Um
longo convívio com livros e papéis antigos ensina muito sobre a
natureza da vida, da história, das pessoas. Poucas coisas são mais
loquazes do que os livros, é preciso é saber ouvi-los.
A voz tem
que ser forte porque, para cada livro vivo, há bibliotecas gigantescas
mortas. Aqui há uns tempos, na Hungria, fez-se uma exposição só com os
livros que ninguém tinha consultado desde 1989 nas bibliotecas nacionais
e cemitério mais povoado é difícil. O nome da exposição era Biblioteca Morta.
Mesmo que a data fosse mais longínqua, muito livros lá entrariam. No
entanto, nesta matéria de livros, mesmo os mortos falam, sussurram pelo
menos. Pouco provável que tudo isto seja, nas páginas do Público, alguns
livros dessa Biblioteca Morta vão falar e ser ouvidos.
Entre
as coisas de que falam os livros mortos encontra-se a fama, o desejo
oculto de reconhecimento e glória expresso em toneladas de volumes
esquecidos. A fama é vã, mil e uma citações clássicas dizem o mesmo. A
glória é vã, vanglória é a palavra apropriada. E, no entanto, como o
mundo em que vivemos é bem pouco clássico, a fama tem hoje um
considerável sucesso, boa imprensa e melhor televisão. Por todo o lado,
carreiras baseadas apenas em se ser conhecido seja onde for, seja por
que for, merecem atenção de muitos. É hoje uma indústria vigorosa que
casa bem com o crescendo de espectacularidade na comunicação, e que
depois impregna todo o espaço público.
O desejo de "ser famoso", "ter protagonismo", é transversal a todas as actividades humanas e encontra hoje poucos sic transit gloria mundi no
seu caminho. E uma miríade de pequenas personagens espalha a sua "fama"
muito para além dos quinze minutos a que poderiam ter direito por
qualquer crime hediondo. Heróstrato teve que incendiar o templo de
Artemisa para hoje ainda ser lembrado, o que mostra que não é preciso
ter qualidade nenhuma para ficar na história, de novo uma história sobre
a fama em reverso. E Warhol institucionalizou o direito aos quinze
minutos de fama, o que a tornou ainda mais barata embora mais breve.
Pagou o preço ele próprio com três buracos de bala da fama de Valerie
Solanas, cujo manifesto e movimento SCUM ainda hoje aparecem nas
antologias à sua custa.
Que a coisa é breve, mesmo quando voa
alto e parece indestrutível, os livros mostram-no bem. Na minha
biblioteca familiar, começada ainda no século XIX, há um número
considerável de livros de um autor que desconhecia de todo:
Charles-Antoine-Guillaume Pigault de l"Épinoy, conhecido por
Pigault-Lebrun. A maioria destes livros é do fim do século XVIII e do
início do século XIX e era evidente pelo número de edições que tinham
sido um enorme sucesso, best sellers como o Código Da Vinci.
Ora, mesmo em França, o número de pessoas que conhecem Pigault-Lebrun
fora dos estudiosos de literatura, é escassíssimo, e muito menos serão
os que se lançam na aventura de o ler.
Lista (incompleta) de 71 volumes de obras de Pigault-Lebrun.
O homem tem uma biografia
curta na Wikipedia, sinal seguro de esquecimento, mas nem por isso
menos interessante. Era um libertino divertido, aventureiro, actor,
encenador, funcionário das alfândegas e bibliotecário de um dos
príncipes Bonaparte, com um historial de prisões por questões de saias,
uma das quais a pedido do pai. Andou por Inglaterra a seduzir senhoras,
teve que fugir, e veio para França fazer o mesmo. Era um pouco mais novo
do que o Marquês de Sade, mas apanhou o mesmo período turbulento da
História francesa, a Revolução do princípio ao fim, Terror, Directório e
Império. Aos quarenta anos, resolveu escrever e os seus livros e as
suas peças de teatro são, como se imagina, intragáveis, mas foram um
grande sucesso.
O apogeu e a queda de Pigault-Lebrun não
passaram despercebidos aos seus leitores mais ilustres, porque
Pigault-Lebrun não tinha apenas um sucesso popular, mas era considerado
por homens como Stendhal e Flaubert. E foi também com surpresa que
descobri que Flaubert já se tinha interrogado em 1852 sobre o mesmo que
quase duas filas de estante me tinham "dito" sobre o pobre autor (já não
se consegue dizer nada de novo sobre nada, que é outra lição de
vanglória que os livros ensinam...). Numa carta, Flaubert diz a uma
amiga que lera, imagine-se, Pigault-Lebrun e Paul de Kock, e que essas
leituras o tinham deixado numa "atroz melancolia". E continua: "O que é
que é a glória literária?" Nada, como se vê, porque Pigault-Lebrun já
estava esquecido poucos anos depois da sua morte.
