ABRUPTO

6.7.10

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COISAS DA SÁBADO: CADA VEZ MENOS LIBERDADE

Seja como for, por detrás da confusão há muito desespero (do Ministro das Finanças), há muito cansaço (do Governo todo), muita raiva (do Primeiro-ministro) e esta combinação produz impulsos perigosos. Um deles é tentar perseguir o último tostão, no último bolso, daqueles que ainda têm uma economia formal, esforçam-se por poupar, colocam dinheiro nos bancos, pagam impostos, declaram ao fisco e por isso são vítimas privilegiadas do desespero do estado. A liberdade de cada um, que Aristóteles sabia que estava ligada à independência pessoal e esta à propriedade, está a ser devastada dia a dia a pretexto da crise. E conhecendo-se bem os nossos costumes, até podemos vir a sair da crise, ou pelo menos do mais agudo da crise, mas os maus hábitos de um estado espoliador, permanecerão como critérios normais de controlo do cidadão. Há no estado português uma pulsão para uma espécie de Big Brother pobre, que se torna cada vez mais absoluto sem verdadeiramente querer ser absoluto, movido pela necessidade e pelos maus hábitos e por uma imensa, gigantesca falta de cultura de liberdade e de respeito pelos cidadãos. A que se soma a apatia generalizada dos cidadãos. Agora tudo parece justificado pela crise, impostos retroactivos, impostos sem autorização parlamentar, espionagem bancária, etc., etc., mas na verdade começou quando o fisco e a ASAE se tornaram armas do Primeiro-ministro para mostrar um show de determinação que se revelou pouco mais do que o autoritarismo da asneira e o vigor da amoralidade. Cada dia, há menos liberdade e a história mostra que, em tempos como estes, essa falta de liberdade, meia abusiva, meia consentida, está para lavar e durar.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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HOJE DE NOVO NO 

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As faixas, cartazes, outdoors, e outras formas de propaganda política e sindical colocados nas cidades (e nalguns casos mesmo em aldeias) permitem um retrato da “temperatura” social e política do país. De novo, como acontece com estas manifestações mais efémeras, mas nem por isso menos significativas da actual situação do país, ninguém as recolhe de forma sistemática. Faço por isso um apelo aos leitores e amigos do EPHEMERA que me enviem, ao exemplo do que aconteceu nas últimas eleições autárquicas  fotografias desta particular “paisagem” nas suas terras para aqui ficar registada.

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS

1831 - Agamemnon In The Fight [Iliad, B. XI. V. 148]

These, then, he left, and away where ranks were now clashing the thickest,
Onward rushed, and with him rushed all of the bright-greaved Achaians.
Foot then footmen slew, that were flying from direful compulsion,
Horse at the horsemen (up from off under them mounted the dust-cloud,
Up off the plain, raised up cloud-thick by the thundering horse-hooves)
Hewed with the sword's sharp edge; and so meanwhile Lord Agamemnon
Followed, chasing and slaughtering aye, on-urgeing the Argives.


Now, as when fire voracious catches the unclipped woodland,
This way bears it and that the great whirl of the wind, and the scrubwood
Stretches uptorn, flung forward alength by the fire's fury rageing,
So beneath Atreides Agamemnon heads of the scattered
Trojans fell; and in numbers amany the horses, neck-stiffened,
Rattled their vacant cars down the roadway gaps of the war-field,
Missing the blameless charioteers, but, for these, they were outstretched
Flat upon earth, far dearer to vultures than to their home-mates.

(George Meredith)

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5.7.10


ERUDIÇÕES
(François Bonvin)

A erudição é definida pelo Webster como "extensive knowledge acquired chiefly from books: profound, recondite, or bookish learning". Escolhi uma definição de dicionário americano, porque os americanos são muito matter of fact nestas coisas e vão ao cerne da questão sem delongas. Ou seja, escolhi o menos erudito dos dicionários para começar a falar de erudição.

Trabalhando no Oxford English Dicitionary.

