ABRUPTO

11.12.10

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COISAS DA SÁBADO: O PODER TEM MUITA FORÇA


Muito do que hoje se diz de Passos Coelho foi dito sobre Sócrates, nas mesmas circunstâncias,: quando ambos pareciam aproximar-se ou se aproximavam do poder. Nalguns casos pelas mesmas pessoas, jornalistas sobretudo. O poder de facto manda muito e a independência, material, mas sobretudo psicológica face ao poder escasseia por uma miríade de razões. O reverso é que quando alguém está a cair ou para cair, todos os que o louvavam antes vão lá espezinha-lo com especial furor.

O que é que estes mecanismos tem em comum? Não é a personagem, a pessoa, cujas forças e fragilidades uma análise mais lúcida e cuidada revela sempre, antes ou depois. O que tem em comum é o poder que os envolve com um manto de inevitabilidade, e que gera uma espécie de groupies muito vocais que gostam sempre de estar na crista da onda, na onda da mudança. Muito desempoeiradas do pó do passado. Ora os e as groupies de Sócrates (que já vinham de Santana Lopes) esvaneceram-se e, com a excepção de um ou dois fiéis genuínos, só sobram os profissionais assalariados pelo Gabinete do PM. Agora pululam os e as de Passos Coelho (que já vinham de Sócrates) escrevendo os mesmos textos reverentes, muitas vezes de uma ingenuidade gritante, beatos até mais não, e caindo em todos os velhos truques da comunicação e de encenação. É o ar do tempo. É o ar do poder anunciado pela inevitabilidade, a que é muito difícil escapar quando se vive na espuma dos dias.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1923 - the Cambridge ladies who live in furnished souls


the Cambridge ladies who live in furnished souls
are unbeautiful and have comfortable minds
(also, with the church's protestant blessings
daughters, unscented shapeless spirited)
they believe in Christ and Longfellow,both dead,
are invariably interested in so many things-
at the present writing one still finds
delighted fingers knitting for the is it Poles?
perhaps. While permanent faces coyly bandy
scandal of Mrs. N and Professor D
....the Cambridge ladies do not care,above
Cambridge if sometimes in its box of
sky lavender and cornerless, the
moon rattles like a fragment of angry candy

(E. E. Cummings)

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8.12.10


COISAS DA SÁBADO: CUIDADO COM O BARULHO MEDIÁTICO SOBRE A POBREZA


… pode estar a fazer-se cedo demais e de forma exagerada o que “gasta” o problema face a um futuro muito mais negro do que o presente. O resultado é que, quando as coisas estiverem mesmo muito negras, os media desinteressar-se-ão delas, a não ser quando haja crimes, suicídios, cenas de alarido público. Ora a pobreza e as enormes dificuldades dos portugueses já são uma coisa muito séria, mas vai ser muito mais séria daqui a um ano. E as palavras gastam-se muito depressa nos media. E, com elas, a atenção dos seus destinatários.

Jornais, rádios e televisões estão cheios de reportagem, relatos e notícias sobre a pobreza que  parece estar por todo o lado. Parece exagerado que, de repente, haja uma epidemia de efeitos, muitas vezes antes sequer das medidas que os provocam começarem a ser implementadas. É verdade que o desemprego já cá está há mais de dois anos (começou antes do início “oficial” da crise pelo nosso preclaro governo…), mas a gravidade do fenómeno acontecerá só quando se esgotarem as almofadas sociais, familiares e públicas, que ainda lhe minimizam os efeitos. E só durante o ano de 2011 é que a quebra abrupta do nível de vida começará em toda a sua gravidade. Por isso, convinha haver alguma contenção, porque a pobreza não é substituir as férias em Cancún por uma semana no Algarve, nem comer menos um bife por semana. É outra coisa muito mais grave, muito mais perigosa e muito menos visível.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1922 - Da Nossa Semelhança

Da nossa semelhança com os deuses
Por nosso bem tiremos
Julgarmo-nos deidades exiladas
E possuindo a Vida
Por uma autoridade primitiva
E coeva de Jove.