Obras de Paul de Kock traduzidas em português.
Curioso, e de
novo nada de novo sobre a terra, o segundo autor de que queria falar
hoje, ligado à voz sussurrante dos livros, era esse mesmo... Paul de
Kock. Como com Pigault-Lebrun, Paul de Kock está super-representado na
biblioteca familiar. Literalmente mais de cem títulos, incluindo alguns
com vários volumes, como também acontecia com Pigault-Lebrun, que
parecem ter sido avidamente lidos e depois, nada. Edições baratas a
desfazerem-se e volumes encadernados a rigor, Paul de Kock estava por
todo o lado. Tinha porém na biblioteca familiar, a dúbia honra de também
ter alguns dos seus volumes no móvel que era conhecido como "inferno",
onde, fechados à chave, havia alguns volumes considerados impróprios
para menores, ou perigosos para maiores. Renan, Karl Marx, Guerra
Junqueiro e Paul de Kock, supostamente por ser brejeiro.
Se a
Pigault-Lebrun ainda tentei ler para perceber a fama, desistindo
rapidamente, a Paul de Kock nem essa tentativa fiz, o que pode
significar que estou aqui a dizer monumentais asneiras sobre um génio
ignorado. Penso que não, mas outra coisa que os livros dizem é que é
melhor não os enterrar de vez na classificação de menores ou de
esquecidos, porque um dia um cineasta faz um filme, ou alguém publica um
ensaio de sucesso e eis que o meu autor ignorado volta como "autor de
culto". Como os intelectuais, debaixo deste rótulo, são capazes de
louvar e até de ler, as coisas mais absurdas de más, pode ser que Kock
se levante do túmulo do esquecimento. Duvido. Mas enfim...
Outro
esquecido representado em robustos volumes é Alexis Piron, mais velho do
que os outros dois. Piron sobrevive hoje quase só pelo seu epitáfio; "Ci-gît Piron qui ne fut rien / Pas même académicien",
que, convenhamos, não é má maneira de sobreviver. Mas os seus versos e
peças de teatro, que enchem uma fila de estante, mesmo assim muito menos
que Pigault-Lebrun e muitíssimo menos que Paul de Kock, também têm lá
pousada a mosca que nas naturezas-mortas lembrava a fragilidade dos bens
da vida.
Nestes tempos complicados, cheios de ruído e nada, os
velhos livros lá estão para nos ensinar alguma coisa. Essa coisa é muito
simples: quem os viu e quem os vê.
Uma das coisas que se aprendem na vida pública é que existe em Portugal pequeno amor pela liberdade de expressão. Muita gente pode jurar em contrário, mas sempre que há uma concreta evidência de abusos de poder, ou mesmo potenciais crimes por parte de governantes, nunca há suficiente força na opinião pública para haver consequências. Pelo contrário, tudo o que envolva dinheiro, legítimo ou criminoso, real ou inventado, grave ou irrelevante, mobiliza uma fronda colectiva que varre tudo à sua frente, justos e injustos misturados. E só não varre mais e só não varre onde deve, porque o sistema judicial não funciona.
Pelo contrário, quem se preocupa com a liberdade e quem reage contra os abusos de poder nesta matéria, tão sensível para a saúde da democracia, é atirado para um limbo. O caso da “claustrofobia democrática” ou da “asfixia democrática”, expressões pouco felizes quando se tornaram estereótipos, mas demasiado verdadeiras na sua essência, é um bom exemplo dessa indiferença colectiva pela liberdade e suas condições. Todos os dias há novos exemplos, que suscitam algum barulho, como no caso dos gravadores roubados aos jornalistas, mas que não impediram o deputado que os roubou de voltar a ser escolhido e manter um papel de relevo no Grupo Parlamentar do PS, ou, nos que menos barulho fazem, permitem a indiferença com que foi recebida uma sentença judicial contra Emídio Rangel, com todas as marcas da autodefesa corporativa.
Na Comissão de Inquérito sobre a tentativa de José Sócrates de controlar a TVI, tive ocasião de ver como uma parte significativa da nossa elite política, social e económica mentiu com todos os dentes que tinha para proteger um Primeiro-ministro então “amigo” e também para proteger os seus negócios, presentes e futuros. No final do inquérito, Passos Coelho interveio pessoalmente para proteger Sócrates de conclusões que denunciavam as suas mentiras e o seu papel, e mesmo o BE e o PCP actuaram para evitar as consequências plenas de se verificar que o Primeiro-ministro mentira ao Parlamento. Nenhum quis colocar Sócrates perante as suas responsabilidades e isso por uma razão fundamental: todos pensavam que os portugueses não “compreenderiam” que o Primeiro-ministro pudesse cair porque conduzira através dos seus homens de mão uma operação para controlar uma estação televisiva que tinha noticiários hostis e fazia mossa ao governo. E, deste ponto de vista, tinham razão.
