ABRUPTO

12.6.10

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EARLY MORNING BLOGS

1816

Every mind has a choice between truth and repose. Take which you please you can never have both.

(Ralph Waldo Emerson)

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9.6.10


O TRATADO DE LISBOA COMO PAPEL PINTADO



Para quem, já há alguns anos, tem escrito sobre a crise do processo europeu, a situação crítica actual da Europa não me espanta. Não há felicidade para ninguém neste acertar, mas os críticos do processo que se iniciou com a chamada Constituição Europeia e que culminou no tratado salvífico de Lisboa tinham toda a razão e os euro-entusiastas, bem pelo contrário, não tinham razão nenhuma.

Mas, como é costume, nada aprenderam da sucessão de falhanços a que conduziram o projecto europeu, que se encontra no limiar da extinção quando mais preciso é, e querem de novo aplicar o mesmo veneno a que puseram o rótulo de remédio. Essa medicina aplicada por um médico louco, que nada sabe de história, nem da política enquanto relação de poder, dominado por ideias feitas de utopismo vulgar e de desejo olimpiano de um Paraíso na terra, cheio desta pressa insensata e imprudente que tomam por "progressismo", é a de pretenderem mais um upgrade político da Europa. Não aprenderam nada com o fracasso da mesma repetida tentativa de engenharia política abstracta, que tirou toda a força a um projecto que os seus fundadores sabiam só poder ser feito de "pequenos passos", entre países unidos pelos seus interesses comuns e por uma igualdade virtual, mas que funcionava como virtuosa.

Com a Constituição quiseram fazer um proto-país, com hino e bandeira, que, como não era desejado nem pelos povos, nem verdadeiramente por muitos governos, acabou às mãos de um diligente canalizador polaco. Com o Tratado de Nice assustaram-se porque apareceu à luz do dia (e da longa noite de deliberações) a incongruência do upgrade, mas os euro-entusiastas, em vez de ponderarem sobre a tenacidade dos factos e da realidade, quiseram ultrapassá-la com dolo. O Tratado de Lisboa foi o melhor exemplo desse dolo, reconstruindo de forma disfarçada a Constituição chumbada em referendos e utilizando diversas artimanhas para não correr o risco de novo chumbo. Um documento assim feito não resiste à primeira crise a sério, porque o dolo não sobrevive aos problemas que ele pretendia iludir. E a situação actual mostra como, apesar das múltiplas fanfarras, declarações, pressões sobre os recalcitrantes, fogo-de-artifício, assinaturas colectivas em cenários feéricos, discursos inflamados e um "porreiro pá", a Europa que finalmente, na voz dos seus propagandistas, acabava de ser dotada de um "governo" capaz e de mecanismos de eficácia assentes em maiorias e minorias, se mostrou completamente impotente para lidar com uma crise económica, social e financeira que estava "escrita nas estrelas". O Tratado de Lisboa foi a mais completa inexistência desta crise. Ninguém o invocou, ninguém o utilizou, ninguém sequer reparou que ele existia. Apenas papel pintado com letras.

Os que clamam agora por um governo europeu - mais um upgrade neste caso vindo dos que ficaram na situação de estender a mão à Alemanha - têm, a seu favor, pelo menos algum realismo, visto que estão a propor o que já há. Fazem-no no desespero de serem deixados apenas aos inúteis mecanismos do Tratado de Lisboa, que não os protegem se ninguém estiver disposto a pagar a factura dos seus erros e incompetências e de viverem há tempo de mais acima das suas posses. Aflitos com o facto de terem que pagar sozinhos os excessos que cometeram, agarram-se agora a um governo europeu que pensam lhes dará protecção in extremis e lhes permitirá manter os vícios, como uma província pobre do império a que se permite viver mediocremente do orçamento da capital e do Norte industrial.

Só que, a haver um governo europeu, ele será alemão e parece pouco provável que a Alemanha continue disposta a ter o papel de pagar eternas reparações de guerra sob forma de contribuições líquidas para o orçamento comunitário, mais a pagar as Grécias que existem na Europa, e a arrastar com custos para a sua economia e para o bem-estar material dos seus concidadãos, com origem numa periferia que tudo recebeu e que quase tudo desaproveitou. Teve a sua oportunidade e atirou-a às malvas do consumo e da megalomania dos governos. Não se reformou, não se reestruturou, e abandonou qualquer ideia de esforço a favor do consumo imediato. De europeu só teve expectativas elevadas de consumo, nenhuma exigência de rigor e de trabalho. Isso ficou para os boches comedores de salsichas e que se levantam às 6 da manhã. É por isso que os euro-entusiastas clamam contra a "traição de Angela Merkel", contra a sua "mesquinhez" e "falta de arrojo europeu", como se a riqueza alemã fosse o poço sem fundo da falência das várias Grécias que por aí andam.