Altivamente donos de nós-mesmos,
Usemos a existência
Como a vila que os deuses nos concedem
Para, esquecer o estio.


Não de outra forma mais apoquentada
Nos vale o esforço usarmos
A existência indecisa e afluente
Fatal do rio escuro.


Como acima dos deuses o Destino
É calmo e inexorável,
Acima de nós-mesmos construamos
Um fado voluntário
Que quando nos oprima nós sejamos
Esse que nos oprime,
E quando entremos pela noite dentro
Por nosso pé entremos.

(Ricardo Reis)

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7.12.10


EARLY MORNING BLOGS

1921 - A Letter in October

Dawn comes later and later now,
and I, who only a month ago
could sit with coffee every morning
watching the light walk down the hill
to the edge of the pond and place
a doe there, shyly drinking,

then see the light step out upon
the water, sowing reflections
to either side—a garden
of trees that grew as if by magic—
now see no more than my face,
mirrored by darkness, pale and odd,

startled by time. While I slept,
night in its thick winter jacket
bridled the doe with a twist
of wet leaves and led her away,
then brought its black horse with harness
that creaked like a cricket, and turned

the water garden under. I woke,
and at the waiting window found
the curtains open to my open face;
beyond me, darkness. And I,
who only wished to keep looking out,
must now keep looking in. 

(Ted Kooser)

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6.12.10


AS FUGAS DO WIKILEAKS

As "revelações" do WikiLeaks de 250.000 documentos diplomáticos americanos tem sido a principal fonte de notícias de quase toda a imprensa mundial na última semana. As implicações, quer da quebra do sigilo das comunicações diplomáticas, quer do conteúdo das mensagens, estão ainda no adro e muita água vai passar por baixo da ponte. Mas antes de deixar passar toda essa água seria bom pensar um pouco sobre o que aconteceu e o seu significado e não apenas embarcar no voyerismo imediato que as "revelações" sugerem.

VZCZCXRO9896
PP RUEHAG RUEHBC RUEHDE RUEHKUK RUEHROV
DE RUEHLB #0523/01 1071642
ZNY SSSSS ZZH
P 161642Z APR 08
FM AMEMBASSY BEIRUT
TO RUEHC/SECSTATE WASHDC PRIORITY 1544
INFO RUEHEE/ARAB LEAGUE COLLECTIVE
RUCNMEM/EU MEMBER STATES COLLECTIVE
RUEHNO/USMISSION USNATO 2418
RHMFISS/CDR USCENTCOM MACDILL AFB FL
RHEHNSC/NSC WASHDC



O principal risco no modo como defrontamos estas "revelações" é considerar que elas são jornalismo, quando elas são em princípio e na sua essência um acto político. E um acto político contra os EUA e os seus aliados, inserido num processo em que o WikiLeaks já tem precedentes nas anteriores fugas de informação sobre a guerra no Afeganistão. E face a este acto político cada um toma a posição que entende, sendo claro que a discussão ganha em começar na centralidade do seu significado político antes de mais nada. Neste contexto, estas revelações vêm na sequência da divulgação em 1971 dos chamados "documentos do Pentágono" por Daniel Ellsberg, como manifestação contra a guerra do Vietname.

Ao se atribuir um significado político a estas "revelações", tal significa que elas podem provocar danos no "adversário" e que é esse o objectivo principal da divulgação destas informações classificadas. Tal efeito só existe em democracias, em que há opinião pública, e é por isso que não são os russos, os chineses, os iranianos e os norte-coreanos que são afectados, é a posição "ocidental" no seu conjunto.