Os jornalistas, por sua vez, salvo raras excepções, é muita indignação e lábia, mas rapidamente se deixam envolver nos “lados” da politização do caso e nas tricas entre jornais e entre eles próprios. Ainda há um pequeno número de órfãos de Sócrates nos jornais, que hoje protestam contra Relvas, indiferentes às sucessivas tentativas de Sócrates de manipular a comunicação social, muitas com êxito.
PROTECÇÕES, INTERESSES E INDIFERENÇA
Por tudo isto, as probabilidades de o “caso Relvas” ficar sequer esclarecido, quanto mais ter alguma consequência, serão escassas. O boicote informativo é uma prática habitual que já vem de trás, Sócrates usou-a contra a TVI e o Público, e os dirigentes políticos que andam de braço dado com os dirigentes desportivos, a começar por Relvas, também a conhecem bem.
O que de mais grave existe neste “caso”, a provar-se, é a chantagem de divulgação nas cloacas da Internet, sempre prontas para o serviço, de dados sobre a vida privada de uma jornalista. Isso não é abuso, é crime e pode envolver o acesso indevido, e também criminoso, a recolha de dados sobre a vida pessoal, matéria que está na ordem do dia em certas bases de dados em telefones de antigos agentes secretos, ou em espionagem privada sobre dirigentes desportivos. A acusação é grave, é validada por mais de uma pessoa e aceite como boa pela direcção do Público, mas, quanto mais grave é, mais sólida terá que ser a prova, mesmo que só testemunhal. O resto, ou mesmo esta alegada chantagem, a ERC irá tornar tudo inócuo numa resolução vaga e inconclusiva, como a do “caso Rosa Mendes”. Na verdade, ninguém quer saber disto para nada. Não se come liberdade de expressão, nem se deposita num banco, nem dá para fazer cartas anónimas.
I find it very difficult to enthuse Over the current news. Just when you think that at least the outlook is so black that it can grow no blacker, it worsens, And
that is why I do not like the news, because there has never been an era
when so many things were going so right for so many of the wrong
persons.
Lincoln
disse uma vez que o "carácter é como uma árvore e a reputação como a
sua sombra". E depois acrescentou "a sombra é aquilo que nós pensamos do
carácter de alguém e a árvore é a coisa mesmo, the real thing". Ora,
sobre a "sombra" uma coisa se sabe hoje de ciência certa, no Portugal de
2012: todos os partidos perderam a sua "honra". E sobre a "árvore"
também se suspeita que secou, tornou-se híbrida, transplantou-se, andou o
Lyssenko a fazer falsas experiências com os seus troncos, ou, nesta
matéria, Mendel não tem razão e há mesmo laranjeiras a crescer na
Sibéria, como toda a gente sabe que porcos a voar fazem hoje parte do
quotidiano. A evolução foi cruel, a "árvore" entranhou a "sombra" e
ambas se envenenam mutuamente a cada dia que passa.
Comecemos
pelo "centro", cada vez mais à direita, PSD e PS. A crise actual
funcionou como um brutal empurrão que deslocou os dois principais
partidos dos seus eixos ideológicos identitários, partindo-os em
fragmentos e colocando esses pedaços num mesmo local comum. Hesito em
dizer vala comum, mas pode ser que seja. É verdade que cada um deles já
estava de tal modo fragilizado na sua identidade que o vendaval da crise
os apanhou muito enfraquecidos, com os seus aparelhos moldados pela
partidocracia, com um pessoal político muito medíocre, esquecidos de
tudo, da sua génese, do seu passado, da sua história. Deixaram de
conhecer os seus pais, porque eles hoje parecem pouco apresentáveis nos
salões da Finança e do Poder. O PS e o PSD estão a perder a classe média
que empobrece, e o "centro" político que, oscilando entre um e outro,
lhes permitia alternar nas eleições.
Este mesmo vendaval apanhou
igualmente os extremos do espectro político, mais à esquerda do que à
direita, porque o CDS ainda tem conseguido manter alguma coisa da sua
"honra perdida", em grande parte por uma muito criteriosa escolha de
ministérios, que lhe permite manter a ideia de que está no governo a
fazer o que prometia na oposição. Não está, mas parece. O ponto frágil
dessa "honra perdida" é o seu europeísmo obediente, que substitui um
eurocepticismo que, pelo menos, tinha identidade e sentido. O CDS
satisfaz cada vez menos as suas clientelas tradicionais e nem sempre
quem desaparece nos momentos difíceis consegue regressar e encontrar
tudo na mesma.
