ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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14.12.13
“BARÕES”
Quando vejo alguém falar em “barões” do PSD, tiro de imediato a conclusão de que não faz a mínima ideia do que é o PSD dos nossos dias, ou, de que percebe bem demais o PSD actual, e está a falar de má-fé numa perspectiva do conflito interno. Ele haveria uns “barões” odiados pelas “bases”, com prestígio na opinião pública, mas sem vestir a “camisola do partido”. Eles, pelo contrário, mesmo dando má fama ao partido, estão lá de “serviço” para o que der e vier.
O PSD, como o PS, é hoje controlado internamente de forma muito rígida por uma nomenklatura de carreira, que encontra no acesso ao poder partidário o principal mecanismo “profissional” de promoção, assim como múltiplas oportunidades de “negócio”, a todos os níveis. É um sistema muito fechado, tanto mais fechado quanto a conjuntura eleitoral diminuiu as benesses e ameaça ainda mais diminui-las nas próximas eleições. Por isso é como um exército em guerra, sabedor das enormes vantagens do controlo das estruturas e dos sindicatos de voto, mas saltando com violência contra os adversários que suspeitem não lhes vão dar ou manter o que já têm.
Existe no PSD e no PS uma mentalidade de cerco, que se acentuou com a subida ao poder de políticos profissionais, sem influência e prestígio na sociedade. A sua permeabilidade com a opinião pública é escassa, porque o que conta é o que acontece dentro e os poderes de dentro. São pessoas unidas pelo seu papel nas estruturas do partido, onde se encontram todas as possibilidades e todos os riscos. Nem sequer muitas vezes existe a pulsão de “ganhar”, mas essencialmente de conservar.
Se por acaso um desastre eleitoral coloca em causa o pool de empregos e lugares de forma drástica, como por exemplo ocorreu em Vila Nova de Gaia – Porto, – e muitas pessoas são simultaneamente dirigentes partidários e empregados pelas autarquias do PSD, ou com elas fazendo negócios altamente rentáveis em termos de “serviços” como consultadoria jurídica, encomendas a empresas criadas para este mercado específico no âmbito da “comunicação” ou do marketing, – então soam os sinais de alarme e parte-se para a guerra civil.
“Encolhendo” os lugares disponíveis, vale tudo. Foi o que aconteceu com a pressa de encontrar “traidores” nas listas autárquicas que se acelerou pela necessidade de colocar fora do partido, antes de eleições internas, todos aqueles que podiam personificar uma oposição vinda de dentro aos interesses instalados.
A especulação recente sobre uma hipotética candidatura de Rui Rio ajuda ao acantonamento, até porque, como António Costa no PS, Rio não tem qualquer chance no PSD dos dias de hoje, se pretendesse repetir aquilo que Passos Coelho fez contra Manuela Ferreira Leite: a constituição de uma fracção organizada, muito bem financiada (aí é que é interessante saber se há “barões”…) e usando de todos os recursos, mesmo a manipulação das eleições internas, como se veio a saber em recentes revelações de um dos obreiros dessa tomada do poder. Como se vêem ao espelho é isto que temem, por que pensam que os "outros" irão fazer como "eles".
Nenhuma mudança no PSD é hoje possível de dentro, de tal maneira o aparelho partidário está controlado ferreamente, e, mesmo de fora, com o apoio de um forte movimento de opinião em que o eleitorado social-democrata tem um papel decisivo, não estou certo que tenha sucesso sem grandes convulsões. Nem Rio, nem Costa, nem ninguém de bom senso e que saiba como está a nossa democracia, quer herdar uma partidocracia que muda de fidelidades apenas em nome da partilha de lugares e de benesses de um cavalo morto, para outro mais vivo, logo com mais sucesso eleitoral.
Ambos sabem que em democracia os partidos são fundamentais, mas as partidocracias são uma perversão. A chave está pois de fora, de fora para dentro, ou, quando isso se revelar impossível, seguir o caminho que Rui Moreira fez nas eleições autárquicas, onde foi eleito com nem mais nem menos do que grande parte do eleitorado do PSD no Porto. A chave está em encontrar forma de fazer emergir esse eleitorado, seja para o partido formal, seja para o partido informal”. Só aí, os dois únicos homens, Rio e Costa, que acumulam o raríssimo prestígio da acção política prática, nas duas maiores câmaras do país, com o voto dos portugueses, podem lá chegar. Eles são também a última oportunidade do sistema político partidário português sobreviver. É uma grande responsabilidade.
