ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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11.12.13
A SEGUNDA MORTE DE SÁ CARNEIRO
As comemorações pelo PSD do aniversário da morte de
Francisco Sá Carneiro nos últimos anos têm-se caracterizado por serem
feitas quase por obrigação do calendário, sem autonomia política, e com
crescente e acentuada mediocridade.
São, de um modo geral,
realizadas em conjunto com o CDS, a pretexto de homenagearem Adelino
Amaro da Costa, o que tem sentido pelo destino comum e efectivos laços
mútuos entre os dois homens, mas nada justifica que o PSD não
complemente as cerimónias comuns por iniciativas autónomas, acabando
assim o partido por servir apenas como instrumento eleitoral que permite
ao CDS aceder ao poder. Há diferenças programáticas e políticas entre
os dois partidos e é um sinal de um oportunismo táctico que se iludam
essas diferenças a favor de uma amálgama sem identidade, nem sentido.
Na
verdade, as comemorações, que a actual direcção do PSD por sua vontade
deixaria no esquecimento, servem apenas para usar Sá Carneiro, num único
dia do ano, para o transformar num símbolo morto para legitimar quem
nada tem a ver com ele, nem como pessoa, nem como político, nem como
parte do mesmo movimento político e ideológico, nem no programa escrito,
nem na história concreta do PSD que é o seu programa não escrito.
Uma
antologia das frases mais significativas de Passos Coelho, das posições
da revisão constitucional que encomendou a Paulo Teixeira Pinto, e dos
seus mentores ideológicos que ele levou dos blogues ultraliberais e dos think tanks
universitários mais conservadores para o Governo e para os gabinetes,
revela a enorme distância entre aquilo que, com muito boa vontade,
podemos chamar o seu “pensamento” e o núcleo central do pensamento de Sá
Carneiro. Bem pelo contrário, eles representam um dos lados daquilo que
Sá Carneiro combateu – o outro era o comunismo – com toda a clareza e
sem margem para dúvidas. O PSD foi feito contra o PREC e contra a
manutenção de formas de controlo militar da democracia civil, e esse
combate assentava num programa positivo de combinação do liberalismo
político com a doutrina social da Igreja, e a experiência da
social-democracia europeia. Como Sá Carneiro repetiu vezes sem fim toda a
sua vida, isso colocava o PSD fora do âmbito da “direita” e é
interessante verificar, em múltiplas entrevistas dadas no I Congresso
fundacional do PSD, como essa afirmação é repetida. Magalhães Mota
afirma explicitamente que o PSD, então PPD, não era um partido de
“direita”, nem sequer exclusivamente do “centro”, ou seja, podia ter
também (e tinha) parte da “esquerda”. Cavaco Silva repetiu o mesmo mais
tarde.
O revisionismo actual do pensamento de Sá Carneiro faz-se
essencialmente valorizando os aspectos coreográficos da sua vida
política e, mesmo assim, nem todos, dissociando-os do seu aspecto
político e ideológico, considerado “de época” ou “ultrapassado”, ou
resultado de uma deslocação “táctica” para a esquerda devido às
circunstâncias da época (uma típica projecção do oportunismo ideológico
dos dias de hoje…). Repare-se neste texto de Sá Carneiro, que seria
certamente considerado ultra-esquerdista, quando não comunista, se fosse
lido na Aula Magna sem indicação de autor (e estive para o fazer):
Sá Carneiro ainda não
falava, como falam os actuais dirigentes do PSD, quase obsessivamente de
“empresas”, e conceda-se que ele pretendia referir-se-lhes quando
falava de “unidades de produção”, mas, fora disso, o que é que está aqui
que não seja preciso do ponto de vista político e programático? E que
não seja consistente com muitas outras afirmações de Sá Carneiro
explícitas sobre o capitalismo e a tecnocracia, “o poder é pertença de minorias compostas pelos detentores do grande capital e por membros da tecno-estrutura”. Todas estas citações estão rigorosamente dentro do contexto. E há muitas mais.
Considerando obsoleto o seu pensamento explícito, Sá Carneiro fica assim reduzido apenas a um actor político, que combateu o PCP no PREC, combateu Eanes e o Conselho da Revolução, combateu Soares e o PS, foi criador e primeiro-ministro da AD, reduzindo-se os seus actos a uma espécie de gramática da acção, sem o léxico e a semântica das suas ideias políticas. Ora, se há coisa em que Sá Carneiro não queria que existisse nenhuma dúvida, era que actuava baseado em princípios políticos, ideais e tradições, pelo que não pode ser reduzido, como foi por Passos Coelho, a um lutador contra o défice e a dívida, ele que nunca admitiria que Portugal pudesse ser um “protectorado”, ou que o poder do Parlamento e da soberania popular dos portugueses fosse “automaticamente” deslocado para a burocracia europeia. Tirar-lhe esta identidade é matá-lo pela segunda vez. A actual direcção do PSD é mais próxima de um Tea Party à portuguesa, burocrático, sem apoio popular, “europeísta” e desligado da comunidade orgânica dos portugueses, que despreza o primado da “pessoa”, a “dignidade do trabalho” e a “justiça social”, que no programa genético do PSD feito por Sá Carneiro não são meras palavras, mas identidades inquestionáveis do partido. Feita de admiradores de Sarah Palin, de gente que quando vai à Grécia vem de lá apodado de “alemão”, de entusiastas do efeito revolucionário do programa da troika e do FMI para pôr em ordem os “piegas”, punir a classe média “que vive acima das suas possibilidades”, colocar os pobres naquilo que eles merecem, uma “assistência aos desvalidos”, oferecer às empresas estrangeiras um país de baixos salários, e falar todos os dias, como se fosse a coisa mais natural do mundo, de despedimentos, cortes de pensões e reformas (desculpem, “poupanças”), como a quinta-essência da acção política. Ainda por cima sorrindo, com empáfia e descaramento, porque estão a fazer uma “revolução” e a “salvar o país”.
O que é que Sá Carneiro tem a ver com esta gente? Muito: atacou-os toda a vida.
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© José Pacheco Pereira
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