O conhecimento "aprendido dos livros", elemento fundamental de toda a erudição, não está propriamente no top de coisa nenhuma. A erudição é hoje um completo anacronismo e é vista como uma coisa obsoleta, inútil, desligada da realidade, oposta ao verdadeiro saber e um obstáculo a esse mesmo saber. Como em tudo, a erudição tem os seus excessos de pormenor e detalhe tão cheios de pulsão fractal, que Mandelbrot reconheceria como uma forma especial de matemática. Jorge Luis Borges, que era não só um erudito como um amador de erudição, um entusiasta da erudição e o grande ficcionista da erudição, retratou na sua loucura de mansarda ou biblioteca, caverna ou gabinete, com personagens que se consumiam dia a dia à procura de uma qualquer perfeição totalitária impossível de atingir. Pierre Menard, o autor do Quixote, é talvez o mais fabuloso retrato borgeano dessa procura de absoluto que acaba por resultar num Quixote em tudo idêntico ao original, mas "melhor". O sonho de absoluto que anima toda a erudição, saber tudo sobre tudo, é no fundo vão, mas nunca ninguém viu um genuíno erudito desistir, a não ser pela loucura. Loucura mansa de um modo geral, por isso os eruditos vivem no meio de nós como uma espécie em extinção.

A má fama portuguesa da erudição não é só de agora. Eça de Queirós gozava com o seu Topsius, uma encarnação do sábio alemão, uma figura popular de caricatura da época, quando eram os alemães e as universidades alemãs as grandes fontes dessa forma peculiar de saber que era a erudição na sua forma mais absoluta: a do conhecimento total, a da enciclopédia. Os ingleses fizeram o Oxford English Dictionary, sem dúvida uma grande obra de erudição, mas os alemães não se ficavam pela sua língua, queriam o mundo todo, o Kosmos de Humboldt, e a sucessão imensa de volumes eruditos que as grandes universidades alemães produziram desde o século XIX, listagens de inscrições clássicas, edições críticas, inventários, catalogues raisonnés, bibliografias, dicionários de línguas, biográficos, bibliográficos, etc., enciclopédias, estudos de fontes, seja o que for que seja detalhado até ao limite absoluto da vontade de nada deixar de fora, de serem obras completas, repositórios do saber e nomenclaturas completas de tudo o que existe sobre a terra, seja papiros ou insectos, ícones ou pinturas rupestres, bolores ou igrejas bizantinas. Por isso, a erudição dá grandes classificadores como Lineu, ou gente capaz de organizar uma realidade complexa num quadro simples que faz avançar a ciência de passos de gigante imediatos, como Mendel, ou como a tábua dos elementos de Mendeliev. Mendeliev é típico: interessava-se por economia, meteorologia, hidrodinâmica, e por vários ramos da química, incluindo a parte estritamente tecnológica e industrial, para além de ser um bígamo, especialista em vodka.


Por cá, a coisa já teve muitos e sólidos cultores. Olho ali para o Dicionário Bibliográfico do Inocêncio, uma obra de uma vida. E para Alexandre Herculano, Gama Barros, Leite de Vasconcelos, Carolina Michaelis, até Michel Giacometti e alguns mais. Todos passaram a vida obcecados por um assunto, um saber, um fragmento de realidade que sem eles desapareceria de vez. Incluí deliberadamente Michel Giacometti, porque, sem ele e Lopes Graça, tudo o que era a música popular tradicional portuguesa teria desaparecido. Pura e simplesmente, desaparecido. Tentaríamos, fragmento a fragmento, recuperar qualquer coisa dessa parte da nossa identidade, mas teríamos, quando muito, um filme quase mudo sobre canções que não conseguiríamos ouvir. Mas há mais: todos trabalharam imenso, porque a erudição é das coisas mais trabalhosas que há. Exige persistência, dedicação quase absoluta, e um teor de vida bastante associal.

(Recibo de compra de livros por Inocêncio Francisco da Silva. Quer Inocêncio quer Brito Aranha, que continuou os seus trabalhos, eram essencialmente autodidactas, fizeram as suas obras fora da Universidade e no essencial com os recursos do seu próprio bolso.)

Meia dúzia de cultores portugueses continua essa velha tradição, acantonada num cada vez maior isolamento, quando não incompreensão, em áreas do saber mais ou menos arcanas e que nunca chegam aos holofotes dos média. Felizmente para elas, mas infelizmente para os que, por desconhecerem o que se passa nesses ambientes "dos livros", ignoram também a riqueza do que lá está. Três casos são exemplares dessa pulsão do erudito pela sua forma peculiar de saber e dos meios onde ele sobrevive, com a força de ser... saber. Um é o de José de Pina Martins, um bibliófilo recentemente falecido, um dos maiores especialistas mundiais em Pico della Mirandola, e no humanismo renascentista, de Erasmo, e Thomas Moore. Pico della Mirandola tinha aliás a fama de ser o último homem do mundo que sabia tudo, um verdadeiro patrono para os eruditos. Pina Martins conhecia a edição renascentista livro a livro e, quando digo livro a livro, era mesmo assim. Olhava para eles e sabia tudo, quem o fizera, onde fora editado, e, mais importante, se era qualquer variante até então desconhecida, qualquer edição ignorada de alguns dos seus maiores ou menores renascentistas.

