domínio da fé. A partir do momento em que pretenda ser razão de legitimação de apropriação territorial do coração de outras religiões é, completamente, indefensável. Imagine-se o que seria se uma qualquer nova religião invocasse o mesmo relativamente a Meca e a Maomé.

Em face disto é ou não legítimo pensar-se que o Islão, que mais uma vez trata esta questão em bloco, vê na posse de Jerusalém, uma questão de supremacia da sua religião? E que os judeus são um alvo a eliminar por se recusarem a ceder a terra onde já há milhares de anos estavam as suas raízes?

É isto inevitável? Países mais moderados como o Egipto (onde um presidente foi por isso assassinado), ou a Jordânia, depois de lhe terem feito a guerra, assinaram a paz e estabeleceram relações com Israel, mas a questão palestiniana, em que os palestinianos já várias vezes preferiram continuar a guerra a poder construir o seu estado em paz e lado a lado com Israel, continua a ser tratada em bloco pelo mundo islâmico e apresentada como algo que os une e tantas vezes como justificação do terrorismo.

E agora? Um muçulmano, um moderado, sente-se mais próximo do presidente do Irão, que ambiciona riscar Israel do mapa, ou dos israelitas ameaçados por tarados como esse? (será aceitável que qualquer um de nós se sinta mais próximo dos nazis do que dos judeus, por ser o povo alemão maioritariamente cristão? Ou chama-se a isso xenofobia?).

E qual a posição dos moderados face a tudo isto, quando os radicais que cometeram actos terroristas como os 11 de Setembro e de Março (e muitos outros, mesmo em países muçulmanos e contra muçulmanos) apregoam nos textos que publicam que pretendem que o Islão domine o mundo? (certamente na forma de Islão que lhes convém).

Não será altura de tudo isto indignar muito mais os moderados do que as caricaturas? Gerarem muito mais protestos os actos assassinos dos que professam a mesma religião do que as opiniões dos que professam outras ou nenhumas?

O Sr., ao ir demagogicamente invocar e embrulhar Israel no triste episódio das caricaturas, ao aceitar que a suposta retaliação caricatural da liga árabe seja como foi e tendo como alvo os judeus (querem ver que a Dinamarca e os seus caricaturistas são judeus israelitas?) prestou um péssimo serviço à verdade e à seriedade e tentou mais uma vez culpabilizar Israel e os judeus pelos problemas que existem com o fundamentalismo muçulmano. Atitude tão frequente (e que nos devia envergonhar a todos) na Europa.

Considero que todo o seu discurso e atitude foi esta noite uma manipulação, uma tentativa de não discutir a realidade, uma tentativa de ocultar divergências e problemas. Divergências e problemas que se não forem assumidos, mais tarde ou mais cedo, se nos imporão e nesse caso isso significará a mais cruel, desumana, brutal e extensa guerra jamais vista.

São precisos dois para dançar o tango e para fazer amor, mas basta um para começar a guerra. Os radicais muçulmanos há muito que a fazem, primeiro aos outros muçulmanos que consideram traidores ao Islão e depois a todos os não muçulmanos. Ultimamente declararam guerra total a todos os infiéis. Nesse sentido pode passar-se muito bem sem as caricaturas, mas não sem a discussão e a reflexão que a reacção à sua publicação está a gerar.

(Vítor Paulo Vajão)

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"A história das caricaturas dinamarquesas é extremamente simples e começa e acaba numa linha: é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há.

O que é novo e precupante são as toalhas de palavras e justificações que começam a ocultar o que devia ser absolutamente simples e onde qualquer palavra a mais é demais."

Antes de mais, a liberdade deveria ser também bom senso.

(José Von Barata)

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Juro que adorava saber qual foi a sua reacção quando surgirem problemas parecidos com estes em Portugal.

Gostava de saber se o seu raciocínio na altura foi tão esquemático quando os católicos se insurgiram, por exemplo, contra O Evangelho segundo Jesus Cristo ou a rábula que o Herman José fez da última ceia de Jesus Cristo. Há muita gente agora indignada contra os muçulmanos que na altura tomaram partido da Igreja.

(Mário Azevedo)


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Ainda a propósito das caricaturas de Maomé e da generalidade dos comentários que li no "Abrupto", o que me parece é que não está em causa o querermos manter e até lutar pela liberdade de expressão - conquista não definitiva, como se sabe. Ninguém de senso defenderá que ela ceda perante interesses menores. Mas não devemos ser tão arrogantes na preservação desse direito que o queiramos "impor" às massas do islão. E é isso que julgo que transparece nalgumas das observações a esse propósito. A nossa civilização (ainda tão novinha...!) não é transponível por nosso desejo para todo o mundo por muito vantajosa que se possa apresentar.


(Fernando Barros)

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