Está pois tudo num impasse e num impasse perigoso. Esse impasse é estrutural, visto que por detrás da "crise mundial" que só se "vive uma vez na vida", está na Europa a crise há muito anunciada do chamado "modelo social". A Europa já há muito que estava a deixar de ser competitiva, com uma mão-de-obra com salários e garantias desproporcionados em relação à situação de uma economia globalizada, uma Europa que colectivamente gasta o grosso do seu orçamento a manter uma agricultura subsidiada e irracional na sua produção, ao mesmo tempo que fecha as suas portas ao comércio livre de produtos agrícolas, uma Europa governada cada vez mais por uma burocracia sediada em Bruxelas que se alimenta a si própria na melhor tradição da Lei de Parkinson, e que acha que os parlamentos nacionais são um obstáculo ao "progresso" iluminista que ela própria representa. Uma Europa onde a demografia criará uma sociedade de velhos que não sustentará a segurança social dos que hoje lhes pagam as reformas. Uma Europa impotente internacionalmente, sem defesa e insegura, em que todas as piores ideias se disfarçam de grandes palavras francesas e de retórica plangente dos aflitos que viram o mundo mudar nos últimos quinze dias.

Não sabemos o que fazer? Sabemos, sabemos até muito bem. Mas como isso significa tanta mudança profunda, tanta inversão nas relações de poder, num contexto de empobrecimento real e sem esperança viável para pelo menos uma década, que mais vale continuar a retórica e esperar por um milagre. Até um dia.

(Versão do Público de 5 de Junho de 2010.)

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8.6.10

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1815

La vie est courte et c'est péché de perdre son temps. Je suis actif, dit-on. Mais être actif, c'est encore perdre son temps, dans la mesure où l'on se perd. Aujourd'hui est une halte et mon coeur s'en va à la rencontre de lui-même. Si une angoisse encore m'étreint, c'est de sentir cet impalpable instant glisser entre mes doigts comme les perles de mercure. Laissez donc ceux qui veulent tourner le dos au monde. Je ne me plains pas puisque je me regarde naître. À cette heure, tout mon royaume est de ce monde.

(Camus, L'envers et l'endroit.)

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7.6.10


PONTO / CONTRAPONTO

- 30

Aqui.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO: A CONDIÇÃO DE POLÍTICO EM TEMPOS DE AUSTERIDADE

Nos momentos como o que vivemos, de enormes dificuldades para os portugueses, a mais impopular das afirmações é esta: o problema dos salários dos políticos é um problema de estado e só a falta de homens de estado e a abundância de politiqueiros permite trata-lo ao nível mais rudimentar da demagogia e do populismo. Explico-me para alimento de muitas fúrias: a contínua degradação dos salários e das condições do exercício de cargos políticos tem um efeito perverso na qualidade da democracia portuguesa: atrai apenas para o exercício de funções aqueles para quem salários ao nível de um quadro inferior de uma empresa privada, são atractivos, ou que nunca tiveram emprego e fizeram apenas carreira política, ou, pior ainda, os que são ricos ou vendem influência e para quem o acesso à vida política é uma vantagem competitiva em certas profissões, advogados lobistas, por exemplo. As excepções confirmam a regra.

Claro que muito pouca gente vê as coisas assim, e prefere, ao fim de duas capas de um qualquer jornal tablóide, ou de uma petição na Internet, mostrar logo que são mais papistas do que o papa e apelam a que os políticos “dêem o exemplo”, cortando salários e regalias, algumas puramente protocolares e cujo efeito é a degradação do lugar da política democrática, na hierarquia do estado, permitindo a subversão das relações de dependência institucional. Ao fazê-lo, sempre de modo pontual e ao sabor do populismo, esquecem-se de uma coisa: o populismo nunca se satisfaz, cortem 5 que pedem 15, cortem 15, que pedem 25. É que a lógica do populismo é o de um ataque às instituições e aos políticos em democracia e não combater qualquer excesso ou desequilíbrio que merecesse correcção. Outra coisa que estes populistas esquecem é que nunca qualquer corte tem retorno, como se viu desde o tempo de Cavaco Silva, que também fez esta política punitiva dos políticos em democracia, como se eles tivessem um ónus especial de culpa e nunca quem neles vota ou os escolhe. Esta rasoira dirigida a todos, por serem políticos em democracia, tem também o efeito de diluir responsabilidades e culpas, metendo todos no mesmo saco. Sucede que, como se passa com a crise actual, meter todos no mesmo saco é a melhor maneira de continuar a fugir de responsabilidades cujo apuramento é um elemento fundamental do debate público.