(url) 11.12.13
A SEGUNDA MORTE DE SÁ CARNEIRO
As comemorações pelo PSD do aniversário da morte de
Francisco Sá Carneiro nos últimos anos têm-se caracterizado por serem
feitas quase por obrigação do calendário, sem autonomia política, e com
crescente e acentuada mediocridade.
São, de um modo geral,
realizadas em conjunto com o CDS, a pretexto de homenagearem Adelino
Amaro da Costa, o que tem sentido pelo destino comum e efectivos laços
mútuos entre os dois homens, mas nada justifica que o PSD não
complemente as cerimónias comuns por iniciativas autónomas, acabando
assim o partido por servir apenas como instrumento eleitoral que permite
ao CDS aceder ao poder. Há diferenças programáticas e políticas entre
os dois partidos e é um sinal de um oportunismo táctico que se iludam
essas diferenças a favor de uma amálgama sem identidade, nem sentido.
Na
verdade, as comemorações, que a actual direcção do PSD por sua vontade
deixaria no esquecimento, servem apenas para usar Sá Carneiro, num único
dia do ano, para o transformar num símbolo morto para legitimar quem
nada tem a ver com ele, nem como pessoa, nem como político, nem como
parte do mesmo movimento político e ideológico, nem no programa escrito,
nem na história concreta do PSD que é o seu programa não escrito.
Uma
antologia das frases mais significativas de Passos Coelho, das posições
da revisão constitucional que encomendou a Paulo Teixeira Pinto, e dos
seus mentores ideológicos que ele levou dos blogues ultraliberais e dos think tanks
universitários mais conservadores para o Governo e para os gabinetes,
revela a enorme distância entre aquilo que, com muito boa vontade,
podemos chamar o seu “pensamento” e o núcleo central do pensamento de Sá
Carneiro. Bem pelo contrário, eles representam um dos lados daquilo que
Sá Carneiro combateu – o outro era o comunismo – com toda a clareza e
sem margem para dúvidas. O PSD foi feito contra o PREC e contra a
manutenção de formas de controlo militar da democracia civil, e esse
combate assentava num programa positivo de combinação do liberalismo
político com a doutrina social da Igreja, e a experiência da
social-democracia europeia. Como Sá Carneiro repetiu vezes sem fim toda a
sua vida, isso colocava o PSD fora do âmbito da “direita” e é
interessante verificar, em múltiplas entrevistas dadas no I Congresso
fundacional do PSD, como essa afirmação é repetida. Magalhães Mota
afirma explicitamente que o PSD, então PPD, não era um partido de
“direita”, nem sequer exclusivamente do “centro”, ou seja, podia ter
também (e tinha) parte da “esquerda”. Cavaco Silva repetiu o mesmo mais
tarde.
O revisionismo actual do pensamento de Sá Carneiro faz-se
essencialmente valorizando os aspectos coreográficos da sua vida
política e, mesmo assim, nem todos, dissociando-os do seu aspecto
político e ideológico, considerado “de época” ou “ultrapassado”, ou
resultado de uma deslocação “táctica” para a esquerda devido às
circunstâncias da época (uma típica projecção do oportunismo ideológico
dos dias de hoje…). Repare-se neste texto de Sá Carneiro, que seria
certamente considerado ultra-esquerdista, quando não comunista, se fosse
lido na Aula Magna sem indicação de autor (e estive para o fazer):
Sá Carneiro ainda não
falava, como falam os actuais dirigentes do PSD, quase obsessivamente de
“empresas”, e conceda-se que ele pretendia referir-se-lhes quando
falava de “unidades de produção”, mas, fora disso, o que é que está aqui
que não seja preciso do ponto de vista político e programático? E que
não seja consistente com muitas outras afirmações de Sá Carneiro
explícitas sobre o capitalismo e a tecnocracia, “o poder é pertença de minorias compostas pelos detentores do grande capital e por membros da tecno-estrutura”. Todas estas citações estão rigorosamente dentro do contexto. E há muitas mais.