Outro erudito cuja área de saber comunica com a de Pina Martins é o Professor Martim de Albuquerque, recentemente homenageado na Faculdade de Direito, erudito, especialista na história do Direito, estudioso da história das ideias políticas e da cultura portuguesa. Os seus livros são um prazer para qualquer erudito, com as páginas repletas de notas, muitas vezes com duas linhas de texto, e uma página inteira de notas a essas duas linhas. Eu sei que isto irrita muita gente, que vê aqui uma espécie de perversão do saber, e há toda uma escola de pensamento anglo-saxónica que abomina exactamente este tipo de práticas, apresentando um texto limpo e uma anexo bibliográfico sucinto. Uma tradição oxoniense vai nesse sentido, mas uma parte do interesse dos estudos como o recentemente publicado sobre Campanella é exactamente a interpretação transportar atrás de si todo o discurso passado sobre um autor, que não só legitima as conclusões como transporta outras presenças. Eu gosto de notas.

Aliás, outro autor que irritava muitos era Vasco de Magalhães Vilhena, que colocava notas em grego (o que ainda pareceria justificável para um dos maiores especialistas em Sócrates) , a que acrescentava notas em russo, a que não era alheio o facto de ser comunista, mas confrontando os seus adversários, como António Sérgio, com um mundo que eles não dominavam. Era também maldade, mas no erudito a soberba é uma permanente ameaça.

Por último, para elogio e divulgação da erudição contemporânea em Portugal, há o projecto da Classica Digitalia, da Universidade de Coimbra . Poucas áreas existem que mais perderam com a progressiva desaparição da componente humanística do saber nos curricula académicos do que os estudos clássicos. O conhecimento do grego e do latim, que eram até há algum tempo condição sine qua non para se "entrar" em Filosofia (no meu tempo, era o Alemão para o Direito e o Grego para a Filosofia, isto no liceu, sim no liceu...), são hoje meras opções facultativas que atraem apenas uma minoria de uma minoria. O corte com as línguas clássicas empobreceu significativamente todo o conhecimento clássico, mesmo quando aumentou o número de traduções de qualidade de textos antigos.


Por tudo isto, a Classica Digitalia é um trabalho de muito mérito e, como sempre acontece com os clássicos, não há texto que morra de caducidade, mas estão lá vivos e absolutamente actuais. Leiam-se os últimos publicados na Classica Digitalia, as Obras Morais de Plutarco, seja o Como Distinguir um Adulador de um Amigo, o Como Retirar Benefício dos Inimigos, o Acerca do Número Excessivo de Amigos, e o Sobre o Afecto aos Filhos, entre muitos outros textos, e tudo está lá perfeito. Leiam-nos no Portugal de 2010, como esta descrição de Plutarco sobre "o homem que confessa um amor desmesurado por si mesmo" (...). De facto, ele contradiz sempre o princípio "conhece-te a ti mesmo", desenvolvendo em cada um o engano, e mesmo a ignorância, não só sobre si próprio, mas também sobre as coisas boas e as coisas más que lhe dizem respeito, tornando as primeiras imperfeitas e inacabadas, e as segundas completamente impossíveis de corrigir."

Depois venham dizer-me que isto está ultrapassado.

(Versão do Público de 3 de Julho de 2010.)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1830

"Je vis du jour à la journée, et me contente d'avoir de quoi suffire aux besoins présents et ordinaires ; aux extraordinaires toutes les provisions du monde n'y sauraient suffire."

(Montaigne, Essais.)

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4.7.10


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1829 - The Lake Isle

O God, O Venus, O Mercury, patron of thieves,
Give me in due time, I beseech you, a little tobacco-shop,
With the little bright boxes
piled up neatly upon the shelves
And the loose fragment cavendish
and the shag,
And the bright Virginia
loose under the bright glass cases,
And a pair of scales
not too greasy,
And the votailles dropping in for a word or two in passing,
For a flip word, and to tidy their hair a bit.

O God, O Venus, O Mercury, patron of thieves,
Lend me a little tobacco-shop,
or install me in any profession
Save this damn'd profession of writing,
where one needs one's brains all the time.

(Ezra Pound)

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© José Pacheco Pereira
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