Acresce que esta maneira de tratar as questões de forma auto-punitiva e ao sabor das conjunturas impede de considerar racionalmente os salários e regalias no exercício de cargos políticos com um critério estrutural: associar o seu valor ao da função pública, começando no Presidente da República e depois aplicar a ratio resultante para os outros cargos. E numa democracia essa relação faz-se pelo topo da função pública, para permitir a normal cadeia hierárquica que deve existir no estado e que também passa pelo salário. E depois o destino é comum: sobem os salários na função pública, sobem os dos cargos políticos, descem, descem todos, mas o critério permanece sempre estrutural e associado a uma ideia do estado democrático. O mesmo se passa com outras regalias que devem ser equilibradas com a de outros funcionários, como por exemplo os diplomatas, ou com os lugares do topo da carreira administrativa. Esta relação foi inicialmente pensada nestes termos mas ao primeiro aumento que houve do topo da função pública foi suspensa por Cavaco Silva, até hoje.

Isso não faz de governantes e deputados funcionários públicos, que não são, mas torna a questão do seu salário em algo de estruturalmente consistente e não excepcional. Isto significa também que regalias despropositadas, ou que não tenham a ver com o carácter especial da função (o que não é o caso da imunidade parlamentar, fundamental num parlamento democrático), devem ser abolidas. Deve de facto haver austeridade e austeridade para todos, pesando mais naqueles que mais tem e podem, o que significa também os políticos. Mas apenas porque tem rendimentos muito superiores aos portugueses e em conjunto com os que tem os mesmos rendimentos. Pode até ir mais longe do que se foi, mas também para todos que estão na mesma condição. Começar a tratar os salários dos cargos políticos de forma excepcional, para “dar o exemplo”, é participar num assalto populista e demagógico à democracia, que já custa muito caro aos portugueses e vai custar ainda mais. Só que desses custos ninguém fala.

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EARLY MORNING BLOGS

1814 - On the Grasshopper and Cricket

The poetry of earth is never dead:
When all the birds are faint with the hot sun,
And hide in cooling trees, a voice will run
From hedge to hedge about the new-mown mead;
That is the Grasshopper’s—he takes the lead
In summer luxury,—he has never done
With his delights; for when tired out with fun
He rests at ease beneath some pleasant weed.
The poetry of earth is ceasing never:
On a lone winter evening, when the frost
Has wrought a silence, from the stove there shrills
The Cricket’s song, in warmth increasing ever,
And seems to one in drowsiness half lost,
The Grasshopper’s among some grassy hills.

(John Keats)

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6.6.10


COISAS DA SÁBADO: O PAÍS DA TROMBETA

Daqui a uns dias uma trombeta usada pelos negros sul-africanos nos jogos de futebol locais, a vuvuzela, vai tornar-se parte do nosso retrato colectivo, com os portugueses a berrar pelo tubo uns sons parecidos com os urros dos elefantes. Se estiver a dormir junto de uma rua daquelas onde se bebe até tarde e a más horas vai passar a ter manadas de elefantes a correrem debaixo da sua janela. Não, não está a sonhar, são mesmo os pequenos portugueses a soprar furiosamente na sua vuvuzela a ver se ficam grandes elefantes e esmagam os competidores futebolísticos que se ficam apenas pelo miserável pífaro, sendo certo que com uma humilde flauta sempre se pode ser Papageno e cativar a sua amada Papagena em vez de sofrer de elefantíase. Mas somos o que somos, e soprar na vuvuzela, depois do sobressalto patriótico de há uns anos a acenar com bandeiras com pagodes chineses e a gritar a nossa haka nacional, como fizeram os Lobos do rugby, está conforme com a derivação dos nossos costumes em períodos de crise. Vamos ser o país da trombeta, meio zulus, meio xhosas, muito cheios de ar, o povo ideal para períodos de submissão externa, cheio de plasmas comprados a crédito que ninguém sabe como vão ser pagos, e convenientemente adormecidos da crise pelo mais eficaz ópio dos dias de hoje: o futebol patriótico. Por isso , a vuvuzela foi um grande achado.

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EARLY MORNING BLOGS

1814



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© José Pacheco Pereira
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