Considerando obsoleto o seu pensamento explícito, Sá Carneiro fica assim reduzido apenas a um actor político, que combateu o PCP no PREC, combateu Eanes e o Conselho da Revolução, combateu Soares e o PS, foi criador e primeiro-ministro da AD, reduzindo-se os seus actos a uma espécie de gramática da acção, sem o léxico e a semântica das suas ideias políticas. Ora, se há coisa em que Sá Carneiro não queria que existisse nenhuma dúvida, era que actuava baseado em princípios políticos, ideais e tradições, pelo que não pode ser reduzido, como foi por Passos Coelho, a um lutador contra o défice e a dívida, ele que nunca admitiria que Portugal pudesse ser um “protectorado”, ou que o poder do Parlamento e da soberania popular dos portugueses fosse “automaticamente” deslocado para a burocracia europeia. Tirar-lhe esta identidade é matá-lo pela segunda vez. A actual direcção do PSD é mais próxima de um Tea Party à portuguesa, burocrático, sem apoio popular, “europeísta” e desligado da comunidade orgânica dos portugueses, que despreza o primado da “pessoa”, a “dignidade do trabalho” e a “justiça social”, que no programa genético do PSD feito por Sá Carneiro não são meras palavras, mas identidades inquestionáveis do partido. Feita de admiradores de Sarah Palin, de gente que quando vai à Grécia vem de lá apodado de “alemão”, de entusiastas do efeito revolucionário do programa da troika e do FMI para pôr em ordem os “piegas”, punir a classe média “que vive acima das suas possibilidades”, colocar os pobres naquilo que eles merecem, uma “assistência aos desvalidos”, oferecer às empresas estrangeiras um país de baixos salários, e falar todos os dias, como se fosse a coisa mais natural do mundo, de despedimentos, cortes de pensões e reformas (desculpem, “poupanças”), como a quinta-essência da acção política. Ainda por cima sorrindo, com empáfia e descaramento, porque estão a fazer uma “revolução” e a “salvar o país”.
O que é que Sá Carneiro tem a ver com esta gente? Muito: atacou-os toda a vida.
(url) 9.12.13
O único sector na sociedade portuguesa que tem mantido uma ofensiva sistemática contra o governo e algumas das suas políticas tem sido os sindicatos da CGTP, ou seja, em grande parte, o PCP. Ninguém mais o tem feito, a começar pelo PS, que no essencial não faz oposição. Movimentos que já foram mais inorgânicos, como o “Que se lixe a troika”, tem algum papel principalmente na agit-prop, e no alargamento do movimento para os mais jovens, mas o Bloco de Esquerda apenas funciona no Parlamento. Alguns movimentos como a Apre!, alguns sindicatos e associações profissionais independentes, como o movimento da restauração, ou os estivadores, tem tido algum papel, mas nada mais.
Isto significa algumas forças, mas também muitas fraquezas. Todos estes movimentos permanecem no essencial desunidos e mesmo quando se unem não mobilizam todos os recursos em conjunto. Sectores que tem mostrado muita mobilização corporativa, não ultrapassam o conflito profissional, em muitos casos bem mais hostil ao governo, como se viu com polícias, GNR e estivadores, do que o mainstream dos conflitos sindicais. Por outro lado, podem mobilizar centenas de milhares de pessoas mas estão acantonados social, etária e geograficamente. A hostilidade aos sindicatos vai muito para além do governo e dos seus apoiantes, atinge outros sectores da sociedade portuguesa que não só não tem uma cultura e um hábito de sindicalização, como participam no próprio discurso do poder contra os sindicatos. Alguns desses sectores estão contra o governo, e contra as políticas do “ajustamento”, mas acham os sindicatos uma coisa do passado, quando não os consideram mesmo um bloqueio aos seus próprios interesses. Muitos jovens nunca participaram em qualquer actividade sindical, e, naquela minoria que tem emprego, trabalha em sectores profissionais sem tradição sindical. É o caso dos jornalistas, um sector muito fragmentado pela existência de grande precariedade e mão-de-obra quase grátis, e que tem um papel activo na demonização dos sindicatos e das greves. Muita dessa hostilidade é suicidária, há muitos sectores profissionais que sem a acção, mesmo residual, dos sindicatos do seu sector, já teriam há muito perdido o pouco que ainda tem.
É também por tudo isto que em certas áreas do governo se esboça com clareza uma estratégia antissindical, ou melhor, anti-CGTP. A chave do sucesso desta estratégia é a divisão, entre sectores de trabalhadores por baixo, e por cima com a UGT na concertação social. Esta estratégia pretende isolar a CGTP, enfraquecê-la. Tem no entanto dois problemas: radicaliza a CGTP, e acaba, por absurdo, por legitimar a importância da luta sindical levando a concessões que não existiriam se não houvesse resistência sindical.