O PCP continua, no essencial, a viver da vantagem
de parecer que não muda, embora mude alguma coisa mas menos do que
precisava. O retorno da "linguagem de pau" - um bom exemplo é a
repetição de chavões como é o caso do "pacto de agressão" - empobrece o
discurso e torna-o estereotipado. A representação de estratos sociais
determinados é, ao mesmo tempo, uma força e uma fraqueza. Gera um núcleo
duro, duríssimo, mas impede-o de sair daí para fora e de se alargar.
Não se pode ao mesmo tempo ter altas e fortes muralhas, concentrar aí
todo o seu exército, e controlar o campo lá fora.
A
extrema-esquerda está igualmente mal e não consegue lidar com uma nova
fase de fragmentação, que terminou com o período em que o Bloco de
Esquerda funcionava como pólo de atracção, substituindo-o por uma
amálgama de novos grupos como o MAS, vários sectores dos "indignados",
pequenos grupúsculos anarquistas e contraculturais, que oscilam entre o
folclore contestatário e a violência desejada, mas ainda não presente. O
BE, que na sua génese, quer no PSR, quer na UDP, continua a ser um
partido com um modelo leninista de controlo, torna-se indiferente para
os novos indignados, que acham mais "graça" aos "anónimos" e a fazer
contestação em inglês para a juventude precária da classe média pobre.
Tudo
na extrema-esquerda está a andar para trás, tudo no centro e na direita
está a acelerar "prà frentex", pensando que vai para a frente. Nuns, a
tartaruga ou o caracol escondem-se bem dentro da sua casca-casa, e
noutros o corpo despido vai tão depressa que deixou a carapaça atrás.
Todos dão pouca "sombra" e a pouca que dão ninguém a quer. Mas se a
"sombra" não oferece dúvida, o que é que se passou com a "árvore"?
Há
várias maneiras de falar sobre isto. Uma é a antiga e sempre renovada
tese do fim das ideologias. Estaríamos assim a lidar com meros aparelhos
do poder, que naturalmente se deslocam no contínuo político em função
das oportunidades que ele lhes dá, e não tem nenhuma âncora ideológica
ou política estável. Navegam à vista, se for preciso serem pretos, são
pretos, se for preciso serem vermelhos, são vermelhos e por aqui
adiante. Nesta tese não vale a pena falar de qualquer fidelidade
ideológica, porque esta não existe de todo, ou é apenas retórica.
Outra
tese também muito comum é que o mundo que se reflectia nos programas e
nas ideologias partidárias - o que não é a mesma coisa - não corresponde
às características das sociedades actuais, as ideias e práticas não se
renovaram e por isso aumenta a bifurcação entre os caminhos do mundo e
os caminhos partidários. Muitos fenómenos, a globalização, as redes
sociais, a "nova economia", etc., etc., são apontados como realidades a
que os partidos portugueses não se adaptaram.
Embora haja alguma
verdade nestas explicações, no essencial não me convencem muito.
Primeiro, porque a nossa vida social e política, económica e cultural
continua a ser dominada por um grande arcaísmo, no sentido em que mesmo
na "rua" prevalecem atitudes e comportamentos que não se distinguem
muito dos do passado. Depois, porque a regressão social provocada pela
crise não é uma força de modernização mas de retrocesso e, por isso, os
factores de arcaísmo ainda serão mais acentuados. A crise não faz
oportunidades, destrói-as e a oportunidade de mudar os partidos para
lhes restituir a "honra", de regar a "árvore" para lhe dar outra
"sombra", é cada dia menor.
A ilusão de que pode haver uma qualquer modernização no sistema político-partidário gerada pela crise parece-me wishful thinking.
Bem pelo contrário, o que me parece é que vai acontecer exactamente o
contrário: o reforço de práticas antigas, certamente implementadas por
gente nova, o que só lhes dá mais força e vigor, mas não as torna
melhores. O clientelismo não deixa de ser o mesmo, quer se faça no
obséquio pessoal ou na carta de recomendação, quer se faça nos blogues
ou nas redes sociais. A corrupção não deixa de ser sempre a mesma, quer a
lavagem de dinheiro se faça pelo transporte de malas ou por
transferências electrónicas. O debate rudimentar e grosseiro de um
espaço público anémico não deixa de ser o que é, quer se faça num
editorial de um jornal ou numa polémica nos comentários de um blogue.
A
"honra perdida" não se recuperará, muito menos a tempo de poder dar aos
partidos a função que se lhes exigia numa democracia em tempos
revoltos. A crise favorece o atraso e o subdesenvolvimento, isola o
melhor e torna-o um alvo para a mediocridade, favorece o mal e estiola o
bem. Portugal é a nossa amada pátria, mas não vai ser amável viver nela
nos tempos que estão e nos tempos que continuarão.
“People are wrong when they think that an unemployed man only worries about losing his wages; on the contrary, an illiterate man, with the work habit in his bones, needs work even more than he needs money. An educated man can put up with enforced idleness, which is one of the worst evils of poverty. But a man like Paddy, with no means of filling up time, is as miserable out of work as a dog on the chain. That is why it is such nonsense to pretend that those who have 'come down in the world' are to be pitied above all others.
