ABRUPTO

25.5.12


COISAS DA SÁBADO


MAIS GOSTO PELA INVEJA DO QUE PELA LIBERDADE 

Uma das coisas que se aprendem na vida pública é que existe em Portugal pequeno amor pela liberdade de expressão. Muita gente pode jurar em contrário, mas sempre que há uma concreta evidência de abusos de poder, ou mesmo potenciais crimes por parte de governantes, nunca há suficiente força na opinião pública para haver consequências. Pelo contrário, tudo o que envolva dinheiro, legítimo ou criminoso, real ou inventado, grave ou irrelevante, mobiliza uma fronda colectiva que varre tudo à sua frente, justos e injustos misturados. E só não varre mais e só não varre onde deve, porque o sistema judicial não funciona. 

Pelo contrário, quem se preocupa com a liberdade e quem reage contra os abusos de poder nesta matéria, tão sensível para a saúde da democracia, é atirado para um limbo. O caso da “claustrofobia democrática” ou da “asfixia democrática”, expressões pouco felizes quando se tornaram estereótipos, mas demasiado verdadeiras na sua essência, é um bom exemplo dessa indiferença colectiva pela liberdade e suas condições. Todos os dias há novos exemplos, que suscitam algum barulho, como no caso dos gravadores roubados aos jornalistas, mas que não impediram o deputado que os roubou de voltar a ser escolhido e manter um papel de relevo no Grupo Parlamentar do PS, ou, nos que menos barulho fazem, permitem a indiferença com que foi recebida uma sentença judicial contra Emídio Rangel, com todas as marcas da autodefesa corporativa. 

Na Comissão de Inquérito sobre a tentativa de José Sócrates de controlar a TVI, tive ocasião de ver como uma parte significativa da nossa elite política, social e económica mentiu com todos os dentes que tinha para proteger um Primeiro-ministro então “amigo” e também para proteger os seus negócios, presentes e futuros. No final do inquérito, Passos Coelho interveio pessoalmente para proteger Sócrates de conclusões que denunciavam as suas mentiras e o seu papel, e mesmo o BE e o PCP actuaram para evitar as consequências plenas de se verificar que o Primeiro-ministro mentira ao Parlamento. Nenhum quis colocar Sócrates perante as suas responsabilidades e isso por uma razão fundamental: todos pensavam que os portugueses não “compreenderiam” que o Primeiro-ministro pudesse cair porque conduzira através dos seus homens de mão uma operação para controlar uma estação televisiva que tinha noticiários hostis e fazia mossa ao governo. E, deste ponto de vista, tinham razão. 

Os jornalistas, por sua vez, salvo raras excepções, é muita indignação e lábia, mas rapidamente se deixam envolver nos “lados” da politização do caso e nas tricas entre jornais e entre eles próprios. Ainda há um pequeno número de órfãos de Sócrates nos jornais, que hoje protestam contra Relvas, indiferentes às sucessivas tentativas de Sócrates de manipular a comunicação social, muitas com êxito. 

PROTECÇÕES, INTERESSES E INDIFERENÇA

Por tudo isto, as probabilidades de o “caso Relvas” ficar sequer esclarecido, quanto mais ter alguma consequência, serão escassas. O boicote informativo é uma prática habitual que já vem de trás, Sócrates usou-a contra a TVI e o Público, e os dirigentes políticos que andam de braço dado com os dirigentes desportivos, a começar por Relvas, também a conhecem bem. O que de mais grave existe neste “caso”, a provar-se, é a chantagem de divulgação nas cloacas da Internet, sempre prontas para o serviço, de dados sobre a vida privada de uma jornalista. Isso não é abuso, é crime e pode envolver o acesso indevido, e também criminoso, a recolha de dados sobre a vida pessoal, matéria que está na ordem do dia em certas bases de dados em telefones de antigos agentes secretos, ou em espionagem privada sobre dirigentes desportivos. A acusação é grave, é validada por mais de uma pessoa e aceite como boa pela direcção do Público, mas, quanto mais grave é, mais sólida terá que ser a prova, mesmo que só testemunhal. O resto, ou mesmo esta alegada chantagem, a ERC irá tornar tudo inócuo numa resolução vaga e inconclusiva, como a do “caso Rosa Mendes”. Na verdade, ninguém quer saber disto para nada. Não se come liberdade de expressão, nem se deposita num banco, nem dá para fazer cartas anónimas.

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© José Pacheco Pereira
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