O melhor exemplo é a recente decisão sobre a isenção de fazer exames a um número muito significativo dos professores contratados, obtendo um acordo que divide os sindicatos de professores, a FNE da UGT da FENPROF da CGTP, mas que mostra que “vale a pena lutar”. Tal concessão não existiria se não houvesse sindicatos. A questão é que ao empurrar para a impotência tudo quanto é manifestação ou greve, está-se a cercar tudo quanto é movimento social organizado ou mais fluído, logo gerando uma reacção de autodefesa que leva a tentar outras formas de protesto e é aí que entra a desobediência civil. Organizações como o PCP e a CGTP, que desde a tentativa de manifestação da ponte estão claramente a subir a parada, percebem isso muito bem, e são as únicas com capacidade e organização para o fazer, sem intenção violenta. Mas uma coisa é a intenção outra a realidade. O tipo de resposta governamental pode fazer a diferença. É como estamos. E isto não tem nada a ver nem com “conformismo”, nem com “radicalismo”. (url) (url) 8.12.13
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MANDELA E OS PORTUGUESES VISTOS EM 1991
Reproduzo aqui o artigo que publiquei no contexto do primeiro encontro que tive com Nelson Mandela.
O encontro entre a comunidade portuguesa e Mandela é o primeiro e faz-se sob tensões cruzadas: entre os portugueses que querem falar com o ANC e aqueles que consideram este acto uma "traição", entre os conselheiros de Mandela que não gostam dos portugueses e do papel de Portugal como um moderador indesejado da "revolução" no sul de África e aqueles que desejam mudar a imagem dura do ANC e que veem naqueles homens de negócios um interlocutor ideal para chegar a uma parte da comunidade branca que está entre a "tribu branca" afrikaner e as comunidades indianas e "castanhas" . Mas, quando Mandela entrou na sala, após uma pequena hesitação puseram-se em pé em uníssono a bater palmas, abrindo alas para que esse homem alto e frágil passasse. Depois bateram-lhe sempre palmas, mesmo quando Mandela confirmou no seu discurso algumas das coisas que todos pretendiam esconjurar. Para os portugueses do Cabo tornou-se claro que o encontro com o homem acabou por valer mais do que as suas palavras, mas esta contradição revela as encruzilhadas em que se encontra hoje a política sul-africana.
O ambiente na política sul-africana é hoje mais dominado pela afectividade do que pela razão e nada há de politicamente mais equívoco e perigoso do que a afectividade . Verdade seja dita que é também às vezes dessa força da afectividade que surjem soluções para problemas aparentemente sem saída racional. O papel de Mandela nessa política é disso um exemplo perfeito e a sua figura carismática e autoridade pessoal representam um factor sui generis que tanto pode conduzir num sentido de moderaçäo como para um impasse, no qual a sua figura sirva de cobertura para uma politica radical que todos sabem näo ter futuro , mas que pode ter presente bastante para fazer.
Quando foi libertado, Mandela encontrou uma nova geração de militantes do ANC e uma organização muito diferente daquela que tinha conhecido, embora os primeiros passos para essa evoluçäo tivessem sido os últimos que Mandela deu antes de ser preso. Entre 1961 e 1963, data dos Rivonia Trials que o iriam condenar, o ANC ainda sob a direcção de Mandela , afasta-se das suas origens de movimento de massas pacifista e näo violento, cuja inspiração se encontrava na organização irmã do Partido do Congresso indiano ou no movimento de direitos cívicos dos negros americanos , para uma política cada vez mais centrada na luta armada . A fundação do braço armado do ANC , o Umkhonto we Sizwe , iria aprofundar uma lógica de luta armada que progressivamente asfixia organizacionalmente todos os outros instrumentos de acção política.
Esta evolução vai a par com um significativo maior envolvimento da URSS em Africa e, neste contexto, a combinação entre a clandestinidade organizacional, a luta armada com as suas inevitáveis dependências e apoios, a constituição de uma importante comunidade exilada em diversos países africanos e europeus , tudo isso explica o crescente domínio das estruturas do ANC pelo Partido Comunista Sul-Africano .