The man who really merits pity is the man who has been down from the start,
and faces poverty with a blank, resourceless mind.”
This is what she says about Russia, in the year 2000, in
a restaurant on Prince Street, late on a summer night
She says: all the chandeliers were broken and in the winter,
you couldn’t get a drink, not even that piss from Finland.
The whole country was going crazy. She thinks she is speaking
about the days before she left, but I think, actually, that she is
recounting history. Somebody should be writing all this down
Or not. Perhaps the transition from Communism to a post-Soviet
federation as seen through the eyes of a woman who was hoping,
at least, for an influx of French cosmetics is of interest only to me.
And why not? It seems that the fall of a great empire—revolution!
murder! famine! martial music!—has had a personal effect.
Picture an old movie: here is the spinning globe, the dotted line
moving, dash by dash, from Moscow across the ocean to
New York and it’s headed straight for me. Another blonde
with an accent: the city’s full of them. Nostrovya! A toast
to how often I don’t know what’s coming at me next.
So here is a list of what she left behind: a husband, an abortion,
a mathematical education, and a black market career in
trading currencies. And what she brought: a gray poodle,
eight dresses and a fearful combination of hope, sarcasm,
and steel-eyed desire to which I have surrendered. And now
I know her secrets: she will never give up smoking.
She would have crawled across Eastern Europe and fed
that dog her own blood if she had to. And her mother’s secrets:
she would have thought, at last, that you were safe with me.
She hated men. Let me, then, acknowledge that last generation
of the women of the enemy: they are a mystery to me.
They would be a mystery even to my most liberal-minded friends.
That’s not to say that the daughter, this new democrat, can’t be
a handful. And sometimes noisy: One of those girls you see
now (ice blue manicure, real diamonds and lots of DKNY)
leans over from the next table and says, Can’t you ask your wife
to hold it down? My wife? I suppose I should be insulted,
but I think it’s funny. This is a dangerous woman they want
to quiet here. A woman who could sew gold into the ragged lining
of anybody’s coffin. Who knows that money does buy freedom.
Who just this morning has obtained a cell phone with a bonus plan.
She has it with her, and I believe she means to use it.
Soon, she will be calling everyone, just to wake them up.
Pouca gente mereceria mais o Prémio Pessoa do que Eduardo Lourenço. Devo muito a Eduardo Lourenço, a começar pelo segundo volume de Heterodoxia e pelo ensaio crítico que escreveu sobre a poesia neo-realista, os primeiros textos que li de um português que criticavam a hegemonia cultural do marxismo soviético na sua tradução nacional sem ser possível colocá-lo do lado dos defensores do regime.
Hoje, livros como o Heterodoxia, parecem coisas simples, mas eram coisa para o gigantesco na altura em que foram feitos. E tão excepcionais eram que foram respondidos pelo silêncio que protege a incomodidade. O livro permanecia, como aliás muitos escritos de Lourenço, num limbo bem afastado da moda corrente, na primeira edição. Escrevi-lhe então uma carta entusiasmada sobre o livro, a que ele retribuiu gentilmente e mais tarde convidou-me para participar na apresentação da segunda edição no Centro Nacional de Cultura. E a partir daí participamos nalguns projectos comuns e temos mantido uma estima pessoal e intelectual que não posso deixar de lembrar com o meu gosto pelo seu prémio. Também eu conheço, como Vasco Graça Moura lembrou recentemente, a sua escrita quase ilegível, quase como se as suas palavras procurassem ser uma espécie de sinal vital essencial, de perturbação humana sobre a linha flat da morte.
No seu discurso a receber o prémio, Lourenço fez também uma coisa cada vez mais rara: trouxe consigo esse “país estrangeiro” que é o passado, para homenagear, ao receber o Pessoa, o papel dos que ajudaram Pessoa a ser mais do que um grande poeta, um elemento simbólico dos nossos tempos portugueses do século XX. Falou de gente esquecida como Adolfo Casais Monteiro ou João Gaspar Simões, que alguns, poucos, intelectuais recordam e ainda menos lêem. E ao falar sobre eles, falou também sobre si. Falou num momento de consagração pessoal, sobre como é efémera essa glória e como nós temos uma excelente capacidade para esquecer o importante e uma excelente capacidade para perpetuar a trivialidade. As duas coisas juntas foram o seu verdadeiro discurso sobre a crise.
How easy it is for generous sentiments, high courtesy, and chivalrous courage to lose their influence beneath the chilling blight of selfishness, and to exhibit to the world a man who was great in all the minor attributes of character, but who was found wanting when it became necessary to prove how much principle is superior to policy.