S E C R E T SECTION 01 OF 04 BEIRUT 000523 
SIPDIS 

NOFORN 
SIPDIS 

NSC FOR ABRAMS/SINGH/YERGER, STATE FOR NEA/ELA, 

EO 12958 DECL: 04/16/2018 
TAGS PTER, ECPS, PINR, LE, IR, SY 
SUBJECT: LEBANON:  HIZBALLAH GOES FIBER OPTIC 

 REF: BEIRUT 490
 
 
Este é o fio da navalha em que se movem as "revelações" do Wikileaks, mas mesmo este fio pode ser ainda mais afiado. Exactamente por se tratar de uma operação política contra os EUA e os seus aliados, e as "guerras" em que estão envolvidos, este tipo de "revelações" são elas próprias parte dessas guerras. Acresce que o WikiLeaks está a tornar-se uma plataforma desejada para grandes operações de desinformação, que podem, a partir da credibilidade de documentos que, tudo indica, até agora serem legítimos, levar à divulgação de documentos falsificados ou de uma mistura de documentos legítimos com outros falsificados, uma técnica que alguns serviços de espionagem, em particular o extinto KGB, dominavam. Como para manter a confidencialidade das fontes não pode haver verdadeiro escrutínio, não é muito complexo para um serviço de informação profissional e com grandes recursos usar o WikiLeaks no futuro, ou uma outra organização deste tipo.

A intencionalidade política das "revelações" impede que aceitemos a bondade da retórica do WikiLeaks sobre a "transparência", a necessidade do controlo dos governos e o direito de todos à total informação sobre os procedimentos governamentais, como justificativo da publicação destes documentos. Isso teria sentido se, em vez de uma divulgação maciça de documentos, uns com relevância pública, outros sem qualquer valor no esclarecimento da opinião, se tivesse feito aquilo que um órgão de comunicação social deveria fazer - trabalhar a informação, editá-la e divulgá-la por um critério de interesse público que entrasse em conta com outros interesses igualmente presentes nestes documentos É o caso da protecção das fontes do risco pessoal que podem correr com estas "revelações", evitando atingir sem utilidade pessoas e organizações apenas por mexericos que em nada melhoram a nossa informação sobre a realidade, e, acima de tudo, a corrosão da diplomacia, uma actividade fundamental para as relações internacionais e a manutenção da paz, neste caso a diplomacia "ocidental" no seu conjunto. A quebra de confidencialidade de um tão grande número de documentos significa uma enorme devastação para a diplomacia americana e uma perda importante para a actividade diplomática tout court.


S E C R E T STOCKHOLM 000194  

SIPDIS  S/CT SHARRI R. CLARK  

 
 E.O. 12958:  DECL: 03/20/2019 TAG PTER, PGOV, ASEC, EFIN, ENRG, KCIP, SW 

SUBJECT:  SWEDEN: CI/KR RESPONSE FOR S/CT  

REF: SECSTATE 15113  

Classified By: CDA  Robert Silverman for reasons: 1/4 (B), (D), (E), and (G)  


A Administração americana, agora na era de descompressão de Obama, sofre também de uma crise na sua credibilidade e fiabilidade. A Administração americana já devia saber, por razões bem mais negras do passado recente, que a facilidade de manter grande número de dados em bases electrónicas mesmo com um acesso muito restrito, - o que não era o caso da base onde estavam estes telegramas - tem o preço de permitir operações de cópia maciça para um suporte electrónico que facilmente permitem desviar não centenas mas muitas dezenas de milhares de documentos. Enquanto o "arquivista" Mitrokhin andou penosamente anos a fio a passar documentos à mão nos arquivos do KGB, já Aldrich Ames, o grande traidor da CIA, passava com facilidade milhares de documentos em disquetes, mesmo sem fazer qualquer triagem, que entregava aos seus controladores soviéticos. Registe-se, no entanto, que a natureza dos documentos divulgados pelo WikiLeaks não é a de serem documentos de intelligence, mas documentos cuja sensibilidade é menor, mesmo quando usam a classificação de "secreto" e "secreto/não disseminável a estrangeiros". De qualquer modo, os estragos vão ser muito difíceis de reparar. Sem segredo e confidencialidade muito do reporting das embaixadas é impossível, o que significa que o receio da perda da confidencialidade levará a uma enorme retracção na franqueza das conversas que embaixadores, governantes, personalidades com influência travam entre si, mesmo sabendo que elas são relatadas pelos canais diplomáticos habituais.