Daí que Mandela encontre hoje o ANC numa encruzilhada em que a herança do passado próximo - o domínio do PC Sul-Africano da estrutura do ANC , o radicalismo dos "camaradas" , o programa económico e social marxisante , e uma organização de guerrilha que não se quer dissolver - , ainda "faz" mais a organização do que as enormes oportunidades políticas que esta tem à sua frente no processo democrático .Os dilemas säo compreensíveis - como os partidos brancos, embora muito menos do que eles, também o ANC tem que perder alguma coisa para participar no processo de democratização e é natural que , ainda por cima na euforia de uma situação em que "parece" que se pode ganhar tudo , haja resistências a abandonar, em nome da democratização , instrumentos de poder político . É o caso do entendimento do ANC como "movimento de libertação", que tem como corolário a assunção de uma legitimidade especial e a consequente tentativa de hegemonia da representação negra. Como a OLP nos territórios ocupados por Israel, esta fórmula política destrói toda a pluralidade da representação política que lhe seja exterior, o que normalmente conduz a uma política de violência e de extermínio dos "colaboradores". Os conflitos com o Inkhata , que não aceita esta hegemonia , tiveram esta origem e se o ANC parece hoje a principal vítima da "violência" nem por isso deixou de criar as condições para o seu aparecimento . Foram os "camaradas" nos townships que começaram as execuções populares e os zulus do Inkhata seguiram-lhes as passadas. Como de costume a imprensa internacional ligou pouco à violência "política" do ANC e explodiu de indignação com a violência "tribal" do Inkhata . Mas, se o ANC não abandona a classificação de "movimento de libertação" a favor da sua inserção no jogo democrático como um partido político em competição com outros, tal também tem muito que ver com a circunstância de organizacionalmente o ANC ser pouco mais do que a estrutura do PC Sul-Africano. O papel do PC Sul-Africano, dirigido por um velho comunista puro e duro Joe Slovo , e que ainda tem no seu seio alguns admiradores públicos de Staline, já não é tanto o de pretender impor uma qualquer "ditadura" . Partidos comunistas como este não exercem a sua acção tanto por propostas "revolucionárias" na ordem política, mas através de programas e soluções "económicas" associadas a "acções de massas" que acabam por funcionar como limitadoras das liberdades políticas e dar origem a soluções políticas totalitárias. É por isso que o debate sobre as soluções "económicas" do ANC é o debate crucial no plano político e aquele que irá definir o futuro da organização. Os portugueses do Cabo sabiam-no, como diriam os marxistas, pelo único "critério de verdade", a "prática" . O encontro com Mandela confrontou-o com essa "prática" e dias depois numa entrevista ao Star de Joanesburgo, numa referência implícita aos encontros que tivera com os portugueses, afirmava que na Africa do Sul não se iria passar nada de semelhante ao que acontecera em Angola e Moçambique. Vamos ver. (Publicado no Diário de Notícias de 1 de Agosto de 1991.) (url)
CONFUSÕES SOBRE A VIOLÊNCIA
Foi confrangedor ouvir o último Prós e Contras sobre a dualidade do “conformismo versus radicalismo”, onde se sucediam intervenções de enorme confusão, centradas na vontade da apresentadora de confirmar uma das linhas do nosso pensamento instalado: os portugueses compreendem o “ajustamento”, sabem que não há “alternativa” e por isso não se “revoltam”.
Seguindo esta tese, completamente absurda e que abre caminho para surpresas várias, já comparei o governo e os seus amigos a um forcado provocando um touro inexistente com gritos de “é touro, se não és violento, não existes”, “podes fazer o que quiseres que não te ouço enquanto não partires qualquer coisinha”. De facto, está a pedi-las, mais uma insensatez da “comunicação política” governamental. Depois, quando há uns vislumbres de que as coisas podem aquecer, berra por todo o lado que afinal o touro é mesmo mau, parece querer bastão, espada, ou metralhadora. Afinal a “violência” está aí, e a “ordem” vai ser reestabelecida custe o que custar.
A invasão das escadarias do parlamento é sem dúvida grave, não pelo acto em si, que se percebe ser simbólico, mas pelo facto de outros polícias mostrarem cumplicidade. Isso sim, deveria tirar o sono dos responsáveis governamentais, e o episódio da demissão do comandante da polícia está longe de ser esclarecido, como quase tudo aliás que acontece neste país. Já as “ocupações” dos ministérios tem outro tipo de significado, que também pouco tem a ver com a violência, mas mostra que o PCP e a CGTP, assim como alguns sectores do “Que se lixe a troika” estão a fazer um upgrade dos conflitos para a desobediência civil.