( James Fenimore Cooper, The Last of the Mohicans, 1826)
Vai-se
realizar em breve um leilão da Livraria Luis Burnay de manuscritos,
fotografias e efémera, com um conjunto excepcional de espécies. O
catálogo já saiu e por ele se pode medir a relevância do leilão, muito
centrado nos séculos XVIII e XIX. Uma parte importante está associada a
correspondência particular de e para o intendente-geral da Polícia, o
famigerado Diogo Inácio de Pina Manique.
Porém, não é a
importância do leilão que aqui me interessa, mas sim o que muitas das
suas peças, correspondência em particular, revelam sobre Portugal, o de
então e o de hoje. Cobrindo trezentos anos, o Portugal que lá está
retratado não é homogéneo e tem muitas diferenças nesta série
cronológica. Há todo um mundo, principalmente o do "antigo regime" até à
ida da corte para o Brasil, as invasões napoleónicas, a revolução
liberal e a guerra civil, que desapareceu de todo. Aquela nobreza,
aqueles criados, aqueles "pardos" e "negros", escravos que andavam por
Lisboa, desapareceram e com eles os lugares das "pessoas" na rígida
ordem social. Já no mundo oitocentista, em particular no período do
constitucionalismo monárquico, reconhecemos muito do Portugal dos nossos
dias, até porque aí são políticos e intelectuais que aparecem melhor
representados nos manuscritos da época, e estes mudam muito menos do que
desejariam. Mas, globalmente, só por anacronismo se podia pensar que se
pode traduzir à letra para o Portugal de hoje muito do que aparece nas
cartas e bilhetes que vão ser leiloados. E, no entanto, se não for à
letra...
A maioria dos manuscritos são cartas e bilhetes,
enviados por portador, criados e soldados, e depois pelos serviços do
correio. A parafernália associada à correspondência antiga está toda
presente, lacres, selos, assinaturas elaboradas, envelopes desenhados
com monogramas e brasões, e acima de tudo um universo da escrita
elaborado, cheio de regras de etiqueta, mas muitas vezes saltando para o
estilo vivo, a ironia, a qualidade literária e o valor histórico. Uma,
entre várias cartas de Camilo, mostra essa ironia criativa: "O Jorge
também aqui está. Come bem. Hontem depois de comer três costelletas e ½
canada de verde dizia que a respeito de ceo só conhecia um: o ceo da
boca. Isto se não é puro Voltaire, a Conceição não era capaz de o
dizer." Ramalho Ortigão também lá está, pedindo a um genro coisas bizarras de Paris: "Peço-lhe
que me compre na Rue de l"Université n"uma brosserie que fica à entrada
a caminho da minha antiga casa, logo ao sahir do Pont de la Concorde -
um osso de veado destinado à adoucir la chaussure. Custa 1fr. 50"".
A
correspondência era o meio habitual de comunicação num mundo sem
telefone, com distâncias difíceis de percorrer, e as cartas serviam para
fazer "mover" a sociedade, com os seus interesses, curiosidades,
seduções, bajulações, intrigas e favores. É isso que torna estas cartas
particularmente interessantes, porque nunca passou pela cabeça dos seus
autores que pudessem ser conhecidas fora do seu interlocutor e muito
menos publicadas. Elas contêm alguma política, alguma vida militar,
alguma actividade intelectual, mas acima de tudo são aquilo que os
ingleses chamam a slice of life, uma fatia da vida comum. Ora essa slice of life diz-nos muito sobre o nosso Portugal.
Um
dos aspectos mais significativos era o papel do favor, da cunha, do
empenho, do clientelismo e do patrocinato. Os "conhecimentos" e as
"protecções" eram fundamentais para quem não fazia parte dos de cima, e
isso introduzia uma relação clientelar habitual na sociedade. A nobreza
actuava assim, embora haja uma observação cruel sobre os nossos nobres
num apontamento dos papéis do conde da Carreira, que também estão no
leilão: "Que cousa é um titular portuguez? É uma espécie de animal
vil, ignorante, orgulhoso e caloteiro. Há porem alguas raras,
excepçoens, mas talvez não haja um só titular ou individuo da raça
titular portugueza, aquém não convenha uma das qualidades da definição,
entretanto que todas as quatro assentão perfeitamente na generalidade."
Porém, quando o marquês de Abrantes escreve ao Barão de Quintela, em 1805, para favorecer um canteiro seu afilhado que "se
valle de mim para eu rogar a V. Srª o favor de lhe dar de empreitada a
cantaria da sua obra (...) por isso pesso a V. Srª (...) me fassa o
obsequio de preferir o meu afilhado"; ou quando o marquês de Angeja, em 1791, pede a Pina Manique o favor "de mandar admitir no [Recolhimento do] Castello,
hum minino para nelle aprender a ler, escrever, e depois ser instruído
na arte que lhe for mais útil e da sua inclinação"; ou o quando o duque de Cadaval pede ao mesmo Pina Manique para libertar um preso dizendo que "tenho no meo serviço um Muzico chamado Vipe e querendo eu oje divertir-me fazendo huma pouca de Muzica"(...)
mas não o acharão em Caza e agora me dizem fora prezo a Ordem de V.