 
 
VZCZCXRO3981
PP RUEHDE RUEHDIR
DE RUEHKU #0110/01 0361636
ZNY SSSSS ZZH
P 051636Z FEB 09
FM AMEMBASSY KUWAIT
TO RUEHC/SECSTATE WASHDC PRIORITY 2777
INFO RUEHZM/GULF COOPERATION COUNCIL COLLECTIVE PRIORITY
RHEHNSC/NSC WASHDC PRIORITY
RHMFISS/HQ USCENTCOM MACDILL AFB FL PRIORITY
RHBVAKS/COMUSNAVCENT  PRIORITY


Dito isto, eu não ponho em causa que possa haver interesse público, logo justificação, na divulgação de alguns documentos. Nos documentos revelados pelo WikiLeaks há muitas "histórias" jornalísticas fidedignas e muita história para fazer a prazo. Mas isso só é válido se os documentos forem entendidos como "fonte" e não como produto final, porque entender os documentos em si mesmo como sendo as "revelações" é o mesmo que considerar que imagens não editadas são jornalismo televisivo. Este trabalho começa agora e ainda é difícil fazer uma apreciação do valor do seu conteúdo, visto que apenas um pequeno número de telegramas diplomáticos foram divulgados. Analisando o seu conteúdo, não parece haver muitas surpresas, nem factos verdadeiramente novos. Só novatos nas relações internacionais é que se espantam pelos sauditas e os xeques do Golfo Pérsico temeram um Irão nuclear ao ponto de o quererem bombardear, numa sintonia com os israelitas que tem da mesma origem: a bomba nuclear iraniana está virada contra eles e árabes não são persas e sunitas não são xiitas. Que Berlusconi faz "festas selvagens" só pode ser um eufemismo. Que o poder de Putin é mafioso só pode surpreender quem não conheça a história da Rússia que começou nas célebres distribuições familiares do tesouro de bens da ex-URSS de Ieltsin. Que a política externa alemã não é das mais sofisticadas também não é uma grande surpresa. Por aí adiante.

Mas, pelo que já se conhece, a diplomacia americana hoje não parece ser especialmente mefistofélica, nem tão "realista" como era no tempo de Kissinger (quando se puder comparar telegramas entre administrações vai-se perceber) e a qualidade do reporting das embaixadas americanas, sendo irregular, não parece medíocre, bem pelo contrário. Tomara eu que o mesmo se passasse por cá.

Mas, como disse, a procissão ainda está no adro.

(Versão do Público, 4 de Dezembro de 2010.)

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1920 - Winter Memories

Within the circuit of this plodding life
There enter moments of an azure hue,
Untarnished fair as is the violet
Or anemone, when the spring stew them
By some meandering rivulet, which make
The best philosophy untrue that aims
But to console man for his grievences.
I have remembered when the winter came,
High in my chamber in the frosty nights,
When in the still light of the cheerful moon,
On the every twig and rail and jutting spout,
The icy spears were adding to their length
Against the arrows of the coming sun,
How in the shimmering noon of winter past
Some unrecorded beam slanted across
The upland pastures where the Johnwort grew;
Or heard, amid the verdure of my mind,
The bee's long smothered hum, on the blue flag
Loitering amidst the mead; or busy rill,
Which now through all its course stands still and dumb
Its own memorial, - purling at its play
Along the slopes, and through the meadows next,
Until its youthful sound was hushed at last
In the staid current of the lowland stream;
Or seen the furrows shine but late upturned,
And where the fieldfare followed in the rear,
When all the fields around lay bound and hoar
Beneath a thick integument of snow.
So by God's cheap economy made rich
To go upon my winter's task again.

(Henry David Thoreau)

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5.12.10


HOJE DE NOVO  



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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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1919 - Vem, vento, varre

A José Rodrigues Miguéis

Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
nocturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só cobardia.

Que fique apenas
erecto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.

Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre!

(Adolfo Casais Monteiro)

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© José Pacheco Pereira
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