Porque, no meio de todas esta confusão com a “violência”, esquece-se uma coisa simples: pode haver ilegalidade e não haver violência. É isso que se chama desobediência civil.
A lenda de que há “conformismo” ignora que, dos polícias aos trabalhadores dos Estaleiros, dos empresários da restauração aos enfermeiros, dos trabalhadores dos transportes aos magistrados, dos professores aos estivadores, muitos e muitos reformados e pensionistas, alguns desempregados e “precários”, centenas de milhares de portugueses tomaram parte activa em acções de protesto e resistência de uma ponta a outra do país. Parte activa, muito mais do que concordar. Pelos vistos, enquanto não partirem uma montra, são irrelevantes e não contam para nada. É um erro que o governo pode pagar caro.
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O CAOS QUE SE TRANSMITE DE CIMA PARA BAIXO
Há muitas consequências negativas no desempenho de várias instituições que pouco tem a ver com os cortes orçamentais, mas que são consequência de uma contínua incompetência, e de muito dolo, na política governamental. Imaginem que são reitores de uma grande universidade e que têm desde meados do segundo semestre de 2013 que preparar o orçamento dessa universidade e os planos e acção dele decorrentes para 2014. E que o fazem na base do número preliminar indicado e negociado pelo governo para 2014, em conversações formais com os responsáveis pela política educativa. E que, com os trabalhos já avançados, algum reitor mais curioso foi ver na Internet o que é que o Orçamento de Estado continha para as universidades e descobriu que, sem prévio aviso, o valor dos cortes tinha duplicado. Não era “tinha aumentado”, era ter duplicado. Foi o que aconteceu com os reitores reunidos no seu órgão próprio, dando origem a um violento protesto e a uma ruptura de negociações com o governo.
Há Universidades portuguesas que conseguiram, após muito esforço, serem creditadas em rankings internacionais. Essas universidades são avaliadas também pela sua capacidade de planificação e cumprimento dos objectivos. Como é que um caos pode dar origem a um plano? Não pode. Há muita destruição de recursos na sociedade portuguesa que apenas tem a ver com este modo de fazer política assente no engano e com muita incompetência no topo do estado.
Esta é uma história verdadeira. Portuguesa. De 2013.
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HOMENAGEAR RAMALHO EANES
A homenagem a Ramalho Eanes foi apoiada por um sentimento generalizado pelos portugueses de ser inteiramente merecida. Não é comum haver um político do passado recente, que tenha um prestígio tão naturalmente reconhecido, como acontece com Eanes. Como todos os políticos, e é como político que a unanimidade na homenagem se torna mais rara, Eanes foi controverso e tomou decisões contestáveis. Eu fui um crítico muito duro da sua última Presidência e do processo de criação do PRD que ele patrocinou. Num certo sentido, Eanes atrasou a plena consolidação de uma democracia política, cujo caminho ele ajudou a abrir pelo seu papel no 25 de Novembro. Os seus conflitos com Sá Carneiro e Soares vieram daí, e sempre estive próximo das críticas que então fizeram a Eanes.
Porém, de há muito reconheço na figura de Ramalho Eanes uma dignidade pessoal e um sentido de estado e de serviço público, que são tão escassos na actualidade, que brilham no meio da escuridão moral e cívica em que está mergulhada a nossa vida pública, dominada por gente obcecada pela sua carreira, permeáveis a tudo, menos no seu bem-estar e “protagonismo”. Não admira que Eanes fosse ficando sozinho na sua honra modesta, enquanto ao lado tudo apodrecia. Não é que o seu mérito não seja absoluto, mas o feito do seu mérito ainda se salientou mais devido à degradação da política portuguesa.
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A PRESIDÊNCIA EUROPEIA É UM DIREITO NÃO É UM PRÉMIO AO BOM COMPORTAMENTO
Parece que os gregos teriam sido ameaçados (por quem?) de que se não se portassem bem com a troika, ou seja, se não aplicassem mais austeridade sobre muita austeridade, não poderiam assumir a presidência rotativa da UE que lhes cabe por direito próprio no primeiro semestre de 2014. Se isto aconteceu, e são altos responsáveis gregos que o dizem, é inaceitável e viola todos os Tratados europeus. Mas é assim que está a União Europeia. Muito mal.
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© José Pacheco Pereira
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