Srª, queria então dever a V. srª o obezequio de mo mandar soltar ó
omenos dizer-me arrazão porque está Prezo"; todos estão a fazer algo
de absolutamente normal na sociedade da época. Cento e cinquenta anos
depois, nos anos vinte do século XX, a escritora Branca de Gonta Colaço,
filha de inglesa, faz o mesmo tipo de empenhos: "O portador da presente chama-se Adriano Esteves. É bom rapaz, honrado, trabalhador, sabe
ler e escrever. Eu gostava tanto de o ajudar a empregar-se!.. No
arsenal como servente, ou ajudante de caldeireiro, - não seria possível?
Elle é noivo da minha cozinheira, que está anciosa por casar-se, e que,
quando a questão do emprego do Adriano Estêves córre mal, nos queima
todos os guizados".
Todos pedem a todos: o marquês do Alegrete, em "huma grande vexação", "a pedirlhe que ou por si ou por algum amigo me empreste dezaseis moedas, as quaes eu satisfaso athe o dia vinte de Janeiro"; o marquês de Alorna, o envio de um italiano especialista em bichos-da-seda , agradecendo
"pelo socorro que me derão para a restauração d"esta fabrica de seda,
que se achava em grande decadéncia, pelo descuido e falta de exacção do
Capitão Mor de Avis, que (...) me deixou sem a semente dos bixos que lhe
entreguei"; o conde de Aurora, que pede a Jorge de Faria "interesse
e amiga camaradagem no caciquismo para o Grand-Prix do S.P. N. (...)
Por acaso sei que o ultimo (...) agradou geralmente. - inclusive ao
Ferro e mulher." Lá ganhou o prémio Eça de Queirós.
Os
pedidos ao intendente são reveladores do seu poder, que era um foco de
atracção para as cunhas e favores, e por todo o lado aparecem cartas
pedindo desde coisas sérias a triviais. Há denúncias várias, outra
constante da vida portuguesa, e perigosas pelo homem a quem eram
dirigidas, como esta do conde de Redondo sobre um caso de violência
doméstica: "A Srª Marqueza de Angeija D. Francisca mandou pedir a V. Srª quisesse mandar prender hum homem chamado Luiz [?] pelo
motivo da má vida que este dava a sua Molher fazendo-lhe as maiores
tiranias que pode aver querendoa matar por muitas vezes e ultimamente
mettendo-lhe em caza huma Amiga com quem trata há muitos annos e ate
querendo que sua Molher andasse inculcando huma filha sua a qual
obrigava a andar em trages de Meretriz." Mas há também a mais
absoluta trivialidade das coisas de todos os dias, como o pedido da
marquesa do Lavradio, em 1789, aborrecida com a demora na Alfândega em
lhe chegar um caixote de tabaco e por isso "pesso a V. Srª me queira
fazer o favor deme mandar entregar esse caixotinho de Tabaco Rape (...)
que eu mandei vir para mim" porque lhe "custa a tomar o Tabaco de cá
(...) Avizo ainda que me faz bem falta porque absolutamente já não tenho
nenhum". O intendente recebe também presentes pelos seus serviços. O duque de Northumberland, em 1792, escreve-lhe oferecendo "hum
barril de Cidra de Inglaterra, que mando no Navio, The Seven do Capitão
Shore. Espero quer seja do gosto de V. Srª e que me fará a honra de
acceitallo como hum sincero sinal da minha amizade."
O
problema não está em observar a predominância destas práticas na
sociedade portuguesa do século XVIII e XIX, mas sim em perceber por que é
que elas mudaram tão pouco, mesmo com o aparecimento de burocracias
modernas e com o fim do antigo regime. Antes da existência de uma
burocracia moderna, supostamente alicerçada no mérito, na carreira, nos
títulos escolares e académicos e na competência profissional, era
natural este mecanismo de troca de favores, entre todos os que acediam
ao poder, que intercediam por si e pelos debaixo de si. Mas é impossível
deixar de encontrar um espelho dos costumes pátrios que continua a
existir, agora sem serem postos no papel e de forma mais sofisticada,
mais cara e... ilegal.
François Hollande é uma encarnação de um mal político que de há muito infecta a política em democracia: a ascensão de políticos medíocres aos mais altos lugares, com uma linguagem burocrática e certinha, meia dúzia de promessas completamente irrealistas e insensatas, e a força dos seus aparelhos partidários. No caso de Hollande jogou também a sorte, porque estava no lugar certo no tempo certo, e encontrou um eleitorado que detestava mais o seu adversário do que a ele, e, para tirar um, votou no outro. Já conhecemos isto por cá, e a rejeição de alguém é uma das forças eleitorais mais poderosas para eleger outrem.
Sarkozy gerou essa rejeição, comportando-se nos últimos anos como um parceiro menor de Merkel, exactamente o papel que os franceses têm na Europa mas nunca podem admitir que têm. Sarkozy exagerou na dose e acabou por ser um espelho de fraquezas que o tradicional peito inchado do Chantecler não podia suportar. No fundo, os franceses acreditam que é devido ao canto sonoro do seu galo emproado, que o sol se levanta. Sarkozy tinha a pose mas ninguém o tomava a sério e o resultado foi o que se viu.
É verdade que a eleição de Hollande é um aviso para a Alemanha de Merkel, claro e inequívoco, e pode mostrar um reforço da esquerda europeia assente na rejeição das políticas de austeridade, mas o que ele vai ou não vai fazer ainda está por se conhecer, tanto mais que Hollande ainda tem legislativas para ganhar, decisivas para moldar o seu mandato presidencial.
A CHANTAGEM POLÍTICA SOBRE OS ELEITORES EUROPEUS
Dito tudo isto, até eu fico “hollandiste” ao ver o modo arrogante e sobranceiro com que um conjunto de políticos europeus ligados à fase “Merkozy”, lhe vieram já dizer que tudo o que está feito é inegociável, a começar pelo célebre Pacto da “regra de ouro”. Que Merkel o faça, está no seu papel, embora o seu papel seja hoje mais perigoso e volátil sem o seu parceiro habitual, mas a corte de pequenos Merkel esquece-se que está a falar não só a Hollande como aos eleitores franceses, e, desrespeitando-os nas suas escolhas, a todos os povos europeus. E isso é inadmissível, que nas democracias os eleitores não possam escolher, mesmo que consideremos absurdas e perigosas as suas escolhas. O mesmo se aplica aos gregos.
O Pacto Orçamental é uma escolha política, que Portugal com o excesso de zelo habitual foi logo assinar prematuramente, juntando-se aos gregos com a corda na garganta, mas não é uma “política única”, nem está acima das escolhas democráticas. Os gregos votaram significativamente numa variante local do Bloco de Esquerda, cujas propostas, tenho pessoalmente poucas dúvidas, são um desastre para a Grécia. Mas em democracia é assim, dentro da lei, quem tem votos para governar pode governar, e a “regra de ouro” pode ser rejeitada pelas escolhas livres de cada povo.
O comportamento de chantagem europeu já é hoje um dos factores da crise grega suscitando o nacionalismo e radicalizando-o. Se, face a Hollande, se põe a dizer que a sua eleição e o seu programa são apenas para ser engolidos pela garganta abaixo na primeira ocasião, com mais ou menos discrição, e que está proibido sequer de fazer alguma coreografia de diferenciação, com medo que isso gere tentações em Espanha, na Itália, na Irlanda, Grécia ou Portugal, e assuste os “mercados”, arriscam-se a ter da próxima vez a senhora Le Pen.
In the highest civilization, the book is still the highest delight. He who has once known its satisfactions is provided with a resource against calamity.
MAS QUE TRETA É ESSA DA “AGENDA PARA O EMPREGO E O CRESCIMENTO””?
Há pessoas que acreditam que basta enunciar uma palavra mágica para mudar a realidade. Pelos vistos é o que António José Seguro acredita porque todos os dias centra a sua actividade política na insistência em que se vote um documento qualquer, vago e inócuo, que tem no seu título as palavrinhas mágicas do “emprego” e do “crescimento”, como se essa mera proclamação de intenções resolvesse magicamente ambos os problemas. O governo, se não fosse autista, já o tinha feito, e depois podia continuar na mesma, porque votar ou não votar aquilo não muda nada.
O PS com este procedimento coloca-se numa situação de elo fraco daquilo que é uma complementaridade com o governo. À muito mais concreta indiferença governamental face ao desemprego, e à sua secundarização intencional da recessão, - atitudes duras, pesadas, consistentes, - o PS acena com um leque de palavras e nada mais. É possível actuar de outra maneira face ao desemprego e à recessão económica, é possível ter outro tipo de escala de prioridades, mesmo no actual contexto de austeridade, porque há muita coisa que o governo faz que está para além do cumprimento do acordo com a troika, mas nada disso será barrado por esta coisa mole e inócua que o PS actual lhe põe à frente. Na realidade, o PS permite tudo de pior ao governo, como o fez em matéria laboral, fazendo finca-pé e exigindo em troca apenas abstracções e vacuidades. Não vai longe.
There was a Young Lady of Portugal, Whose ideas were excessively nautical: She climbed up a tree, To examine the sea, But declared she would never leave Portugal.